D.E. Publicado em 10/04/2015 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do Ministério Público Federal e dar parcial provimento à apelação da defesa para reduzir a pena-base aplicada e a pena de multa, bem como, de ofício, reduzir a causa de aumento de pena prevista no art. 141 do Código Penal para 1/3 (um terço), resultando na pena definitiva de 01 (um) ano de detenção, em regime inicial semiaberto, e no pagamento de 20 (vinte) dias-multa, no valor unitário mínimo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte do presente julgado.
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RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA:
O Ministério Público do Estado de São Paulo denunciou KLEBER LUIZ URIAS SALES, qualificado nos autos, nascido aos 22/12/1969, como incurso nas penas do artigo 138, caput, c.c. 141, inc. II e III, todos do Código Penal. Consta da denúncia:
A denúncia foi recebida em 30/03/2009 (fl. 99).
Processado o feito, sobreveio sentença da lavra do MM. Juiz Federal David Diniz Dantas, publicada em 15/09/2011 (fls.303/317 e 318), que julgou procedente a denúncia para condenar KLEBER LUIZ URIAS SALES pelo crime do artigo 138, c.c. o artigo 141, incisos II e III, ambos do Código Penal, à pena de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de detenção, em regime inicial semi-aberto, e o pagamento de 100 (cem) dias-multa, cada um no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos.
Apela o Ministério Público Federal às fls. 324/332, postulando a majoração da pena-base, considerando que o valor estipulado ficou muito aquém do necessário e suficiente para atender à finalidade repressiva, devendo ainda o valor de cada dia-multa ser fixada em não menos que 1/4 (um quarto) do salário mínimo, proporcional ao nível econômico do acusado.
Apela o réu Kleber (fls. 337/362) requerendo, em síntese, a absolvição, considerado que as provas apresentadas atacam a conduta e a credibilidade das informações prestadas pela suposta vítima da calúnia. Subsidiariamente, requer a fixação da pena-base no mínimo legal e a redução da pena de multa em função da capacidade financeira.
Contrarrazões do réu às fls. 387/394 e do Ministério Público Federal às fls. 379/382.
A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra do Dr. Osvaldo Capelari Junior opinou pelo parcial provimento do recurso da defesa para reduzir o percentual da causa de aumento de 2/3 (dois terços) para 1/3 (um terço) e pelo desprovimento do recurso da acusação (fls. 396/403).
É o relatório.
Ao MM. Revisor.
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VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA:
KLEBER LUIZ URIAS foi denunciado como incurso nas penas do artigo 138, caput, c.c. 141, inc. II e III do Código Penal, por ter, no dia 13/10/2005, caluniado o Agente da Polícia Federal Moacyr de Moura Filho, em razão de suas funções, imputando-lhe falsamente fato definido como crime.
Por r. sentença, o Juízo a quo condenou o réu, à pena de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial semi-aberto, e 100 (cem) dias-multa no valor unitário mínimo, como incurso no artigo 138, caput, c.c. 141, inc. II e III do Código Penal.
Apela o réu, postulando a absolvição; subsidiariamente, pede a redução da pena privativa de liberdade e da pena de multa.
Por sua vez, o Ministério Público Federal pede o aumento da pena-base e da multa aplicada.
Passo à análise dos recursos.
Em suas razões de apelação, o acusado alega a ausência de provas de qualquer prática criminosa, sustentando ser vítima de perseguição do Agente de Polícia Federal Moacyr de Moura Filho, com quem teve desentendimento no trânsito, tendo este armado falso flagrante de tráfico de drogas.
Aduz a defesa que o réu foi acusado de cometer o crime de calúnia ao questionar a validade dessa prisão, argumentar ter sido vítima de perseguição por parte do policial e narrar práticas de abuso de autoridade, constrangimento ilegal, violação de domicílio e denunciação caluniosa.
O recurso da defesa não comporta provimento
A materialidade e autoria do crime de calúnia restaram demonstradas pelo interrogatório prestado pelo acusado em 13/10/2005, nos autos do no processo n. 0006143-84.2005.8.26.0404 (autos n. 495/2005), em trâmite no Juízo de Direito da Comarca de Orlândia/SP, em que era processado pelo crime de tráfico de entorpecentes, ao imputar falsamente ao APF Moacyr as práticas dos crimes de abuso de autoridade (artigo 3º da Lei 4.898/65), lesões corporais (artigo 29 do Código Penal), violação de domicílio (artigo 150 do CP) e denunciação caluniosa (artigo 339 do CP), além de afirmar que sua prisão em flagrante fora forjada pelo policial. O acusado Kleber afirmou que se tornou um desafeto do policial, após desentendimentos no trânsito, passando o policial a persegui-lo. Confiram-se os excertos do referido interrogatório:
Como se observa, o acusado atribuiu ao APF Moacyr fatos definidos como crimes e depreende-se, da prova produzida em juízo, sob o crivo do contraditório e ampla defesa, a falsidade das acusações imputadas ao policial..
Com efeito, os policiais militares rodoviários, que participaram da prisão em flagrante, Marcelo Adriano Gallo e Luiz Carlos Pazzeto afirmaram na fase policial e em juízo que não houve ilegalidade na prisão de Kleber pelo crime de tráfico de drogas, tendo o entorpecente sido apreendido no forro do veículo Monza, pouco depois de os ocupantes do veículo terem se encontrado com Kleber e Laércio, os fornecedores da droga.
Transcrevo parte dos depoimentos das testemunhas:
De igual forma não procede a afirmação de que o policial Moacyr utilizou a condição de agente federal para perseguir o acusado Kleber. O APF Moacyr esclareceu, em juízo, que a prisão em flagrante pelo crime de tráfico de drogas decorreu de investigação iniciada por ordem da Superintendência da Polícia Federal de São Paulo, determinada meses antes. Confira-se:
No mesmo sentido foi o depoimento do APF Maurício, que também realizou campanas na residência do acusado Kleber e participou da prisão em flagrante, prestado nos autos da ação penal n. 459/05 (fls. 322/323 e 331 do apenso II):
É de se ressaltar que, em consulta ao sistema de acompanhamento processual no sítio do Tribunal de Justiça, verifica-se que, por sentença datada de 14/10/2011, o acusado Kleber foi condenado pelo crime de tráfico de drogas, não tendo sido acolhida a alegação de que a prisão foi forjada (autos n. 0006143-84.2005.8.26.0404 - 404.01.2005.006143, em trâmite no Juízo de Direito de Orlândia/SP)
Registro que, para a caracterização do delito de calúnia, é necessário que a imputação seja falsa, que o réu saiba desta circunstância e que o fato atribuído ao ofendido seja definido como crime.
Contudo, isso não significa que caiba ao ofendido provar a falsidade da imputação. Ao contrário, se o denunciado por crime de calúnia alega que o fato imputado, embora criminoso, é verdadeiro, a ele cabe essa prova, mediante o incidente de exceção da verdade, previsto no §3º do artigo 138 do Código Penal.
Nesse sentido a doutrina de Guilherme de Souza Nucci, in Código Penal Comentado, Ed. Forense, 14ª ed., p. 749:
No sentido de que cabe ao denunciado por crime de calúnia provar, por meio da exceção da verdade, a veracidade do fato criminoso imputado ao ofendido, aponto precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:
Destarte, a defesa não produziu nenhuma prova para confirmar a veracidade da imputação feita a Moacyr.
Ao contrário do alegado pela defesa, a documentação apresentada não retrata desvios éticos ilegais e criminosos por parte do policial Moacyr.
A representação de fls. 181/186 traz imputações vagas ao ofendido, desprovidas de elementos probatório dos fatos narrados, tendo a vítima afirmado em seu depoimento judicial que "somente houve uma representação que recebi, a qual foi arquivada e o declarante está pedindo providências no âmbito criminal contra as pessoas que o representaram".
E não há que falar em incongruência nos depoimentos prestados por Moacyr na fase judicial, que afirmou em um primeiro momento "certa parte do tempo, me facilitava muito a observação sobre ele porque morava em frente a minha casa" (fl. 230), tendo afirmado na segunda audiência que "durante a investigação viemos a descobrir que morava próximo a minha casa" e que "como morava próximo a minha casa, ficava fácil de fazer a vigilância" (fl. 252). Tais diferenças são mínimas e não possuem relevância suficiente para desacreditar as declarações do ofendido.
Sequer, ademais, foi feita prova da alegada discussão no trânsito entre o ofensor e o ofendido, que teria dado início à alegada desavença entre as partes, não tendo sido elaborado feito boletim de ocorrência na ocasião, nem trazido, a defesa, alguma testemunha do ocorrido.
Acrescente-se, por outro lado, que não se pode considerar o testemunho da esposa do acusado, prestado na qualidade de informante, diante de sua notória falta de imparcialidade, que lhe retira a carga probante.
É de se registrar ainda a presença de animus caluniandi por parte do réu, com intuito de denegrir a imagem do policial em audiência, para diminuir a credibilidade de seu depoimento e fazer crer que o flagrante fora forjado. A vítima narrou em juízo:
Dessa forma, restou devidamente comprovado que o acusado Kleber caluniou o APF Moacyr de Mura Filho em virtude do desempenho de suas funções como Agente de Polícia Federal, não se tratando, sublinhe-se, de punição com base na sua vida pregressa.
Passo à análise da dosimetria da pena.
O MM. Juiz a quo fixou a pena-base acima do mínimo legal, em 01 (um) ano de detenção, considerando os maus antecedentes do acusado de fls. 130/131, 140/141 e 197.
Pede a defesa a redução da pena-base para o mínimo legal, ao passo que a acusação pede a sua fixação no patamar máximo.
Não procede a pretensão da Acusação da majoração da pena-base. O dolo do acusado faz parte do tipo penal. No que tange à personalidade voltada para a prática de delitos, conduta social desfavorável e maus antecedentes em virtude de inquéritos policiais e ações penais em andamento, dada a ausência de sentença condenatória transitada em julgado nos autos (Súmula 444 do STJ), não podem ser considerados para majorar a pena.
Por outro lado, as certidões de antecedentes do acusado consideradas na sentença (fls. 130/131, 140/141 e 197) dão conta de condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos pelos crimes de receptação, furto qualificado e contravenções penais, de modo a configurar maus antecedentes, ainda que não se consubstancie mais a reincidência, dado o prazo depurador previsto no art. 64, inc. I do CP.
Quanto ao ponto, convém registrar que, transcorridos mais de cinco anos do cumprimento da pena (ou pelo tempo decorrido, pela prescrição da pretensão executória) não pode ser considerada para efeitos de reincidência. No entanto, tal registro implica no reconhecimento de maus antecedentes. Nesse sentido, a lição do Professor Guilherme de Souza Nucci, in Código Penal Comentado, Editora Revista dos Tribunais, 14ª edição, Forense, 2014, em comentário ao artigo 63 do Código Penal, p. 463:
Neste sentido:
Todavia, do exame do caso concreto, não há como manter, com a devida vênia, a pena-base fixada na sentença apelada, no dobro do mínimo legal, em 01 (um) ano de reclusão, por conta da presença de uma circunstância judicial negativa, qual seja, a existência de maus antecedentes, ainda que o número de condenações definitivas seja significativo.
Dessa forma, reputo adequada a fixação da pena-base em 09 (nove) meses de detenção.
Na segunda fase da dosimetria da pena, estão ausentes agravantes e atenuantes.
Na terceira fase, presente duas causas de aumento do artigo 141, incisos II e III, do Código Penal, uma vez que o crime foi cometido contra o agente da polícia federal, em razão de suas funções, e na presença de várias pessoas, uma vez que proferida em audiência, houve por bem o magistrado a quo majorar a sanção no patamar de 2/3 (dois terços).
Entretanto, concorrendo duas causas de aumento, é de se aplicar apenas um aumento, a teor do parágrafo único do artigo 68 do Código Penal, que dispõe: "No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua".
Nesse sentido:
Destarte, é de se reduzir, de ofício, o patamar para de majoração para 1/3 (um terço), nos termos do caput do artigo 141 do Código Penal, resultando na pena definitiva de 01 (um) ano de detenção.
Com relação ao número de dias-multa, assinalo que a sua fixação deve seguir os mesmos critérios utilizados para a pena privativa de liberdade.
Nesse sentido:
Assim, considerando que a pena de multa deve guardar proporção com a pena privativa de liberdade, fixo a pena-base da multa acima do mínimo legal, em 15 (quinze) dias-multa, e sopesando o aumento de 1/3 (um terço), por conta da causa de aumento da pena estampada no art. 141 do Código Penal, resulta na pena de 20 (vinte) dias-multa.
Quanto ao valor da pena de multa, sustenta Acusação o aumento para no mínimo de 1/4 (um quarto) do salário mínimo, ao argumento que a fixação em 1/30 (um trigésimo) é incompatível com o nível econômico do acusado.
A aplicação da pena de multa enseja a imposição de um valor pecuniário de caráter penal bastante para a censura do comportamento praticado, sendo que, para a estipulação do valor da pena de multa, deve ser observada a situação do réu, conforme o artigo 60 Código Penal.
Assim, à vista de ausência de elementos para verificação da condição econômica do réu, que, ao que parece, estava recluso pelo crime de tráfico de drogas, foi fixada a pena pecuniária, pela sentença hostilizada, no mínimo legal, de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, não merecendo reparo neste tópico.
O regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, em razão da existência de circunstâncias desfavoráveis a autorizar a imposição de regime mais gravoso, deve ser fixado no semiaberto, nos termos do artigo 33, §3º do Código Penal.
Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, uma vez que não restou preenchido o requisito do artigo 44, inciso III, do Código Penal, dado que não favorável as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal.
Por estas razões, nego provimento à apelação do Ministério Público Federal e dou parcial provimento à apelação da defesa para reduzir a pena-base aplicada e a pena de multa, bem como, de ofício, reduzir a causa de aumento de pena prevista no art. 141 do Código Penal para 1/3 (um terço), resultando na pena definitiva de 01 (um) ano de detenção, em regime inicial semiaberto, e no pagamento de 20 (vinte) dias-multa, no valor unitário mínimo.
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 04/02/2015 17:33:29 |