Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 10/04/2015
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008500-70.2004.4.03.6119/SP
2004.61.19.008500-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : MILTON MANTOVANI
ADVOGADO : SP099663 FABIO BOCCIA FRANCISCO e outro
APELADO(A) : Justica Publica
EXTINTA A PUNIBILIDADE : CLAUDIO STEFANINI
ADVOGADO : SP099663 FABIO BOCCIA FRANCISCO e outro

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PRELIMINAR: POSSIBILIDADE DE ÉDITO CONDENATÓRIO AINDA QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO PEÇA A ABSOLVIÇÃO DO RÉU. PRESCRIÇÃO: INOCORRÊNCIA. MATERIALIDADE COMPROVADA. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA: NÃO CONFIGURADA. DOLO PRESENTE. AUTORIA DEMONSTRADA. APELAÇÃO DESPROVIDA.
1. Apelação da Defesa contra a sentença que condenou MILTON MANTOVANI à pena de 3 anos e 6 meses de reclusão, no regime aberto, e 16 dias-multa, como incurso no artigo 168-A, caput, do Código Penal, com substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito.
2. Rejeitada a preliminar suscitada pela Defensoria Pública da União, de impossibilidade de o juiz proferir sentença condenatória quando o Ministério Público Federal pede, em alegações finais, a absolvição do réu.
3. A nomeação da Defensoria Pública para atuar nos interesses do apelante Milton ocorreu quando o feito já se encontrava no Tribunal, devidamente instruído com as razões e contrarrazões da apelação defensiva. Não há espaço para "emenda" das razões recursais, posto que operada a preclusão consumativa.
4. O juiz, consoante princípio do livre convencimento motivado ou persuasão racional e amparado no artigo 385 do CPP, está autorizado a proferir sentença condenatória ainda que o órgão acusatório tenha requerido a absolvição do réu, pautando-se no conjunto probatório coligido e mediante devida fundamentação.
5. Prescrição da pretensão punitiva afastada: Milton foi condenado à pena de 2 anos e 4 meses de reclusão, descontado o aumento da continuidade delitiva, a levar a contagem da prescrição pelo prazo de oito anos. O Ministério Público Federal não recorreu da sentença condenatória. Entre a consumação dos fatos delituosos (competências de outubro/2000 a setembro/2003) e o recebimento da denúncia (em 10.03.2005), bem assim entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória (em 21.09.2007) não transcorreram mais de oito anos.
6. O não recolhimento aos cofres públicos, dos valores retidos dos salários dos empregados da empresa Metal Casting Indústria e Comércio Ltda., encontra-se comprovado pelos documentos dos autos, destacando-se o procedimento administrativo fiscal, a Notificação Fiscal de Lançamento de Débito-NFLD DEBCAD nº 35.615.551-0, a informação do INSS de que a empresa Metal Casting Indústria e Comércio Ltda foi excluída do programa de parcelamento Refis, através da Portaria 067 de 17/12/2001, e oficio oriundo da Procuradoria-Geral Federal - Órgão de Arrecadação, noticiando que o débito expresso na NFLD 35.615.551-0 é objeto de execução fiscal perante a 3ª Vara Federal de Guarulhos.
7. Não restou configurada a causa excludente de culpabilidade correspondente à inexigibilidade de conduta diversa, frente às alegadas dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa devedora.
8. As dificuldades financeiras capazes de traduzir o estado de necessidade (excludente de antijuridicidade) ou de inexigibilidade de conduta diversa (excludente de culpabilidade) são aquelas em que ao administrador não resta alternativa entre salvar a empresa e pagar o débito fiscal, o que não se evidenciou.
9. Os documentos trazidos pela Defesa para a prova da excludente de culpabilidade não são robustos para tal fim, porque não demonstram, de maneira cabal, situação de grave e contundente dificuldade financeira experimentada pela empresa Metal Casting Indústria e Comércio Ltda., no período indicado na denúncia.
10. A prova testemunhal não é suficiente para a demonstração de penúria econômica da empresa, cuja comprovação deve ser calcada em prova documental-contábil.
11. Dolo: a jurisprudência pacificou o entendimento que no crime de apropriação indébita previdenciária este é constituído pela vontade de não repassar ao INSS as contribuições recolhidas dentro do prazo e forma legais. Não se exige a intenção de apropriação, ou seja, o animus rem sibi habendi.
12. Autoria demonstrada pelo conjunto probatório: no período mencionado na denúncia, o réu Milton possuía poderes de administração e gerência (contrato social - cláusula 7ª).
13. O réu Milton não era alheio à vida gerencial da empresa, ao revés, consentiu com as decisões tomadas pelo réu Cláudio, anuindo a elas, escolheu a maneira de manter a empresa em funcionamento, com o quadro funcional completo, optando, efetivamente, por uma maneira de gerir a sociedade, a despeito das dívidas sociais e da dificuldade em pagar os credores.
14. Matéria preliminar rejeitada. Apelação desprovida.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte do presente julgado.


São Paulo, 31 de março de 2015.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008500-70.2004.4.03.6119/SP
2004.61.19.008500-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : MILTON MANTOVANI
ADVOGADO : SP099663 FABIO BOCCIA FRANCISCO e outro
APELADO(A) : Justica Publica
EXTINTA A PUNIBILIDADE : CLAUDIO STEFANINI
ADVOGADO : SP099663 FABIO BOCCIA FRANCISCO e outro

RELATÓRIO

O Desembargador Federal HELIO NOGUEIRA (Relator):


O Ministério Público Federal, em 13.12.2004, denunciou Claudio Stefanini e MILTON MANTOVANI, qualificado nos autos, nascido aos 05.02.1949, como incursos no artigo 168-A c.c. artigo 71 do Código Penal, por terem, "(...) consciente e reiteradamente, deixado de recolher as contribuições previdenciárias descontadas dos salários de seus empregados, nas competências de outubro de 2000 a setembro de 2003, inclusive 13º salário dos anos de 2000, 2001 e 2002".

A denúncia foi recebida em 10.03.2005 (fls. 91).

Processado o feito, sobreveio sentença da lavra do MM. Juiz Federal Substituto Fabiano Lopes Carraro, publicada em 21.09.2007 (fls. 460/467 e 468), que julgou procedente a denúncia para condenar Claudio Stefanini e MILTON MANTOVANI à pena de 3 anos e 6 meses de reclusão, no regime aberto, e 16 dias-multa, no valor mínimo legal, como incursos no artigo 168-A, caput, do Código Penal. A pena privativa de liberdade foi substituída por restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e prestação pecuniária de 50 salários-mínimos a ser paga ao INSS.

Apelam os réus (fls. 478, 479, 525 e 526), alegando em suas razões recursais (fls. 487/504):

a) preliminarmente, a ocorrência de prescrição da pretensão punitiva, porque entre a data dos fatos e da prolação da sentença transcorreram mais de sete anos e, mesmo com a interrupção da prescrição pelo recebimento da denúncia, a prescrição teria ocorrido porque transcorridos mais de cinco anos;

b) não ter ocorrido qualquer prática fraudulenta, mas apenas inadimplência da dívida, não tendo havido intenção de fraudar ou prejudicar o fisco (dolo), "mas um momento de conjuntura econômica que veio carrear diversos problemas financeiros na empresa por eles dirigida";

c) restou "cabalmente comprovada a difícil situação financeira da empresa dirigida pelos apelantes", sendo possível "concluir, portanto, que era impossível agir de outra maneira", estando "presente a inexigibilidade de conduta diversa", a levar à absolvição;

d) há vários documentos anexados comprovando a dificuldade financeira por que passou a empresa, inclusive houve recolhimentos espontâneos efetuados muito antes do oferecimento da denúncia;

e) o apelante Milton Mantovani não exercia qualquer tipo de função no campo administrativo e financeiro da empresa.

Contrarrazões do Ministério Público Federal pelo parcial provimento da apelação, para que seja absolvido o réu Milton, com fundamento no artigo 386, IV, do CPP (fls. 509/520).

A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra do Dr. Pedro Barbosa Pereira Neto, opinou pelo parcial provimento da apelação, para que seja absolvido o réu Milton, com fundamento no artigo 386, IV, do CPP (fls. 529/539).

Declarou-se extinta a punibilidade do réu Claudio Stefanini, em virtude de morte, com fundamento nos artigos 107, I, do CP c.c. artigos 61, caput, e 62 do CPP (fls. 565).

Os advogados constituídos pelo apelante Milton renunciaram aos poderes conferidos, com a expressa ciência do constituinte, após a subida dos autos a este Tribunal (fls. 541/542).

As tentativas de intimação pessoal do apelante Milton para regularização de sua representação processual restaram infrutíferas (fls. 552, 561 e 568), pelo que se procedeu à intimação por edital para a mesma finalidade (fls. 572, 573 e 574), tendo o prazo fixado transcorrido in albis.

A Defensoria Pública da União foi nomeada para atuar nos interesses do apelante Milton (fls. 572 e 577), apresentando manifestação em que reitera, no mérito, todos os termos da apelação já ofertada e acresce preliminar acerca da impossibilidade de o juiz condenar o réu na hipótese de o Ministério Público Federal ter pedido, em alegações finais, a absolvição, argumentando que o artigo 385 do CPP foi derrogado pelo artigo 129, I, da CF e que a ausência de alegações finais com pedido condenatório prejudica o exercício do contraditório, requerendo que este Tribunal aprecie expressamente a questão para fins de prequestionamento (fls. 579/580).


É o relatório.

Ao MM. Revisor.




HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008500-70.2004.4.03.6119/SP
2004.61.19.008500-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : MILTON MANTOVANI
ADVOGADO : SP099663 FABIO BOCCIA FRANCISCO e outro
APELADO(A) : Justica Publica
EXTINTA A PUNIBILIDADE : CLAUDIO STEFANINI
ADVOGADO : SP099663 FABIO BOCCIA FRANCISCO e outro

VOTO

O Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator):


Considerando a extinção da punibilidade de Claudio Stefanini, analiso apenas a apelação interposta por Milton Mantovani.


1. Da preliminar suscitada pela Defensoria Pública da União, de impossibilidade de o juiz proferir sentença condenatória quando o Ministério Público Federal pede, em alegações finais, a absolvição do réu.

Inicialmente, observo que a nomeação da Defensoria Pública para atuar nos interesses do apelante Milton ocorreu quando o feito já se encontrava no Tribunal, devidamente instruído com as razões e contrarrazões da apelação defensiva, isto é, o DD. Defensor Público ingressou no estado em que o feito se encontrava, não sendo viável, segundo as normas processuais vigentes, retomar fase processual encerrada.

Em outras palavras, não há espaço para "emenda" das razões recursais, posto que operada a preclusão consumativa.

Além disso, quanto ao teor da preliminar, entendo que o juiz, consoante princípio do livre convencimento motivado ou persuasão racional e amparado no artigo 385 do CPP, está autorizado a proferir sentença condenatória ainda que o órgão acusatório tenha requerido a absolvição do réu, pautando-se no conjunto probatório coligido e mediante devida fundamentação.

Nesse sentido, colaciono a doutrina de Guilherme de Souza Nucci, in Código de Processo Penal Comentado, Editora Forense, 13ª edição, p. 792:


36. Independência do juiz para julgar: do mesmo modo que está o promotor livre para pedir a absolvição, demonstrando o seu convencimento, fruto da sua independência funcional, outra não poderia ser a postura do magistrado. Afinal, no processo penal, cuidamos da ação penal pública nos prismas da obrigatoriedade e da indisponibilidade, não podendo o órgão acusatório dela abrir mão, de modo que também não está fadado o juiz a absolver o réu, se as provas apontam em sentido diverso. Ademais, pelo princípio do impulso oficial, desde o recebimento da peça inicial acusatória, está o magistrado obrigado a conduzir o feito ao seu deslinde, proferindo-se decisão de mérito. E tudo isso a comprovar que o direito de punir do Estado não é regido pela oportunidade, mas pela necessidade de se produzir a acusação e, consequentemente, a condenação, desde que haja provas a sustentá-la. Em contrário, confira-se o disposto no art. 60, III, do CPP, cuidando da perempção, com consequente extinção da punibilidade do réu, caso o querelante não requeira, nas alegações finais, a sua condenação. Neste caso, regida que é a ação penal privada pelo princípio da oportunidade, outra não é a conclusão a ser extraída diante do desinteresse do ofendido na condenação do agressor.

Portanto, rejeito a preliminar suscitada.



2. Da alegação de prescrição da pretensão punitiva estatal: não merece acolhida.

Milton foi condenado à pena de 2 anos e 4 meses de reclusão, descontado o aumento da continuidade delitiva, a levar a contagem da prescrição pelo prazo de oito anos, consoante artigo 109, IV, do CP.

O Ministério Público Federal não recorreu da sentença condenatória.

Verifico que entre a consumação dos fatos delituosos (competências de outubro/2000 a setembro/2003) e o recebimento da denúncia (em 10.03.2005), bem assim entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória (em 21.09.2007) não transcorreram mais de oito anos.

Portanto, rejeito a alegação de ocorrência de prescrição da pretensão punitiva estatal.


3. Do mérito

O não recolhimento aos cofres públicos, dos valores retidos dos salários dos empregados da empresa Metal Casting Indústria e Comércio Ltda., encontra-se comprovado pelos documentos dos autos.

Com efeito, para a prova da materialidade delitiva destaco o procedimento administrativo fiscal (fls. 07/39), a Notificação Fiscal de Lançamento de Débito-NFLD DEBCAD nº 35.615.551-0 (fls. 14/33), a informação do INSS de que a empresa Metal Casting Indústria e Comércio Ltda foi excluída do programa de parcelamento Refis, através da Portaria 067 de 17/12/2001 (fls. 82), e oficio oriundo da Procuradoria-Geral Federal - Órgão de Arrecadação, noticiando que o débito expresso na NFLD 35.615.551-0 é objeto de execução fiscal perante a 3ª Vara Federal de Guarulhos, a denotar a constituição definitiva do crédito tributário (fls. 126).

Por seu turno, não restou configurada a causa excludente de culpabilidade correspondente à inexigibilidade de conduta diversa, frente às alegadas dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa devedora.

As dificuldades financeiras capazes de traduzir o estado de necessidade (excludente de antijuridicidade) ou de inexigibilidade de conduta diversa (excludente de culpabilidade) são aquelas em que ao administrador não resta alternativa entre salvar a empresa e pagar o débito fiscal, o que não se evidenciou.

Nesse sentido, colaciono precedente deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região:


PENAL - CRIME DE OMISSÃO RECOLHIMENTOS DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS - PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA - INCONSTITUCIONALIDADE - AFASTAMENTO - DOLO ESPECÍFICO - DESNECESSIDADE - AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO - COMPROVAÇÃO - DIFICULDADES FINANCEIRAS - EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE NÃO DEMONSTRADA - PENA-BASE - MANUTENÇÃO - CONTINUIDADE DELITIVA - CONFIGURAÇÃO - AUMENTO DA PENA A ESSE TÍTULO - IMPROVIMENTO DO RECURSO DA DEFESA - PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. (...) 5. Não comprovação da alegada penúria financeira aduzida pela defesa, a afastar a inexigibilidade de conduta diversa. 6. As dificuldades financeiras acarretadoras de inexigibilidade de outra conduta (excludente de culpabilidade) devem ser de tal monta que ponham em risco a própria sobrevivência da empresa, cabendo ao acusado cabal demonstração de tal circunstância, trazendo aos autos elementos concretos de que a existência da empresa estava comprometida, caso recolhesse as contribuições devidas, e, assim, não lhe restando outra alternativa que não a omissão dos recolhimentos. (...)
(ACR 00045568720044036110, DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, TRF3 - QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/03/2012)

Com efeito, infere-se da prova coligida aos autos que os réus tiveram opção para escolher pelo não pagamento do débito fiscal, ainda que aventassem a necessidade de diminuir o quadro de funcionários, tido como excessivo.

De fato, ouvido em interrogatório, o réu Cláudio Stefanini (já falecido) apontou como uma das causas da dificuldade financeira enfrentada pela empresa o número excessivo de empregados, situação verificada há bastante tempo. Confira-se:


"(...) que aponta como causas de dificuldade financeira da empresa os seguintes fatores: a obsolescência de seu equipamento, o qual nunca pode ser renovado por ausência de capital disponível, o excessivo número de empregados, fatores estes verificados há bastante tempo pelo depoente." (fls. 172/173).

Por sua vez, o apelante Milton afirmou que a empresa estava em funcionamento, que queria manter todos os funcionários, embora no período de 2000 a 2003 faltassem pedidos, isto é, os clientes não procuravam os serviços da sociedade:


"(...) a empresa presta serviços para empresas do setor elétrico e automobilístico. No período de 2000 a 2003 faltavam pedidos. (...) Não tornamos a empresa inativa porque pensamos nos empregados, eram oitenta empregados, cujas famílias em média tem quatro integrantes. Queríamos manter os postos de trabalho. A empresa ainda está funcionando, meio 'capengando', mas está indo." (fls. 196/198).

Assim, a empresa permaneceu em funcionamento, com a carga completa de funcionários, mesmo com a "falta de pedidos".


Em outras palavras, o réu, na condição de administrador, optou por manter todos os funcionários na empresa, mesmo já verificada a necessidade de reestruturação no quadro de pessoal - cerca de oitenta funcionários, sendo explícita a má gestão administrativa.


Além disso, a menção à concordata requerida pela empresa no final dos anos 80 é insuficiente para a caracterização de excludente de culpabilidade, pois houve o relato de que a concordata fora integralmente cumprida e tem data bastante distante (mais de dez anos) dos fatos narrados na denúncia.


Acrescente-se que os documentos trazidos pela Defesa para a prova da excludente de culpabilidade não são robustos para tal fim, porque não demonstram, de maneira cabal, situação de grave e contundente dificuldade financeira experimentada pela empresa Metal Casting Indústria e Comércio Ltda., no período indicado na denúncia.

Desde logo sublinho que a prova testemunhal não é suficiente para a demonstração de penúria econômica da empresa, cuja comprovação deve ser calcada em prova documental-contábil. Nesse sentido:


PENAL E PROCESSUAL PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DEVIDAMENTE COMPROVADOS. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. DOSIMETRIA DA PENA. (...) 3. Meras dificuldades financeiras não excluem a culpabilidade e não autorizam a absolvição de réu que deixou de recolher contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados. 4. A absoluta impossibilidade financeira, esta sim capaz de conduzir à absolvição, não se comprova por meio de testemunhas, tampouco por documentos reveladores, apenas, da existência de demandas fiscais ou decretação de falência, fatos que, por si sós, revelam apenas inadimplência; quando menos, seria necessária a juntada de comprovantes contábeis da empresa, contemporâneos dos fatos, bem assim das declarações de bens e rendimentos da empresa no período, a evidenciar a ausência de numerário e a inexistência de alternativas. (...)
(ACR 00014584620024036181, DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/08/2012)

A Defesa não trouxe aos autos, sendo possível fazê-lo, documentação que comprovasse a absoluta precariedade econômica da referida empresa, no período em questão, a inviabilizar por completo o recolhimento da contribuição previdenciária já descontada dos salários dos segurados, o que somente se evidenciaria concretamente por declarações de imposto de renda da pessoa jurídica, balancetes, comprovante de empréstimos contraídos junto a instituições financeiras ou de terceiros, aplicação do patrimônio pessoal dos sócios para o saneamento das finanças da empresa, ou seja, situações que espelhassem, de maneira contundente, a situação econômica ao longo do período em questão.

A certidão de Distribuições Cíveis emitida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, Fórum de Guarulhos/SP (fls. 261/267) lista o ajuizamento de ações judiciais contra a empresa em período bastante anterior e posterior aos fatos da denúncia (anos 1993, 1994, 1995, 1996, 1997 e 2006, por exemplo).

O mesmo pode-se verificar em relação às certidões de protesto (fls. 270/377).

No entanto, o mais importante é que documentos de tal jaez não se prestam a comprovar, cabalmente, a excludente de inexigibilidade por inexigibilidade de conduta diversa, pois todas as pessoas jurídicas estão comumente sujeitas a percalços econômicos, que são contingências normais na vida empresarial e, se não forem gravíssimas, não podem servir como justificativa para o não recolhimento da contribuição previdenciária em tela.

Quanto ao dolo, anoto que a jurisprudência pacificou o entendimento que no crime de apropriação indébita previdenciária este é constituído pela vontade de não repassar ao INSS as contribuições recolhidas dentro do prazo e forma legais.

Não se exige a intenção de apropriação, ou seja, o animus rem sibi habendi.

Não se diga, portanto, que o acusado não agiu com o dolo reclamado pelo tipo penal constante do art. 168-A, § 1º, inc. I, do Código Penal: "o não recolhimento das contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados é crime omissivo próprio, que se consuma com o descumprimento do dever de agir determinado pela norma" (TRF da 3a Região, Ap. Crim. n. 97.03.007262-3, Rel. Desembargadora Federal Sylvia Steiner, in D.J. de 04.03.98, p.352). O bem jurídico tutelado é o regular recolhimento da contribuição, sendo o dolo genérico, independente do intuito específico de auferir proveito (nesta trilha: TRF da 3a. Região, Rec. Sentido Estrito n. 95.03.063038-0, Rel. Desembargador Federal André Nabarrete, in D.J. de 22.02.96, p.8744; TRF da 4ª Região, Ap. Criminal n. 1998.04.01.026451-9/RS, Rel. Juiz Fábio Bittencourt da Rosa, in D.J. de 19.05.99, p. 527/528).


Este o posicionamento do E. Supremo Tribunal Federal e do C. STJ:


HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA . ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO (ANIMUS REM SIBI HABENDI). IMPROCEDÊNCIA DAS ALEGAÇÕES. ORDEM DENEGADA.
1. É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que para a configuração do delito de apropriação indébita previdenciária, não é necessário um fim específico, ou seja, o animus rem sibi habendi (cf., por exemplo, HC 84.589, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 10.12.2004), "bastando para nesta incidir a vontade livre e consciente de não recolher as importâncias descontadas dos salários dos empregados da empresa pela qual responde o agente" (HC 78.234, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 21.5.1999). No mesmo sentido: HC 86.478, de minha relatoria, DJ 7.12.2006; RHC 86.072, Rel. Min. Eros Grau, DJ 28.10.2005; HC 84.021, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 14.5.2004; entre outros). 2. A espécie de dolo não tem influência na classificação dos crimes segundo o resultado, pois crimes materiais ou formais podem ter como móvel tanto o dolo genérico quanto o dolo específico. 3. Habeas corpus denegado.
(HC 96092/SP - 1ª T. - Rel. Min. Carmen Lúcia - Dje 01.07.09, p. 500-507)
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS N.os 282 E 356 DO PRETÓRIO EXCELSO. DESNECESSÁRIA DEMONSTRAÇÃO DO ANIMUS REM SIBI HABENDI. ALEGAÇÃO DE DIFICULDADES FINANCEIRAS SUFICIENTES À INCIDÊNCIA DE CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DE ILICITUDE. COMPROVAÇÃO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. VIA IMPRÓPRIA. SÚMULA N.º 7 DO STJ. AGRAVO DESPROVIDO.
(...)
2. O dolo do crime de apropriação indébita de contribuição previdenciária é a vontade de não repassar à previdência as contribuições recolhidas, dentro do prazo e das formas legais, não se exigindo o animus rem sibi habendi, sendo, portanto, descabida a exigência de se demonstrar o especial fim de agir ou o dolo específico de fraudar a Previdência Social, como elemento essencial do tipo penal.
(...)
(AgRg no REsp 1264694/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 20/11/2012, DJe 30/11/2012)


Destarte, prescindível é a demonstração do dolo específico como elemento essencial do tipo inscrito no artigo 168-A do Código Penal, ou seja, para a configuração do delito basta que o agente tenha descontado dos salários dos trabalhadores os valores que estes estão obrigados a contribuir para a Previdência Social e deixado de repassá-los à Autarquia na época própria, o que ocorreu no presente caso.


A autoria também é inconteste.

No período mencionado na denúncia, o réu Milton possuía poderes de administração e gerência (contrato social de fls. 52/57 - cláusula 7ª).

Embora tenha alegado que não exercia a administração societária, que ficaria a cargo do réu Claudio (falecido), era por este comunicado de todas as decisões de gestão e, nesse prisma, anuía a elas.

Além disso, vislumbro do relato em interrogatório que o réu Milton tinha plena ciência dos passos da empresa, sabia das dificuldades financeiras, da concordata requerida em 1988 e cumprida, do quadro de funcionários, participando da gestão na medida em que declarou que expressamente optou pela manutenção do quadro de funcionários, tido como excessivo.


Veja-se do interrogatório de Milton (fls. 196/198):


"(...) A empresa sempre teve dificuldades financeiras, pois é uma prestadora de serviços, trabalha para terceiros e sofre as crises pelas quais passam seus clientes. A empresa entrou em concordata em 1988, salvo engano. A empresa foi criada nos anos cinquenta por Carlos Alberto Galoni. Comecei a trabalhar na empresa em 1969, como empregado (...) . Entrei como sócio em 1996. (...) Entrei como sócio em 1996 e sempre continuei na parte industrial. A empresa sofria as crises do mercado e ficou um tempo sem pagar o pro labore. A empresa presta serviços para empresas do setor elétrico e automobilístico. No período de 2000 a 2003 faltavam pedidos. O Sr. Cláudio cuidava da parte administrativa e ele me comunicava a impossibilidade de pagar a contribuição social. (...) A gente se reunia, oportunidade em que ele me comunicava as decisões que havia tomado. (...) Não tornamos a empresa inativa porque pensamos nos empregados, eram oitenta empregados, cujas famílias em média tem quatro integrantes. Queríamos manter os postos de trabalho. A empresa ainda está funcionando, meio 'capengando', mas está indo."

É dizer, o réu Milton não era alheio à vida gerencial da empresa, ao revés, consentiu com as decisões tomadas pelo réu Cláudio, anuindo a elas, escolheu a maneira de manter a empresa em funcionamento, com o quadro funcional completo, optando, efetivamente, por uma maneira de gerir a sociedade, a despeito das dívidas sociais e da dificuldade em pagar os credores.

Deste modo, tenho como certa a autoria em relação ao apelante, pois era o responsável pelo não recolhimento das contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos segurados da empresa Metal Casting Indústria e Comércio Ltda.

Desta feita, de rigor a condenação do réu Milton pela prática do delito capitulado no artigo 168-A do Código Penal.

De outro vértice, a Defesa não se insurgiu contra a pena aplicada, que restou bem dosada, com a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, bem assim houve a imposição de regime aberto.


Por estas razões, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, nego provimento à apelação.


É o voto.



HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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