Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 03/03/2015
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000334-90.2011.4.03.6123/SP
2011.61.23.000334-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : AMILTON JORGE SOARES LIMA
ADVOGADO : SP120912 MARCELO AMARAL BOTURAO e outro
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00003349020114036123 1 Vr BRAGANCA PAULISTA/SP

EMENTA

PENAL - APELAÇÃO CRIMINAL - SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - ARTIGO 337-A DO CÓDIGO PENAL - ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI Nº 8.137/90 - PRELIMINARES DE NULIDADE DA SENTENÇA REJEITADAS - MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS - TIPIFICAÇÃO PENAL CORRETA - DOLO COMPROVADO - PROVA DO "ANIMUS REM SIBI HABENDI": DESNECESSIDADE - CONDENAÇÃO MANTIDA - CONCURSO FORMAL E CONTINUIDADE DELITIVA: IMPOSSIBILIDADE - DOSIMETRIA DA PENA REVISTA - INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 29, § 1º, E 65, DO CÓDIGO PENAL, AO CASO DOS AUTOS - PENA DE MULTA REVISTA - PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO MANTIDAS - PERDÃO JUDICIAL - INAPLICABILIDADE - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO - SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.
1. O Supremo Tribunal Federal assentou que o exaurimento da via administrativa é condição objetiva de punibilidade nos crimes contra a ordem tributária, vez que o delito previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, é material ou de resultado, e que, enquanto pendente o procedimento administrativo, fica suspenso o curso da prescrição (Súmula Vinculante nº 24). Entretanto, a informação prestada em Juízo pela Receita Federal, dá conta de que, acerca do débito tributário, objeto da presente ação penal, houve o esgotamento da via administrativa e envio do feito para inscrição na dívida ativa da União (fls. 95 e 113 do Procedimento Investigatório Criminal nº 1.34.028.000054/2010-11 em Apenso), estando preenchido o requisito necessário para o início da persecução penal em relação ao crime previsto no artigo 1º da Lei 8.137/90.
2. Também não há que falar-se em suspensão do processo em virtude do parcelamento dos débitos, já que o parcelamento de débitos em que está inscrita a empresa citada na denúncia não inclui as DEBCADs que sustentam a exordial acusatória, não havendo, então, como falar-se em suspensão do processo.
3. No caso dos autos, os créditos tributários foram constituídos definitivamente em março de 2010, a denúncia foi recebida em 24/02/2011 (fls. 07) e a publicação da sentença condenatória ocorreu em 04/09/2012 (fls.160). Assim, não superado o prazo de oito anos entre a data da constituição definitiva dos débitos e o recebimento da denúncia, e entre esta data e a data da publicação da sentença condenatória, não há prescrição a ser reconhecida.
4. Preliminares Rejeitadas.
5. Materialidade e autoria. Materialidade e autoria delitivas comprovadas.
6. Não há como falar-se em desclassificação do delito ora tratado para aquele previsto no artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90, já que o acusado praticou conduta que está perfeitamente descrita no tipo legal previsto no artigo 1º, inciso I, da mesma Lei.
7. Dolo. O réu afirma que o suposto contador teria procedido contra suas orientações, por culpa, sem ao menos arrolá-lo como testemunha, ou trazer aos autos quaisquer outros documentos que possam comprovar sua versão dos fatos. A versão da defesa não encontra sustentação nas demais provas dos autos, não havendo como aceitar as declarações de que teria agido sem dolo.
8. Quanto à afirmação de que não restou devidamente comprovado o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de praticar a conduta incriminada, acrescido do especial fim de agir, asseguro que o elemento subjetivo do tipo previsto no artigo 337-A do Código Penal é o dolo genérico, dispensável um especial fim de agir, conhecido como animus rem sibi habendi (a intenção de ter a coisa para si), tal como ocorre com o delito de apropriação indébita previdenciária. Precedentes.
9. Sentença condenatória mantida.
10. Concurso Formal. AMILTON JORGE SOARES LIMA foi denunciado pelo Ministério Público Federal pela prática dos delitos previstos no artigo 337-A, do Código Penal, e no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, combinados com o artigo 71, do Código Penal, concluindo o MM. Juízo sentenciante que houve, no caso dos autos, concurso formal, nos termos do artigo 70 do Código Penal, já que, com uma única ação praticou o réu dois crimes. Com razão a r. sentença de primeiro grau, não havendo como falar-se, no caso dos autos, em concurso material, já que uma única ação gerou dois resultados.
11. Por sua vez, a justificativa da defesa no sentido de não ser considerada a continuidade delitiva, por ter o réu teria praticado uma única conduta, não se sustenta. De fato, ainda que o réu tenha lançado as guias num único momento, os crimes se consumam a cada não recolhimento e a cada omissão de informações que, diga-se, ocorrem mensalmente.
12. Entretanto, ainda que reconhecidos tanto o concurso formal quanto a continuidade delitiva, somente um aumento será aplicado na dosimetria da pena.
13. Dosimetria das penas. Mantenho a pena-base tal como fixada na r. sentença de primeiro grau, em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, para o delito previsto no artigo 337-A (dado o concurso formal e a circunstância de que as penas abstratamente cominadas para os crimes em concurso são idênticas).
14. Não existem circunstâncias agravantes ou atenuantes a serem consideradas na segunda fase de fixação da pena. Contrariamente ao quanto afirmado pela defesa, o réu não incorreu em nenhuma das hipóteses previstas no artigo 65 do Código Penal, não havendo como atenuar-se sua pena.
15. Considerando que o recurso é unicamente da defesa, o aumento decorrente da continuidade delitiva deve ser mantido no mínimo legal, tal como o fez a r. sentença de primeiro grau, à razão de 1/6 (um sexto) sobre a pena provisória de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, resultando numa pena privativa de liberdade definitiva de 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão. Vale repisar que, embora se observe, no caso dos autos, o concurso formal entre os delitos tratados, essa causa de aumento de pena não será levada em conta para fixação da pena, nos termos já mencionados anteriormente.
16. Também não procede o pedido para que seja reconhecida a causa de diminuição de pena prevista no artigo 29, § 1º, do Código Penal, já que o dispositivo legal fala em participação de menor importância, o que não é aplicável, por óbvio, a crime cometido por uma única pessoa, como no caso dos autos.
17. No tocante a pena de multa a elevo de modo proporcional ao cálculo realizado na fixação da pena privativa de liberdade, restando em 14 (quatorze) dias-multa, mantendo o valor unitário do dia-multa nos termos em que fixados pela r. sentença de primeiro grau.
18. Mantenho a substituição da pena privativa de liberdade acima fixada por duas penas restritivas de direito nos parâmetros adotados pela decisão apelada, a saber, prestação de serviços em favor da comunidade ou de entidade pública, podendo o apelante optar pelo cumprimento em período equivalente à metade da pena privativa de liberdade substituída mediante condições a serem estabelecidas pelo Juízo da Execução Penal (art. 46, § 5.º, do Código Penal), além de pena de prestação pecuniária equivalente a 02 (dois) salários mínimos, atualizados monetariamente por ocasião do recolhimento, em favor da União.
19. Consigno, por fim, que não está configurada nos autos a hipótese de concessão de perdão judicial para o réu. A legislação citada nas razões de apelação diz respeito à proteção de testemunhas que possam ajudar em investigações policiais, sendo incabível no caso presente que, além de não levar a novas investigações, teve por objeto crime único cometido pelo próprio réu.
20. Preliminares rejeitadas. Recurso defensivo parcialmente provido. Sentença reformada em parte.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares e, no mérito, por maioria, dar parcial provimento ao recurso da defesa para reconhecer a existência de bis in idem entre o concurso formal e a continuidade delitiva, e, desta feita, aplicar apenas o aumento decorrente da continuidade delitiva, do que resulta a pena de 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão e pena de multa de 14 (quatorze) dias-multa, mantendo-se, quanto ao mais, a r. sentença de primeiro grau, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 23 de fevereiro de 2015.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000334-90.2011.4.03.6123/SP
2011.61.23.000334-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : AMILTON JORGE SOARES LIMA
ADVOGADO : SP120912 MARCELO AMARAL BOTURAO e outro
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00003349020114036123 1 Vr BRAGANCA PAULISTA/SP

RELATÓRIO

Trata-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta por AMILTON JORGE SOARES LIMA contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Federal da 1ª Vara Federal de Bragança Paulista/SP, que o condenou à pena de 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e pagamento de 240 (duzentos e quarenta) dias-multa, fixado o valor do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, devidamente corrigidos por ocasião do pagamento, pelo cometimento dos crimes previstos nos artigos 337-A, inciso III, do Código Penal, em concurso formal com o crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, ambos c.c. o artigo 71 do Código Penal. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direito e o réu foi condenado ao pagamento das custas e despesas processuais (fls. 154/159vº).

Consta da denúncia que:


"(...) AMILTON, na qualidade de proprietário e administrador da empresa PIRACAIA INDÚSTRIA, COMÉRCIO, EXPORTAÇÃO E IMPORTAÇÃO DE BEBIDAS LTDA., CNPJ nº 03.322.852/0001/93, sediada na Rodovia Dr. Jan Antonin Bata, s/nº, Km 90, Bairro Vila Beatriz, Piracaia/SP, de modo consciente, voluntário e reiterado, no período de 01/2006 a 12/2006, suprimiu ou reduziu contribuições sociais devidas a terceiros, mediante omissão de informação às autoridades fazendárias.
Segundo consta da Representação Fiscal para Fins Penais (RFFP), em fiscalização realizada pelo auditor fiscal da Receita Federal, apurou-se que o ora denunciado, para os períodos acima, informou indevidamente nas Guias de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social (GFPIs) ser optante do Imposto Único Simples (fls. 01/04 do principal e fls. 01/05 do apenso).
Assim, como se fosse optante dessa tributação especial, recolheu nas Guias da Previdência Social (GPS) apenas as contribuições dos segurados empregados e contribuintes individuais, deixando de recolher as devidas a parte da empresa, patronal e risco ambientais do trabalho (RAT) e as contribuições devidas a terceiros, sobre o total das remunerações pagas.
A conduta acima elencada constitui supressão ou redução de contribuições sociais previdenciárias, mediante omissão de fatos geradores, amoldando-se ao tipo descrito no artigo 337-A, inciso III, do Código Penal, bem como constitui supressão ou redução de contribuições sociais devidas a terceiros, mediante omissão de informações às autoridades fazendárias, amoldando-se ao tipo descrito no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90.
Em decorrência dessas omissões foram lavradas pela Receita Previdenciária os DEBCADs nº 37.226.281-1 e nº 37.226.282-0, nos valores consolidados respectivos de R$ 238.504,38 e R$ 60.144,58, valores de março de 2010 (fls. 61 do principal e fls. 62 do apenso).
Às fls. 95 e 113, a Delegacia da Receita Federal do Brasil informou que referidos débitos foram definitivamente constituídos. Já às fls. 115 e 156/158, a Procuradoria Seccional da Fazenda Nacional em Jundiaí informou que os mesmos não foram parcelados.
A autoria delitiva resta comprovada pelo que consta da RFFP, dos contratos sociais de fls. 7790, e das declarações de Amilton que, embora não confesse a autoria dos fatos, afirma ter conhecimento dos mesmos e ser o administrador da empresa.
De sua vez, a materialidade delitiva consiste na omissão de fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias e omissão de informações às autoridades fazendárias, o que caracteriza os crimes de sonegação de contribuição previdenciária e contra ordem tributária.
Ante o exposto, o Ministério Público Federal denuncia AMILTON JORGE SOARES LIMA como incurso nas penas do artigo 337-A, inciso III, em concurso formal com o artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, ambos c.c. o artigo 71 do código Penal, requerendo que, r. e a. esta, seja instaurada a competente ação penal, citando-o e intimando-o para todos os seus atos até final condenação". (...) (fls. 03/04vº - os destaques são no original)

A denúncia foi recebida em 24 de fevereiro de 2011 (fl. 07).

Defesa preliminar do acusado às fls. 22/35.

Decisão determinando o regular prosseguimento do feito às fls. 50.

O réu foi interrogado (fl. 74 - mídia de fl. 75).

O Ministério Público Federal não apresentou requerimentos na fase do artigo 402 do Código de Processo Penal, enquanto a defesa pleiteou prazo de 30 (trinta) dias a fim de diligenciar junto à Receita Federal para obter informações acerca do parcelamento do débito, o que foi deferido (fls. 73).

Em alegações finais a acusação requereu a condenação do réu (fls. 139/141vº), enquanto a defesa pugnou pela sua absolvição (fls. 146/151).

Sentença condenatória prolatada em 04 de setembro de 2012 (fls. 154/159vº).

Inconformada, apela a defesa requerendo, preliminarmente, a nulidade da r. sentença de primeiro grau por não ter o MM. Juízo de Piso atentado para o fato de estar pendente de julgamento recurso administrativo quanto ao débito apontado na exordial acusatória, que impediria até mesmo o recebimento da denúncia, sendo de rigor o reconhecimento do cerceamento de defesa. Ainda em preliminar sustenta a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva. No mérito, sustenta que a figura típica descrita na denúncia subsume-se ao tipo penal do artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90, e não ao artigo 1º, inciso I, como colocado na denúncia e acatado pela sentença, sendo certo ainda que restou demonstrado nos autos que o réu não agiu com dolo, devendo ser absolvido da prática delitiva. Subsidiariamente, afirma que não há como falar-se em continuidade delitiva no caso tratado, pois foi praticada uma única ação e não várias, que a pena de multa está fixada em desconformidade com o caso dos autos, que sua pena deve ser reduzida nos termos do artigo 65 ou 29, § 1º, do Código Penal e, por fim, requer a aplicação do perdão judicial previsto na Lei nº 9.807/99 (fls. 165/184).

Com as contrarrazões (fls. 186/190vº), subiram os autos a esta E. Corte Regional, onde a Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso de apelação (fls. 192/208).

É O RELATÓRIO.

À revisão, na forma regimental.



PAULO FONTES
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000334-90.2011.4.03.6123/SP
2011.61.23.000334-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : AMILTON JORGE SOARES LIMA
ADVOGADO : SP120912 MARCELO AMARAL BOTURAO e outro
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00003349020114036123 1 Vr BRAGANCA PAULISTA/SP

VOTO

O EXMO. SRº. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES:


Inicialmente, verifico que não há que se falar em eventuais questões cíveis atinentes a recurso administrativo pendente de julgamento, tendo em vista a inscrição em dívida ativa de referido débito (fls. 95 e 113 do Procedimento Investigatório Criminal nº 1.34.028.000054/2010-11 em Apenso).

Também não há que falar-se em suspensão do processo em virtude do parcelamento dos débitos, já que o parcelamento de débitos em que está inscrita a empresa citada na denúncia não inclui as DEBCADs que sustentam a exordial acusatória, não havendo, então, como falar-se em suspensão do processo.

Consigno, ainda, que o Supremo Tribunal Federal assentou que o exaurimento da via administrativa é condição objetiva de punibilidade nos crimes contra a ordem tributária, vez que o delito previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, é material ou de resultado, e que, enquanto pendente o procedimento administrativo, fica suspenso o curso da prescrição (Súmula Vinculante nº 24). Entretanto, a informação prestada em Juízo pela Receita Federal, dá conta de que, acerca do débito tributário objeto da presente ação penal, houve o esgotamento da via administrativa e envio do feito para inscrição na dívida ativa da União (fls. 95 e 113 do Procedimento Investigatório Criminal nº 1.34.028.000054/2010-11 em Apenso), estando preenchido o requisito necessário para o início da persecução penal em relação ao crime previsto no artigo 1º da Lei 8.137/90.

Por fim, não há que falar-se em prescrição da pretensão punitiva, como passaremos a demonstrar.

Tendo havido o trânsito em julgado para a acusação, a prescrição deve ser regulada pela pena aplicada em concreto, nos termos do § 1º do artigo 110 do Código Penal.

Considerando a pena privativa de liberdade aplicada de 03 (três) anos de reclusão, desconsiderada a majoração da pena pela continuidade delitiva, que não é levada em conta para o cômputo do prazo prescricional, temos que a mesma prescreve em 08 anos, nos termos do artigo 109, inciso IV, do Código Penal.

No caso dos autos, os créditos tributários foram constituídos definitivamente em março de 2010, a denúncia foi recebida em 24/02/2011 (fls. 07) e a publicação da sentença condenatória ocorreu em 04/09/2012 (fls.160). Assim, não superado o prazo de oito anos entre a data da constituição definitiva dos débitos e o recebimento da denúncia, e entre esta data e o a publicação da sentença condenatória, não há prescrição a ser reconhecida.

Superadas as questões preliminares, passo a análise do mérito do recurso.


MATERIALIDADE DELITIVA - ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI Nº 8.137/90.


A materialidade delitiva restou comprovada por meio da farta documentação que instruiu a Representação Fiscal para Fins Penais de nº 19311.000119/2010-87, instaurada pela Secretaria da Receita Federal de Jundiaí-SP (apenso), dentre os quais, o Auto de Infração (fls. 62), o Discriminativo do Débito (fls. 65/67) e Termo de Encerramento da Ação Fiscal (fls. 12/13).

Como se depreende dos documentos citados, o acusado declarou falsamente estar incluído no sistema do SIMPLES, deixando de informar fatos geradores de obrigações tributárias relativas às contribuições sociais devidas a terceiros no período compreendido entre janeiro e dezembro de 2006 (inclusive 13º salário).

O Auto de Infração lavrado pela Secretaria da Receita Federal apurou os créditos tributários decorrentes de referidas omissões de informação, além das multas e juros de mora, no valor total de R$ 60.144,58 (fls. 62).

Não há como falar-se, ainda, em desclassificação do delito ora tratado para aquele previsto no artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90, já que o acusado praticou conduta que está perfeitamente descrita no tipo legal previsto no artigo 1º, inciso I, da mesma Lei.

Nesse sentido, trago a colação trecho do bem lançado parecer do Ilustríssimo Procurador Regional da República, Dr. Osvaldo Capelari Junior, in verbis:


"(...) No que tange às contribuições sociais não previdenciárias, a conduta do apelante se subsumiu àquela prevista no art. 1º, I, da Lei 8.137/90, e não à conduta do art. 2º, II, da mesma Lei, pois o apelante não apenas deixou de recolher a contribuição social devida, mas prestou declarações falsas às autoridades fazendárias a fim de se isentar parcialmente do tributo, razão pela qual se mostra inconcebível a desclassificação dos delitos. (...)" (fls. 201 - os destaques são no original).

MATERIALIDADE DELITIVA - ARTIGO 337-A DO CÓDIGO PENAL


A materialidade delitiva restou comprovada por meio da farta documentação que instruiu a Representação Fiscal para Fins Penais de nº 19311.000118/2010-32, instaurado pela Secretaria da Receita Federal de Jundiaí-SP (apenso), dentre os quais, o Auto de Infração (fls. 61), o Discriminativo do Débito (fls. 64/64) e Termo de Encerramento da Ação Fiscal (fls. 11/12).

Como se depreende dos documentos citados, o acusado deixou de informar fatos geradores de obrigações tributárias relativas à contribuição previdenciária patronal, relativa a terceiros e a riscos ambientais do trabalho no período compreendido entre janeiro e dezembro de 2006 (inclusive 13º salário).


AUTORIA DELITIVA


A autoria delitiva também está amplamente demonstrada nos autos, ainda que o réu a tenha negado em seu interrogatório. Ao analisarmos a prova produzida durante a instrução processual, o réu constava no contrato social da empresa como administrador da mesma, demonstrando também ter conhecimento dos fatos imputados e poder para decidir de maneira diversa da ocorrida com a empresa.

A defesa do apelante não trouxe aos autos contraprovas aptas a desconstituir a prova amealhada pela acusação, restando, assim, configurado que o réu praticou os delitos ora tratados.


DOLO


A defesa alega que o réu não agiu com dolo, pois entregou a contabilidade da empresa a um profissional de nome Marcos Petri, tendo dito contador informado incorretamente a Fazenda Nacional, à revelia do réu.

O réu afirma que o suposto contador teria procedido contra suas orientações, por culpa, sem ao menos arrolá-lo como testemunha, ou trazer aos autos quaisquer outros documentos que possam comprovar sua versão dos fatos.

Ainda em relação ao delito previsto no artigo 337-A do Código Penal, consigno que é irrelevante perquirir sobre a comprovação de qualquer fim específico na conduta do agente (dolo específico), porquanto o tipo penal de sonegação de contribuição previdenciária, muito embora crime material (eis que depende da efetiva ocorrência do resultado para sua consumação), exige apenas o dolo genérico consistente na conduta omissiva de suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária ou qualquer acessório.

Neste sentido julgado desta Colenda 5ª Turma, in verbis:

"PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. CONCLUSÃO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. EXIGIBILIDADE. DOLO ESPECÍFICO. PRESCINDIBILIDADE. DIFICULDADES FINANCEIRAS. IMPROCEDÊNCIA. DOSIMETRIA. ATENUANTE. CRIME CONTINUADO. CONCURSO MATERIAL. (...)
4. O delito de apropriação de contribuições previdenciárias não exige animus rem sibi habendi para sua caracterização. O fato sancionado penalmente consiste em deixar de recolher as contribuições, vale dizer, uma omissão ou inação, sendo delito omissivo próprio, que se configura pela abstenção de praticar a conduta exigível. Não exige, portanto, que o agente queira ficar com o dinheiro de que tem a posse para si mesmo, invertendo o ânimo da detenção do numerário. Configura-se o delito com a mera omissão no recolhimento.
5. O elemento subjetivo do art. 337-A do Código Penal, embora crime material, dependendo para a sua consumação, da efetiva ocorrência do resultado, não necessita, para sua caracterização, da presença de dolo específico, ou seja, o dolo exigível, é, também o dolo genérico, como ocorre com o delito de apropriação indébita previdenciária prevista no art. 168-A do mesmo diploma legal. O tipo não exige nenhum fim especial, bastando a conduta consistente em "suprimir ou reduzir". Portanto, assim como no delito previsto no art. 168-A, não é necessário o animus rem sibi habendi para sua caracterização.
(...)."(negritei).
(TRF3 - Tribunal Regional Federal da 3ª Região - ACR - Apelação Criminal - 5063 - Proc. nº 0000072-82.2007.4.03.6123, Órgão Julgador: 5ª Turma, Julgamento em 23/09/2013, Des. Fed. André Nekatschalow).

Assim sendo, restando demonstradas a autoria e materialidade delitivas, bem como o elemento subjetivo do tipo, de rigor a manutenção da sentença condenatória.


DOSIMETRIA DA PENA


AMILTON JORGE SOARES LIMA foi denunciado pelo Ministério Público Federal pela prática dos delitos previstos no artigo 337-A, inciso III, do Código Penal, e no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, combinados com o artigo 71, do Código Penal, concluindo o MM. Juízo sentenciante que houve, no caso dos autos, concurso formal, nos termos do artigo 70 do Código Penal.

No entanto, acolho a orientação jurisprudencial no sentido de que, na concorrência entre o concurso formal e o crime continuado, aplica-se apenas a causa de aumento referente à continuidade delitiva sobre a pena do delito mais grave, evitando-se, assim, a ocorrência do "bis in idem".

Nesse sentido:

"HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA. SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO ESPECIAL CABÍVEL. IMPOSSIBILIDADE. RESPEITO AO SISTEMA RECURSAL PREVISTO NA CARTA MAGNA. NÃO CONHECIMENTO.
(...)
DOSIMETRIA. ROUBO MAJORADO. CONCURSO DE CRIMES. CONCURSO FORMAL E CONTINUIDADE DELITIVA. DUPLO AUMENTO. ALEGADO BIS IN IDEM. OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. COAÇÃO ILEGAL PATENTEADA.
1. Segundo orientação deste Superior Tribunal de Justiça, quando configurada a concorrência de concurso formal e crime continuado, aplica-se somente um aumento de pena, o relativo à continuidade delitiva. Precedentes.
2. Ocorre bis in idem quando há majoração da reprimenda primeiramente em razão do concurso formal, haja vista o cometimento de um delito roubo contra vítimas diferentes num mesmo contexto fático, e, em seguida, em função do reconhecimento do crime continuado em relação aos outros crimes praticados em situação semelhante de tempo e modo de execução.
3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício apenas para afastar a exasperação imposta pelo reconhecimento do concurso formal, reduzindo-se a reprimenda para 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão." - Grifei.
(STJ - HC 162987/DF - 5ª Turma - rel. Min. JORGE MUSSI, j. 01/10/2013, v.u., DJe 08/10/2013)
"PENAL. PROCESSO PENAL. ART. 55, DA LEI Nº 9.605/98 E 2º, DA LEI Nº 8.176/91. OBJETIVIDADE JURÍDICA DIVERSA. INEXISTÊNCIA DE CONFLITO APARENTE DE NORMAS. CONCURSO FORMAL EM CONTINUIDADE DELITIVA. APLICAÇÃO APENAS DA MAJORANTE PREVISTA NO ART. 71, DO CP. REDEFINIÇÃO DAS PENAS.
(...)
III - Condutas praticadas nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar e modo de execução. Concurso formal próprio heterogêneo em continuidade delitiva.
IV - Quando há concorrência entre o concurso formal e crime continuado deve incidir apenas a causa de aumento referente à continuidade delitiva, sob pena de bis in idem.
(...)" - Grifei.
(TRF2 - ACR 200550020002925 - 1ª Turma Especializada - rel. Des. Fed. MARCELLO FERREIRA DE SOUZA GRANADO, j. 14/12/2011, public. E-DJF2R 24/02/2012)

Assim, ainda que reconhecidos tanto o concurso formal quanto a continuidade delitiva, somente um aumento será aplicado na dosimetria da pena.

Resolvida esta questão, passo a análise da pena-base e demais fases de fixação da pena, assinalando que a pena prevista para os dois tipos penais é igual, sendo usada, para análise do presente caso, a previsão do artigo 337-A do Código Penal.

Atento às diretrizes do artigo 59 do Código Penal, verifico pelas informações criminais constantes dos autos que o réu é primário e não possui antecedentes criminais. Considerando, todavia, o alto valor do débito previdenciário apurado em decorrência das condutas delitivas praticadas pelo Apelante - R$ 298.648,96 (duzentos e noventa e oito mil, seiscentos e quarenta e oito reais e noventa e seis centavos), - justifica-se a majoração da pena-base, conforme vêm decidindo os tribunais pátrios (negritei):


PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. DOSIMETRIA. EXASPERAÇÃO DE PENA-BASE. CONSEQÜÊNCIAS DO CRIME. MONTANTE DO PREJUÍZO ELEVADO. AUMENTO DO QUANTUM ARBITRADO PELA CONTINUIDADE DELITIVA. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. PRESCRIÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.
(...) 2. O elevado prejuízo causado à Previdência Social resultante das contribuições indevidamente apropriadas constitui circunstância judicial desfavorável que deve ser considerada a título de conseqüências do crime para a fixação da pena-base acima do mínimo legal, independentemente do reconhecimento da continuidade delitiva, porquanto esse instituto de política criminal, por representar mera ficção jurídica, destinado a atenuar a retribuição penal no caso de concurso de crimes, não pode ser utilizado para mitigar a avaliação dos reais efeitos decorrentes da empreitada criminosa.
(...)
(RESP 200800109757, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:17.11.2008.)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ARTIGO 168-A DO CÓDIGO PENAL. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. CONSEQÜÊNCIAS DO DELITO. CONTINUIDADE DELITIVA. PATAMAR.
(...)
2. O montante do prejuízo causado à Previdência Social com a conduta delituosa interfere na primeira fase de fixação da pena, como consequência do delito. No caso, as conseqüências provocadas pelo delito são de grande vulto, uma vez que as contribuições descontadas dos segurados e não repassadas à Previdência Social atingiu o montante de R$ 185.607,72, em setembro de 1998, desconsiderados os valores de multa e juros.
(...)
4. Embargos infringentes desprovidos."
(EIFNU 199961050131603, JUIZA CONVOCADA SILVIA ROCHA, TRF3 - PRIMEIRA SEÇÃO, DJF3 CJ1 DATA:22.08.2011 PÁGINA: 158.)

Por esta razão, mantenho a pena-base tal como fixada na r. sentença de primeiro grau, em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, para o delito previsto no artigo 337-A.

Não existem circunstâncias agravantes ou atenuantes a serem consideradas na segunda fase de fixação da pena.

Contrariamente ao quanto afirmado pela defesa, o réu não incorreu em nenhuma das hipóteses previstas no artigo 65 do Código Penal, não havendo como atenuar-se sua pena.

Na terceira fase, deve incidir a causa aumento de pena decorrente da continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal).

Considerando que o recurso é unicamente da defesa, o aumento decorrente da continuidade delitiva deve ser mantido no mínimo legal, tal como o fez a r. sentença de primeiro grau, à razão de 1/6 (um sexto) sobre a pena provisória de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, resultando numa pena privativa de liberdade definitiva de 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão.

Vale repisar que, embora se observe, no caso dos autos, o concurso formal entre os delitos tratados, essa causa de aumento de pena não será levada em conta para fixação da pena, nos termos já mencionados anteriormente.

Também não procede o pedido para que seja reconhecida a causa de diminuição de pena prevista no artigo 29, § 1º, do Código Penal, já que o dispositivo legal fala em participação de menor importância, o que não é aplicável, por óbvio, a crime cometido por uma única pessoa, como no caso dos autos.

No tocante a pena de multa a elevo de modo proporcional ao cálculo realizado na fixação da pena privativa de liberdade, restando em 14 (quatorze) dias-multa, mantendo o valor unitário do dia-multa nos termos em que fixados pela r. sentença de primeiro grau.

O regime inicial de cumprimento de pena deverá ser o aberto.

Mantenho a substituição da pena privativa de liberdade acima fixada por duas penas restritivas de direito nos parâmetros adotados pela decisão apelada, a saber, prestação de serviços em favor da comunidade ou de entidade pública, podendo o apelante optar pelo cumprimento em período equivalente à metade da pena privativa de liberdade substituída mediante condições a serem estabelecidas pelo Juízo da Execução Penal (art. 46, § 5.º, do Código Penal), além de pena de prestação pecuniária equivalente a 02 (dois) salários mínimos, atualizados monetariamente por ocasião do recolhimento, em favor da União.

Consigno, por fim, que não está configurada nos autos a hipótese de concessão de perdão judicial para o réu. A legislação citada nas razões de apelação diz respeito à proteção de testemunhas que possam ajudar em investigações policiais, sendo incabível no caso presente que, além de não levar a novas investigações, teve por objeto crime único cometido pelo réu.

Diante do exposto, rejeito as preliminares e, no mérito, dou parcial provimento ao recurso da defesa para reconhecer a existência de bis in idem entre o concurso formal e a continuidade delitiva, e, desta feita, aplicar apenas o aumento decorrente da continuidade delitiva, do que resulta a pena de 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão e pena de multa de 14 (quatorze) dias-multa, mantendo-se, quanto ao mais, a r. sentença de primeiro grau.

É COMO VOTO.




PAULO FONTES
Desembargador Federal


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