Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 03/03/2015
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0012912-19.2014.4.03.0000/SP
2014.03.00.012912-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
RECORRENTE : AILTON FERREIRA DA SILVA
ADVOGADO : SP237072 EMERSON CHIBIAQUI e outro
RECORRIDO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00129121920144030000 1 Vr SOROCABA/SP

EMENTA

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. SENTENÇA DENEGATORIA DE HABEAS CORPUS. CRIMES DE USO DE DOCUMENTO FALSO E FALSIDADE IDEOLÓGICA. DECLARAÇÃO DE POBREZA PARA OBTENÇÃO DA JUSTIÇA GRATUITA. CONDUTA ATÍPICA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. RECURSO PROVIDO.
1- No caso em tela, a autoridade impetrada requisitou instauração de inquérito policial contra o recorrente, para apurar a prática, em tese, dos crimes de falsidade ideológica/uso de documento falso, diante de suspeitas de que a declaração de pobreza firmada em seu favor seria ideologicamente falsa.
2- São atípicas as condutas de firmar e usar, em juízo, declaração de pobreza que não corresponda à realidade dos fatos, em razão da possibilidade de confirmação da veracidade da informação contida no documento, inclusive com o indeferimento do pleito de gratuidade ou posterior revogação da decisão. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça que já decidiu que não configura crime, tendo em vista a presunção relativa de tal documento, que comporta prova em contrário (HC 261.074/MS, HC 201102201720, HC 105.592/RJ). Também o Supremo Tribunal Federal julgou nesse sentido (HC 85976).
3- Não é qualquer indeferimento do pedido de gratuidade de justiça que leva à conclusão do cometimento de um crime, porquanto, a parte pode entender que os custos da demanda são altos a ponto de comprometer sua subsistência, e ter seu pedido indeferido, não configurando o dolo da conduta, não havendo previsão legal da modalidade culposa.
4- Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso em sentido estrito para determinar o trancamento o inquérito policial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 23 de fevereiro de 2015.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0012912-19.2014.4.03.0000/SP
2014.03.00.012912-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
RECORRENTE : AILTON FERREIRA DA SILVA
ADVOGADO : SP237072 EMERSON CHIBIAQUI e outro
RECORRIDO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00129121920144030000 1 Vr SOROCABA/SP

RELATÓRIO

Trata-se de Recurso em Sentido Estrito, interposto por AILTON FERREIRA DA SILVA em face da sentença que denegou a ordem de Habeas Corpus impetrado com o fim de trancamento de inquérito policial instaurado a partir de determinação do Juizo da 1ª Vara Federal de Sorocaba.

Informa o recorrente que, nos autos do processo cível nº. 0000486-75.2014.403.6110, a autoridade impetrada requisitou a instauração de inquérito policial em desfavor do então paciente, para que se investigue a suposta prática dos delitos descritos nos artigos 299 e 304, do Código Penal.

Na citada ação cível, teria requerido a concessão dos benefícios da gratuidade de justiça, embasado em declaração firmada pelo litigante e colacionada aos autos pelo causídico.

Afirma que, em decorrência do pedido do benefício da justiça gratuita, a autoridade impetrada efetuou pesquisa via sistema CNIS e, diante da constatação da renda mensal do paciente litigante na ação originária, indeferiu o benefício da justiça gratuita, fixou o valor das custas processuais no dobro do valor devido e determinou a extração de cópias de peças dos autos para instauração de inquérito policial com o fim de investigar a possível ocorrência de ilícito penal.

Aduz que a conduta imputada ao recorrente, segundo entendimento jurisprudencial dominante, seria atípica, uma vez que a declaração de pobreza seria um documento questionável, passível de impugnação pela parte contrária ou de simples indeferimento do benefício pelo Juízo.

Afirma que a decisão impugnada faz referência à decisão judicial isolada, ressalta a controvérsia e subjetividade na questão referente aos rendimentos máximos que permitiriam o benefício da justiça gratuita, discorre sobre sua tese e colaciona doutrina e jurisprudência que entende lhe favorecer.

Pede seja reformada a sentença para determinar-se o imediato trancamento do inquérito policial.

As contrarrazões foram ofertadas às fls. 99/105.

Após, subiram os autos a esta E. Corte, onde o Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso (fls. 109/111).

Dispensada a revisão, na forma regimental.

É O RELATÓRIO.


VOTO

Cabe apontar que, tanto o Supremo Tribunal Federal, quanto o Superior Tribunal de justiça já se manifestaram no sentido da excepcionalidade do trancamento do inquérito policial ou da ação penal, como segue (negritei):

"EMENTA: HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL PARA APURAÇÃO DE LAVAGEM DE DINHEIRO. ATIPICIDADE DOS FATOS. IMPROCEDÊNCIA. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de só admitir o trancamento de ação penal e de inquérito policial em situações excepcionais. Situações que se reportem a conduta não-constitutiva de crime em tese, ou quando já estiver extinta a punibilidade, ou ainda, se inocorrentes indícios mínimos da autoria. Precedente: HC 84.232-AgR. 2. Todo inquérito policial é modalidade de investigação que tem seu regime jurídico traçado a partir da Constituição Federal, mecanismo que é das atividades genuinamente estatais de "segurança pública". Segurança que, voltada para a preservação dos superiores bens jurídicos da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, é constitutiva de explícito "dever do Estado, direito e responsabilidade de todos" (art. 144, cabeça, da C.F.). O que já patenteia a excepcionalidade de toda medida judicial que tenha por objeto o trancamento de inquérito policial . Habeas corpus indeferido." (HC 87310, CARLOS BRITTO, STF)
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O SEU PROSSEGUIMENTO. A AUTORIA E A MATERIALIDADE DO ILÍCITO. VIA ELEITA INADEQUADA. EXAME DE FATOS E PROVAS. 1. O trancamento da ação penal pela via do habeas corpus é medida de exceção que só se admite quando evidenciada, de plano, a atipicidade do fato, a ausência de indícios que fundamentem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade. 2. A verificação acerca da procedência ou improcedência da questão deduzida demanda inevitavelmente o exame aprofundado das provas, o que não se coaduna com o caminho eleito, que requer demonstrações inequívocas das alegações. 3. Ordem denegada."(HC 200500853099, OG FERNANDES, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:22/09/2008.)

No caso em tela, a autoridade impetrada determinou a instauração de inquérito policial contra o paciente, para apurar a prática, em tese, dos crimes de falsidade ideológica/uso de documento falso, diante de suspeitas de que a declaração de pobreza firmada em favor do paciente seria ideologicamente falsa.

A questão diz com saber se as condutas de firmar e de usar declaração de hipossuficiência falsa, para fins de obtenção dos benefícios da gratuidade de justiça, configuram os delitos descritos nos arts. 299 e 304, ambos do Código Penal.

Eis o teor do art. 299 do Código Penal:

Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

Acerca do crime de falsidade ideológica, a doutrina prevalente ensina que somente se caracteriza se a declaração prestada não estiver sujeita a confirmação pela parte interessada, gozando, portanto, de presunção absoluta de veracidade.

Com efeito, a lição de Guilherme de Souza Nucci (In: Código Penal Comentado. 13 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 1139):

71-A. Declaração de pobreza para obter os benefícios da justiça gratuita: não pode ser considerada documento para os fins deste artigo, pois é possível produzir prova respeito do estado de miserabilidade de quem pleiteia o benefício da assistência judiciária. O juiz pode, à vista das provas colhidas, indeferir o pedido (art. 6.º, Lei 1.060/50), sendo, pois, irrelevante a declaração apresentada.


Nesse sentido, com relação à declaração de pobreza falsa, visando a obtenção dos benefícios da gratuidade de justiça, colaciono os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça que já decidiu que não configura crime, tendo em vista a presunção relativa de tal documento, que comporta prova em contrário:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DESCABIMENTO. CRIMES DE USO DE DOCUMENTO FALSO E FALSIDADE IDEOLÓGICA. DECLARAÇÃO DE POBREZA PARA OBTENÇÃO DA JUSTIÇA GRATUITA. CONDUTA ATÍPICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM NÃO CONHECIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.
- O Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, passou a inadmitir habeas corpus substitutivo de recurso próprio, ressalvando, porém, a possibilidade de concessão da ordem de ofício nos casos de flagrante constrangimento ilegal.
- O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a mera declaração de estado de pobreza para fins de obtenção dos benefícios da justiça gratuita não é considerada conduta típica, diante da presunção relativa de tal documento, que comporta prova em contrário.
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para determinar o trancamento da ação penal.
(HC 261.074/MS, Rel. Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE), SEXTA TURMA, julgado em 05/08/2014, DJe 18/08/2014)
HABEAS CORPUS. ARTIGOS 299 E 304 DO CÓDIGO PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DECLARAÇÃO DE POBREZA FALSA. OBJETIVO DE OBTENÇÃO DOS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA. CONDUTAS ATÍPICAS. ORDEM CONCEDIDA. 1. Somente se configura o crime de falsidade ideológica se a declaração prestada não estiver sujeita a confirmação pela parte interessada, gozando, portanto, de presunção absoluta de veracidade. 2. Esta Corte já decidiu ser atípica a conduta de firmar ou usar declaração de pobreza falsa em juízo, com a finalidade de obter os benefícios da gratuidade de justiça, tendo em vista a presunção relativa de tal documento, que comporta prova em contrário. 3. Ordem concedida para trancar a ação penal. (HC 201102201720, MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:05/03/2012 ..DTPB:.)
HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. DECLARAÇÃO DE POBREZA PARA OBTENÇÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. CONDUTA ATÍPICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA.
1. O trancamento da ação penal, em sede de habeas corpus, somente deve ser acolhido se restar demonstrado, de forma indubitável, a ocorrência de circunstância extintiva da punibilidade, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito, ou a atipicidade da conduta.
2. A declaração de pobreza com o intuito de obter os benefícios da justiça gratuita goza de presunção relativa, passível, portanto, de prova em contrário.
3. Assim, a conduta de quem se declara falsamente pobre visando aludida benesse não se subsume àquela descrita no art. 299 do Código Penal. Precedentes.
4. Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal.
(HC 105.592/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 23/03/2010, DJe 19/04/2010)


E também do Supremo Tribunal Federal:

FALSIDADE IDEOLÓGICA. DECLARAÇÃO DE POBREZA PARA FINS DE GRATUIDADE JUDICIÁRIA.
Declaração passível de averiguação ulterior não constitui documento para fins penais. HC deferido para trancar a ação penal.
(HC 85976, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 13/12/2005, DJ 24-02-2006 PP-00051 EMENT VOL-02222-02 PP-00375 RT v. 95, n. 849, 2006, p. 490-491)

Não se desconhece a existência de julgados em sentido contrário. Contudo, filio-me ao entendimento esposado, no sentido de serem atípicas as condutas de firmar e usar, em juízo, declaração de pobreza que não corresponda à realidade dos fatos. Isso, em razão da possibilidade de confirmação da veracidade da informação contida no documento, inclusive com o indeferimento do pleito de gratuidade ou posterior revogação da decisão.

Embora a Lei nº 1.060/50 determine que os benefícios da assistência judiciária podem ser concedidos mediante simples afirmação do interessado, admite impugnação e inclusive impõe sanção para a hipótese de falsidade, como se vê do art. 4º da aludida norma, in verbis :

Art. 4º. A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.
§ 1º. Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais.
§ 2º. A impugnação do direito à assistência judiciária não suspende o curso do processo e será feita em autos apartados.

Além disso, não é qualquer indeferimento do pedido de gratuidade de justiça que leva à conclusão do cometimento de um crime, porquanto, a parte pode entender que os custos da demanda são altos a ponto de comprometer sua subsistência, e ter seu pedido indeferido, não configurando o dolo da conduta, não havendo previsão legal da modalidade culposa.


Diante do exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso em sentido estrito para determinar o trancamento o inquérito policial nº 0292/2014-4.


É como voto.


PAULO FONTES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): PAULO GUSTAVO GUEDES FONTES:67
Nº de Série do Certificado: 3DDA401E3F58F0FE
Data e Hora: 17/12/2014 17:43:07