Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 10/04/2015
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000372-37.2012.4.03.6004/MS
2012.60.04.000372-4/MS
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : AIRTON RESENDE DOS SANTOS reu preso
ADVOGADO : MS014451 JOAO DOUGLAS MARIANO DE OLIVEIRA e outro
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00003723720124036004 1 Vr CORUMBA/MS

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. DOSIMETRIA. "MULAS" DO TRÁFICO. BENESSE DO § 4º DO ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06 INCOMPATÍVEL COM A REPRESSÃO À NARCOTRAFICÂNCIA. BENESSE MANTIDA EM OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA "NON REFORMATIO IN PEJUS". FIXAÇÃO DO REGIME FECHADO. SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. DESCABIMENTO. RECURSO DA DEFESA DESPROVIDO.
1. O réu foi condenado nas sanções do delito previsto no artigo 33, caput, c.c. artigo 40, I, da Lei nº 11.343/06.
2. As provas dos autos não deixam dúvidas de que a substância entorpecente foi adquirida na Bolívia. Destarte, fica mantido o reconhecimento da internacionalidade do delito e afastada a alegação de incompetência da Justiça Federal, nos termos do artigo 109, V, da Constituição da República e do artigo 70 da Lei nº 11.343/06.
3. Causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 inaplicável em caso envolvendo as chamadas "mulas", as quais desenvolvem atividade essencial na estrutura organizacional, levando o tóxico do território nacional para ser entregue a integrante da associação criminosa no exterior. Benesse incompatível com a repressão à narcotraficância. Desta feita, sem desconsiderar a significativa quantidade de droga apreendida com o réu que seria levada ao exterior, denotativa de seu enredamento com organização criminosa, inaplicável a mencionada causa de diminuição. Contudo, com a ressalva do entendimento deste Relator, resta mantida a mencionada causa de diminuição, tal como fixada na sentença, em 1/6, em observância ao princípio da "non reformatio in pejus".
4. Mantido o regime inicial de cumprimento de pena fechado, nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal.
5. Incabível, in casu, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, porquanto não preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos do art. 44 do Código Penal.
6. Matéria preliminar rejeitada e, no mérito, apelação da defesa desprovida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, negar provimento ao apelo defensivo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 31 de março de 2015.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000372-37.2012.4.03.6004/MS
2012.60.04.000372-4/MS
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : AIRTON RESENDE DOS SANTOS reu preso
ADVOGADO : MS014451 JOAO DOUGLAS MARIANO DE OLIVEIRA e outro
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00003723720124036004 1 Vr CORUMBA/MS

RELATÓRIO

O Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator):


O Ministério Público Federal, em 25/04/2012, denunciou AIRTON RESENDE DOS SANTOS, qualificado nos autos, brasileiro, nascido aos 28/01/1982, como incurso no artigo 33, caput, combinado com o artigo 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/2006. Consta da denúncia:

... AIRTON RESENDE DOS SANTOS, importou da Bolívia, transportou e trouxe consigo, 5.235 g (cinco mil duzentos e trinta e cinco gramas) de substância, posteriormente identificada como sendo cocaína, conforme Laudo de fls. 28-30.

Conforme consta no incluso inquérito (fls. 02/08), policiais em Operação Sentinela receberam informação sobre alguns veículos suspeitos de transportar droga. Na manhã do dia 24 de março de 2012, no Posto Fiscal Lampião Aceso, na BR-262, os policiais abordaram o referido veículo VW-Parati, de cor prata, placa CIY 3900, que era conduzido por AIRTON RESENDE DOS SANTOS e trazia um passageiro de nome Paulo Júnior.

Ao ser entrevistado pelos policiais, AIRTON demonstrou nervosismo e confessou haver droga oculta no veículo. Informou também que Paulo Júnior era totalmente alheio ao fato.

Em revista no veículo, AIRTON apontou os locais em que os pacotes contendo droga estavam ocultos, ou seja, dentro do forro dos bancos dianteiros e no interior do console.

Em sede policial, ao ser interrogado, AIRTON disse ter conhecido um homem de alcunha "JAPA", durante o mês de fevereiro, quando esteve na cidade de Corumbá. Aduziu que "JAPA" lhe propôs ganhar um dinheiro extra transportando drogas para ele. Asseverou que aceitou a proposta, sendo esta a segunda ocasião que realiza tráfico internacional de drogas em conluio com "JAPA" (fls. 06/07). Aduziu que "JAPA" lhe entregou cerca de cinco quilos de droga em um bar em Corumbá para ser transportada até Campo Grande. Receberia pelo transporte R$ 2.000,00. Assim, explicou que ocultou os pacotes de cocaína no interior da fonação dos bancos dianteiros e sob o painel do carro.

Nesta ocasião foi também apreendido o veículo e vários aparelhos de celular e chips telefônicos, conforme descrito no Auto de Apresentação e Apreensão n° 42/2012.

O laudo informático dos aparelhos de celulares e chips telefônicos (fls. 35/41) revela que AIRTON tinha vários números de telefone com o nome JAPA, ou derivado deste, bem como mensagens de texto informando número de contas bancárias para depósitos e nome de pessoas que supostamente funcionariam como parte do esquema criminoso.

É a síntese do relatório.

...

A denúncia foi recebida em 12/06/2012 (fls. 77/78).

Após instrução, foi proferida sentença, às fls. 211/216v, publicada em 20/06/2013, condenando o réu como incurso nos artigos 33 caput c/c o artigo 40, I, ambos da Lei n.º 11.343/06, à pena definitiva de 05 anos e 22 dias de reclusão, no regime inicial fechado, e 505 dias-multa, no valor unitário mínimo.

Guia de Recolhimento Provisória expedida às fls. 221.

Apela o réu (fls. 239/249), suscitando, preliminarmente, a nulidade em razão da incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o presente feito, sob a alegação de que não restou caracterizada a internacionalidade da conduta. No mérito, pugna pela: a) aplicação da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º da Lei n.º 11.343/06, em seu maior patamar; b) a fixação de regime de cumprimento de pena menos gravoso; c) a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Contrarrazões às fls. 251/256v., respectivamente.

A Procuradoria Regional da República opinou desprovimento do recurso da Defesa (fls. 259/263).

É o relatório.

À revisão.


HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000372-37.2012.4.03.6004/MS
2012.60.04.000372-4/MS
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : AIRTON RESENDE DOS SANTOS reu preso
ADVOGADO : MS014451 JOAO DOUGLAS MARIANO DE OLIVEIRA e outro
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00003723720124036004 1 Vr CORUMBA/MS

VOTO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator): AIRTON RESENDE DOS SANTOS foi denunciado por transportar substância entorpecente (5.235g de cocaína) proveniente da Bolívia, e que seria levada até Campo Grande/MS.

Por r. sentença, o Juízo de primeiro grau o condenou à pena definitiva de 05 anos 22 dias de reclusão, no regime inicial fechado, e 505 dias-multa, como incurso nos artigos 33 caput c/c o artigo 40, inciso I da Lei n.º 11.343/06.

Apela o réu (fls. 239/249), suscitando, preliminarmente, a nulidade em razão da incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o presente feito, sob a alegação de que não restou caracterizada a internacionalidade da conduta. No mérito, pugna pela: a) aplicação da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º da Lei n.º 11.343/06, em seu maior patamar; b) a fixação de regime de cumprimento de pena menos gravoso; c) a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Rejeito a preliminar de incompetência da Justiça Federal.

A prova carreada aos autos demonstra a natureza transnacional do delito de tráfico perpetrado pelo apelante.

Não há dúvidas de que a substância entorpecente foi adquirida na Bolívia.

Como bem fundamentou a MM. Juíza de primeiro grau acerca da transnacionalidade da conduta (fls. 214/214v.):

"A internacionalidade do tráfico restou demonstrada.

Não merece prosperar a alegação da defesa do réu de que a transnacionalidade trata-se de mera presunção, visto que a análise da origem da droga é suficiente para chegar a conclusão da transnacionalidade. Neste sentido, ensina Renato Marcão (Tóxicos: Lei n. 11.343 - nova lei de drogas 14. Ed. Reformulada- São Paulo: Saraiva, 2007):

"A natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido, bem como as circunstâncias do fato, servirão para evidenciar se a hipótese é ou não de delito transnacional. Agora, basta que a droga seja originária de outro pais, sem outros questionamentos, para que se reconheça a majorante da transnacionalidade."

Cumpre ressaltar que neste Município não se produz cocaína, sendo esta cultivada e extraída livremente no Peru, na Colômbia e na Bolívia, e, especialmente deste último país, trazida na forma de pasta base, tal com estava parte do entorpecente apreendido. Por se tratar de região de fronteira, a conclusão plausível é da origem da droga ser país estrangeiro.

Além disso, muito embora o réu tenha alterado o teor das declarações prestadas por ocasião do inquérito policial, em seu interrogatório judicial, a testemunha PEDRO FRAGA afirmou que o acusado no momento da prisão disse ter sido contratado por JAPA um conhecido traficante boliviano. Tanto é que no mesmo dia policiais iniciaram diligências a fim de prender o referido traficante, todavia, não conseguiram atingir o objetivo, uma vez que JAPA já tinha retornado para a Bolívia. Veja-se:

(...)Entrevistou o outro ocupante do veículo e este disse que AIRTON ficou sozinho a noite. AIRTON disse que entregou o veículo para uma terceira pessoa e esta havia colocado o entorpecente. AIRTON não admitiu que pegou a droga na Bolívia. JAPA é um traficante conhecido na região. Após a prisão de AIRTON, alguns policiais fizeram diligência para tentar capturar JAPA, porém este já havia se deslocado à Bolívia novamente. AIRTON disse que foi contratado por JAPA para transportar drogas por uma quantidade de dinheiro. AIRTON disse que JUNIOR não sabia de nada sobre o transporte da droga. (...). O posto Lampião Aceso fica na saída da cidade de Corumbá em direção à Campo Grande. AIRTON disse o veículo era dele. AIRTON disse que entregou o veículo para outra pessoa e esta teria colocado a droga no carro. (...)"[Depoimento de PEDRO EMMANUEL FERREIRA FRAGA, fls. 121/123] (...)

De qualquer forma, diante do contexto fático, resta ainda claro que o apelante tinha ciência da procedência estrangeira do entorpecente, contribuindo diretamente para sua introdução em solo nacional. Neste sentido:

"PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. TRANSNACIONALIDADE. ORIGEM ESTRANGEIRA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO PROVIDO. 1. O Auto de Prisão em Flagrante relata que, em razão de fiscalização de rotina no Posto Lampião Aceso, localizado na Rodovia BR-262, na cidade de Corumbá/MS, policiais rodoviários, ao abordarem ônibus com destino a Campo Grande/MS, encontraram juntamente com P.J.E.B. 11.070g (onze mil e setenta gramas) de cocaína, conforme laudo preliminar de constatação, tendo informado que veio de Minas Gerais juntamente com I.M. para buscarem a droga para então levá-la até a cidade de Lavras/MG, sendo que este, após efetuadas diligências, foi abordado conduzindo veículo automotor, razão pelas quais ambos foram presos em flagrante delito. 2. A origem estrangeira da droga e a transnacionalidade do tráfico restaram devidamente caracterizadas não apenas pelas próprias declarações do indiciado na fase inquisitorial, mas também pelas circunstâncias fáticas que envolveram o crime, notadamente a natureza e procedência do entorpecente. 3. Sabe-se que não há registro de plantação de drogas no Estado de Mato Grosso do Sul, bem como nos demais Estados com que este faz divisa, e que as drogas são provenientes do Paraguai ou Bolívia, países vizinhos, incontestavelmente reconhecidos como fornecedores de cocaína e outras substâncias entorpecentes ilícitas. 4. Irrelevante se o entorpecente foi recebido de um lado ou de outro da fronteira, ainda que a entrega houvesse ocorrido alguns metros dentro do território brasileiro. Isso porque, sendo inequívoca a ciência da proveniência estrangeira, a adesão prévia a essa importação pelo réu implica seja igualmente culpado pelo tráfico transnacional, porquanto está demonstrado que sabia que a substância deveria ultrapassar os limites entre países diversos, pouco importando se foi ele quem pessoalmente trouxe a droga para o Brasil, ou se foi um comparsa em comunhão de desígnios (Precedentes: STJ: CC 125.776/MG, Rel. Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/03/2013, DJe 21/03/2013; CC 115.595/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/09/2011, DJe 10/10/2011; CC 111.938/MG, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/06/2010, DJe 02/08/2010. TRF 3ª Região: QUINTA TURMA, RSE 0010223-83.2010.4.03.6000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, julgado em 30/09/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/10/2013; ACR 00007055920074036005, JUIZ CONVOCADO ALESSANDRO DIAFERIA, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/04/2012 ..FONTE_REPUBLICACAO:.). 5. Recurso provido.(RSE 00007080720134036004, DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO, TRF3 - QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/03/2014 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

Destarte, caracterizada a internacionalidade da conduta, competente a Justiça Federal para processar e julgar o feito, nos termos do artigo 109, V, da Constituição da República e do artigo 70 da Lei nº 11.343/06, não subsistindo, portanto, a preliminar suscitada.

A autoria também é inconteste.

Em sede extrajudicial (fls. 06/07), o réu forneceu detalhes de como conheceu "Japa" seu aliciador e contratante; como se davam as comunicações entre ambos; disse que convidou um amigo para acompanhá-lo (o qual desconhecia o caráter ilícito da viagem); descreveu a chegada à Bolívia, bem como demais elementos da empreitada criminosa. Disse ainda que no ato da entrega da droga em Campo Grande, receberia R$ 2.000,00 (dois mil reais), pelo transporte de cerca de cinco quilos de cocaína. Afirmou que seria a segunda vez que realizaria este tipo de atividade, sendo que a primeira havia se dado há cerca de um mês, tendo levado somente um quilo de entorpecente, e que, naquela oportunidade, recebeu R$ 1.000,00 (mil reais), considerando as despesas de viagem.

Em Juízo (mídia eletrônica - fls. 98), porém, retratou-se parcialmente, com a nítida intenção de afastar a internacionalidade da conduta. Admitiu o transporte da substância entorpecente, mas disse que recebeu a droga em Campo Grande. Negou que conhecesse alguém com a alcunha de "Japa", e disse ainda que foi a primeira vez que transportou drogas. Por fim, afirmou que receberia 2.000 reais para entregar a cocaína em Campo Grande.

Pedro Emmanuel Ferreira Fraga (mídia eletrônica - fls. 123) e Antônio Eduardo Veríssimo (mídia eletrônica - fls. 147), Agentes da Polícia Federal que atuaram na Operação Sentinela, ratificaram os depoimentos prestados na fase inquisitorial e narrados da denúncia, detalhando minuciosamente os fatos que culminaram na prisão em flagrante do acusado. Pedro Emmanuel afirmou ainda que, na esfera policial, AIRTON teria lhe dito que estaria a serviço de "Japa", traficante conhecido na região.

Observo que a prova testemunhal revela-se coesa com o depoimento prestado perante a autoridade policial, não se sustentando a versão apresentada em Juízo, porquanto nítida a mera intenção do apelante de afastar a internacionalidade da conduta.

Destarte, o conjunto probatório carreado aos autos é harmônico e seguro em desfavor do apelante, devendo ser mantido o decreto condenatório pela prática do delito previsto no art. 33, caput, c. c. o art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/06.

Passo, por conseguinte, à análise da dosimetria da pena.

A pena-base foi fixada pelo Juízo sentenciante em 06 anos e 03 meses de reclusão e pagamento de 625 dias-multa e restou inconteste, portanto, mantida.

Na segunda fase, foi aplicada a circunstância atenuante da confissão espontânea à razão de 1/6, resultando na pena de 05 anos 02 meses 15 dias de reclusão e 520 dias-multa.

Na terceira fase da dosimetria, a MM. Juíza a quo fixou em 1/6 o acréscimo pela internacionalidade do delito, perfazendo a pena de 06 anos e 27 dias de reclusão e pagamento de 606 dias-multa.

Ainda na terceira fase, o Juízo de primeiro grau aplicou a causa de diminuição da pena capitulada no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 à razão de 1/6. A Defesa pretende a sua aplicação no patamar máximo, não se insurgindo quanto às demais fases da dosagem da reprimenda penal.

O pedido não merece prosperar.

Neste ponto, curial deixar anotado que tal benesse concedida pelo legislador deve ficar restrita - quando presentes todos os requisitos legais - a casos excepcionais, de menor gravidade, ou seja, pequenos traficantes, atuantes no mercado doméstico, envolvendo entorpecentes que se possam caracterizar, em princípio, como menos lesivos, e nunca a traficantes internacionais de expressiva quantidade de cocaína - como é a hipótese dos autos, em que o réu sujeitou-se a realizar o transporte de 5.235g de cocaína, oculta no veículo que conduzia (neste sentido: Tribunal Regional Federal da 3ª Região - ACR 27998 - Proc. nº 2006.61.19.005166-0 - 5ª T. - Rel. Juiz Conv. Hélio Nogueira - j. 14.04.08 - D.E. 06.05.08).

Aqui vale registrar o seguinte aresto desta Corte:

"(...) 8. A pessoa que se sujeita a transportar substância entorpecente para o exterior mediante paga, com despesas integralmente custeadas, integra organização criminosa de forma efetiva, ainda que na condição de 'mula'. Com efeito, a apelante, de forma voluntária, contribuiu para a narcotraficância internacional, representando peça essencial ao sucesso da empreitada criminosa, eis que incumbida de receber a droga devidamente embalada do fornecedor, devendo entregá-la ao destinatário no exterior, representando, portanto, o elo de ligação entre fornecedor e receptor, o que afasta, de plano, o benefício previsto no § 4º, do art. 33, da Lei nº 11.343/06, cuja aplicação exige a prova extreme de dúvidas da concorrência dos quatro requisitos exigidos na norma.(...)"

(ACR 26478 - Rel. Desembargador Federal Johonsom Di Salvo - DJF3 26.08.09, p. 83)

Frise-se, ainda, que deve ser afastada a interpretação que entende cabível a aplicação do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, no caso em espécie, pois incompatível com a finalidade de recrudescimento da repressão a narcotraficância esposada pela nova Lei Antidrogas e, que, ademais, favoreceria as atividades das organizações criminosas voltadas para o comércio ilegal de substâncias entorpecentes.

Neste diapasão, oportuno citar o seguinte precedente da 5ª Turma do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região:


"PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PROVA. ESTADO DE NECESSIDADE. PENA. TRANSNACIONALIDADE. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º DA LEI Nº 11.343/06. - Materialidade e autoria dolosa provadas no conjunto processual. - A figura do estado de necessidade requisita a exposição do agente a perigo atual, como tal não se entendendo situação que não se vincula direta e imediatamente à oportunidade de prática de qualquer delito em particular mas à possibilidade genérica de obtenção de recursos teoricamente necessários com violações à ordem jurídico-penal. - Circunstâncias judiciais que não autorizam a graduação da pena-base acima do mínimo legal. - Aplicação da atenuante da confissão espontânea, reconhecida na sentença, afastada com a redução da pena-base ao mínimo legal, uma vez que a incidência de circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal, prejudicada a questão no âmbito do recurso da acusação. - Transnacionalidade do tráfico provada pelas evidências de destinação do entorpecente ao exterior e percentual reduzido ao mínimo previsto. - Causa de diminuição do artigo 33, §4º que não incide no caso em virtude das circunstâncias do delito (contato com agentes de organização criminosa atuando no tráfico internacional) a revelarem propensão criminosa, não se lobrigando o preenchimento do requisito cunhado na lei com a expressão "não se dedique às atividades criminosas". Lei que é de combate ao tráfico, a concessão indiscriminada do benefício legal aos agentes transportadores da droga vindo a facilitar as atividades das organizações criminosas, de modo a, também sob pena do paradoxo da aplicação da lei com estímulo ao tráfico, impor-se a interpretação afastando presunções e exigindo fortes e seguros elementos de convicção da delinqüência ocasional. - Recursos parcialmente providos"

(ACR 32479 - Rel. Desembargador Federal Peixoto Júnior - DJF3 20.08.09, p. 302) (g.n.)

Além do exposto, o próprio réu afirmou perante a autoridade policial que foi a segunda vez que transportou drogas para o mesmo aliciador, o que leva a crer que tivesse envolvimento anterior com a organização criminosa. Outrossim, extrai-se dos autos, pela grande pela grande quantidade de substância entorpecente apreendida (5.235g de cocaína); a forma como estava oculta no veículo; a circunstância de ter empreendido viagem internacional, com hospedagem e despesas financiadas pela narcotraficância, tudo está a denotar seu enredamento, ainda que não habitual, com organização criminosa voltada para o comércio internacional de cocaína, arredando a incidência da norma do § 4º do art. 33 da Lei Antidrogas.

No entanto, com a ressalva do entendimento deste Relator, mantida a mencionada causa de diminuição, tal como fixada na sentença, em 1/6, em observância ao princípio da "non reformatio in pejus", restando definitiva a pena de 05 anos 22 dias de reclusão e o pagamento de 505 dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, corrigido monetariamente.

No que tange ao regime inicial de cumprimento de pena, requer a Defesa a fixação do regime inicial de cumprimento de pena menos gravoso.

O pleito não comporta acolhimento.

No caso em apreço, o delito perpetrado tinha por objeto o transporte de quantidade considerável de cocaína, substância de elevada potencialidade lesiva, de modo que a fixação de regime inicial diverso do fechado, de fato, faz-se inadequado e insuficiente para a reprovação e prevenção do delito.

Acerca do tema já decidiu o E. Supremo Tribunal Federal:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES (ARTIGO 33, CAPUT, DA LEI 11.343/06). ART. 2º, § 1º, DA LEI 8.072/90, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.464/07. INCONSTITUCIONALIDADE. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUPERIOR A 4 (QUATRO) ANOS E NÃO EXCEDENTE A 8 (OITO) ANOS. REGIME INICIAL SEMIABERTO (ART. 33, § 2º, ALÍNEA B, DO CP). CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. IMPOSIÇÃO DE REGIME MAIS GRAVOSO. POSSIBILIDADE. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS PARCIALMENTE PROVIDO APENAS PARA DETERMINAR AO JUÍZO DA EXECUÇÃO QUE VERIFIQUE SE O PACIENTE PREENCHE, OU NÃO, OS REQUISITOS NECESSÁRIOS À PROGRESSÃO DE REGIME.

1. O artigo 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, na redação conferida pela Lei 11.464/07 - que determina que o condenado pela prática de crime hediondo inicie o cumprimento da pena privativa de liberdade, necessariamente, no regime fechado - foi declarado inconstitucional pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada em 27.06.12, ao julgar o HC 11.840, Relator o Ministro Dias Toffoli. Naquela ocasião, contudo, esta Corte destacou que, mesmo na hipótese de condenação por tráfico de entorpecentes, o regime inicial do cumprimento de pena não é mera decorrência do quantum da reprimenda, estando condicionado também à análise das circunstâncias judiciais elencadas no artigo 59 do Código Penal, a que faz remissão o art. 33, § 3°, do mesmo Código. 2. O regime inicial fechado revela-se possível, destarte, em condenações por tráfico de entorpecentes, mesmo para o cumprimento de pena inferior a 9 (oito) anos, desde que desfavoráveis as circunstâncias judiciais elencadas no artigo 59 do Código Penal. 3. In casu, considerada tão-somente a quantidade da pena aplicada (cinco anos e onze dias de reclusão), o paciente teria direito ao regime inicial semiaberto , nos termos do artigo 33, § 2º, alínea b, do Código Penal. Todavia, a fixação de regime mais gravoso, deu-se à luz das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal e, no caso da regência específica do crime de tráfico de entorpecentes, do art. 42 da Lei n. 11.343/2006, verbis: "O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente" (sem grifos no original). 4. Por outro lado, a análise do preenchimento, ou não, dos requisitos necessários à progressão de regime compete ao Juízo da Execução. 5. Recurso ordinário em habeas corpus parcialmente provido apenas para determinar ao Juízo da Execução que verifique se o paciente preenche, ou não, os requisitos necessários à progressão de regime.

(RHC 121063/MT, Rel. Min. LUIZ FUX, j. 25/02/2014, Primeira Turma)

Ainda nesse diapasão, acerca do início do regime de desconto de pena já decidiu este Tribunal Regional Federal da 3a Região:

(...) No caso dos autos, deve ser fixado o inicial fechado, único compatível com a prática de crimes extremamente gravosos à sociedade, tal como o verificado no caso presente, tratando-se de apreensão de grande quantidade de droga com potencial de causar consequências gravíssimas à saúde e à vida de número indeterminado de pessoas, sendo, pois, desfavoráveis aos acusados as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, c.c o art. 33, § 3º, ambos do Código Penal.

(ACR 54662/MS - 5ª T. - Rel. Juíza Federal Conv. Louise Filgueiras - e-DJF3 02.02.14).

Deste modo, considerando as circunstâncias judiciais desfavoráveis, ponderadas na primeira fase da dosimetria da pena, mantido o regime inicial de cumprimento de pena fechado, tendo por fundamento o disposto no artigo 33, § 3º, do Código Penal.

Registro, por oportuno, que é incabível, na hipótese em tela, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, em face do não preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos do art. 44 do Código Penal, não se afigurando, ainda, tal substituição, socialmente recomendável.

Por esses fundamentos, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, nego provimento ao apelo defensivo.

Oficie-se à Vara de Execuções Criminais.

É o voto.


HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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