Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 11/03/2015
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001222-71.2006.4.03.6111/SP
2006.61.11.001222-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : WILSON VALERA CARNEIRO
ADVOGADO : SP059913 SILVIO GUILEN LOPES e outro
APELADO(A) : Justica Publica
CO-REU : CARMEN LUCIA SANCHES VALERA

EMENTA

CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PRELIMINARES DE NULIDADE. AFASTAMENTO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. REPRIMENDAS REDUZIDAS. REGIME ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DAS PENAS POR REPRIMENDAS ALTERNATIVAS. PARCIAL PROVIMENTO DA APELAÇÃO DEFENSIVA
1. Cerceamento de defesa não verificado, estando prejudicada a questão do parcelamento do débito tributário, em razão de não ter sido consolidado pela Secretaria da Receita Federal. Aplicação do artigo 68 da Lei nº 11.941/2009.
2. Não houve infringência ao artigo 158 do CPP, uma vez que os documentos utilizados pela auditoria para a constituição do crédito tributário foram apreendidos em diligências realizadas na empresa do acusado ou entregues por seus clientes por requisição da Receita Federal, o que permite concluir tratar-se de documentos emitidos pela empresa de propriedade do apelante, cujos valores neles inseridos não foram declarados em declaração de imposto de renda pessoa jurídica.
3. Materialidade, autoria e dolo comprovados pela vasta prova documental e oral produzida em inquérito e em juízo. Condenação mantida.
4. Redução das penas impostas em primeiro grau, fixado o regime inicial aberto e substituída a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
5. Preliminares afastadas. Apelação parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, afastar as preliminares arguidas, e, no mérito, por maioria, dar parcial provimento à apelação defensiva, a fim de reduzir as penas impostas para três anos e nove meses de reclusão e dezoito dias-multa, fixar o regime inicial aberto e substituir a pena privativa de liberdade aplicada por duas reprimendas restritivas de direitos, consistentes em uma de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, a ser fixada pelo Juízo das Execuções, e outra de prestação pecuniária de seis salários mínimos mensais, a serem recolhidos em seis parcelas, em prol de instituição de caráter assistencial, a ser designada pelo Juízo das Execuções Criminais., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 03 de março de 2015.
LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001222-71.2006.4.03.6111/SP
2006.61.11.001222-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : WILSON VALERA CARNEIRO
ADVOGADO : SP059913 SILVIO GUILEN LOPES e outro
APELADO(A) : Justica Publica
CO-REU : CARMEN LUCIA SANCHES VALERA

VOTO

Inicialmente, antes de adentrar na análise das preliminares sustentadas pela defesa, esclareço não ter ocorrido a prescrição, pois a pena aplicada em primeiro grau - quatro anos de reclusão, descontada a continuidade delitiva -, possui prazo prescricional de oito anos (art. 109, IV, CP), que não restou ultrapassado entre a data da constituição definitiva do crédito tributário, em 22/11/2005 (ofício da Receita Federal de fl. 510) e o recebimento da denúncia, em 14/03/2006 (fl. 515), entre esta data e a publicação da r. sentença condenatória, em 10/08/2007 (fl. 893), e entre esta data até o presente julgamento, devendo ser observado que o prazo prescricional encontrava-se suspenso desde 02 de março de 2010, em razão da decisão monocrática de fls. 1062/1064.



Preliminares


Primeiramente, no tocante à arguição de nulidade da r. sentença por cerceamento de defesa, no sentido de ter sido indeferido pelo Juízo "a quo" fosse oficiada a Secretaria da Receita Federal para que atestasse o valor atualizado do débito e a eventual possibilidade de parcelamento fiscal, tal questão restou superada e prejudicada nos autos, porquanto por ofício da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional de fl. 1171 foi informado não ter sido consolidado o parcelamento instituído pela Lei nº 11.941/2009 pelo contribuinte "LABORATÓRIO DE PROTESE VALDERA LTDA ME", voltando a serem exigíveis as dívidas a ele referentes.


Assim, nos termos do artigo 68 da Lei nº 11.941/2009, uma vez não consolidado o parcelamento fiscal, a dívida fiscal objeto destes autos volta a ser exigível, restando, por consequência, revogada a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional deferida pela decisão de fls. 1062/1064, devendo o processo retomar o seu curso normal, com o julgamento da apelação criminal pela E. Turma.


Quanto à alegação de infringência ao artigo 158 do CPP, por não ter sido realizada perícia nos recibos e canhotos supostamente emitidos pelo apelante, já que apurado crime que deixa vestígios, observo que a maioria dos documentos utilizados pela Auditoria da Receita Federal para apuração e constituição do crédito tributário foram apreendidos na empresa de propriedade do réu durante a fiscalização, enquanto uma pequena parcela deles foi entregue pelos próprios clientes do acusado, após intimação da Receita Federal (fls. 355/357, 408/410, 425/427 e termo de retenção de fls. 139).


Dessa forma, é evidente e lógica a conclusão de que se tratam de documentos emitidos pela empresa do acusado, fato este corroborado pelo depoimento prestado por sua ex-secretária, Sra. Elaine Cristina Viana Oliveira, às fls. 718/719, ao declarar que diversos documentos foram requisitados pela auditora da Receita Federal diretamente ao contador Marcos Antônio Fortunato, sendo prontamente por ele entregues.


Assim, desnecessária a realização de perícia, já que o contexto em que apreendida toda a documentação demonstra tratar-se de documentos emitidos pela empresa de propriedade do apelante, o que foi, inclusive, corroborado pelos testemunhos colhidos em juízo.


Por essas razões, afasto as preliminares arguidas.


Mérito


A materialidade delitiva restou efetivamente comprovada pelo procedimento administrativo-fiscal levado a efeito pela Auditoria da Receita Federal, tendo sido comprovada a omissão de receitas pelo acusado, ao deixar de declarar honorários recebidos em sua clínica odontológica, resultando na supressão de tributos federais no valor total de R$ 118.825,48 (cento e dezoito mil, oitocentos e vinte e cinco reais e quarenta e oito centavos), débito este por ele não impugnado na seara administrativa, mesmo tendo-lhe sido oportunizado o contraditório e ampla defesa, tendo sido definitivamente constituído em 22/11/2005, conforme ofício da Receita Federal de fl. 510.


A autoria e o dolo do réu, da mesma forma, são incontestes.


Com efeito, o acusado era o único responsável pela gestão da empresa "LABORATÓRIO DE PROTESE VALDERA LTDA. ME" e, nessa condição, prestou inúmeros serviços odontológicos e de comércio de próteses dentárias sem declarar ao Fisco o capital auferido de tais serviços e produtos, resultando na supressão dos tributos supracitados.


E não socorre o acusado a alegação de que eventuais erros em suas declarações de imposto de renda pessoa jurídica deveram-se aos desentendimentos com seu contador, pois ainda que este fato tenha sido efetivamente comprovado pelos depoimentos colhidos em juízo, é evidente que mesmo que tivesse havido omissão do contador, por não estar recebendo seus honorários, não pode o réu alegar equívoco nas declarações, tamanha é a diferença entre o que foi declarado à Receita Federal e os honorários por ele recebidos em razão dos serviços que prestou entre os anos-calendário de 2001 e 2003.


De fato, para o ano-calendário de 2001 o acusado declarou à Receita Federal rendimentos tributáveis da ordem de R$ 3.260,00 (três mil duzentos e sessenta reais) - conforme declaração às fls. 472/473 -, tendo sido apurado, porém, ingresso de receita em seu consultório no valor total de R$ 59.004,00 (cinquenta e nove mil e quatro reais).


Para o ano-calendário de 2002 a supressão foi ainda maior, tendo ele declarado ao fisco rendimentos de R$ 119.069,60 - declaração às fls. 474/475 -, mas foi apurada entrada no valor de R$ 263.159,60 (duzentos e sessenta e três mil cento e cinquenta e nove reais e sessenta centavos), conforme planilha demonstrativa dos valores recebidos pelo acusado de seus pacientes à fl. 131, resultando na omissão de rendimentos da ordem de R$ 144.090.00 (cento e quarenta e quatro mil e noventa reais).


Por fim, no ano-calendário de 2003 o acusado declarou ao fisco somente R$ 915,00 (novecentos e quinze reais) - declaração de fls. 476/484 -, enquanto foram apurados rendimentos no valor total de R$ 93.355,00 (noventa e três mil trezentos e cinquenta e cinco reais), conforme planilha de fl. 133.


Ora, verificada a significativa movimentação mensal na clínica do apelante e a tamanha distorção entre os valores recebidos por sua empresa e aqueles efetivamente declarados, é impossível não tivesse o acusado conhecimento quanto à incorreção dos valores lançados nas declarações de imposto de renda enviadas à Receita Federal, sendo irrelevante o fato de os documentos estarem ou não em sua posse ou se ocorrera desentendimento com o seu contador.


Portanto, concluo que o dolo do apelante é extraído exatamente dessas circunstâncias, isto é, do fato de não poder ele alegar desconhecimento dos valores não declarados à Receita Federal, sob o argumento frágil de que os recibos e notas fiscais estariam na posse de seu contador, pois, como visto, há clara e evidente discrepância entre o "quantum" declarado ao fisco e os valores que ingressaram na contabilidade da empresa, a qual, ressalte-se, não foi sequer apresentada à Auditoria Fiscal, tendo a fiscalização apurado as receitas mediante a apreensão de outros documentos, conforme consta de fl. 122, em que a auditora da Receita Federal declara que:


"[...] Pelo Termo de Início da Ação Fiscal de fls. 047/048, foi intimado a apresentar os livros e documentos, porém, no dia 12/4/2005, conforme Termo de Retenção de fl. 049, apresentou somente os canhotos e cópias dos recibos e talonários de notas fiscais modelo 1, não tendo apresentado os livros contendo as escriturações contábil e fiscal" - grifo nosso.


Ainda, a corroborar a má-fé do apelante, há também a circunstância de a empresa de sua propriedade estar inscrita indevidamente no SIMPLES, em manifesta afronta ao artigo 9º, inciso XIII, da Lei nº 9.317, de 05 de dezembro de 1996, que veda a opção a este sistema de tributação para os dentistas, entre outros profissionais liberais.

Outrossim, além de irregular a forma de recolhimento de tributos pelo réu, restou comprovado nos autos que o acusado, dolosamente, deixou de declarar significativo ingresso financeiro auferido por sua empresa, da qual era o único administrador, nos anos-calendário de 2001 a 2003, resultando, com isso, na supressão de relevantes valores em tributos federais.


Por fim, a alegação de que, na condição de cirurgião dentista, era ele responsável somente pelas atividades clínicas e odontológicas de seu consultório, e que os responsáveis pela administração seriam sua ex-secretária Elaine e ex-contador Marcos, é absurda e de manifesta improcedência, pois além de não provada essa versão por qualquer prova dos autos, o único interessado na boa condução do seu negócio era o próprio apelante, inexistindo, pois, verossimilhança ou razoabilidade nessa linha de argumentação.


Destarte, sopesado todo o contexto probatório carreado aos autos, entendo deva ser mantida a condenação do réu, nos exatos termos da r. sentença "a quo".


Passo à análise da dosimetria da pena.


Na primeira fase sua Excelência considerou os maus antecedentes do réu e o grande valor dos tributos sonegados, aplicando a pena-base em quatro anos de reclusão.


O réu, de fato, ostenta uma condenação criminal transitada em julgado no ano de 1994, cuja pena foi cumprida em 1996 (fls. 1023 e verso), a configurar maus antecedentes.


O valor do tributo suprimido é também significativo, devendo tal fator ser sopesado na dosimetria como consequência do crime.


As demais circunstâncias judiciais, porém, são favoráveis ao réu, conforme documentação trazida pela defesa acerca de sua conduta social (fls. 936/970), razão pela qual, sopesado o valor do tributo suprimido e o fato de o réu ostentar uma única condenação criminal por crime praticado no ano de 1994, sem outros registros, entendo demasiada a pena-base fixada em primeiro grau, sendo mais razoável e suficiente a sua aplicação em três anos de reclusão e quinze dias-multa.


Não há agravantes ou atenuantes a serem sopesadas.


Em se tratando de três condutas praticadas nas mesmas condições de tempo, modo e lugar (anos-calendário de 2001 a 2003), é, de fato, aplicável à espécie o instituto da continuidade delitiva, devendo ser mantido o patamar de 1/4 (um quarto) aplicado em primeiro grau, resultando, assim, nas penas finais de três anos e nove meses de reclusão e dezoito dias-multa.


No tocante ao regime prisional, apesar de ostentar antecedente, trata-se de um único fato ocorrido no ano de 1994, não havendo notícias nos autos de infrações penais posteriores praticadas pelo acusado, com trânsito em julgado, não podendo procedimentos criminais em curso, apontados em sua folha de antecedentes, servirem em prejuízo do réu, à luz da Súmula 444 do STJ.


Assim, sendo favoráveis as circunstâncias judiciais, o regime inicial deve ser o aberto.


Pelas mesmas razões, entendo presentes os requisitos do artigo 44 do Código Penal, razão por que substituo a pena privativa de liberdade aplicada por duas reprimendas restritivas de direitos, consistentes em uma de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, e outra de prestação pecuniária de seis salários mínimos mensais, a serem recolhidos em seis parcelas, em prol de instituição de caráter assistencial, a ser designada pelo Juízo das Execuções Criminais.


Ante todo o exposto, afasto as preliminares arguidas, e, no mérito, dou parcial provimento à apelação defensiva, a fim de reduzir as penas impostas para três anos e nove meses de reclusão e dezoito dias-multa, fixar o regime inicial aberto e substituir a pena privativa de liberdade aplicada por duas reprimendas restritivas de direitos, consistentes em uma de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, a ser fixada pelo Juízo das Execuções, e outra de prestação pecuniária de seis salários mínimos mensais, a serem recolhidos em seis parcelas, em prol de instituição de caráter assistencial, a ser designada pelo Juízo das Execuções Criminais.

É como voto.


LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LUIZ DE LIMA STEFANINI:10055
Nº de Série do Certificado: 6F9CE707DB6BDE6E6B274E78117D9B8F
Data e Hora: 25/11/2014 17:22:22