Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 10/04/2015
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001464-86.2009.4.03.6123/SP
2009.61.23.001464-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal MARCELO SARAIVA
APELANTE : MAURO FERNANDES
ADVOGADO : SP103592 LUIZ GONZAGA PECANHA MORAES e outro
APELADO(A) : Justica Publica
EXCLUIDO : JAVIER TANO FEIJOO
No. ORIG. : 00014648620094036123 1 Vr BRAGANCA PAULISTA/SP

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ART. 337-A DO CÓDIGO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA NÃO CONFIGURADA.PEÇA INAUGURAL QUE ATENDE AOS REQUISITOS LEGAIS EXIGIDOS E DESCREVE CRIME EM TESE. AMPLA DEFESA GARANTIDA. MATERIALIDADE COMPROVADA. CONTINUIDADE DELITIVA. ART. 71 DO CÓDIGO PENAL. AUTORIA DEMONSTRADA. DOLO GENÉRICO DEMONSTRADO. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. ALTERAÇÃO DE OFÍCIO DA DESTINAÇÃO DA PENA PECUNIÁRIA SUBSTITUTIVA. APELO IMPROVIDO.
1. Não pode ser acoimada de inepta a denúncia formulada em obediência aos requisitos traçados no artigo 41 do Código de Processo Penal, descrevendo perfeitamente as condutas típicas, cuja autoria é atribuída ao recorrente devidamente qualificado, circunstâncias que permitem o exercício da ampla defesa no seio da persecução penal, na qual se observou o devido processo legal.
2. Nos chamados crimes societários, embora a vestibular acusatória não possa ser de todo genérica, é válida quando, apesar de não descrever minuciosamente as atuações individuais dos acusados, demonstra um liame entre o seu agir e a suposta prática delituosa, estabelecendo a plausibilidade da imputação e possibilitando o exercício da ampla defesa, caso em que se consideram preenchidos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal.
3. A materialidade delitiva resta comprovada diante dos elementos probatórios contidos nos autos, pelos procedimentos administrativos fiscais nº 19311.000061/2009-38 (PIC em apenso nº 1.34.028.000018/2009-14), e nº 19311.000142/2009-38, 19.311.000092/2009-99, 19311.000093/2009-33, 19311.000142/2009-38, 19311.000097/2009-11, 19311.000098/2009-66 e 19311.000099/2009-19 (PIC em apenso nº 1.34.028.000040/2009-56), que culminaram nas lavraturas da DECAB nº 37.194.625-5, 37.194.626-3 e 37.194.627-1, 37.194.622-0, 37.194.632-8 e 37.194.633-6. Conforme consta no conjunto probatório constatou-se que o apelante omitiu da folha de pagamento e das GFIPs empregados e contribuinte individuais, bem como omitiram remunerações pagas a empregados e contribuintes individuais que lhe prestaram serviços, nas competências de 06/2004 a 12/2007, além de prestarem informações incorretas a respeito da alíquota de GILRAT.
4. A autoria restou suficientemente demonstrada pelo que consta nas Representações Fiscais para Fins Penais, em especial no item 1.3. nº 19311.000061/2009-38, o qual revela que à época dos fatos Mauro Fernandes e Javier Tano Feijoo eram os administradores de fato da empresa C.P.L.G. (fls. 04 - PIC em apenso nº 1.34.028.000018/2009-14). Apesar de o apelante afirmar que nunca foi sócio da Empresa POLIBRAS INDÚSTRIA E COMERCIO DE SUCATAS VASILHAMES LTDA ME, conforme representação fiscal, e documentos constantes nos apensos ficou evidente que de fato havia uma única atividade empresarial e as atividades das empresas C.P.L.G . e POLIBRAS se confundiam, ficando claro que o réu é responsável por toda a atividade empresarial, uma vez que o próprio admitiu em seu interrogatório ser sócio de fato da empresa C.P.L.G. (fls. 888/889). Os depoimentos das testemunhas corroboram com essa conclusão.
5. O crime de sonegação fiscal, tipificado no art. 337-A, I e III, do CP, exige supressão ou redução de contribuição social previdenciária e qualquer acessório, pela conduta de omitir informações às autoridades fazendárias. Ainda, a jurisprudência dominante é no sentido de que se exige apenas o dolo genérico, não sendo necessária inquirição acerca de um especial estado de ânimo voltado para a sonegação. Destarte, se o agente omitiu informação às autoridades fazendárias, reduzindo ou suprimindo, com isso, contribuição social ou obrigação acessória, perfectibilizado estará o tipo penal.
6. A conduta do réu amolda-se ao tipo penal insculpido no artigo 337-A, inciso I a III, do Código Penal, combinado com os artigos 29 e 71, todos do Código Penal.
7. Analisando a pena aplicada ao caso em análise, percebe-se que ela foi devidamente imposta não havendo qualquer ilegalidade, sendo esta muito bem fundamentada. Ao proferir a decisão que estabeleceu a pena-base do apelante em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, acima do mínimo legal, o juiz a quo apenas aplicou o artigo 59 do Código Penal considerando as circunstâncias e consequências do crime. É legítimo o aumento da pena-base quando essa fixação se dá em virtude do alto valor que deixou de ser recolhido a previdência social. Ressalte-se que a dosimetria da pena não se baseia, exclusivamente, na primariedade, personalidade e na conduta social do acusado (Precedentes do Supremo Tribunal Federal STF, RHC nº 83718, UF/SC, rel. Min. Nelson Jobim, Dj 23.04.04; HC 89223, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI; RHC 101576, Relator(a):  Min. ROSA WEBER)
8. Mantida a fixação da pena-base em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão. Não há agravantes. Pena aumentada em ½ devido à continuidade delitiva por longo período. Fixada a pena final em 4 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial aberto, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "c", e § 3º do Código Penal, e pena de multa em 28 dias-multa, com valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente a época dos fatos.
9. Substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos de prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade, diante do preenchimento dos requisitos necessários para sua concessão (previsão do artigo 44, §2º do Código Penal).
10. Destinação da pena pecuniária substitutiva fixada no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais) alterada, de ofício, em favor da União Federal, na condição de vítima, nos termos do art. 16 da Lei nº 11.457/2007.
11. Apelo da defesa improvido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso e, de ofício, destinar a prestação pecuniária substitutiva à União Federal, mantendo, no mais, a r.sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 31 de março de 2015.
MARCELO SARAIVA
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001464-86.2009.4.03.6123/SP
2009.61.23.001464-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal MARCELO SARAIVA
APELANTE : MAURO FERNANDES
ADVOGADO : SP103592 LUIZ GONZAGA PECANHA MORAES e outro
APELADO(A) : Justica Publica
EXCLUIDO : JAVIER TANO FEIJOO
No. ORIG. : 00014648620094036123 1 Vr BRAGANCA PAULISTA/SP

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por MAURO FERNANDES em face da r. sentença que julgou procedente a pretensão punitiva para condenar o réu como incurso no art. 337-A, incisos I e III, c/c arts. 29 e 71, todos do Código Penal.

Consta da denúncia de fls. 03/04v, recebida em 03.08.2009 (fl. 07), que Mauro Fernandes e Javier Tano Feijoo, com vontade livre e consciente, na qualidade de proprietários e administradores da empresa Comércio de Vasilhames e Caixas Plásticas, C.P.L.G LTDA ME, suprimiram contribuições previdenciárias, por meio de omissões de folhas de pagamento, de documentos de informações dos segurados empregados e contribuintes individuais (GFIP - Guia de Recolhimento do FGTS) e das remunerações pagas aos empregados e contribuintes individuais que lhe prestaram serviços. Também informaram alíquota incorreta de GILRAT (Grau de Incidência de Incapacidade Laborativa Decorrente os Riscos do Ambiente do Trabalho) nas GFISP', deixando de recolher, durante o período de 2003 a dezembro de 2007, contribuições sociais previdenciárias, o que redundou na lavratura das NFLD's a seguir descritas (débito principal, sem multa e juros):


- nº 37.194.625-5 no valor de R$ 602.016,04 (fl.45, PIC 1.34.028.000018/2009-14)

- nº 37.194.626-3 no valor de R$ 186.509,13 (fl.532, PIC 1.34.028.000018/2009-14)

- nº 37.194.627-1 no valor de R$78.988,77 (fl.621, PIC 1.34.028.000018/2009-14)


O réu Mauro Fernandes foi devidamente citado e participou de todo o processo. Por sua vez, o réu Javier Tano Feijoo não foi localizado para citação pessoal (fls.772/798).

Conforme decisão de fls.799, o MM. Juízo a quo reconheceu a conexão entre o presente processo e os autos do processo nº 2009.61.23.002361-0 (em apenso), em que os acusados Javier Tano Feijoo e Mauro Fernandes foram denunciados pela prática do delito previsto no art.337-A, inciso III, c.c. arts. 29 e 71, do CP, uma vez que, na qualidade de administradores e proprietários da empresa POLIBRAS INDÚSTRIA e COMÉRCIO de SUCATA e VASILHAMES Ltda. ME., de forma consciente e voluntária, durante o período de 01/2005 a 09/2006, suprimiram ou reduziram contribuições sociais previdenciárias, mediante a conduta de omitir, total ou parcialmente, remunerações pagas a empregados e contribuintes individuais, horas-extras, adicional noturno e demais fatos geradores dessas contribuições, o que redundou na lavratura de autos de infração a seguir descritas:


- DECAB nº 37.194.622-0 no valor de R$160.648,34 (fls.56 do PIC 1.34.028.000040/2009-56)

- DECAB nº37.194.632-8 no valor de R$59.829,19 (fls.305 do PIC 1.34.028.000040/2009-56)

- DECAB nº 37.194.633-6 no valor de R$40.414,14 (fls.342 do PIC1.34.028.000040/2009-56)


Naquele processo, o réu Mauro Fernandes foi devidamente citado, porém, Javier Tano Feijoo não foi localizado para a citação pessoal, sendo que, efetivada a conexão, procedeu-se à citação por edital (fls.799 a 801). No entanto, Javier deixou de oferecer defesa preliminar, razão pela qual o processo e o curso do prazo prescricional foram suspensos quanto a este acusado. Nomeou-se defensora dativa para acompanhar a instrução a título de antecipação de prova (fl.806), sendo que o desmembramento do feito, quanto a Javier, foi realizado após instrução (fl.880).

A r. sentença, publicada em 19.04.2011 (fls. 915), julgou procedente a pretensão punitiva, para condenar Mauro Fernandes ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 4 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituindo-a por duas penas restritivas de direito.

Em seu apelo de fls. 919 e 934/946, o réu pugna pelo reconhecimento da inépcia da denúncia; pela ilegitimidade para figurar no polo passivo da ação; pela falta de indícios de autoria e materialidade e subsidiariamente, sustenta o excesso da pena imposta.

O MPF apresentou contrarrazões às fls. 925/929, propugnando pelo desprovimento da apelação.

A Procuradoria Regional da República ofereceu parecer (fls. 948/961) opinando pelo desprovimento do recurso.


É o relatório.

À revisão.



MARCELO SARAIVA
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001464-86.2009.4.03.6123/SP
2009.61.23.001464-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal MARCELO SARAIVA
APELANTE : MAURO FERNANDES
ADVOGADO : SP103592 LUIZ GONZAGA PECANHA MORAES e outro
APELADO(A) : Justica Publica
EXCLUIDO : JAVIER TANO FEIJOO
No. ORIG. : 00014648620094036123 1 Vr BRAGANCA PAULISTA/SP

VOTO

PRELIMINARES


Da inocorrência da inépcia da denúncia


O apelante pugna pelo reconhecimento da inépcia da denúncia, sob o argumento de que a acusação não teria descrito minuciosamente todos os fatos, nem individualizado precisamente a conduta dos sócios.


Tal alegação não merece ser acolhida.

A esse respeito, importa relembrar que a jurisprudência sedimentou-se no sentido de ser indispensável a descrição minuciosa da conduta do acusado, bastando, para tanto, que narre o fato criminoso de forma a possibilitar o exercício da ampla defesa e do contraditório.


Não deve ser declarada a inépcia da denúncia não se pode perder de vista, também, que, em crimes societários ou de autoria coletiva, a denúncia descreve, mesmo que minimamente, a conduta imputada ao denunciado, permitindo-lhe o pleno exercício da ampla defesa e do contraditório, desde que demonstrado que ele era sócio da empresa com poderes de gerência e administração, conforme o contrato social, não há que se falar em inépcia da denúncia.

Nesse prisma, a denúncia em questão é adequada e suficiente, pois descreve o fato cometido pelos administradores da empresa "Comércio de Vasilhames e Caixas Plásticas C.P.L.G. LTDA. ME", consistente no não recolhimento, no prazo legal, e, de maneira continuada, das contribuições previdenciárias descontadas dos pagamentos efetuados aos seus empregados, nos períodos de 06/2003 a 12/2007, conforme se extrai das DEBCADs nºs 37.194.625-5 (fl.45), 37.194.626-3 e 37.194.627-1 (fl.621).


Nesse sentido, transcrevo os seguintes julgados:


RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. SUSPENSÃO DO PROCESSO EM DECORRÊNCIA DO PARCELAMENTO DO TRIBUTO. BENESSE CONCEDIDA PELO JUÍZO PROCESSANTE. PEDIDO PREJUDICADO. INÉPCIA DA DENÚNCIA E AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL PREENCHIDOS. LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO CONFIGURADO. RECURSO PARCIALMENTE PREJUDICADO E, NO MAIS, DESPROVIDO.

1. O trancamento de ação penal pela via de habeas corpus, ou do recurso que lhe faça as vezes, é medida de exceção, só admissível quando emerge dos autos, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentaram a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade.

2. Informações recentemente recebidas do Juízo de primeira instância revelam que foi determinada a suspensão do processo criminal em decorrência do parcelamento do tributo, não subsistindo interesse recursal no exame da referida matéria.

3. Inexiste o alegado defeito da peça acusatória, na medida em que a denúncia descreve, com todos os elementos indispensáveis, previstos no art. 41 do Código de Processo Penal, a existência de crime em tese, bem como a respectiva autoria, com indícios suficientes para a deflagração da persecução penal, possibilitando ao acusado o pleno exercício do direito de defesa.

4. No processo penal o acusado defende-se dos fatos narrados na inicial acusatória, e não da capitulação nela contida, podendo o Juízo sentenciante atribuir a tais fatos definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave, nos termos do art. 383 do Código de Processo Penal. Portanto, o exame de qual tipo penal melhor se amolda à descrição da denúncia, ou, em sendo o caso, a inferência pela atipicidade da conduta, cabe ao magistrado no devir da ação penal, sendo vedado a esta Corte Superior, antecipando-se na operação, realizar tal juízo nos estreitos limites do writ.

5. Recurso parcialmente prejudicado e, no mais, desprovido.

(RHC 42.445/BA, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 03/06/2014, DJe 11/06/2014)

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA (ARTIGO 337-A DO CÓDIGO PENAL) INÉPCIA DA DENÚNCIA.

PEÇA INAUGURAL QUE ATENDE AOS REQUISITOS LEGAIS EXIGIDOS E DESCREVE CRIME EM TESE. AMPLA DEFESA GARANTIDA. INÉPCIA NÃO EVIDENCIADA.

1. A hipótese cuida de denúncia que narra supostos delitos praticados por intermédio de pessoa jurídica, a qual, por se tratar de sujeito de direitos e obrigações, e por não deter vontade própria, atua sempre por representação de uma ou mais pessoas naturais.

2. Não pode ser acoimada de inepta a denúncia formulada em obediência aos requisitos traçados no artigo 41 do Código de Processo Penal, descrevendo perfeitamente as condutas típicas, cuja autoria é atribuída ao recorrente devidamente qualificado, circunstâncias que permitem o exercício da ampla defesa no seio da persecução penal, na qual se observará o devido processo legal.

3. Nos chamados crimes societários, embora a vestibular acusatória não possa ser de todo genérica, é válida quando, apesar de não descrever minuciosamente as atuações individuais dos acusados, demonstra um liame entre o seu agir e a suposta prática delituosa, estabelecendo a plausibilidade da imputação e possibilitando o exercício da ampla defesa, caso em que se consideram preenchidos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal.

TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA DE PROVAS DA PARTICIPAÇÃO DO ACUSADO NOS FATOS. ACÓRDÃO OBJURGADO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE SODALÍCIO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. VIA INADEQUADA.

1. Em sede de habeas corpus somente deve ser obstada a ação penal se restar demonstrada, de forma indubitável, a ocorrência de circunstância extintiva da punibilidade, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito, e ainda, a atipicidade da conduta.

2. Estando a decisão impugnada em total consonância com o entendimento jurisprudencial firmado por este Sodalício, não há falar em trancamento da ação penal, pois, de uma superficial análise dos elementos probatórios contidos no presente mandamus, não se vislumbra estarem presentes quaisquer das hipóteses que autorizam a interrupção prematura da persecução criminal por esta via, já que seria necessário o profundo estudo das provas, as quais deverão ser oportunamente valoradas pelo juízo competente.

EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ADESÃO A PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO FISCAL - REFIS - APÓS A VIGÊNCIA DA LEI 9.249/1995. AUSÊNCIA DE QUITAÇÃO INTEGRAL DO DÉBITO. IMPOSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. DESPROVIMENTO DO RECLAMO.

1. Firmou-se nesta Corte Superior de Justiça o entendimento de que a incidência das regras de extinção da punibilidade nas hipóteses de parcelamento do crédito tributário, disciplinadas de formas distintas pelas nas Leis 9.249/1995 e 9.964/2000, depende da data na qual ocorreu a adesão ao respectivo programa, sendo certo que a partir do último diploma legal tal fato apenas dá ensejo à suspensão da pretensão punitiva até a quitação integral das parcelas.

2. No caso dos autos, verifica-se que os fatos imputados ao recorrente teriam ocorrido entre março de 2003 e outubro de 2005, ou seja, após o advento da Lei 9.964/2000, sendo certo que, de acordo com as informações prestadas pela Receita Federal, o parcelamento convencional foi consolidado em 31.12.2007, o que impede que se reconheça a extinção de sua punibilidade com base no artigo 34 da Lei 9.249/1995.

3. Recurso improvido.

(RHC 47.042/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 20/05/2014, DJe 26/05/2014)

RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. NÃO OCORRÊNCIA. INDÍCIOS DE AUTORIA E PROVAS DA MATERIALIDADE CONFIGURADOS. DENÚNCIA QUE ATENDE AOS REQUISITOS LEGAIS. INÉPCIA NÃO CONFIGURADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.

1. O trancamento da ação penal em sede de habeas corpus é medida excepcional, somente se justificando quando demonstrada, inequivocamente, a absoluta ausência de provas da materialidade do crime e de indícios de autoria, a atipicidade da conduta ou a existência de causa extintiva da punibilidade, hipóteses que não se mostram configuradas na espécie dos autos.

2. A persecução criminal carece de legitimidade quando, ao cotejar-se o tipo penal incriminador indicado na denúncia com a conduta supostamente atribuível ao denunciado, a acusação não atende às exigências estabelecidas no art. 41 do Código de Processo Penal, de forma suficiente para a deflagração da ação penal, bem assim para o escorreito exercício do contraditório e da ampla defesa.

3. No caso dos autos, encontra-se suficientemente delineado na exordial acusatória, de forma o bastante para o prosseguimento da ação penal, o vínculo subjetivo entre o recorrente e os fatos a ele atribuídos como crime contra a ordem tributária e delito de sonegação de contribuição previdenciária.

4. Nos crimes societários, de autoria coletiva, a doutrina e a jurisprudência têm abrandado o rigor do disposto no art. 41 do Código de Processo Penal, dada a natureza dessas infrações, uma vez que nem sempre é possível, na fase de formulação da peça acusatória, realizar uma descrição detalhada da atuação de cada um dos indiciados, de forma que se tem admitido um relato mais generalizado do comportamento tido como delituoso.

5. Se eventualmente demonstrado que o recorrente não teve nenhum envolvimento com os fatos delituosos narrados na exordial acusatória, a hipótese seria de absolvição, e não de inépcia da denúncia.

6. Não há como se exigir que toda denúncia, que tem como base apenas elementos colhidos durante o procedimento inquisitorial, narre minuciosamente todos os detalhes do delito supostamente cometido, tendo em vista que inúmeras outras questões importantes somente serão elucidadas durante a fase instrutória e eventualmente até em favor do próprio acusado.

7. Recurso em habeas corpus improvido.

(RHC 27.292/PR, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 10/09/2013, DJe 24/09/2013)


Cumpre rejeitar, portanto, a preliminar suscitada pela defesa.


Passo à análise do mérito.


MÉRITO


Da materialidade delitiva


Analisando-se os autos percebe-se que as condutas descritas na denúncia amoldam-se aos tipos penais constantes do artigo 337-A, inciso I a III, c.c os artigos 29 e 71, todos do Código Penal.


A materialidade delitiva consiste na omissão na folha de pagamento da empresa e de documento de informações previsto pela legislação previdenciária de segurados empregados e contribuintes individuais, bem como da conduta de omitir total ou parcialmente, remunerações pagas, o que caracteriza o crime de sonegação de contribuição previdenciária.


Portanto, a materialidade delitiva resta comprovada diante dos elementos probatórios contidos nos autos, pelos procedimentos administrativos fiscais nº 19311.000061/2009-38 (PIC em apenso nº 1.34.028.000018/2009-14), e nº 19311.000142/2009-38, 19.311.000092/2009-99, 19311.000093/2009-33, 19311.000142/2009-38, 19311.000097/2009-11, 19311.000098/2009-66 e 19311.000099/2009-19 (PIC em apenso nº 1.34.028.000040/2009-56), que culminaram nas lavraturas da DECAB nº 37.194.625-5, 37.194.626-3 e 37.194.627-1, 37.194.622-0, 37.194.632-8 e 37.194.633-6.


Conforme consta no conjunto probatório, constatou-se que o apelante omitiu da folha de pagamento e das GFIPs empregados e contribuinte individuais, bem como omitiram remunerações pagas a empregados e contribuintes individuais que lhe prestaram serviços, nas competências de 06/2004 a 12/2007, além de prestarem informações incorretas a respeito da alíquota de GILRAT.


Consta da Representação Fiscal para Fins Penais, relativa a este processo (apensos ao Procedimento Investigatório Criminal do MPF nº 1.34.028.00018/2009-14), que a fiscalização previdenciária constatou: "nos exercícios de 2003 a 2007, a constituição da empresa por interpostas pessoas, além da existência de folhas de pagamento paralela, pagamentos por fora e omissão em Guia de Recolhimento ao FGTS e Informações à Previdência Social - GFIP de segurados empregados e contribuintes individuais, bem como falta de recolhimento de contribuições devidas..." (fl.01, vol. I); discriminando minunciosamente, conforme Relatório do Auto de Infração a fls. 141/164, vol I, e nos seus diversos anexos, a verificação, na empresa, da existência de empregados sem registros, ou empregados e contribuintes individuais com registro mas com pagamentos por fora, bem como o lançamento incorreto da alíquota de contribuição para benefícios decorrentes de acidentes do trabalho - GILRAT, tudo isso acarretando o descumprimento das obrigações acessórias e principais relativas às contribuições previdenciárias respectivas às falhas verificadas, prática que se manteve após a " simulação e criação de novas empresas" (fatos narrados e documentos de prova em cópia do auto de infração DEBCAD nº 37.194.625-5, anexa à Representação Fiscal para Fins Penais - RFFP - vol II, anexoVI, fls. 280/333)", constatando-se, por fim, que os dois denunciados eram verdadeiros sócios e administradores de fato da referida empresa C.P.L.G., que se encontrava registrada em nome da mãe do acusado Mauro Fernandes.


Por seu turno, consta da Representação Fiscal para Fins Penais relativa ao apensado Processo Penal nº 2009.61.23.002361-0 (apenso ao Procedimento Investigatório Criminal do MPF nº 1.34.028.000040/2009-56) que a fiscalização previdenciária constatou: que no curso da fiscalização procedida na empresa, "... relativamente ao período de 01/2004 a 12/2007, ... foi constatado que um dos sócios-gerentes da empresa POLIBRÁS...também é um dos responsáveis de fato pela empresa... C.P.L.G. ... - o Sr. Javier Tano Feijoo.", o que se evidenciou não apenas pela existência de arquivos magnéticos de folha de pagamentos da POLIBRÁS com o de outras empresas relacionadas (citada uma empresa de nome QUATRINI), como também pelo fato dos empregados da POLIBRAS haverem sido transferidos para a C.P.L.G em outubro de 2006. Além disso, constatou-se "... a omissão de rubricas de horas-extras, adicional noturno e de totais de remuneração de segurados empregados (pagos por fora) em Guias de Recolhimento de FGTS e Informações à Previdência Social - GFIP. Consequentemente, não houve recolhimento previdenciário referente a estes segurados...", e ainda, "...prestação de serviços de contribuinte individual não declarado em Guia de Recolhimento de FGTS e Informações à Previdência Social - GFIP e também sem ter havido recolhimento previdenciário." (vol I, fls.01/02).


Conforme ressaltado pelo juízo a quo "As constatações da fiscalização restaram sem defesa no âmbito administrativo, tornando-se definitivos os créditos previdenciários lançados em decorrência das constatações de falta de recolhimento das contribuições previdenciárias, pelas condutas ilícitas descritas nas denúncias, relativamente a ambas as empresas".


Os documentos juntados pela defesa não alteraram as constatações do procedimento investigatório, sendo clara a materialidade delitiva.

Da Autoria Delitiva


A autoria restou suficientemente demonstrada pelo que consta nas Representações Fiscais para Fins Penais, em especial no item 1.3. nº 19311.000061/2009-38, o qual revela que à época dos fatos Mauro Fernandes e Javier Tano Feijoo eram os administradores de fato da empresa C.P.L.G., no período de 01/2003 a 12/2007 (fls. 04 - PIC em apenso nº 1.34.028.000018/2009-14).


Apesar de o apelante afirmar que nunca foi sócio da Empresa POLIBRAS INDÚSTRIA E COMERCIO DE SUCATAS VASILHAMES LTDA ME, conforme representação fiscal, e documentos constantes nos apensos, ficou evidente que, de fato, havia uma única atividade empresarial e as atividades das empresas C.P.L.G . e POLIBRAS se confundiam, ficando claro que o réu é responsável por toda a atividade empresarial, uma vez que o próprio admitiu em seu interrogatório ser sócio de fato da empresa C.P.L.G. (fls. 888/889).


Além disso, os depoimentos das testemunhas corroboram com o fato de que os acusados serem os responsáveis pela empresa Comércio de Sucatas e Vasilhames durante o período em que houve a supressão das contribuições.


A testemunha José Sebastião de Souza, em seu interrogatório no procedimento investigatório (apensos vol. II, fl. 498/499), afirmou:

"(...) que indagado se já trabalhou na empresa POLIBRAS INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE SUCATAS E VASILHAMES LTDA., disse que nunca trabalhou nesta empresa; que sempre trabalhou na CPLG, mas quando foram registrar o declarante na carteira de trabalho, veio anotado que ele trabalhava na POLIBRAS, que assim indagou a funcionária da CPLG, Camila, o motivo de estar registrado em nome de outra empresa e ela disse que 'não tinha nenhum problema, pois a duas eram a mesma empresa'; que não trouxe sua carteira de trabalho, contudo, trouxe alguns holerites que comprovam que estava registrado com funcionário da POLIBRAS". (fl.498).


Destaque-se que os holerites citados pela testemunha confirmaram suas alegações (fls.500/503 do procedimento investigatório), assim como o depoimento da testemunha Manoel Medeiros Neto, que trabalhou na POLIBRAS, e as cópias das CTPS deste último (fls.510/513 do procedimento).


Na oportunidade em que foram ouvidos pela autoridade judicial, as testemunhas citadas confirmaram suas declarações, tendo Manoel afirmado que também trabalhou na empresa Comércio e Sucatas e Vasilhames, cujos sócios eram Javier e Mauro (CD - fl.855).


Cabe ainda destacar que Waldiney Froes Santos, em depoimento judicial, esclareceu que trabalhou na empresa CPLG, no período de 2000 até 2006, sendo que, em 2004, os sócios desta empresa eram os réus Javier e Mauro, os quais propuseram ao declarante a constituição, como sócio, de uma outra empresa (POLIBRÁS), a qual não chegou a sair do papel (CD - fl. 855).


Ademais, Mauro Fernandes afirmou que a empresa CPLG estava em nome de sua mãe, mas admitiu que era sócio de fato da empresa, alegando, contudo, que desconhecia os fatos ilícitos descritos na denúncia, pois o seu falecido irmão era o responsável por realizar a gestão financeira (CD - fl.889).


Para a caracterização do delito descrito no artigo 337-A do Código Penal não se exige a comprovação do animus específico de fraudar a Previdência Social, bastando o dolo genérico de não repassar o montante devido aos cofres públicos.


Neste sentido, colaciona-se julgados deste Tribunal:


AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA E SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. DOLO ESPECÍFICO. COMPROVAÇÃO DESNECESSÁRIA. QUALIDADE ESPECIAL DO SUJEITO ATIVO. DISPENSABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. Tratando-se de crime de sonegação de contribuição previdenciária, tal como ocorre no crime de apropriação indébita previdenciária, basta que seja demonstrado o dolo genérico, referente à intenção de concretizar a evasão tributária, a fim de tipificar as condutas delituosas previstas nos arts. 168-A e 337-A, do CP, sendo irrelevante a demonstração do animus específico de fraudar a Previdência Social. Precedentes do STF e STJ.

2. O delito de apropriação indébita previdenciária não exige qualidade especial do sujeito ativo, podendo ser cometido por qualquer pessoa, seja ela agente público ou não. Precedente.

3. Agravo regimental não provido".

(STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp nº 1323088/MA, Rel. Min. Moura Ribeiro, j. 13/05/2014, DJe 19/05/2014).

PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. SONEGAÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ART. 337-A, III DO CP. PRESCRIÇÃO INOCORRENTE. AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO BEM CONFIGURADOS. DOSIMETRIA ESCORREITA. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA À UNIÃO. APELO DESPROVIDO. 1. Prescrição não verificada, pois da constituição do crédito tributário (23.07.2008) e a data do recebimento da denúncia (06.10.2011), e entre esta e a data da publicação da sentença condenatória (19.04.2013), decorreu período inferior a 04 anos. 2. A materialidade delitiva ficou comprovada através do procedimento apuratório e demais documentos que instruem os autos. 3. A autoria restou fartamente demonstrada. Foi comprovado que o réu era o sócio fundador, gerenciando a empresa citada, com todos os poderes de administrador, determinando o que deveria ser pago. 4. A conduta descrita no artigo 337-A do Código Penal se trata de crime omissivo próprio (omissivo puro), que se consuma com a mera transgressão da norma. Não se exige o dolo específico, sendo lícito concluir que o elemento subjetivo do tipo é o dolo genérico, que restou comprovado nos autos. 5. Dosimetria corretamente fixada, com a pena-base no mínimo e, por força da continuidade delitiva, elevada em 1/6 (um sexto), tornando-se definitiva em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão em regime aberto e 11 (onze) dias-multa no piso legal. 6. De ofício, prestação pecuniária à União, conforme entendimento da Turma. 7. Apelação a que se nega provimento.

(TRF3, 1ª Turma, ACR nº 00174738020084036181, Rel. Des. Fed. José Lunardelli, j. 29/04/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 08/05/2014).

Portanto, não deve ser aceita a versão do recorrente de que desconhecia os fatos ilícitos, sendo esta pouco crível, uma vez que ele, na qualidade de administrador da CPLG, devia conhecer a situação econômica da empresa.


Outrossim, a simples afirmação de que seu falecido irmão era quem fazia a gestão financeira da empresa não é capaz de afastar a responsabilidade dos administradores e sócios da empresa, pois não faz o menor sentido acreditar que os administradores de fato da empresa não tinham ciência do pagamentos efetuados e muito menos da necessidade de se recolher os tributos federais.


É evidente que todos os sócios e administradores têm conhecimento acerca da situação econômica da empresa, bem como das determinações pertinentes ao não recolhimento de tributos legalmente exigidos.


Assim, sendo Mauro Fernandes era efetivamente responsável pelas atividades das duas empresas mencionadas, a C.P.L.G. com atividade regular e a POLIBRAS, constituída juridicamente, mas que operava nas dependências da primeira. Assim, na realidade, os empregados contratados pela POLIBRAS trabalhavam na C.P.L.G., sendo evidente, portanto, que a separação das empresas só existia no plano jurídico, não refletindo a realidade fática.


Logo, como a omissão de pagamentos e de informações nas GFIPs acarretou a supressão de contribuições previdenciárias, a conduta enquadra-se perfeitamente no tipo penal previsto no artigo 337-A, incisos I e III, do Código Penal.


Assim, resta clara a autoria, não devendo ser acolhida a tese de que Mauro Fernandes é parte ilegítima para figurar como réu da ação penal.


Dosimetria da pena


Não merece guarida o pedido de que o feito seja remetido ao Juízo a quo para que fundamente o aumento de pena-base para acima do mínimo legal, uma vez que a pena seria excessiva.


Analisando a pena aplicada ao caso concreto, percebe-se que ela foi devidamente imposta não havendo qualquer ilegalidade, sendo esta muito bem fundamentada.


Ao proferir a decisão que estabeleceu a pena-base do apelante em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, acima do mínimo legal, o juiz a quo aplicou o artigo 59 do Código Penal, que determina que, ao fixar a pena, deve-se considerar as características pessoais do agente, bem como as circunstâncias e consequências do crime.


Ressalte-se que, ao proferir a decisão, o juiz a quo exerceu seu poder discricionário, que lhe possibilita, dentro dos limites legais, aplicar a medida necessária e eficaz à repressão da conduta, tendo a prerrogativa de apreciar livremente os elementos que julga suficientes para firmar suas convicções, com base em seu prudente arbítrio.


No caso em tela, a pena foi valorada devido às consequências da conduta delituosa, pois não há dúvida do grande prejuízo causado aos cofres públicos: portanto, justifica-se a maior reprimenda penal em virtude da gravidade da lesão causada ao bem jurídico tutelado, qual seja, a subsistência financeira da Previdência Social.


Nesse sentido é a jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal:


EMENTA DIREITO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. DOSIMETRIA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE ILEGALIDADE OU ARBITRARIEDADE. A dosimetria da pena é matéria sujeita a certa discricionariedade judicial. O Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena. Cabe às instâncias ordinárias, mais próximas dos fatos e das provas, fixar as penas. Às Cortes Superiores, no exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete apenas o controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, bem como corrigir, eventualmente, discrepâncias gritantes e arbitrárias nas frações de aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores. Tanto a concorrência de diversas vetoriais negativas como a existência de uma única vetorial negativa de especial gravidade autorizam pena base bem acima do mínimo legal. Não se presta o habeas corpus, enquanto não permite ampla avaliação e valoração das provas, como instrumento hábil ao reexame do conjunto fático-probatório que leva à fixação das penas. Recurso ordinário em habeas corpus não provido.(RHC 101576, Relator(a):  Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 26/06/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-159 DIVULG 13-08-2012 PUBLIC 14-08-2012) (grifos nossos)

EMENTA: PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. FIXAÇÃO DA PENA ACIMA DO MÍNIMO. DOSIMETRIA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. MONTANTES APROPRIADOS. AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO ESPONTÂNEO. PARCELAMENTOS RESCINDIDOS. REEXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. I - A dosimetria da pena não se baseia, exclusivamente, na primariedade, personalidade e na conduta social do acusado. II - Há fundamentação válida quando a majoração baseia-se no montante indevidamente apropriado. III - O reexame da dosimetria implicaria a análise de prova, vedada na via processual eleita. IV - Ordem denegada. (HC 89223, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 18/12/2006, DJ 16-02-2007 PP-00048 EMENT VOL-02264-02 PP-00382 LEXSTF v. 29, n. 339, 2007, p. 492-496). (grifos nossos).

EMENTA: RECURSO EM HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. DOSIMETRIA. CONTINUIDADE DELITIVA. FUNDAMENTAÇÃO. A fixação da pena-base observou as circunstâncias indicadas no art. 59 do CP, tanto que ressaltou os pontos favoráveis em benefício do réu, bem como os seus bons antecedentes, a conduta social e a personalidade exemplares. É legítimo o aumento da pena-base quando essa fixação se dá em virtude do alto valor que deixou de ser recolhido à Previdência Social e tendo em vista que não ocorreu o pagamento espontâneo. A sucessão de crimes autônomos da mesma espécie e as condições de tempo, lugar e execução no presente caso configuram a figura da continuidade delitiva. Não provimento do recurso. (RHC 83718, Relator(a):  Min. NELSON JOBIM, Segunda Turma, julgado em 23/03/2004, DJ 23-04-2004 PP-00040 EMENT VOL-02148-05 PP-01059 RTJ VOL-00191-03 PP-01006). (grifos nossos)


O crime em julgamento é altamente censurável pois gera enriquecimento ilícito ao particular em detrimento do INSS, principalmente diante do grande montante não repassado, resultando em consequências danosas para toda a população.


O juiz "a quo" também aumentou a pena-base em razão da circunstância gravosa que permeou a prática do crime, uma vez que o apelante constituía empresas fictícias, para simular relações jurídicas, prejudicando inclusive os trabalhadores.


Destaque-se, ainda, que a primariedade e os bons antecedentes não garantem que sempre seja aplicada a pena mínima.


Da destinação da pena pecuniária substitutiva


Tendo em vista a manutenção da condenação e da fixação da pena privativa de liberdade final em 4 (quatro) anos de reclusão, devido ao aumento de ½ referente ao crime continuado, verifico que a r. sentença merece reparo apenas no que concerne à destinação da pena pecuniária substitutiva fixada no valor de R$5.000 (cinco mil reais), a qual deve ser revertida em favor da União Federal, na condição de vítima, nos termos do art. 16 da Lei nº 11.457/2007.


Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso e, de ofício, determino a destinação da prestação pecuniária substitutiva, fixada no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), à União Federal.


É como voto.


MARCELO SARAIVA
Desembargador Federal


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