Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 10/03/2015
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005384-35.2002.4.03.6181/SP
2002.61.81.005384-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal MARCELO SARAIVA
APELANTE : LUCY ALARCON DO PASSO SUAIDE
ADVOGADO : SP119238 MAURO CESAR BULLARA ARJONA e outro
APELADO(A) : Justica Publica

EMENTA

PENAL. ESTELIONATO CONTRA A UNIÃO FDERAL (MINISTÉRIO DA FAZENDA) - PENSÃO SACADA APÓS O FALECIMENTO DO BENEFICIÁRIO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. CONTINUIDADE DELITIVA CONFIGURADA. IMPROVIMENTO DO RECURSO.
1. A materialidade delitiva restou devidamente comprovada pelas informações constantes da cópia do processo de pensão nº 10840.000520/94-29 do Ministério da Fazenda. Consta, também, a comprovação do indevido pagamento da pensão no período compreendido entre abril de 2000 a março de 2002, ou seja, em momento posterior ao óbito da titular da pensão por morte em questão.
2. A autoria do crime praticado também restou demonstrada através do interrogatório judicial da ré que confessou ter praticado o delito descrito na denúncia.
3. No caso em tela, não há que se falar em inexigibilidade de conduta diversa por extrema necessidade financeira, pois não há qualquer prova de tal necessidade nos autos, sendo que meras dificuldades financeiras não caracterizam o estado de necessidade. A inexigibilidade de conduta diversa somente deve ser reconhecida na hipótese em que não se pode exigir do agente, tendo em vista a situação e condições em que este se encontra, uma conduta em conformidade com o direito.
4. A r. sentença mostrou-se correta ao reconhecer a continuidade delitiva, aplicando o art. 71 do Código Penal. A apelante omitiu a comunicação, aos órgãos públicos, do falecimento da beneficiária para possibilitar a continuidade do recebimento da pensão.
5. Apelo improvido.



ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 03 de março de 2015.
MARCELO SARAIVA
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 05/03/2015 18:19:52



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005384-35.2002.4.03.6181/SP
2002.61.81.005384-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal MARCELO SARAIVA
APELANTE : LUCY ALARCON DO PASSO SUAIDE
ADVOGADO : SP119238 MAURO CESAR BULLARA ARJONA e outro
APELADO(A) : Justica Publica

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por Lucy Alarcon do Passo Suaide, em face de sentença de fls. 314/320 que a condenou pela prática do crime previsto no artigo 171, §3º, c.c art. 71, ambos do Código Penal, às penas de 02 (dois) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial aberto e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa à razão de 1/30 (um trinta avos) do valor do salário-mínimo vigente na data dos fatos.


A pena privativa de liberdade foi substituída por uma restritiva de direitos consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidades filantrópicas ou assistenciais, a critério do Juízo de Execuções Penais.


Consta da denúncia (fls. 02/03) que Lucy Alarcon do Passo Suaide na qualidade de filha e procuradora da segurada Orlanda Alarcon do Passo, falecida em 09/04/2000, recebeu, mediante fraude, entre abril/2000 a março/2002, a soma de R$39.087,13 (trinta e nove mil, oitenta e sete reais e treze centavos) correspondente aos pagamentos de pensão a que sua falecida genitora fazia jus.


A denúncia foi recebida em 02/10/2002 (fls. 208/209) e a sentença publicada em 30/03/2007 (fls. 321).


Em suas razões recursais (fls. 338/345), a defesa busca a reforma da sentença, requerendo a absolvição da ré com base na tese do estado de necessidade. Sustenta que a apelante utilizou-se dos pagamentos da pensão para quitar um empréstimo contraído pela genitora junto ao Banco do Brasil. Afirma que à época do falecimento de sua genitora passava por graves dificuldades financeiras, não tendo obtido qualquer vantagem patrimonial, uma vez que utilizou os valores da pensão para quitar o referido empréstimo. Em caso de condenação requer, subsidiariamente, o afastamento da continuidade delitiva.


O parquet federal apresentou contrarrazões às fls. 347/354, requerendo a manutenção da r. sentença.


Nesta instância (fls. 358/366), o e. Procurador Regional da República opina pelo desprovimento do recurso.


É o relatório.


À revisão.


MARCELO SARAIVA
Desembargador Federal Relator


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Data e Hora: 11/02/2015 16:55:25



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005384-35.2002.4.03.6181/SP
2002.61.81.005384-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal MARCELO SARAIVA
APELANTE : LUCY ALARCON DO PASSO SUAIDE
ADVOGADO : SP119238 MAURO CESAR BULLARA ARJONA e outro
APELADO(A) : Justica Publica

VOTO

Da materialidade delitiva e autoria.


A materialidade delitiva restou devidamente comprovada pelas informações constantes da cópia do processo de pensão nº 10840.000520/94-29 do Ministério da Fazenda (fls. 08/203), o qual revela a existência da procuração pública supostamente outorgada por Orlanda Alarcon do Passo em 21/06/2001, nomeando e constituindo a ré sua bastante procuradora, lavrada perante o Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais do 24º Subdistrito de Indianópolis (fls. 160).


Consta, também, a comprovação do indevido pagamento da pensão no período compreendido entre abril de 2000 a março de 2002, ou seja, em momento posterior ao óbito da titular da pensão por morte em questão, consoante se infere da certidão de óbito juntada à fl. 169, o falecimento se deu em 29/04/2000, o que demonstra a utilização indevida dos valores depositados pelo INSS.


A percepção indevida da pensão em tela acarretou um prejuízo na ordem de R$ R$39.087,13 (trinta e nove mil, oitenta e sete reais e treze centavos) à União (Ministério da Fazenda).


Restou, ainda, comprovado que a ré efetuou o recadastramento de sua genitora, em 06/07/2001, após o falecimento desta, com objetivo de continuar a receber a pensão, o que atesta que estava ciente da ilicitude de sua conduta.


A autoria do crime praticado também restou demonstrada através do interrogatório judicial da ré, às fls. 236/237, que confessou ter praticado o delito descrito na denúncia, conforme abaixo transcrito:


"Confirma a acusação. De fato fez a procuração mencionada na denúncia, por necessidade financeira. Esclarece que já era procuradora da sua falecida mãe. A mãe da interroganda pagava o aluguel da casa e outras despesas, tendo em vista que ficou viúva fazia pouco tempo. Além disso, a falecida mãe havia contraído empréstimo junto ao Banco do Brasil, uns três meses antes da morte, não se lembra bem quando. Diante da necessidade de pagar aluguel, com medo de ficar na rua, e de pagar o empréstimo contraído por sua mãe, ficou apavorada e continuou a receber a pensão da sua falecida mãe. (...)"

A recorrente alega hipótese de exclusão de ilicitude decorrente de estado de necessidade em que se encontrava.


No que tange à alegada excludente de ilicitude, o artigo 24 do Código Penal prevê:


"Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
§1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.
§2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços."

No caso em tela, não há que se falar em inexigibilidade de conduta diversa por extrema necessidade financeira, pois não há qualquer prova de tal necessidade nos autos, sendo que meras dificuldades financeiras não caracterizam o estado de necessidade.


A inexigibilidade de conduta diversa somente deve ser reconhecida na hipótese em que não se pode exigir do agente, tendo em vista a situação e condições em que este se encontra, uma conduta em conformidade com o direito.


Assim, a simples alegação de dificuldade econômica não permite a prática do crime, sobretudo se considerada a ausência de provas que confirmem a dificuldade financeira indicada pela defesa da apelada.


Com efeito, não restou comprovado que a ré praticou o fato para salvar direito próprio ou alheio de perigo atual e inevitável, sem que existisse qualquer outro modo de evitá-lo.


Portanto, comprovadas a autoria e a materialidade delitiva da apelante e não estando demonstrada a exclusão da ilicitude, é de ser mantida a condenação.


Do pretenso afastamento da continuidade delitiva.


A r. sentença mostrou-se correta ao reconhecer a continuidade delitiva, aplicando o art. 71 do Código Penal.


Observa-se que a apelante omitiu a comunicação, aos órgãos públicos, do falecimento da beneficiária para possibilitar a continuidade do recebimento do benefício previdenciário.


Assim, em virtude dessa omissão, continuou recebendo ilegalmente, mês a mês, a pensão e a cada recebimento indevido, uma nova conduta se consumava, restando caracterizada a continuidade delitiva.


Nesse sentido, colaciono precedente do C. STJ:


RECURSO ESPECIAL. PENAL. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO PRATICADO POR TERCEIRO APÓS A MORTE DO BENEFICIÁRIO. SAQUES MENSAIS POR MEIO DE CARTÃO MAGNÉTICO. CONTINUIDADE DELITIVA. APLICAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.
1. Tem aplicação a regra da continuidade delitiva ao estelionato previdenciário praticado por terceiro, que após a morte do beneficiário segue recebendo o benefício antes regularmente concedido ao segurado, como se ele fosse, sacando a prestação previdenciária por meio de cartão magnético todos os meses.
2. Diversamente do que ocorre nas hipóteses de inserção única de dados fraudulentos seguida de plúrimos recebimentos, em crime único, na hipótese dos autos não há falar em conduta única, mas sim em conduta reiterada pela prática de fraude mensal, com respectiva obtenção de vantagem ilícita.
3. Recurso desprovido.
(REsp 1282118 / RS, RECURSO ESPECIAL 2011/0229467-9, Relator(a) Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (1131), Órgão Julgador - SEXTA TURMA, Data do Julgamento 26/02/2013, Data da Publicação/Fonte DJe 12/03/2013)




Dosimetria da pena.


A dosimetria da pena foi bem mensurada. Na primeira fase, foi estabelecida a pena-base em 01 (um) ano e 10 (dez) meses de reclusão, acima do mínimo legal, tendo em vista o valor considerável recebido pela ré, portanto, graves consequências do crime e diante do não ressarcimento à vítima, nem notícia de parcelamento, não restando demonstrado remorso por seus atos criminosos, por conseguinte, maior culpabilidade.


Foi aplicada a atenuante relativa à confissão espontânea (art. 65, III, d do Código Penal) reduzindo a pena em 02 (dois) meses, resultando a pena em 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão, já que ausentes outras atenuantes ou agravantes.


O MM. Juiz a quo, na terceira fase, fez incidir o aumento de pena previsto no § 3º do art. 171 do Código Penal na proporção de 1/3 (um terço) resultando em 02 (dois) anos e 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e acertadamente majorou a pena em 1/4 (um quarto), em razão da causa de aumento com fulcro no artigo 71, do mesmo diploma legal, tendo em vista a continuidade delitiva manifesta pela prática reiterada da conduta pelo período de quase dois anos, resultando a pena definitiva 02 (dois) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão.


Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação da defesa.




MARCELO SARAIVA
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): MARCELO MESQUITA SARAIVA:10071
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Data e Hora: 05/03/2015 18:19:55