Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 03/03/2015
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005515-79.2014.4.03.6119/SP
2014.61.19.005515-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : CARLOS ALBERTO RODRIGUES
ADVOGADO : SP107291 JAYME PETRA DE MELLO FILHO e outro
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00055157920144036119 1 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA

PROCESSO PENAL. SENTENÇA DENEGATORIA DE HABEAS CORPUS. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ART. 581, X, CPP. PRINCIPIO DA FUNGIBILIDADE. APLICAÇÃO. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL INSTAURADO PARA APURAR A SUPOSTA PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ART. 334 DO CÓDIGO PENAL. NULIDADES. OFENSA ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. INOCORRENCIA. AUTORIA E MATERIALIDADE. DILAÇÃO PROBATÓRIA. INCABIVEL EM SEDE DE HABEAS CORPUS.
1- Apelação interposta em face da sentença que denegou a ordem de habeas corpus, em que se objetiva o trancamento de inquérito policial em virtude de possíveis irregularidades cometidas pela autoridade policial. Em que pese a existência de via processual adequada, recebo o presente recurso como Recurso em Sentido Estrito, em razão do principio da fungibilidade, bem como em razão da interposição no prazo do recurso correto.
2- Não verifica-se a existência de patente ilegalidade ou abuso de poder na instauração do inquérito policial decorrente da constatação de indícios de autoria e materialidade de um fato delituoso, bem como reputo que a via estreita do habeas corpus não admite o exame aprofundado de provas, quanto à propriedade ou não dos bens apreendidos ou se o delito é tentado ou consumado.
3- O inquérito policial não foi instaurado com base na confissão do apelante, mas sim frente à eventual cometimento do delito de descaminho, em virtude de trazer consigo na bagagem algumas joias sem ter preenchido a devida declaração de bens.
4- Com relação às irregularidade apontadas, tais como o desrespeito às garantias constitucionais, inclusive a de ser assistido por advogado durante o interrogatório e a de que passou por revista vexatória e sem presença de testemunha, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça é uníssona no sentido de que, tanto nos casos de nulidade relativa quanto nos casos de nulidade absoluta, o reconhecimento de vício que enseje a anulação de ato processual exige a efetiva demonstração de prejuízo ao acusado, à luz do art. 563 do Código de Processo Penal (pas de nullité sans grief), o que não restou evidenciado na hipótese.
5- A solução da lide deve realmente se orientar de acordo com a máxima in dubio pro societate, concluindo que somente a continuidade das investigações será suficiente para esclarecer cabalmente todas as questões postas e se apurar se os indícios até aqui colhidos constituem ou não prova de prática de infração penal.
6- Apelação recebida como Recurso em Sentido Estrito, ao qual se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, receber a apelação como recurso em sentido estrito e negar-lhe provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 23 de fevereiro de 2015.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005515-79.2014.4.03.6119/SP
2014.61.19.005515-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : CARLOS ALBERTO RODRIGUES
ADVOGADO : SP107291 JAYME PETRA DE MELLO FILHO e outro
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00055157920144036119 1 Vr GUARULHOS/SP

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por CARLOS ALBERTO RODRIGUES em face da sentença que denegou a ordem de habeas corpus, em que se objetiva o trancamento de inquérito policial em virtude de possíveis irregularidades cometidas pela autoridade policial.


Consta que foi instaurado inquérito policial em desfavor do apelante, pois, no dia 30.04.2014, ao passar pela fiscalização da Receita Federal no Aeroporto Internacional de Guarulhos, teve retidas joias que trazia consigo dentro de uma maleta ao desembarcar do voo vindo de Miami/EUA .


Alega, às fls. 162/166, que na Delegacia de Policia Federal daquele aeroporto foi coagido pela autoridade policial a confessar a propriedade das joias e o motivo do transporte, bem como que não foram respeitadas as garantias constitucionais, inclusive a de ser assistido por advogado durante o interrogatório. Acrescentou que passou por revista vexatória e sem presença de testemunha.


Aduz ainda que o crime a ele imputado foi cometido na forma tentada e que não estaria caracterizada a materialidade delitiva.


Assim, em razão das nulidades apontadas, pleiteia a concessão da ordem para o trancamento do inquérito policial nº 109/2014.


Com contrarrazões (fls. 169/174), subiram os autos a esta E. Corte.


Finalmente, após vistar os autos, a Procuradoria Regional da República opinou pelo conhecimento da apelação e, no mérito, pelo não provimento do recurso (fls.178/182).


É o relatório.

Dispensada a revisão nos termos do regimento interno.


VOTO

Inicialmente, em que pese a existência de via processual adequada à impugnação da sentença que denega a ordem de habeas corpus, recebo o presente recurso como Recurso em Sentido Estrito, em razão do principio da fungibilidade, bem como em razão da interposição no prazo do recurso correto.


Isto posto, cumpre consignar que a ação de habeas corpus tem pressuposto específico de admissibilidade, consistente na demonstração primo ictu oculi da violência atual ou iminente, qualificada pela ilegalidade ou pelo abuso de poder, que repercuta, mediata ou imediatamente, no direito à livre locomoção, conforme previsão do art. 5º, inc. LXVIII, da Constituição Federal e art. 647 do Código de Processo Penal.


Ainda, cabe apontar que, tanto o Supremo Tribunal Federal, quanto o Superior Tribunal de Justiça, já se manifestaram no sentido da excepcionalidade do trancamento do inquérito policial ou da ação penal, como segue:


"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ENCAMINHAMENTO DE DOCUMENTOS PARA A POLÍCIA FEDERAL E A OAB/SP. DEFICIÊNCIA NA INSTRUÇÃO DO WRIT. NÃO-CONHECIMENTO. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. EXCEPCIONALIDADE. EVIDÊNCIA DE INOCÊNCIA, ATIPICIDADE OU EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO-CONFIGURADO. ORDEM NÃO-CONHECIDA. 1. O habeas corpus, em sua estreita via, deve vir instruído com todas as provas pré-constituídas que permitem sua análise, uma vez que não se admite dilação probatória. 2. Conforme pacífico magistério jurisprudencial, somente se admite o trancamento de inquérito policial ou da ação penal, por falta de justa causa , quando desponta, evidentemente, a inocência do indiciado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade. 3. Ordem não-conhecida."(HC 200901831619, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:29/03/2010.)

"EMENTA: HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL PARA APURAÇÃO DE LAVAGEM DE DINHEIRO. ATIPICIDADE DOS FATOS. IMPROCEDÊNCIA. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de só admitir o trancamento de ação penal e de inquérito policial em situações excepcionais. Situações que se reportem a conduta não-constitutiva de crime em tese, ou quando já estiver extinta a punibilidade, ou ainda, se inocorrentes indícios mínimos da autoria. Precedente: HC 84.232-AgR. 2. Todo inquérito policial é modalidade de investigação que tem seu regime jurídico traçado a partir da Constituição Federal, mecanismo que é das atividades genuinamente estatais de "segurança pública". Segurança que, voltada para a preservação dos superiores bens jurídicos da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, é constitutiva de explícito "dever do Estado, direito e responsabilidade de todos" (art. 144, cabeça, da C.F.). O que já patenteia a excepcionalidade de toda medida judicial que tenha por objeto o trancamento de inquérito policial. Habeas corpus indeferido. (HC 87310, CARLOS BRITTO, STF)

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O SEU PROSSEGUIMENTO. A AUTORIA E A MATERIALIDADE DO ILÍCITO. VIA ELEITA INADEQUADA. EXAME DE FATOS E PROVAS. 1. O trancamento da ação penal pela via do habeas corpus é medida de exceção que só se admite quando evidenciada, de plano, a atipicidade do fato, a ausência de indícios que fundamentem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade. 2. A verificação acerca da procedência ou improcedência da questão deduzida demanda inevitavelmente o exame aprofundado das provas, o que não se coaduna com o caminho eleito, que requer demonstrações inequívocas das alegações. 3. Ordem denegada.(HC 200500853099, OG FERNANDES, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:22/09/2008.)

No caso dos autos, a autoridade impetrada indeferiu a ordem de habeas corpus originária sob os seguintes fundamentos:

"(...)
Conforme copias do inquérito policial às fls. 19/96, há fortes elementos indicativos da autoria e materialidade delitiva, conforme termo de retenção de bens (fl. 22), termo de declarações (fl. 24) e Informação 170/2014 (fls. 28/29). Portanto, não é possível falar em falta de jsuta causa para o eventual indiciamento (uma vez que conforme informações da autoridade coatora, o paciente ainda não foi indiciado). Este é ato de competência do delegado que preside o inquérito e, se latreado em prova colhida durante a investigação, é perfeitamente legal.
Por outro lado, o simples indiciamento não causa dano ao paciente, visto que o Ministério Público Federal, titular da ação penal que pode ser eventualmente proposta contra si, não está vinculado à conclusão da autoridade policial, e nem o magistrado que fará o juízo acerca dos fatos narrados na denuncia está vinculado, por sua vez, ao entendimento do parquet.
Com relação ao fato de não lhe ser dado o direito constitucional de ser assistido por um advogado, não considero como causa de nulidade, como alegado pelo impetrante, uma vez que se trata de procedimento inquisitivo, não sujeito ao contraditório. (...)
Já com relação à suposta situação vexatória, como bem ressaltou o Ministério Público Federal além de não demonstrado até o momento, não seria suficiente a ensejar o trancamento do inquérito policial.
Também não merece prosperar a alegação de que a tipificação constante do inquérito estaria incorreta, uma vez que juiz poderá atribuir-lhe definição diversa, conforme artigo 383 do Código de Processo Penal (...)" (fls. 152/155)

Constata-se, pois, que não verifica-se a existência de patente ilegalidade ou abuso de poder na instauração do inquérito policial decorrente da constatação de indícios de autoria e materialidade de um fato delituoso, bem como reputo que a via estreita do habeas corpus não admite o exame aprofundado de provas, quanto à propriedade ou não dos bens apreendidos ou se o delito é tentado ou consumado.


Outrossim, verificada a existência de fato que, em tese, configura crime, e havendo indícios de sua autoria, cabe à Autoridade policial a realização de investigações com o fim de oferecer subsídios ao Representante do Ministério Público Federal que, no exercício de suas atribuições constitucionais, eventualmente poderá oferecer denúncia com o fim de instaurar ação penal, para, à luz dos princípios constitucionais e legislação vigente, proceder à apuração dos fatos.


Nesse mesmo sentido:


"HABEAS CORPUS - REQUISIÇÃO DE INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL - ALEGADA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA INDICIAMENTO - SUPOSTA PRÁTICA DE CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA - INIDÔNEA DECLARAÇÃO DE POBREZA PARA FINS DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA - CONDUTA TÍPICA, A PRINCÍPIO - DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1.- Conduta que, em tese se subsume ao tipo previsto no artigo 299, do Código Penal. Não caracteriza constrangimento ilegal a requisição de inquérito policial com vistas à apuração de inidôneo pedido de justiça gratuita , diante da notória boa situação financeira do autor de ação. 2.- O trancamento de ação por falta de justa causa, na via estreita do writ, somente é viável desde que se comprove, de plano, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou ausência de indícios de autoria ou de prova sobre materialidade do delito, hipóteses não ocorrentes na espécie. 3.- Ordem denegada." (HC 00178670620084030000, DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, DJF3 DATA:29/09/2008)

O inquérito policial não foi instaurado com base na confissão do apelante, mas sim frente à eventual cometimento do delito de descaminho, em virtude de trazer consigo na bagagem algumas joias sem ter preenchido a devida declaração de bens.


Ademais, com relação às irregularidade apontadas, tais como o desrespeito às garantias constitucionais, inclusive a de ser assistido por advogado durante o interrogatório e a de que passou por revista vexatória e sem presença de testemunha, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça é uníssona no sentido de que, tanto nos casos de nulidade relativa quanto nos casos de nulidade absoluta, o reconhecimento de vício que enseje a anulação de ato processual exige a efetiva demonstração de prejuízo ao acusado, à luz do art. 563 do Código de Processo Penal (pas de nullité sans grief), o que não restou evidenciado na hipótese.

EMEN: HABEAS CORPUS. AMEAÇA E HOMICÍDIO TENTADO. INDICAMENTO INDIRETO. IRREGULARIDADE. INEXISTÊNCIA. VÍCIOS NA FASE INVESTIGATÓRIA. NÃO CONTAMINAÇÃO DA AÇÃO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA EXTENSÃO, DENEGADA.
1. Na hipótese vertente, não se vislumbra qualquer irregularidade no indiciamento indireto do paciente apta a inquinar a nulidade do inquérito policial .
2. Eventuais irregularidades ocorridas na fase investigatória, dada a natureza inquisitiva do inquérito policial , não contaminam, necessariamente, a ação penal.
3. O pedido de trancamento da ação penal não foi analisado pelo Tribunal a quo, o que impede a sua apreciação por esta Corte, sob pena de supressão de instância.
4. Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, denegada. (STJ - HC 201100070387 - HABEAS CORPUS - 194473 - Relator(a) JORGE MUSSI - QUINTA TURMA - DJE DATA: 03/05/2012)

Conforme informações da autoridade policial, após o procedimento de fiscalização aduaneira e verificada a presença das joias, o paciente foi ouvido em declarações, sendo que não houve a alegada coação, pois o próprio paciente apresentou o celular onde se verificou a troca de mensagens com terceiro, possivelmente o proprietário desses bens que utilizava do paciente, tripulante da American Airlines, para trazê-los ao Brasil sem se submeter às formalidades legais.


Assim, a solução da lide deve realmente se orientar de acordo com a máxima in dubio pro societate, concluindo que somente a continuidade das investigações será suficiente para esclarecer cabalmente todas as questões postas e se apurar se os indícios até aqui colhidos constituem ou não prova de prática de infração penal.


Não há como afirmar categoricamente que se enquadram nas hipóteses excepcionais de trancamento do inquérito policial, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RHC 86.534 de relatoria do Ministro Eros Grau. Eventual conclusão acerca dos elementos do tipo penal, tal como a presença do dolo, implicaria em exame aprofundado de matéria fática controversa, o que seria de todo incompatível com a via estreita do writ.


Ante o exposto, recebo a apelação como recurso em sentido estrito e nego-lhe provimento.


É como voto.



PAULO FONTES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): PAULO GUSTAVO GUEDES FONTES:67
Nº de Série do Certificado: 3DDA401E3F58F0FE
Data e Hora: 18/12/2014 18:58:36