D.E. Publicado em 15/04/2015 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações defensivas, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas por Francisco Osmar Pinotti e Ezer José Abuchaim, em face da r. sentença de fls. 491/497, proferida pelo MMº Juízo da 2ª Vara Federal de Araraquara/SP, que os condenou na forma seguinte:
1) FRANCISCO OSMAR PINOTTI:
1.1. incurso nas penas do artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, a dois anos, nove meses e vinte e cinco dias de reclusão e a onze dias-multa, no valor unitário de ¼ do salário mínimo;
1.2. e, ainda, incurso no artigo 304, c.c o art. 299, do Código Penal (crime de uso de documento ideologicamente falso), a um ano e quatro meses de reclusão e dez dias-multa, no valor unitário de ¼ do salário mínimo.
Nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal, foi fixado o regime inicial aberto.
Com fundamento no artigo 44, § 2º, do Código Penal, as reprimendas privativas de liberdade supra foram substituídas por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, a serem cumpridas na forma do artigo 46 daquele Codex e demais condições impostas pelo Juízo das Execuções Penais.
2) EZER JOSÉ ABUCHAIM
incurso nas penas do artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, a três anos, dois meses e doze dias de reclusão e a doze dias-multa, no valor unitário de ¼ do salário mínimo;
Nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal, foi fixado o regime inicial aberto.
Com fundamento no artigo 44, § 2º, do Código Penal, as reprimendas privativas de liberdade supra foram substituídas por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, a serem cumpridas na forma do artigo 46 daquele Codex e demais condições impostas pelo Juízo das Execuções Penais.
Posteriormente, por decisão de fl. 508, o MMº Juízo "a quo" julgou extinta a punibilidade do acusado Francisco Osmar Pinotti, em razão da prescrição retroativa, ocorrida entre a data do fato e a data do recebimento da denúncia, quanto ao crime de uso de documento ideologicamente falso (art. 304, c.c o art. 299, do Código Penal), com fundamento no artigo 107, IV, do Código Penal, tendo esta decisão transitado em julgado em 19/02/2012 (fl. 509/verso).
Em razões de fls. 523/527, a defesa de Francisco Osmar Pinotti aduz, em síntese, que com base no artigo 111, inciso I, do Código Penal, o crime contra a ordem tributária está prescrito, já que deve ser considerado praticado no momento da conduta e não posteriormente, quando da constituição definitiva do crédito tributário, à luz do disposto no artigo 4º do Código Penal.
Requer, pois, seja reconhecida a prescrição, com a extinção da punibilidade do apelante.
Ainda, reiterando as alegações finais, pleiteia a defesa a absolvição de Francisco, sob o argumento de que todas as despesas declaradas ao fisco teriam realmente sido realizadas, bem como requer a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita.
Quanto ao corréu Ézer José Abuchaim, em razões de fls. 528/535, a defesa alega litispendência, pois o acusado já teria sido processado pelos mesmos fatos nos autos da ação penal nº 2003.61.20.000420-9, que tramitou pela E. Primeira Vara Federal de Araraquara/SP.
Aduz já haver sentença transitada em julgado naqueles autos, conforme acórdão e certidão de fls. 481/482 e 488, respectivamente, a ensejar bis in idem.
Argumenta, ademais, inexistir justa causa para a presente ação penal, posto que o processo administrativo-fiscal ainda está em curso na esfera administrativa e foi instaurado somente contra o corréu Francisco Osmar Pinotti, de sorte que sequer poderia ter sido oferecida denúncia pelo "Parquet" Federal, à míngua de constituição definitiva do crédito tributário, conforme pacificado pelo C. STF.
Requer, outrossim, seja reconhecida a nulidade da ação penal em relação ao acusado.
Contrarrazões ministeriais às fls. 537/540, pelo improvimento das apelações.
Em parecer de fls. 542/574, a Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento das apelações defensivas.
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
Segundo a denúncia, na declaração de renda referente aos anos-calendário de 1999 e 2000, o acusado Francisco Osmar Pinotti teria prestado informações falsas às autoridades fazendárias, reduzindo, com isso, imposto de renda pessoa física.
Apurou-se que o acusado lançou em suas declarações anuais de renda despesas médicas e odontológicas fictícias, referentes a serviços e pagamentos que não existiram, reduzindo, por consequência, a base de cálculo sobre a qual incidiria a alíquota de pagamento do imposto de renda, resultando, pois, na redução daquele tributo no valor total de R$ 47.373,32 (quarenta e sete mil, trezentos e setenta e três reais e trinta e dois centavos), atualizado até novembro de 2005.
Foi apurado, ademais, que a fraude em questão somente foi possível graças à participação do corréu Ezer José Abuchaim, que, de forma consciente e em comum acordo com Francisco, emitiu os recibos ideologicamente falsos, com a finalidade única de acobertar as despesas fictícias, participando, pois, do crime tributário em questão.
Com efeito, a fim de garantir a impunidade do crime fiscal acima descrito, Francisco Osmar Pinotti apresentou à Delegacia da Receita Federal em Araraquara onze recibos ideologicamente falsos, emitidos pelo réu Ezer José Abuchaim, descrevendo pagamentos fictícios por serviços médicos e odontológicos não prestados, conforme fls. 10/13 dos autos.
Tais recibos foram considerados inidôneos pela Receita Federal, conforme Ato Declaratório Executivo nº 1, de 6.2.2004, tendo Ezer José Abuchaim sido condenado por fatos similares nos autos da ação penal nº 2003.61.20.000420-9, na Primeira Vara Federal de Araraquara/SP.
Ao final, Francisco Osmar Pinotti foi denunciado como incurso nas penas do artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, em concurso material com o crime do artigo 304, c.c o art. 299 (documento particular), do Código Penal, enquanto Ezer José Abuchaim foi denunciado, apenas, nas sanções do artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90.
Brevemente sintetizados os fatos, passo à análise das apelações defensivas.
Por primeiro, com relação à litispendência arguida pela defesa do corréu Ezer Jose Abuchaim, improcedem seus argumentos, porquanto consta do sistema processual desta Corte que a Ação Penal nº 2003.61.20.000420-9 foi trancada pela E. Segunda Turma deste Tribunal, em sessão de julgamento datada de 09/02/2010, tendo esta decisão transitado em julgado para as partes em 15/04/2010.
Assim, inexistindo notícias nos autos de haver outra ação penal em curso com as mesmas partes, mesmo pedido e mesma causa de pedir, não há falar-se em litispendência.
E eventual propositura de nova ação após o trancamento supramencionado, não acarretaria a extinção desta ação penal, mas sim da última proposta, caso haja litispendência com este feito.
No tocante à alegação de inexistir justa causa para a presente ação penal, posto que o processo administrativo-fiscal ainda estaria em curso na esfera administrativa e foi instaurado somente contra o corréu Francisco Osmar Pinotti, da mesma forma, são improcedentes as alegações defensivas.
Isso porque, como bem asseverado em primeiro grau, a constituição definitiva do crédito tributário em questão está efetivamente comprovada nos autos por meio do ofício da Procuradoria da Fazenda Nacional de fls. 109/110, dando conta da inscrição do débito em dívida ativa em 14/08/2006, referente ao Processo Administrativo Tributário nº 13851001659/2005-27, cuja decisão pela procedência do lançamento fiscal está juntada às fls. 83/90, enquanto à fl. 100 consta decisão da Receita Federal dando conta de não ter havido recurso voluntário pelo contribuinte, ora apelante Francisco Osmar Pinotti, ocorrendo, portanto, a constituição definitiva do crédito tributário.
Assim, não há falar-se em falta de justa causa para a ação penal, nos termos da Súmula Vinculante nº 24 do STF, tampouco que referida constituição do crédito atinge somente o corréu Francisco Osmar Pinotti, já que Ezer Jose Abuchaim é acusado nestes autos como partícipe da conduta ilícita de Francisco, ao fornecer a este recibos ideologicamente falsos de serviços odontológicos jamais prestados, a fim de lhe possibilitar a sonegação, de maneira que é evidente que o procedimento administrativo-fiscal, para a devida apuração do débito tributário, somente poderia mesmo referir-se à conduta de Francisco, pois é ele o devedor, sendo extensível, porém, a Ezer ante a aplicação do artigo 29 do Código Penal, pela sua participação no delito.
No que se refere à alegada prescrição, arguida pela defesa do corréu Francisco Osmar Pinotti, são improcedentes os argumentos tecidos.
Com efeito, nos crimes contra a ordem tributária está pacificado pela Súmula Vinculante nº 24 do STF não haver falar-se em crimes tributários de resultado, antes de exaurido o procedimento administrativo-fiscal, já que essencial à comprovação da materialidade delitiva, tratando-se o lançamento definitivo de elementar do tipo penal.
Transcrevo referida Súmula:
Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.
Assim, não há descumprimento à norma do artigo 4º do Código Penal, pois tanto a supressão quanto a redução de tributos, elementos objetivos do tipo, somente se configuram quando a autoridade administrativa tributária assim se manifesta de forma definitiva, ou seja, o tipo somente se integra em sua totalidade, configurando o crime tributário, quando há certeza da supressão ou da redução.
Essa, aliás, a interpretação que melhor resguarda segurança jurídica aos cidadãos, evitando-se persecução criminal desmedida e injusta, sem haver certeza da existência de crédito tributário, circunstância nuclear do tipo penal em questão.
Portanto, nos termos da Súmula supracitada, a prescrição penal não corre enquanto não constituído o crédito tributário na seara administrativa, interpretação essa, aliás, que se desenvolveu como decorrência da aplicação das normas do artigo 116, inciso I, do Código Penal, e artigo 93 do Código de Processo Penal, segundo as quais, havendo pendência de questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime, o juiz criminal pode determinar a suspensão do feito criminal, e também da prescrição penal, até que se resolva no feito não-penal a questão prejudicial. Trata-se de causa impeditiva da prescrição, nos termos do artigo 116, I, do Código Penal.
Destarte, de qualquer ângulo em que analisada a questão, e, mais especificamente, por conta da aplicação cogente da Súmula Vinculante 24, não há qualquer possibilidade de reconhecimento da prescrição nestes autos, ante a conclusão de que o curso do prazo prescricional somente teve início a partir da constituição do crédito tributário, o que se deu em 14/08/2006 (fls. 83/90 e 110).
E, daquela data, 14/08/2006, ao recebimento da denúncia, em 22/10/2009 (fl. 226), desta à publicação da r. sentença condenatória, em 14/11/2011 (fl. 498), e desta última até o presente julgamento, não foi ultrapassado o prazo prescricional de oito anos entre aqueles marcos interruptivos, não se configurando, pois, a prescrição em quaisquer de suas modalidades - retroativa e intercorrente.
Esclareço que o prazo prescricional a ser observado é de oito anos, nos termos do artigo 109, inciso IV, do Código Penal, em razão das penas em concreto aplicadas em primeiro grau (dois anos e cinco meses de reclusão para Francisco e três anos, dois meses e doze dias de reclusão para Ezer), já desconsiderada a continuidade delitiva, à luz da Súmula 497 do STF.
Outrossim, afastadas as teses arguidas pela defesa, passo à análise, separadamente, da conduta de cada um dos réus.
Francisco Osmar Pinotti
A materialidade delitiva restou efetivamente comprovada por meio do procedimento administrativo-fiscal encartado aos autos, tendo a Delegacia da Receita Federal de Julgamento de São Paulo concluído não ter o acusado Francisco comprovado a prestação e o pagamento por serviços médicos e odontológicos que deduziu em suas declarações de imposto de renda pessoa física dos anos-calendário de 2000 e 2001, conforme cópias juntadas às fls. 62/67.
De acordo com o apurado pela auditoria da Receita Federal, Francisco deduziu despesas médicas e odontológicas de suas declarações de imposto de renda apresentadas nos anos 2000 e 2001, mas não comprovou a efetiva prestação dos serviços pelos profissionais liberais declarados, deixando, inclusive, de apresentar grande parte dos recibos requisitados, sendo que os recibos emitidos por Ezer José Abuchaim, no valor total de R$ 6.000,00 (seis mil reais) - fls. 16/26, foram declarados inidôneos pela Receita Federal, conforme Ato Declaratório Executivo nº 1, de 6.2.2004.
Da mesma forma, os recibos emitidos pelo odontólogo Geraldo Metidieri Júnior, no valor total de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) - fl. 15 -, são comprovadamente falsos, seja porque o próprio Geraldo, ao prestar depoimento nestes autos como testemunha, negou em juízo tenha prestado os serviços (fl. 357), seja porque restou demonstrado nos autos que Geraldo, por diversos anos, vinha emitindo recibos falsos a quem quer que o procurasse, utilizando-se de sua condição profissional de dentista, conforme detalhado pelo depoimento de sua ex-secretária, Sra. Patrícia Aparecida Espelho, nos autos do inquérito policial nº 2005.61.20.005977-3 - IPL nº 17-148/2005 (fls. 187/198).
Por fim, com relação aos recibos emitidos pelas profissionais Ariane Karina Stellin e Viviane Heloisa de Moraes, seus depoimentos em inquérito foram verossimilhantes, tanto que não foram denunciadas pelo "Parquet" Federal, de forma que não há provas cabais de irregularidade quanto aos recibos por elas emitidos, sendo, por consequência, insuficiente o quadro probatório a concluir pela ilicitude de Francisco quanto ao uso de tais recibos.
Ainda assim, isto é, mesmo desconsideradas as glosas realizadas com tais recibos, os valores reduzidos e suprimidos ao fisco por Francisco remanescem relevantes, superando R$ 30.000,00 (trinta mil reais), valor este atualizado até o ano de 2005, permanecendo, pois, apta a ação penal.
Portanto, ao menos quanto ao uso, por Francisco, de documentos falsos emitidos por Ezer e Geraldo, como meio à prática de crime tributário pelo primeiro, concluo estar provada a materialidade delitiva, estando comprovado nos autos que o acusado Francisco valeu-se de documentos ideologicamente falsos para reduzir imposto de renda pessoa física nos anos de 2000 e 2001.
A autoria e o dolo de Francisco, da mesma forma, são incontestes.
Francisco alega que teria pago por tais serviços odontológicos - "prestados" por Ezer e Geraldo a ele, sua esposa e filhas -, porém, não esclareceu a razão de pagar em dinheiro (em espécie) o valor considerável de trinta mil reais ao dentista Geraldo Mitidieri Júnior, além de seis mil reais a Ezer, e cerca de quinze mil reais a outras duas profissionais também da área médica, enquanto o normal e demonstrativo de boa-fé seria o pagamento por algum meio de fácil apuração, tais como cheques nominais ou transferências bancárias, como geralmente dá-se em transações de significantes quantias, especialmente, porque tais valores servem à redução da base de cálculo do imposto de renda.
Ademais, verifica-se que o acusado teria recebido no ano de 2000 aproximadamente R$ 70.000,00 (setenta mil reais), do que se conclui a total incompatibilidade de seus ganhos com diversos gastos mensais de uma família com três ou quatro pessoas, quando somados ao pagamento de R$ 40.611,00 (quarenta mil e seiscentos e onze reais) em despesas médicas.
E isso tudo sem levar em consideração o próprio depoimento de Geraldo, que negou em juízo ter prestado os serviços alegados por Francisco, pois, segundo afirmou, estaria em São Paulo desde 1996 e tais recibos teriam sido emitidos sem o seu conhecimento, por sua ex-secretária Patrícia, que inclusive foi presa pela Polícia Federal, bem como de Ezer, que além de ter respondido a inquérito policial por emissão de inúmeros recibos falsos, teve declarados inidôneos pela Receita Federal todos os recibos emitidos nestes autos e não apresentou em juízo qualquer documento, prontuário médico ou ficha cadastral dos serviços que teria prestado a Francisco ou a seus familiares, circunstância que seria, por óbvio, de fácil apuração caso verdadeira fosse a tese defensiva.
Com efeito, não é verossímil acreditar que Francisco tenha pago, no ano de 2000, o valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ao dentista Geraldo Mitidieri Júnior - quantia essa que mesmo no ano de 2015 já seria alta e somente se justificaria em razão de tratamento de mínima ou grave complexidade -, mas não consiga esclarecer sequer qual foi o tratamento executado, resumindo-se a afirmar que teve um dente reparado e posteriores retornos, sendo certo que se serviços tivessem sido, de fato, prestados Geraldo Mitidieri evidentemente não teria dificuldade em apresentar o prontuário médico ou qualquer documento que demonstrasse a sua prestação, pois faria prova em seu próprio favor, desconstituindo a acusação que pesa sobre ele em autos criminais próprios, de emissão fraudulenta dos recibos apresentados por Francisco.
Outrossim, concluo não ter sido trazida aos autos qualquer prova de que os serviços alegados por Francisco tenham sido efetivamente prestados pelos profissionais Ezer e Geraldo, ônus que competia à defesa, mas, ao contrário, os elementos coligidos são firmes no sentido de apontar a falsidade dos recibos emitidos por aqueles dois odontólogos, que estão, inclusive, respondendo a procedimentos criminais para o devido esclarecimento dos fatos pelos quais são investigados.
Diante desse quadro probatório, forçoso concluir estar demonstrado o dolo do apelante Francisco, que, sem qualquer dúvida, utilizou-se conscientemente de recibos ideologicamente falsos, emitidos por aqueles odontólogos, ou, ao menos, por terceiros em seus nomes - fatos ainda em apuração -, a fim de reduzir a base de cálculo de suas declarações de imposto de renda, causando relevante prejuízo ao fisco, que, desconsiderada a glosa dos recibos emitidos pelas profissionais Ariane Karina Stellin e Viviane Heloisa de Moraes, em aproximadamente R$ 15.000,00 (quinze mil reais) - fls. 64 e 66 -, alcança valores superiores a R$ 30.000,00 (trinta mil reais), atualizados até novembro de 2005.
Deve, pois, ser mantida a sua condenação, nos exatos termos da r. sentença "a quo".
Ezer José Abuchaim
Com relação a este réu entendo que a denúncia também é procedente, devendo ser mantida a sua condenação.
Pesa sobre Ezer a acusação de que teria concorrido para o crime fiscal de Francisco, na qualidade de partícipe, pelo fato de ter emitido onze recibos ideologicamente falsos (fls. 16/26), referentes à prestação de serviços odontológicos, os quais, porém, jamais foram prestados, e que foram utilizados pelo corréu Francisco Osmar Pinotti para justificar ao fisco as suas deduções com despesas médicas nas declarações de imposto de renda dos anos de 2000 e 2001, e, com isso, garantir a impunidade do crime fiscal.
Tais recibos resumiram-se à quantia de R$ 6.000,00 (seis mil reais), do que se poderia concluir, num primeiro momento, que não teriam o condão de causar lesão significativa ao bem jurídico tutelado resguardado pela Lei nº 8.137/90, em face da aplicação, por analogia, da Portaria do Ministério da Fazenda nº 75/2012, a possibilitar a aplicação ao caso do princípio da insignificância ou bagatela, conforme julgados que cito a seguir, verbis:
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. VALOR SUPERIOR AO ESTABELECIDO NO ARTIGO 20, DA LEI Nº 10.522/02, E ARTIGO 1º, DA PORTARIA Nº 75/2012, DO MINISTÉRIO DA FAZENDA, DE R$ 20.000,00 (VINTE MIL REAIS). MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO DEMONSTRADO. DIFICULDADES FINANCEIRAS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DECLARADA EX OFFICIO. [...] 4- A 1ª Seção deste E. Tribunal, por ocasião do julgamento dos embargos infringentes nº 0002317-48.2006.4.03.6108, de relatoria do Exmo. Desembargador Federal Johonsom Di Salvo, decidiu ser aplicável o princípio da insignificância nos crimes contra a ordem tributária, desde que os tributos iludidos sejam inferior ao limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais) estabelecido no artigo 20, da Lei nº 10.522/02, com redação dada pela Lei nº 11.033/04. Recentemente, o artigo 1º, da Portaria nº 75/2012 do Ministério da Fazenda atualizou o referido valor para R$ 20.000,00 (vinte mil reais), considerando que até esse montante não serão ajuizadas execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional. [...] (ACR 00117962020054036102 ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 51956 Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO Sigla do órgão TRF3 Órgão julgador SEGUNDA TURMA Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/12/2014) - grifo nosso.
PENAL E PROCESSO PENAL. ARTIGO 1°, I DA LEI Nº 8.137/90. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ NÃO VIOLADO. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. EMENDATIO LIBELLI. POSSIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA. VALOR DO TRIBUTO SONEGADO. LEI 10.522/02. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. RECURSO PROVIDO. PREJUDICADO RECURSO DA APELAÇÃO. [...] 6. O princípio da insignificância, como corolário do princípio da pequenez ofensiva inserto no artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, estabelece que o Direito Penal, pela adequação típica do fato à norma incriminadora, somente intervenha nos casos de lesão de certa gravidade, atestando a atipicidade penal nas hipóteses de delitos de lesão mínima, que ensejam resultado diminuto. 7. Para fins de aplicação da teoria da bagatela, o artigo 20, caput, da Lei n.º 10.522/2002, atualizado pela Portaria nº 75/2012 do Ministério da Fazenda, autoriza o arquivamento dos autos da execução fiscal quando o valor devido for de até R$ 20.000,00 (vinte mil reais). 8. O montante do tributo devido, inferior ao mínimo para a cobrança do débito fiscal, dá ensejo à aplicação do princípio da insignificância, que interfere na atipicidade material da conduta imputada ao réu. De rigor, a absolvição do acusado, nos termos do art. 386, III, do CPP. (ACR 00149015420084036181 ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 48140 Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI Sigla do órgão TRF3 Órgão julgador DÉCIMA PRIMEIRA TURMA Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/12/2014) - grifo nosso.
Afasto, porém, a aplicação a estes autos do supra referido princípio, uma vez que Ezer José Abuchaim teve declarados inidôneos centenas de recibos odontológicos emitidos entre 01.01.1997 a 31/12.2002 (doc. De fl. 12), estando respondendo a inquérito policial em razão de tais condutas fraudulentas, a demonstrar habitualidade delitiva, com a consequente impossibilidade de reconhecimento da insignificância em sua ação, que, apesar de ser única nestes autos, deve ser sopesada frente ao contexto global de sua atuação ilícita, nos exatos termos do que vem entendendo a jurisprudência nacional, verbis:
PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO. DOSIMETRIA. REVISÃO. TEMA NÃO EXAMINADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO CONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REITERAÇÃO DELITIVA. ORDEM DENEGADA. I - Verifica-se do acórdão impugnado que o pedido de revisão da dosimetria da pena não foi analisado pela Corte Superior. Desse modo, o exame da matéria por este Tribunal implicaria indevida supressão de instância e extravasamento dos limites de competência do STF, descritos no art. 102 da Constituição Federal. II - Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, com as atualizações feitas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. Contudo, os fatos narrados demonstram a necessidade da tutela penal em função da maior reprovabilidade da conduta do agente. III - No caso sob exame, o paciente detinha a posse de cigarros de origem estrangeira - sem a documentação legal necessária - e de cigarros nacionais do tipo exportação, cuja repatriação é proibida. Como se sabe, essa é uma típica mercadoria trazida do exterior, sistematicamente, em pequenas quantidades, para abastecer um intenso comércio clandestino, extremamente nocivo para o País, seja do ponto de vista tributário, seja do ponto de vista da saúde pública. IV - Os autos dão conta da reiteração delitiva, o que impede a aplicação do princípio da insignificância em favor do paciente, em razão do alto grau de reprovabilidade do seu comportamento. V - Habeas corpus conhecido em parte e, nessa extensão, denegada a ordem. (HC 121892 HC - HABEAS CORPUS Relator(a) RICARDO LEWANDOWSKI 2ª Turma, 06.05.2014).
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PORTARIA N. 75/2012, DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. AUSÊNCIA DE INTERESSE. VALOR ELIDIDO INFERIOR A R$10.000,00 (DEZ MIL REAIS). HABITUALIDADE NA PRÁTICA DA CONDUTA CRIMINOSA. PRECEDENTES. NATUREZA FORMAL DO CRIME. OFENSA À SÚMULA VINCULANTE N. 24 NÃO CARACTERIZADA. AGRAVO IMPROVIDO. I. Aplicabilidade da Portaria n. 75/2012, do Ministério da Fazenda. Ausência de interesse. O decisum agravado reconheceu a possibilidade de aplicação do Princípio da Insignificância em razão do valor elidido. II. Inaplicável o princípio da insignificância quando configurada a habitualidade na conduta criminosa. Precedentes desta 5ª Turma e do Supremo Tribunal Federal. (AGRESP 201102118135 AGRESP - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - 1275783 Relator(a) REGINA HELENA COSTA Sigla do órgão STJ Órgão julgador QUINTA TURMA Fonte DJE DATA:13/12/2013).
HABEAS CORPUS. ARTIGO 334 DO CÓDIGO PENAL PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AFASTAMENTO. HABITUALIDADE DELITIVA. TRANCAMENTO. DISCUSSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. É aplicável o princípio da insignificância ou bagatela ao crime de descaminho, quando o valor do tributo devido for igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Pois, segundo o disposto no artigo 20 da Lei nº 10.522/02, com a alteração dada pela Lei nº 11.033/04, a dívida constante de executivo fiscal cujo valor seja igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) deverá ser arquivada, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, o que demonstra a ausência de lesividade da conduta à Administração Pública quando o valor do tributo devido for aquém àquele estipulado pela lei. 2. Ressalto, ademais, que a Portaria do Ministério da Fazenda nº 75, de 22 de março de 2012, atualizou aquele valor para R$ 20.000,00 (vinte mil reais), determinando o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional até aquele valor, de maneira que a tipicidade material do delito em questão vincula-se, a partir daquele ato administrativo, ao valor nele estipulado. 3. De outro vértice, pela certidão juntada (fl. 18), verifico que o crime de descaminho anterior praticado pelo paciente (ação penal 2000123923 - 4ª Vara Federal de Belo Horizonte/MG), teria ocorrido no ano de 2000, havendo, pois, vasto lapso temporal entre os dois fatos a ele imputados (um em 2000 e outro em 2009), circunstância que afasta quaisquer indícios de reiteração criminosa. 4. Entretanto, segundo a denúncia (fls. 12/13), o paciente exerce, em tese, a prática de atividade comercial, sendo proprietário de um Box na denominada "Feira da Madrugada", na qual foram apreendidas pela Receita Federal mercadorias de procedência estrangeira introduzidas clandestinamente no país e desacompanhadas de documentação legal. 5. Assim, entendo que não se aplica ao caso presente os preceitos constitucionais da subsidiariedade do Direito Penal e da insignificância ou bagatela, tendo em vista que o paciente faz da mercancia de produtos de origem estrangeira ilegalmente introduzidos no País a sua atividade habitual, ainda que pequeno o valor individual de cada um deles. (HC 00141596920134030000 HC - HABEAS CORPUS - 54493 Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI Sigla do órgão TRF3 Órgão julgador QUINTA TURMA - 1A. SEÇÃO Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/10/2013).
No mais, conforme já exaurido na fundamentação supra tecida, comprovados estão materialidade delitiva, autoria e dolo de Ezer, que admitiu em juízo a emissão dos recibos entregues a Francisco, sem trazer, porém, qualquer justificativa ou prova documental de ter prestado os serviços odontológicos, circunstância que, como já destacado, seria de fácil demonstração, já que poderia ele ter entregue à fiscalização da Receita Federal, ou mesmo em juízo, ao menos o prontuário médico de Francisco ou de seus familiares, no qual certamente constaria todos os procedimentos odontológicos realizados, o que não foi feito pela defesa.
Poderia, ainda, ter sido diligenciada a oitiva de testemunhas que presenciaram a alegada prestação dos serviços, como secretárias ou qualquer outra pessoa da pequena cidade de Matão, e, por fim, tais quantias recebidas deveriam ter sido declaradas ao fisco e seriam facilmente demonstradas por Ezer, provas essas, porém, não realizadas pela defesa, tudo a demonstrar a versão mentirosa e não verossimilhante do réu.
Assim, nos exatos termos da r. sentença "a quo", entendo que a condenação desse acusado também deve ser mantida.
Dosimetria da pena
Na dosimetria da pena, não vislumbro qualquer irregularidade nos fundamentos sopesados em primeiro grau, tendo sido considerado como fator preponderante o réu Francisco ter se valido de diversos recibos falsos para garantir a impunidade do delito fiscal já antes praticado - o que configura uma agravante na pena -, bem como, em relação a Ezer, o fato de vir fazendo do crime meio de vida, com a emissão reiterada de centenas de recibos fraudulentos, entregues a inúmeros contribuintes, contribuindo, assim, gravemente para a causação de enormes prejuízos à Fazenda Pública Federal.
Dessa forma, entendo que as penas que lhes foram impostas são proporcionais e adequadas, não havendo qualquer reparo a ser feito, até mesmo porque esse tópico da r. sentença sequer foi impugnado em apelação.
Ante todo o exposto, nego provimento às apelações defensivas.
É como voto.
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