Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 05/12/2014
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000144-53.2013.4.03.6125/SP
2013.61.25.000144-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal PEIXOTO JUNIOR
APELANTE : GORAN DUKIC reu preso
ADVOGADO : SP119355 ADRIANO CARLOS (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00001445320134036125 1 Vr OURINHOS/SP

EMENTA

PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. COMPETÊNCIA. PROVA. PENA. GRADUAÇÃO. CAUSAS DE AUMENTO DE PENA DO ARTIGO 40, INCISOS I E V, DA LEI 11.343/06. REGIME DE CUMPRIMENTO. SUBSTITUIÇÃO DE PENA.
- Circunstância do tráfico com o exterior que funciona como elemento de fixação da competência não no quadro naturalístico de sua comprovação mas no aspecto formal da imputação. Precedentes.
- Materialidade e autoria dolosa provadas no conjunto processual.
- Quantidade da droga apreendida que por si só não permite concluir que se destinava somente a consumo pessoal. Pretensão de desclassificação para o delito do artigo 28 da Lei 11.343/06 afastada.
- Circunstâncias judiciais que não autorizam a graduação da pena-base acima do mínimo legal.
- Afastada qualquer possibilidade de incidência da atenuante da confissão espontânea, uma vez que não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal. Súmula 231 do E. STJ.
- Circunstância da transnacionalidade que restou devidamente comprovada e que se caracteriza pela execução potencial (restrita ao território de um país mas destinada a operar efeitos em outro) ou efetiva do delito abrangendo o território de mais de um país. Causa de aumento de pena por suposto tráfico entre Estados aplicada na sentença que se afasta, avultando no caso o ânimo de tráfico transnacional e não propriamente da remessa do entorpecente de um Estado para outro, assim do ponto de vista da abrangência territorial do delito o fato já sendo punido mais gravemente pela transnacionalidade e descabendo mais acréscimo de pena por implicar em "bis in idem". Aumento que se mantém apenas pela transnacionalidade, reduzindo-se o percentual ao mínimo legal.
- Fixado o regime aberto para início de cumprimento de pena em vista da declaração incidental de inconstitucionalidade do §1º do artigo 2º da Lei 8.072/90, na redação dada pela Lei 11.464/07, pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do "habeas corpus" nº 111.840, e da ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis a justificar a fixação de regime de maior rigor na forma do artigo 33, §3º, do Código Penal.
- Reformada a sentença no tocante à substituição de pena tendo em vista que o Senado Federal, nos termos do artigo 52, inciso X, da Constituição Federal, editou a Resolução nº 05/2012, suspendendo a execução da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos" do §4º do artigo 33 da referida lei, declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal nos autos do "habeas corpus" nº 97.256/RS, também porque atendido o requisito do limite de pena e porquanto não é o réu reincidente em crime doloso e não há circunstâncias judiciais desfavoráveis.
- Indeferido pedido de restituição de bens formulado pelo réu. Inteligência do artigo 118 do Código de Processo Penal.
- Recurso da defesa parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso para reduzir a pena-base e afastar o aumento da interestadualidade, mantendo-se o aumento apenas pela transnacionalidade e reduzindo-se o percentual ao mínimo legal, fixar o regime aberto para início de cumprimento de pena e substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, com expedição de alvará de soltura clausulado, e indeferir o pedido de restituição de bens, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 25 de novembro de 2014.
Peixoto Junior
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000144-53.2013.4.03.6125/SP
2013.61.25.000144-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal PEIXOTO JUNIOR
APELANTE : GORAN DUKIC reu preso
ADVOGADO : SP119355 ADRIANO CARLOS (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00001445320134036125 1 Vr OURINHOS/SP

RELATÓRIO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PEIXOTO JUNIOR: - Goran Dukic foi denunciado como incurso nos artigos 33, "caput" c.c. 40, incisos I e V, da Lei 11.343/06, descritos os fatos nestes termos pela denúncia que como apresentada se transcreve:


"No dia 09 de fevereiro de 2013, por volta das 17h50min, no Km 310 da Rodovia SP 225 (Eng. João Batista Cabral Renó), próximo à base da Polícia Rodoviária Estadual, município de Santa Cruz do Rio Pardo, o denunciado GORAN DUKIC, foi surpreendido quando trazia consigo, sem autorização, durante viagem de ônibus, aproximadamente 1,23 Kg (um quilo e vinte e três decagramas) de substância entorpecente vulgarmente conhecida como "cocaína", conforme laudo pericial de fls. 13/15, que havia importado da Bolívia.
Segundo se apurou, no dia dos fatos, o denunciado foi preso em flagrante por agentes da Polícia Rodoviária Federal, quando, durante fiscalização de rotina, abordaram-no no ônibus da Viação Mota, placas BWY-2298, originário de Campo Grande/MS, com destino a São Paulo/SP, com a droga acima mencionada, que estava homiziada em suas vestes.
Os relatos policiais dão conta de que, ao ingressarem na parte interna do veículo, os agentes públicos se dirigiram aos fundos do ônibus, observando todos os passageiros. Desconfiados da conduta do acusado - que fingia estar dormindo -, bem como do estilo de seus trajes (blusão, bermuda e chinelo), empreenderam revista pessoal, o que ensejou a localização do entorpecente.
Após a prisão, GORAN DUKIC relatou ao PRFs que vinha da Bolívia, onde recebera a droga, tendo ingressado em território nacional no dia 08.02.2013, pretendendo levar o entorpecente escamoteado em suas vestes até São Paulo, SP, de onde embarcaria com destino à França.
A materialidade do tráfico está comprovada por Auto de Apresentação e Apreensão (fls. 08) e Laudo Pericial n° 026/2013- UTEC/DPF/MII/SP (fls. 13/15), tendo este indicado, ainda que provisoriamente, que a droga trazida pelo denunciado é cocaína, constatação que será oportunamente confirmada com a apresentação de laudo definitivo.
A autoria do delito do denunciado sobressai da prisão em flagrante de GORAN DUKIC. Vale lembrar que, a despeito de ter se mantido silente no interrogatório policial, a prática delitiva já havia sido minuciosamente relatada aos policiais captores.
De mais a mais, a versão epilogada coaduna-se à prova documental apreendida - passagem de ônibus (fl. 09), cartão de entrada no território nacional (fl. 10) e prenotações no passaporte de GORAN DUKIC (fls. 25) - que indica o roteiro percorrido pelo denunciado e, por consequência, a transnacionalidade do delito.
Do mesmo modo, está caracterizado o tráfico entre Estados da Federação, pois a droga aqui apreendida havia ingressado no território nacional pelo Estado do Mato Grosso do Sul, tendo por destino a cidade de São Paulo, Capital."

A sentença proferida é de condenação do acusado pelo delito capitulado na denúncia, com aplicação da causa de diminuição de pena do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/06, a dois anos, três meses e dois dias de reclusão, em regime inicial fechado, e duzentos e vinte dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo.

Recorre a defesa, no arrazoado que apresenta postulando a desclassificação para o delito do artigo 28 da Lei 11.343/06, também alegando ausência de transnacionalidade e incompetência da Justiça Federal, ainda pretendendo a aplicação da atenuante da confissão espontânea, bem como da causa de diminuição de pena do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/06 no seu percentual máximo, e a fixação de regime mais brando para o início de cumprimento de pena e sustentando o cabimento da substituição de pena.

Com contrarrazões subiram os autos.

O parecer ministerial é pelo desprovimento do recurso.

É o Relatório.

À Revisão.


Peixoto Junior
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000144-53.2013.4.03.6125/SP
2013.61.25.000144-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal PEIXOTO JUNIOR
APELANTE : GORAN DUKIC reu preso
ADVOGADO : SP239535 MARCO ANTONIO DO AMARAL FILHO
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00001445320134036125 1 Vr OURINHOS/SP

VOTO

Ao início, afasto a arguição de incompetência da Justiça Federal à base de questionamentos sobre a transnacionalidade do tráfico. A circunstância do tráfico com o exterior funciona como elemento de fixação da competência não no quadro naturalístico de sua comprovação mas no aspecto formal da imputação. É a imputação da circunstância feita pela acusação que determina a competência. Assim já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça: Conflito de Jurisdição nº 6210-79/MS, Rel. Ministro Cordeiro Guerra, DJU 21/12/79, p. 9661, RTJ 93/58; Conflito de Competência nº 1020/90, Rel. Ministro José Cândido de Carvalho Filho, DJU 21/05/90, p. 4425. Sem embargo disso observo que restou devidamente comprovada a transnacionalidade, conforme será oportunamente demonstrado.

Quanto ao decreto condenatório, anoto que ficou comprovada a materialidade do delito imputado pelo auto de apresentação e apreensão de fls. 08 e laudos de fls. 13/15 e 66/69, do mesmo modo a autoria, pelas evidências do flagrante ainda corroboradas pelos depoimentos das testemunhas ouvidas em juízo, quanto ao elemento subjetivo praticando o réu conduta significativa do ânimo de tráfico.

Também alega a defesa que "é caso de desclassificação para o crime de uso próprio, pois inexiste prova no presente procedimento, ou na denúncia, de fatos que demonstrem que o agente praticava o tráfico de entorpecentes".

No caso em exame, consoante o laudo de fls. 13/15, foi apreendida a quantidade de 1.230g (um mil, duzentos e trinta gramas) de cocaína, em forma de tabletes, envoltos em fita adesiva de cor bege, quantidade que por si só não permite concluir que se destinava a droga somente a consumo pessoal.

Destaco os seguintes precedentes da Corte de utilidade na questão:


"PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS (COCAÍNA E MACONHA) E IMPORTAÇÃO DE MEDICAMENTO SEM REGISTRO NA ANVISA (PRAMIL): ART. 33, CAPUT, C/C 40, I, DA LEI 11.343/06 E ART. 273, § 1º, B-1, DO C.P. EM CONCURSO FORMAL: MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. ALEGAÇÕES DE USO PRÓPRO DOS MEDICAMENTOS E DESCONHECIMENTO DE SEU TRANSPORTE E DAS DROGAS DISSONANTES DAS CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS E DE PROVA TESTEMUNHAL. DESCLASSIFICAÇÃO DE CRIME DO ART, 33 DA LEI DE DROGAS PARA O ART. 28: INVIABILIDADE. CONDENAÇÕES MANTIDAS. DOSIMETRIA DA PENA: PRIMARIEDADE E BONS ANTECEDENTES. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA: FUNÇÃO DETERMINANTE: ART. 42 DA LEI 11.343/06: PREVALÊNCIA: PENAS - BASE MANTIDAS ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. TRANSNACIONALIDADE CONFIGURADA. CAUSA DE REDUÇÃO DE PENA DO § 4º DO ART. 33 DA LEI DE DROGAS: APLICAÇÃO NO GRAU MÁXIMO AOS "MULAS": IMPOSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS NEGADA.
............................................................................................................................................................................................................................................
3. Impossibilidade de desclassificação da conduta do réu Deocely do art. 33 para o art. 28 da 11.343/06, diante da grande quantidade de droga apreendida (ainda que parte fosse destinada a uso próprio), além das circunstâncias da viagem dos réus e da prisão.
........................................................................................................................................................................................................................................"
(TRF3, ACR 0005161-98.2011.4.03.6106 , QUINTA TURMA, Relator: Desembargador Federal Antônio Cedenho, e-DJF3 Judicial 1 20/09/2012)
"PENAL. APELAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME CAPITULADO NO ART. 28 DA LEI 11.343/06, INTERNACIONALIDADE, CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA NOVA LEI, NA FRAÇÃO MÁXIMA E SUBSTITUIÇÃO POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO. ALEGAÇÕES E PEDIDOS REJEITADOS, À EXCEÇÃO DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA E DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE.
I. A quantidade da droga apreendida é apenas um, dentre outros, parâmetro à distinção entre traficância e consumo próprio. A quantia, no caso, é incompatível com o consumo. Ademais, manuscrito apreendido por ocasião do flagrante com instrução de itinerário revela possíveis destinatários da droga.
........................................................................................................................................................................................................................................."
(TRF3, Proc. nº 0000958-30.2006.4.03.6119, Quinta Turma, Relator: Desembargador Federal Baptista Pereira, DJU 08/01/2008).

Assim, rejeito a pretensão da defesa de desclassificação do delito e passo à análise das penas aplicadas.

A pena-base foi fixada em cinco anos e cinco meses de reclusão e quinhentos e quarenta dias-multa, com a aplicação da causa de diminuição de pena do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/06 em 2/3 reduzindo-se para um ano, nove meses e vinte dias de reclusão e cento e oitenta dias-multa, e com a aplicação das causas de aumento de pena da transnacionalidade e da interestadualidade em 1/4 definindo-se em dois anos, três meses e dois dias de reclusão e duzentos e vinte dias-multa as penas aplicadas.

Na primeira fase considerou a juíza desfavorável ao réu a natureza da droga apreendida.

A natureza do entorpecente como cocaína não compõe justificativa para agravamento de pena só porque de suposto maior grau de ofensividade em relação a outras substâncias.

Não se pode simplesmente, à guisa de exemplo, comparar a cocaína com a maconha concluindo que a primeira é mais perigosa, o que traduz critério meramente individual reconhecendo no rol de substâncias entorpecentes esta ou aquela como de menor poder maligno em relação a outra, e o critério falha também na medida em que na sua lógica haverão outras substâncias supostamente menos perigosas que a maconha e assim sucessivamente.

Há um extenso rol de substâncias proibidas e imensas lacunas na falta de dados científicos de comparação e pelo rudimentar conhecimento que fica só se pode ajuizar que a cocaína não é uma droga leve, por assim dizer, mas, arriscando incidir no que talvez seja ignorância minha, ouso perguntar se, em se tratando de droga, pode-se conceber drogas "leves", a propósito minha memória levando-me à obra de Menna Barreto ("Estudo Geral da Nova Lei de Tóxicos", 4ª edição, Biblioteca Jurídica Freita Bastos, Rio de Janeiro, 1988):


"Todo esforço de natureza legislativa precisa de um respaldo sócio-cultural amplificado no tempo e no espaço. Em se tratando de tóxicos, ao resultado das experiências universais analisado sob o prisma das realidades sociais específicas, deve-se acrescer o conhecimento sobre a natureza e a diversificação de suas formas e conseqüências, no sentido do encaminhamento de uma solução que não despreze o estudo das peculiaridades regionais e dos variados estágios de cultura. Portanto, as linhas mestras de uma legislação assim, especial, devem traçar as diretrizes próprias para a abrangência de situações também especiais, o que importa a realização de estudos e pesquisas, até mesmo de natureza científica, indispensáveis à fundamentanção da sua filosofia.
Urge saber, por exemplo, que tóxico, segundo a Organização Mundial de Saúde, é toda substância natural ou sintética que, introduzida num organismo vivo, pode modificar uma ou mais de suas funções, estando divididos em três grandes grupos denominados psicolépticos, psicoanalépticos e psicodislépticos.
Segundo Elias Murad, professor de Farmacologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, "o termo léptico vem do grego lambano, que significa pegar ou tomar abaixando. Assim, os psicolépticos são aqueles medicamentos que baixam ou reduzem a atividade mental. Entre eles existem três subgrupos de importância: os barbitúricos, os neurolépticos e os tranqüilizantes propriamente ditos.
"O termo léptico, com o prefixo ana, tem o significado contrário do anterior, isto é, significa pegar ou tomar elevando. Assim sendo, os psicoanalépticos são aquelas substâncias que elevam ou aumentam a atividade mental. Como subgrupos mais importantes existem os estimulantes de vigília (anfetaminas) e os antidepressivos (timoanalépticos).
"Com a partícula pejorativa dis significa pegar ou tomar desviando. Então os psicodislépticos são aqueles que produzem distorções, desvios ou anomalias da atividade mental. Aqui, o subgrupo mais conhecido é o dos alucinógenos (LSD, mescalina, etc)."
Dentro da primeira categoria podem ser encartados os opiácios, tais como a heroína, a morfina, a metadona e a codeína, que são os verdadeiros narcóticos, e também o álcool. No segundo grupo estão, ainda, a cocaína e os anorexigênicos ou controladores de apetite, enquanto a última categoria, além da maconha, abrange também a psilocibina, encontrada num cogumelo usado pelos indígenas mexicanos nos rituais religiosos.
Entretanto, a relação não se esgota em nenhuma listagem que se queira confeccionar, porque a cada dia surgem novas drogas, ou descobertas em forma natural ou sintetizadas em laboratórios, que atuam diretamente sobre o sistema nervoso central. Deprimindo, estimulando ou despersonalizando, os efeitos e as danosas conseqüências que acarretam estão a exigir a atenção de todos aqueles que detêm uma parcela de autoridade no grupamento societário.
Os barbitúricos, por exemplo, provocam incoerência da fala, gagueira, perda do equilíbrio, irritabilidade, agressividade, baixa pressão arterial, risco de pneumonia, coma e morte por paralisia do centro respiratório.
Os opiácios, com exceção da codeína, acarretam dependência física e, não só provocam a chamada crise de abstinência que, pela toxicoprivação, pode levar à morte, como também a síndrome de tolerância, que acelera o aumento sucessivo da dosagem. À falta da droga, os dependentes, muitas vezes, injetam elixir paregórico, que contém ópio e cânfora, diretamente nas veias mais grossas do pescoço e, assim, a taxa de infecção é também bastante elevada.
As anfetaminas, usadas sob o ponto de vista médico, para tratamento da narcolepsia e, paradoxalmente, para o de certos tipos de conduta hiperativa nas crianças, ou como controladores do apetite, provocam hipertensão, ritmo cardíaco anormal, descoordenação, insônia, síncopes cardíacas, mania de perseguição, distorções visuais, alucinações e, às vezes, episódios psicóticos com tentativas de suicídio. A cocaína, que pertence ao mesmo grupo, costuma ser injetada juntamente com a heroína, combinação denominada speed ball, cuja aplicação em grande dose pode provocar morte instantânea.
Os alucinógenos causam sérias perturbações mentais, e estudos recentes, em se tratando de dietilamida do ácido lisérgico, ou seja, do LSD, têm advertido sobre a possibilidade de dano genérico potencial. Os efeitos são diferenciados pela diversificação das condições psicossomáticas do usuário, podendo, destarte, variar entre o pânico, a ansiedade, a depressão e as alucinações e psicoses que exigem internação hospitalar. O maior risco das substâncias alucinógenas consiste na distorção da percepção sensorial, o que leva, pela subversão da noção de tempo e espaço, muitas pessoas que as utilizam, a praticar o que se chama de suicídio aparente. Na verdade, não há intenção de autodestruição, apenas, a ilusão do tóxico induz, por exemplo, o tomador da droga a atirar-se de qualquer altura porque está convicto, pela modificação da percepção, de que tem condições de flutuar no espaço.
Por outro lado, já que abordamos a necessidade do conhecimento dos tóxicos como condição relevante na formulação da lei, torna-se oportuno desfazer alguns equívocos a respeito da relação maconha-cigarro comum e drogas-álcool.
Não é raro ouvir-se que a Cannabis sativa é menos inócua do que o fumo permitido. E tal assertiva toma vulto à medida que se a não contesta, suscitando o aumento do consumo entre os neófitos e a dúvida, até mesmo, entre as autoridades responsáveis pela prevenção e repressão.
Ora é preciso recolocar a questão nos seus devidos termos: não é verdade que essa droga seja inofensiva ou menos prejudicial ao organismo do que o cigarro comum."

Pergunto qual o critério objetivo, que não dê margem para o arbítrio individual do juiz, para entre todas as substâncias de uso proibido catalogadas identificar as que autorizam aplicação da pena acima do mínimo legal e aquelas em que o potencial de malefício não exorbita o grau de ofensividade inerente ao delito e já considerado na pena mínima cominada.

Se drogas são todas maléficas, se teoricamente mesmo um controlador de apetite pode levar a alucinações e até tentativa de suicídio, não me desvencilho de uma postura cética quanto à possibilidade de aplicação do preceito, que não tem similar na lei antiga, que o que tratava era da classificação delitiva, para considerar o juiz a natureza da droga como circunstância desfavorável fazendo uso de critério técnico e objetivo e não o mero arbítrio individual, cabendo ainda ressalvar que sequer se pode interpretar o dispositivo legal como necessariamente estatuindo na direção do agravamento de pena, porque o que dispõe é sobre a consideração como circunstância preponderante, de modo que, pela comparação com as também circunstâncias preponderantes da personalidade e conduta social que propiciam com mais facilidade a visão da possibilidade de valoração neutra ou mesmo favorável, pode-se entender até que o preceito possibilita a avaliação com maior benevolência da conduta quando o entorpecente seja algum considerado de menor grau de ofensividade aos interesses penalmente protegidos. De qualquer sorte, se o dispositivo legal possibilita a consideração em desfavor do réu para acréscimos acima do mínimo legal como circunstância ainda preponderante, é necessário antes resolver a questão do reconhecimento como circunstância desfavorável, que como tal vá além da natureza da droga na dimensão da elementar do delito.

Para o fato delituoso em si mesmo considerado e em que a natureza do produto como droga já é tida em conta a pena aplicável é a mínima de cinco anos de reclusão e quinhentos dias-multa. Para aplicação em quantidade maior é preciso a descida ao caso concreto. E a descida pelo portal da natureza da droga leva a caminhos tortuosos onde cada juiz pode decidir a questão à sua maneira.

A dificuldade para mim é que não encontro objetividade no tratamento da questão mas deliberação tomada ao talante de cada julgador. Seja cocaína, seja maconha, ora sim ora não vejo o reconhecimento como circunstância desfavorável.

Dir-se-á que a lei não tem palavras inúteis? Não tem, mas o conteúdo pode ser insuficiente, de modo a restringir o campo de incidência ou mesmo por a aplicação da norma na dependência de algum tipo de complementação. Fique então reservada sua aplicação para casos de qualquer droga superlativamente maléfica como tal reconhecida por especialista analisando a apreendida nos autos e no âmbito do contraditório ou então alargue-se o complemento da norma penal em branco para não só estabelecer as substâncias e produtos considerados como drogas mas também as consideradas mais perigosas à saúde pública.

Com efeito, se não é ao juiz que cabe dizer o que seja droga, hipótese em que não faltariam decisões proscrevendo o álcool e o tabaco, também o lança-perfume, em cuja composição entra o cloreto de etila, volta e meia retirado, inserido, depois retirado novamente das listas, ou o chá de alguma seita, se é à lei ou autoridade do Poder Executivo que incumbe determinar as substâncias e produtos incluídos no conceito jurídico de drogas, então que se decrete também quais as reputadas mais perigosas para efeito de aplicação do preceito legal para a consideração da natureza da droga como circunstância desfavorável e ainda preponderante na dosimetria.

Minha convicção é de exigência de previsão no complemento da norma penal em branco e na sua ausência só se atestado nos autos por especialista e discutido pelas partes que o entorpecente apreendido seja em larga proporção de maior nocividade que as demais substâncias em sua maior parte haverá a possibilidade de reconhecimento de circunstância desfavorável. Se ao falar em natureza da droga está a lei a empregar a noção de classificação em caráter abstrato falta previsão no complemento da norma penal em branco, entendendo eu que se a lei não confere poderes ao juiz para julgar da natureza da droga no aspecto da tipicidade o mesmo deve se aplicar para demais efeitos, porque reserva legal é para a totalidade das conseqüências penais, e a se referir ao material apreendido em qualquer caso concreto não se prescindirá da atestação em perícia.

Destarte, deve a pena-base recuar ao mínimo legal.

Com relação à atenuante da confissão espontânea, com a graduação da pena-base no mínimo legal afasta-se qualquer possibilidade de incidência, em respeito ao sistema do Código Penal, que só admite a fixação da pena em quantidade inferior ao mínimo previsto quando incidente causa de diminuição.

Assim reiteradamente vem decidindo o E. STJ: REsp 217624, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, 5ª Turma, j. 08/08/2000, DJ 18/09/2000; REsp 439751, Rel. Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, j. 05/11/2002, DJ 03/02/2003; HC 42002, Rel. Ministro Paulo Medina, 6ª Turma, j. 18/10/2005, DJ 12/12/2005; HC 83146, Rel. Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 27/03/2008, DJ 22/04/2008; HC 131854, Rel. Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, j. 05/08/2010, DJ 23/08/2010.

Orientação reiteradamente adotada, editou o Tribunal Superior a Súmula 231:


"A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal".

Pacífica também é a jurisprudência desta Corte na matéria: ACR 27133, Rel. Juiz Federal Convocado Sílvio Gemaque, 1ª Turma, j. 10/08/2010, DJ 20/08/2010; ACR 41346, Rel. Juíza Federal Convocada Eliana Marcelo, 2ª Turma, j. 14/09/2010, DJ 23/09/2010; ACR 23523, Rel. Desembargadora Federal Ramza Tartuce, 5ª Turma, j. 29/11/2010 DJ 03/12/2010.

Do mesmo modo tratam a questão as demais Cortes Regionais Federais: TRF1, ACR 200534000351164, Rel. Desembargador Federal Carlos Olavo, 3ª Turma, j. 17/08/2010, DJ 03/09/2010; TRF2, ACR 7129, Rel. Desembargador Federal Messod Azulay Neto, 2ª Turma, j. 13/04/2010; TRF4, ACR 00067368720074047001, Rel. Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, 8ª Turma, j. 02/06/2010, DJ 11/06/2010; TRF5, ACR 7017, Rel. Desembargadora Federal Danielle de Andrade e Silva Cavalcanti, 4ª Turma, j. 02/02/2010, DJ 24/02/2010).

Torrencial a jurisprudência, só pela força dos precedentes justifica-se a aplicação da orientação adotada.

Convém frisar que toda a argumentação que se faz na linha de oposição mais não traduz do que a mera possibilidade de uma interpretação diferente do direito na questão, não absolutamente suposto conflito com o direito vigente, mormente em grau superior de convencimento para justificar a preterição de um entendimento sumulado pelo Tribunal Superior.

E outro não poderia ser o enquadramento da iniciativa da defesa porque se é possível, sem manifesta transgressão às regras de interpretação, sustentar a tese contrária, o mesmo verifica-se quanto à orientação triunfante na jurisprudência.

Nenhuma das teses em confronto é invulnerável, a sustentada pela defesa também tem seus pontos fracos.

Falar em violação aos princípios da individualização da pena, da proporcionalidade e da culpabilidade não é, para mim, uma argumentação forte e convincente, já porque semelhante efeito teoricamente poderia ocorrer também na primeira fase da dosimetria, a saber, na situação em que as circunstâncias judiciais não somente não fossem desfavoráveis mas fossem mesmo meritórias. Por outro lado, pressuposto que estamos interpretando e aplicando a lei vigente e nenhum projeto de reforma e que suposto teor literal do vocábulo empregado pelo legislador (diz-se na doutrina que "atenuar não é eliminar") não é elemento infalível e ainda que fosse então ao menos poder-se-ia reduzir a pena até um dia, já que então "espantado o fantasma da pena zero", é lícito concluir que, a ser levada a suas últimas conseqüências pode tal ordem de fundamentação, por sua lógica, conduzir até à conseqüência da aplicação de pena nenhuma, ou ao menos praticamente nenhuma, em última análise tergiversando-se na questão da vontade da lei na delimitação da área reservada à atuação jurisdicional e argumentando-se como se esta última pudesse se sobrepor ou mesmo anular a primeira.

Fica, assim, prejudicada a questão suscitada no recurso da defesa concernente à configuração da atenuante.

Em relação à causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4º, da Lei 11.343/06, verifica-se que já foi aplicada na sentença e no patamar máximo, desvelando-se impertinente o pedido da defesa referente à aplicação do excogitado benefício.

A transnacionalidade restou devidamente comprovada, pelas evidências do flagrante e pelas declarações em juízo das testemunhas de acusação afirmando que o acusado admitiu no momento da prisão em flagrante que buscou a droga na Bolívia para transportá-la para São Paulo e de lá para a França.

Observo que ainda na perspectiva das alegações da defesa de que o acusado recebeu a droga em Corumbá/MS e que "a simples natureza da droga (cocaína) não faz presumir a transnacionalidade do crime" não se afasta a transnacionalidade do delito. Com efeito, a circunstância da transnacionalidade caracteriza-se pela execução potencial (restrita ao território de um país mas destinada a operar efeitos em outro) ou efetiva do delito abrangendo o território de mais de um país, o que, sem embargo de outras possibilidades, pode ocorrer quando o agente adquire a droga num país e a introduz em outro ou mesmo quando recebe no território de um país a droga vinda de outro em vínculo associativo com o transportador que atravessa a fronteira.

O caso seria de recebimento da droga em situação onde nada confere verossimilhança à hipótese de adrede internação no território nacional com ruptura do encadeamento causal da introdução da droga no país e aquisição do entorpecente pelo réu, também nesta linha de considerações comprovando-se o tráfico transnacional de drogas.

Quanto ao aumento da pena pelo suposto tráfico entre Estados, ressalvado que não é o mero fato naturalístico do transpasse da droga pelo território de mais de um Estado sem consideração à intenção do agente que enseja a aplicação da causa de aumento, no caso o que avulta é o ânimo de tráfico transnacional e não propriamente da remessa de um Estado para outro, assim do ponto de vista da abrangência territorial do delito o fato já sendo punido mais gravemente pela transnacionalidade e descabendo mais acréscimo de pena por implicar em "bis in idem".

Destarte, afasto a causa de aumento de pena do artigo 40, inciso V, da Lei 11.343/06, mantendo-se o aumento apenas pela transnacionalidade e reduzindo-se o percentual ao mínimo legal (1/6).

Assim, fica a pena-base estabelecida em cinco anos de reclusão e quinhentos dias-multa, com a aplicação da causa de diminuição de pena do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/06 no patamar de 2/3 fixado na sentença reduzindo-se para um ano e oito meses de reclusão e cento e sessenta e seis dias-multa e com o acréscimo da transnacionalidade em 1/6, definindo-se em um ano, onze meses e dez dias de reclusão e cento e noventa e três dias-multa.

Tendo em vista que o Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do "habeas corpus" nº 111.840, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do §1º do artigo 2º da Lei 8.072/90, na redação dada pela Lei 11.464/07, que determina que a pena por delito de tráfico deve ser cumprida inicialmente em regime fechado, e considerando ainda que não há circunstâncias judiciais desfavoráveis a justificar a fixação de regime de maior rigor na forma do artigo 33, §3º, do Código Penal, fixo o regime aberto para início de cumprimento de pena.

Também merece reforma a sentença no ponto em que não procedeu à substituição de pena, tendo em vista que o Senado Federal, nos termos do artigo 52, inciso X, da Constituição Federal, editou a Resolução nº 05/2012, suspendendo a execução da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos" do §4º do artigo 33 da referida lei, declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal nos autos do "habeas corpus" nº 97.256/RS, também porque atendido o requisito do limite de pena e porquanto não reconhecida a reincidência em crime doloso e não há circunstâncias judiciais desfavoráveis.

Assim, substituo a pena privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, consistente na entrega de uma cesta básica mensal a entidade pública ou privada com destinação social no período de cumprimento da pena.

Observo que a prestação pecuniária ora fixada não viola o critério da capacidade econômica e ainda adequando-se às finalidades de reprovação e prevenção do delito alguma dose de sacrifício pessoal além da perda representada pela mera redução patrimonial.

Consigno, ainda, que sendo o regime inicial aberto incompatível com a manutenção da prisão preventiva, deve ser expedido alvará de soltura clausulado.

Por fim, tendo em vista o disposto no artigo 118 do Código de Processo Penal ("Antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo"), indefiro o pedido de restituição de bens formulado à fl. 270/271.

Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso para reduzir a pena-base e afastar o aumento da interestadualidade, mantendo-se o aumento apenas pela transnacionalidade e reduzindo-se o percentual ao mínimo legal, fixar o regime aberto para início de cumprimento de pena e substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, com expedição de alvará de soltura clausulado, e indefiro o pedido de restituição de bens, nos termos supra.

É o voto.


Peixoto Junior
Desembargador Federal


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