Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 04/09/2015
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002139-53.2011.4.03.6002/MS
2011.60.02.002139-0/MS
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : VENILSO BERNA
ADVOGADO : SC021991 MARCOS ANDRE BONAMIGO e outro
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00021395320114036002 1 Vr DOURADOS/MS

EMENTA

PENAL. CP, ART. 273, § 1º-B. PRAMIL. 100 (CEM) COMPRIMIDOS). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. MEDICAMENTO PRAMIL (SILDENAFIL). AUSÊNCIA DE REGISTRO NA ANVISA. MEDICAMENTOS COM MESMO PRINCÍPIO ATIVO NO MERCADO NACIONAL. ART. 334, DO CP (CONTRABANDO). DESCLASSIFICAÇÃO. MATERIALIDADE E AUTORIA. CONDENAÇÃO. LEI N. 10.826/03, ART. 18. MATERIALIDADE E AUTORIA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DO ART. 14 DA MESMA LEI. IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO DA DEFESA DESPROVIDA. APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. A conduta descrita na exordial acusatória apenas se enquadraria no artigo 273, § 1º e § 1º-B, inciso I, do Código Penal se o acusado tivesse importado medicamento cujo princípio ativo não constasse de registro na ANVISA, não havendo respaldo da vigilância sanitária quanto à qualidade da droga, o que ensejaria violação ao bem jurídico protegido pelo tipo penal.
2. O enquadramento típico do fato, em se tratando de importação irregular de Pramil, deve ser analisado, considerando as circunstâncias particulares do fato, especialmente quando a quantidade e a natureza do fármaco, ainda que sem registro no órgão de vigilância sanitária competente, não apresenta especial potencial lesivo à saúde pública.
3. A conduta do acusado é proscrita pelo artigo 334 do Código Penal, com redação em vigor à época dos fatos, pois o PRAMIL é mercadoria proibida, conforme artigo 1º da Resolução n.º 2997, de 12 de setembro de 2006, da ANVISA.
4. Materialidade e autoria comprovadas.
5. O art. 18 da Lei n. 10.826/03 trata de crime de perigo abstrato, cujos bens jurídicos tutelados são a segurança da coletividade e a paz social, as quais são afetadas pela importação, exportação ou favorecimento da entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem a autorização necessária, independentemente do resultado concreto da ação. Assim, não há que se falar em desclassificação para o crime do art. 14 da mesma lei (porte ilegal de munição de uso permitido), uma vez que a tipicidade que consta nesse dispositivo não se adequa à situação ocorrida no caso concreto. Condenação mantida.
6. Tendo em vista que o réu, mediante uma só ação (importação), praticou dois crimes e não há elementos probatórios que indiquem ter agido com desígnios autônomos, incide a regra do concurso formal prevista no art. 70, 1ª parte, do Código Penal, aplicando-se a mais grave das penas aumentada de um sexto até a metade.
7. Apelação da defesa desprovida. Apelação da acusação parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da defesa e, por maioria, dar parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal para afastar o princípio da insignificância, condenando o réu pelo crime de contrabando (art. 334, CP), fixando a pena em 2 anos de reclusão, cumulando materialmente os dois delitos (art. 334, caput, do CP e art. 18 da Lei 10.826/03) e fixar a pena privativa de liberdade definitiva em 6 (seis) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto e ao pagamento de 30 (trinta) dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, inviável a substituição por restritiva de direitos, mantendo-se no mais a sentença recorrida, nos termos do relatório e votos que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 10 de agosto de 2015.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002139-53.2011.4.03.6002/MS
2011.60.02.002139-0/MS
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : VENILSO BERNA
ADVOGADO : SC021991 MARCOS ANDRE BONAMIGO e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00021395320114036002 1 Vr DOURADOS/MS

VOTO CONDUTOR

A par do respeito e admiração que nutro pelo Ilustre Relator, dele ouso divergir.

O acusado foi absolvido da acusação de infringência ao art. 273, §1º-B, do Código Penal, com fulcro no art. 386, III, do Código de Processo Penal, em decorrência da aplicação do princípio da insignificância, uma vez que a quantidade de medicamentos que o acusado carregava era pequena.

Requer o Ministério Público Federal seja o acusado condenado nas sanções previstas no art. 273, § 1º-B, do Código Penal, pois o princípio da insignificância não pode ser aplicado ao caso.

Merece parcial provimento, todavia, o recurso ministerial.

Considero que os fatos narrados na denúncia subsumem-se ao tipo penal de contrabando (artigo 334 do Código Penal, com texto legal vigente à época dos fatos), pois uma análise mais acurada do conjunto probatório revela que o denunciado, em relação aos medicamentos, procedera da mesma forma que com os cigarros de origem estrangeira e internados clandestinamente no território brasileiro.

Disciplina o artigo 273, §1º-B, inciso I, do Código Penal:


"Art. 273. Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais:
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.
§ 1º. Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.
§ 1º-A. Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico.
§ 1º-B. Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:
I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente; (...)"

Referido dispositivo, cuja redação foi dada pela Lei n.º 9.677/1998, insere-se no capítulo dos crimes contra a saúde pública.

A conduta descrita na exordial acusatória apenas se enquadraria no artigo 273, § 1º e § 1º-B, inciso I, do Código Penal se o acusado tivesse importado medicamento cujo princípio ativo não constasse de registro na ANVISA, não havendo respaldo da vigilância sanitária quanto à qualidade da droga, o que ensejaria violação ao bem jurídico protegido pelo tipo penal.

Tal não é o caso, pois, como se sabe, o princípio ativo SILDENAFIL é componente da fórmula do VIAGRA, do laboratório farmacêutico PFIZER. Consulta de medicamentos no sítio eletrônico da ANVISA revela ainda outros medicamentos com o mesmo princípio ativo.

Destarte, considerando que o princípio ativo do medicamento apreendido é componente de outros remédios comercializados no Brasil por diversas empresas, não vislumbro ofensa jurídica à saúde pública a fim de ensejar condenação do réu pela prática do artigo 273, §1º-B, inciso I, do Código Penal. O produto, reconhecido no laudo pericial às fls. 172/176 através de seu princípio ativo (SILDENAFIL) tem registro na ANVISA, sendo comercializado por outros laboratórios farmacêuticos (grosso modo, por outras marcas comerciais).

É preciso levar em conta que a atual redação do art. 273 do Código Penal, e o endurecimento de suas penas, datam de 1998, época em que se verificou um escândalo público sobre o que ficou conhecido coloquialmente como "remédios B.O" (bom para otário), ensejando até mesmo a instalação de uma CPI. O espírito da lei, pois, é de combate à falsificação e adulteração dos medicamentos, condutas de extrema gravidade e que foram como tais apenadas pela alteração legislativa, fixando-se a pena mínima em 10 (dez) anos de reclusão. A conduta em tela, apesar de também merecedora de reprimendas, não pode ser equiparada às demais descritas pelo tipo penal, recomendando-se parcimônia no enquadramento típico, sob pena de se cometer severa injustiça.

Por outro lado, o enquadramento típico do fato, em se tratando de importação irregular de Pramil, deve ser analisado, considerando as circunstâncias particulares do fato, especialmente quando a quantidade e a natureza do fármaco, ainda que sem registro no órgão de vigilância sanitária competente, não apresenta especial potencial lesivo à saúde pública, haja vista o uso corriqueiro daqueles medicamentos semelhantes já autorizados pela ANVISA.

Assim, a conduta do acusado é proscrita pelo artigo 334, do Código Penal, com redação em vigor à época dos fatos, pois o PRAMIL é mercadoria proibida, de origem paraguaia, fabricado pelo laboratório La Química Farmacêutica S.A., cuja importação, uso e comercialização não é autorizada no território brasileiro, conforme artigo 1º da Resolução n.º 2997, de 12 de setembro de 2006, da ANVISA.

Re melius perpensa, revejo meu entendimento exposto em julgados anteriores, para enquadrar a conduta descrita na denúncia como contrabando (artigo 334, caput, do Código Penal, texto em vigor à época dos fatos denunciados).

No mesmo sentido os seguintes precedentes:


PENAL. PROCESSO PENAL. CONTRABANDO : CARACTERIZAÇÃO. MEDICAMENTOS PROVENIENTES DO PARAGUAI. PENALIDADE ADEQUADA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA SEMIABERTO. POSSIBILIDADE. 1. Em se tratando do medicamento pramil de origem paraguaia, de importação, uso e comercialização proibida em todo o território brasileiro, porém não de medicamento falsificado, corrompido, adulterado ou alterado, - tal como descrito pelo art. 273, § 1º-B, I e VI do Código Penal, - responde o réu pelo crime de contrabando previsto no art. 334, § 1º, d, do CP. 2. Configura o delito de contrabando a conduta de importar para uso próprio medicamento sem registro na ANVISA. 3. Diante da insuficiência probatória para condenar o corréu, em relação ao crime do art. 18 da Lei 10.826/2003, mantem-se a sentença absolutória, no ponto. 4. O quantum das penas deve refletir a justa medida da reprovabilidade da conduta dos acusados, conforme preconizado nos arts. 59 e 68, ambos do CP, e 42 da Lei 11.343/2006, o que se verifica dos autos. 5. A fixação do regime inicial de cumprimento de pena não deve decorrer pura e simplesmente de imposição legal, uma vez que isso contrariaria o art. 59, III, c/c o art. 33, §2º, alínea b, do Código Penal, exigindo-se que se examine, concretamente, se o condenado preenche ou não os critérios estabelecidos na norma, tais como a primariedade, os bons antecedentes e o quantum da pena imposta, entre outros. 6. Deve-se evitar que o réu aguarde o trânsito em julgado da condenação em situação mais gravosa do que aquela estabelecida para o cumprimento da pena definitiva. Precedentes do STJ 7. Apelações dos réus e do Ministério Público Federal não providas. 8. Determinada, de ofício, a imediata expedição de alvará de soltura em favor do réu Ricardo de Queiroz Couto, se por outro motivo não estiver preso.(ACR 60410920104013802, DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO, TRF1 - TERCEIRA TURMA, e-DJF1 DATA:21/11/2014 PAGINA:185.)
PENAL. IMPORTAÇÃO IRREGULAR DE MEDICAMENTO CONTROLADO PARA USO PRÓPRIO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. Na importação de pequena quantidade de medicamento de uso controlado incide a norma geral de punição à importação de produto proibido (contrabando), prevista no art. 334 do Código Penal, admitindo-se a aplicação do princípio da insignificância quando comprovado que o medicamento se destinava ao uso próprio do agente, em face da ausência de potencial lesivo à saúde pública.(RSE 00013022520094047106, MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, TRF4 - SÉTIMA TURMA, D.E. 18/11/2010.)

Com isso, não se pode cogitar da aplicação do princípio da insignificância, como postula a defesa, pois o referido princípio só é passível de ser aplicado no crime de descaminho, o que não é a hipótese dos autos.

Dosimetria.

Passo, portanto, à dosimetria da pena, utilizando o procedimento trifásico previsto no art. 68, do Código de Penal.

Na primeira fase, verifico que a culpabilidade do réu, os motivos, as circunstâncias do crime não extrapolam o comum em crimes dessa natureza. Não há nos autos elementos disponíveis para que se avalie a conduta social do réu, bem como a sua personalidade. Não há que se falar em comportamento da vítima. Ademais, o réu não registra maus antecedentes.

Contudo, justifica-se a fixação da pena-base acima do mínimo legal, em razão das consequências do crime, posto que a quantidade de mercadoria apreendida tem o potencial de causar prejuízo à saúde de um grande número de indivíduos. Desta feita, fixo a pena-base em 02 (dois) anos de reclusão.

Na segunda fase, inexistem circunstâncias agravantes ou atenuantes.

Na terceira fase, não há causas de aumento ou de diminuição da pena, pelo que a torno definitiva em 02 (dois) anos de reclusão.

No mais, acompanho o relator para negar provimento à apelação da defesa, mantendo-se a condenação do réu com incurso no art. 18 da Lei 10.826/03, nos termos da sentença recorrida.

Assim, cumulo materialmente os dois delitos (art. 334, caput, do CP e art. 18 da Lei 10.826/03) por entender que não se trata de uma única conduta, nos termos do disposto no artigo 69 do Estatuto Repressivo.

Torno definitiva a pena privativa de liberdade, fixando-a em 6 (seis) anos de reclusão e ao pagamento de 30 (trinta) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, como constou na sentença monocrática.

Por último, de se destacar que não faz jus o réu à substituição da pena privativa de liberdade suprafixada por restritivas de direitos, visto o total da pena ser superior a 04 (quatro) anos de reclusão (art. 44, incisos I e II, do CP).

Com base nos mesmos fundamentos, evocando o art. 33 do Código Penal, fixo o regime inicial de cumprimento da pena em referência como sendo o semiaberto.


Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da defesa e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso do Ministério Público Federal, para afastar o princípio da insignificância, condenando o réu pelo crime de contrabando (art. 334, caput, CP), fixando a pena em 2 anos de reclusão. Cumulo materialmente os dois delitos (art. 334, caput, do CP e art. 18 da Lei 10.826/03) e fixo a pena privativa de liberdade definitiva em 6 (seis) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto e ao pagamento de 30 (trinta) dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, inviável a substituição por restritiva de direitos, mantendo-se no mais a sentença recorrida.


É COMO VOTO.


PAULO FONTES
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002139-53.2011.4.03.6002/MS
2011.60.02.002139-0/MS
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : VENILSO BERNA
ADVOGADO : SC021991 MARCOS ANDRE BONAMIGO e outro
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00021395320114036002 1 Vr DOURADOS/MS

RELATÓRIO

Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e por Venilso Berna contra a sentença que o absolveu da acusação de infringência ao art. 273, § 1º-B, do Código Penal, e o condenou a 4 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e 30 (trinta) dias-multa, no valor unitário mínimo, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços comunitários pelo período da pena privativa de liberdade e em tempo não inferior a 8 (oito) horas semanais, e prestação pecuniária de um salário mínimo destinada a entidade assistencial, pela prática do crime previsto no art. 18 da Lei n. 10.826/03 (fls. 234/240).

Recorre Venilso Berna com os seguintes argumentos:

a) o réu deve ser absolvido do crime de tráfico internacional de armas, pois as munições não foram compradas em território nacional e, portanto, o crime não existiu;
b) o réu deve ser absolvido porque não há provas, sendo aplicado o princípio in dubio pro reo;
c) subsidiariamente, que a imputação seja desclassificada para a de crime de porte ilegal de munição de uso permitido (art. 14 da Lei n. 10.826/03), com eventual condenação na pena mínima.

Recorre o Parquet Federal, alegando que o réu deve ser condenado também pelo crime do art. 273, § 1º-B, do Código Penal, pois o princípio da insignificância não pode ser aplicado ao caso.

O Ministério Público Federal e Venilso Berna apresentaram contrarrazões (fls. 258/260v e 268/281, respectivamente).

A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Sonia Maria Curvello, manifestou-se pelo provimento do recurso ministerial e desprovimento da apelação da defesa (fls. 283/288).

Os autos foram encaminhados à revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002139-53.2011.4.03.6002/MS
2011.60.02.002139-0/MS
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : VENILSO BERNA
ADVOGADO : SC021991 MARCOS ANDRE BONAMIGO e outro
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00021395320114036002 1 Vr DOURADOS/MS

VOTO

Imputação. Venilso Berna foi denunciado pela prática dos crimes previstos no art. 273, § 1º-B, do Código Penal, e no art. 18 da Lei n. 10.826/03, porque, em 02.06.11, em fiscalização de rotina na base operacional localizada no km 202 da BR-163, em Caarapó (MS), foi surpreendido importando e transportando, sem autorização, 175 (cento e setenta e cinco) cartuchos de munição de uso permitido, de origem estrangeira, bem como 5 (cinco) cartelas do medicamento Pramil, o qual tem origem estrangeira e não possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, sendo vedado seu uso, venda e importação (fls. 92/93).

Do processo. Sentença de fls. 234/240 absolveu o réu pela prática do crime do art. 273, § 1º-B, do Código Penal, com fulcro no art. 386, III, do Código de Processo Penal, em decorrência da aplicação do princípio da insignificância, uma vez que a quantidade de medicamentos que o acusado carregava era pequena.

Materialidade. Está satisfatoriamente comprovada a materialidade dos delitos, conforme decorre dos seguintes elementos de convicção:

a) Auto de apresentação e apreensão de 100 (cem) munições calibre 36, 50 (cinquenta) munições calibre 16 e 25 (vinte e cinco) munições calibre 20, além de 5 (cinco) cartelas do medicamento Pramil, totalizando 100 (cem) comprimidos (fls. 10/11);
b) laudo de química forense, que atesta a origem estrangeira do medicamento apreendido e a falta de registro na ANVISA, o que resulta na proibição de sua importação, comercialização e uso. Consta no laudo que o Pramil serve ao tratamento de disfunção erétil (fls. 54/59);
c) laudo de exame de munições, que atesta o uso permitido destas e sua origem estrangeira, além de informar que a sua importação depende de autorização do Exército (fls. 95/96v).

Código Penal, art. 273, § 1º-B. Pramil. O Superior Tribunal de Justiça não reconheceu o reduzido grau de reprovabilidade ou a mínima ofensividade da conduta em hipótese de apreensão de 59 (cinquenta e nove) comprimidos de Pramil:


RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. IMPORTAÇÃO E EXPOSIÇÃO À VENDA DE PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS.
1. ATIPICIDADE DA CONDUTA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
2. MEDICAMENTO DE VENDA PROIBIDA. MÍNIMA OFENSIVIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. RISCO À SAÚDE PÚBLICA.
3. DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME PARA CONTRABANDO OU DESCAMINHO. IMPOSSIBILIDADE. MATÉRIA DE PROVA.
4. RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO.
1. A lei penal não deve ser invocada para atuar em hipóteses desprovidas de significação social, razão pela qual os princípios da insignificância e da intervenção mínima surgem para evitar situações dessa natureza, atuando como instrumentos de interpretação restrita do tipo penal.
2. No caso, não há como reconhecer o reduzido grau de reprovabilidade ou a mínima ofensividade da conduta, pois a quantidade de medicamentos apreendidos, a saber, 59 (cinquenta e nove) comprimidos de PRAMIL - vasodilatador utilizado no tratamento da disfunção erétil e que não possui registro na ANVISA, não podendo, portanto, ser comercializado no Brasil - e a clara destinação comercial, caracterizada pelo local da apreensão, afastam a aplicação do princípio da insignificância, pois indiscutível o risco à saúde pública decorrente da exposição, à venda, de medicamento proibido.
3. O pleito de desclassificação do crime de importar e expor à venda produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais para o crime de contrabando ou de descaminho exige, necessariamente, o revolvimento do conteúdo fático-probatório, procedimento incompatível com a via processual do habeas corpus.
4. Recurso ordinário a que se nega provimento.
(STJ, RHC n. 31352/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellize, j. 11.04.13).

Autoria. O conjunto probatório demonstra que o réu foi o responsável pela introdução do medicamento de origem estrangeira no território nacional sem o necessário registro na ANVISA, além das munições sem a devida autorização.

A prisão em flagrante e os depoimentos das testemunhas e do próprio acusado - sobretudo na fase policial, na qual confessou que adquiriu as munições no Paraguai - confirmam a autoria dos delitos que lhe foram imputados.

Ademais, a região onde ocorreram os fatos é de "fronteira seca" entre os Estados brasileiro e paraguaio, sendo de conhecimento geral que produtos como os que foram apreendidos são comprados com facilidade muito maior no país vizinho.

É incabível a aplicação do princípio da insignificância ao caso dos autos, uma vez que a quantidade de 100 (cem) comprimidos de Pramil apreendidos não pode ser considerada ínfima e/ou destinada apenas ao uso pessoal.

Assim, o réu deve ser condenado pelo crime previsto pelo art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal.

O art. 18 da Lei n. 10.826/03 trata de crime de perigo abstrato, cujos bens jurídicos tutelados são a segurança da coletividade e a paz social, as quais são afetadas pela importação, exportação ou favorecimento da entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem a autorização necessária, independentemente do resultado concreto da ação.

Assim, não há que se falar em desclassificação para o crime do art. 14 da mesma lei (porte ilegal de munição de uso permitido), uma vez que a tipicidade que consta nesse dispositivo não se adequa à situação ocorrida no caso concreto.

Desta forma, mantém-se a condenação pela prática do delito do art. 18 da Lei n. 10.826/03.

Dosimetria. Para o crime do art. 18 da Lei n. 10.826/03, o Juízo a quo fixou a pena-base no mínimo legal, em 4 (quatro) anos de reclusão.

Reconheceu a atenuante de confissão, mas deixou de reduzir a pena abaixo do mínimo legal, nos termos da Súmula n. 231 do Superior Tribunal de Justiça.

À míngua de outras circunstâncias atenuantes ou agravantes e causas de diminuição ou aumento, tornou definitiva a pena de 4 (quatro) anos de reclusão.

Regime inicial aberto.

Substituiu a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos.

Arbitrou a pena de multa em 30 (trinta) dias-multa, no valor unitário mínimo.

A defesa e a acusação não se insurgiram contra a dosimetria da pena do delito do art. 18 da Lei n. 10.826/03.

Passo a fixar a dosimetria da pena do delito do art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal.

Considerando as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, fixo a pena-base no mínimo legal, em 10 (dez) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Na fase policial, o réu admitiu a importação do medicamento Pramil. No entanto, deixo de reduzir a pena abaixo do mínimo legal, conforme Súmula n. 231 do Superior Tribunal de Justiça.

Sem outras circunstâncias atenuantes ou agravantes e causas de diminuição ou aumento da pena, torno-a definitiva em 10 (dez) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo.

Concurso formal. Tendo em vista que o réu, mediante uma só ação (importação), praticou dois crimes e não há elementos probatórios que indiquem ter agido com desígnios autônomos, incide a regra do concurso formal prevista no art. 70, 1ª parte, do Código Penal, aplicando-se a mais grave das penas aumentada de um sexto até a metade.

Portanto, considerando a pena mais grave de 10 (dez) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, aumento-a na fração de 1/6 (um sexto), resultando em 11 (onze) anos, 8 (oito) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa, a qual torno definitiva.

Fixo o valor unitário do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.

Regime inicial aberto, visto serem favoráveis ao acusado as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal.

Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, por não restar preenchido requisito do art. 44, I, do Código Penal.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da defesa e DOU PROVIMENTO à apelação da acusação para condenar Venilso Berna pela prática do crime do art. 273, § 1°-B, I, do Código Penal, resultando a pena total de 11 (onze) anos e 8 (oito) meses de reclusão, regime inicial aberto, e 11 (onze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, pela prática dos delitos do art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal e do art. 18 da Lei n. 10.826/03, na forma do art. 70, 1ª parte, do Código Penal, denegada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

É o voto.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


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