Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 15/04/2015
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002696-94.2012.4.03.6005/MS
2012.60.05.002696-4/MS
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : SAULO PEREIRA DA SILVA reu preso
ADVOGADO : MS010218 JAQUELINE MARECO PAIVA LOCATELLI (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00026969420124036005 2 Vr PONTA PORA/MS

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS - RECEPTAÇÃO CULPOSA - CONCURSO MATERIAL - MATERIALIDADE E AUTORIA - COMPROVAÇÃO - DOLO QUANTO AO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS COMPROVADO - TRANSNACIONALIDADE DO TRÁFICO CARACTERIZADA - CONDENAÇÃO MANTIDA - MANUTENÇÃO DA PENA-BASE FIXADA AO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS - ART. 42 DA LEI N.º 11.343/06 - ATENUANTE DE CONFISSÃO DEVIDAMENTE RECONHECIDA - CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA PELO ART. 40, INC. I, DA LEI N.º 11.343/06 - MANUTENÇÃO - INAPLICABILIDADE DA MINORANTE DO ART. 33, §4º, DA LEI N.º 11.343/06 - MANUTENÇÃO DA DOSIMETRIA QUANTO À RECEPTAÇÃO CULPOSA E DA PENA DE MULTA - REGIME INICIAL MANTIDO - SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS E DIREITO A APELAR EM LIBERDADE - NÃO CARACTERIZAÇÃO - IMPROVIMENTO DA APELAÇÃO INTERPOSTA.
1- A materialidade do delito de tráfico de drogas restou efetivamente comprovada por meio do Auto de Apresentação e Apreensão e do Laudo Preliminar de Constatação (Maconha), posteriormente ratificado pelo Laudo de Perícia Criminal Federal (Química Forense), que atestam ser maconha a substância entorpecente apreendida na posse do réu.
2- A autoria, o dolo e a transnacionalidade do tráfico de drogas são incontestes, diante das provas produzidas no bojo da presente ação penal, as quais foram devidamente sopesadas pelo MM. Juízo a quo.
3- A materialidade do delito de receptação restou efetivamente comprovada por meio do Auto de Prisão em Flagrante, do Boletim de Ocorrências Policiais, do Laudo de Perícia Criminal Federal (Veículos) e do Relatório Circunstanciado, que aduz que o veículo recebido pelo réu, que ostentava placas NLF-5055 quando de sua apreensão, tratava-se, na verdade, de veículo roubado na cidade de Goiânia/GO aos 16/11/2012, com emplacamento originário NLH-4490.
4- A autoria do crime de receptação na modalidade culposa, da mesma forma, é inconteste, ante o teor do interrogatório do réu, prestado em inquérito e em juízo, bem como pela prova testemunhal colhida.
5- Manutenção da condenação.
6- Manutenção da pena-base fixada para o crime de tráfico de drogas. A elevada quantidade de maconha transportada pelo réu (aproximadamente 300kg) legitima a fixação da pena-base em patamar acima do mínimo legal.
7- Atenuante de confissão mantida.
8- Incidência da causa de aumento de pena prevista pelo art. 40, inc. I, da Lei n.º 11.343/06, majorando a reprimenda no patamar de 1/6 (um sexto).
9- Inaplicabilidade da causa de diminuição de pena prevista pelo art. 33, §4º, da Lei n.º 11.343/06 em razão dos aspectos voltados à tutela da saúde pública (nocividade, lucratividade e alta reprovabilidade), e considerando que o réu não se enquadra no conceito de "pequeno traficante", destinatário da benesse legal, integrando organização criminosa.
10- Manutenção da dosimetria da pena quanto à receptação culposa. Pena-base fixada no mínimo legal. Incidência da agravante prevista no art. 61, inc. II, "b", do Código Penal.
11- Não há que se falar em inaplicabilidade da pena de multa, posto que expressamente prevista na legislação de regência, não havendo ressalva no texto da lei. Eventual impossibilidade de cumprimento da pena deverá ser sopesada pelo MM. Juízo das Execuções Penais, em momento oportuno.
12- Mantido o regime inicial fechado em relação ao tráfico de drogas, único compatível com a prática de crimes extremamente gravosos à sociedade, tal como o verificado no caso presente, tratando-se de apreensão de grande quantidade de maconha (297.000g), droga com potencial de causar consequências graves à saúde e à vida de número indeterminado de pessoas, nos termos do art. 33, §3º, do Código Penal.
13- No tocante ao delito de receptação culposa, o MM. Juízo a quo, quando da parte dispositiva da r. sentença, fixou o regime semiaberto para o cumprimento da pena.
14- No que se refere à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, ausente pressuposto objetivo à concessão, tendo em vista que fixada reprimenda privativa de liberdade superior a 04 (quatro) anos de reclusão.
15- Não há falar-se em direito à liberdade provisória e ao recurso em liberdade, pois tendo o réu sido preso em flagrante e assim permanecido durante todo o processo, com maior razão deve ser mantida a prisão cautelar até o trânsito em julgado, conforme reiterada jurisprudência de nossos tribunais superiores.
16- Improvimento da apelação.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 31 de março de 2015.
LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002696-94.2012.4.03.6005/MS
2012.60.05.002696-4/MS
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : SAULO PEREIRA DA SILVA reu preso
ADVOGADO : MS010218 JAQUELINE MARECO PAIVA LOCATELLI (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00026969420124036005 2 Vr PONTA PORA/MS

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por Saulo Pereira da Silva, em face da r. sentença de fls. 211/218, proferida pelo MM. Juízo da 2ª Vara Federal de Ponta Porã/MS, que o absolveu da imputação do crime definido no art. 330 do Código Penal, e o condenou pela prática dos crimes definidos no art. 33, caput, c.c art. 40, inc. I, ambos da Lei n.º 11.343/06 e no art. 180, §3º, do Código Penal, em concurso material (art. 69 do CP), às penas de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, inicialmente em regime fechado, e de 01 (um) mês e 05 (cinco) dias de detenção, em regime semiaberto, respectivamente, e ao pagamento de 594 (quinhentos e noventa e quatro) dias-multa, no valor unitário mínimo legal.

A r. sentença transitou em julgado para a acusação em 16/09/2013 (fl. 254-v.).

Em razões de fls. 239/245, a defesa requer, em síntese:

a) a aplicação da pena-base no mínimo legal para o delito de tráfico de drogas;

b) a aplicação da causa de diminuição de pena prevista pelo art. 33, §4º, da Lei n.º 11.343/06, no patamar de 2/3 (dois terços), porquanto não há nos autos provas de que o réu se dedique a atividades criminosas, possua maus antecedentes ou integre organização criminosa;

c) a diminuição da pena de multa ao mínimo legal, "visto que trata-se o apelante de pessoa pobre na forma da lei tanto que necessitou ser assistido por advogada dativa, como bem se vê nos autos".

Contrarrazões ministeriais às fls. 247/254, pelo improvimento da apelação defensiva.

Em parecer de fls. 256/261, a Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento da apelação interposta.

É o relatório.

À revisão.

LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002696-94.2012.4.03.6005/MS
2012.60.05.002696-4/MS
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : SAULO PEREIRA DA SILVA reu preso
ADVOGADO : MS010218 JAQUELINE MARECO PAIVA LOCATELLI (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00026969420124036005 2 Vr PONTA PORA/MS

VOTO

O Ministério Público Federal denunciou Saulo Pereira da Silva como incurso no art. 33, caput, c.c art. 40, inc. I, ambos da Lei n.º 11.343/06, em concurso material com os arts. 330 e 180, §3º, ambos do Código Penal, com base no seguinte (fls. 65/67):

"1. SAULO PEREIRA DA SILVA, no dia 6 de dezembro de 2012, por volta das 6 horas, durante fiscalização de rotina no Posto da PRF denominado Capey, localizado na BR 463, km 67, em Ponta Porã/MS, foi flagrado quando, com consciência e vontade, transportava, trazia consigo e guardava, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, 297.000g (duzentos e noventa e sete mil gramas) da droga vulgarmente conhecida como 'maconha', por ele adquirida e importada da cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, cujo destino era a cidade de Rio Verde/GO.
2. No mesmo local, data e horário, o denunciado, conduzindo o veículo VW/Voyage, de cor preta, placas NLF-5055, desobedeceu a ordem legal de parada dada por policiais rodoviários federais.
3. Na mesma ocasião, o denunciado foi flagrado após ter recebido um veículo VW/Voyage, ostentando placas NLF-5055, o qual, por sua natureza e pela condição de quem o ofereceu, deveria presumir-se obtido por meio criminoso.
Na data, hora e local mencionados acima, policiais rodoviários federais realizavam fiscalização de rotina, quando deram ordem de parada ao veículo VW/Voyage, de cor preta, placas NLF-5055, mas o condutor não obedeceu ao sinal e empreendeu em fuga, ocasião em que a equipe policial iniciou o Acompanhamento tático, sendo possível abordá-lo no Km 57. No interior do veículo, sobre os bancos traseiros e dentro do porta malas, foram encontrados diversos tabletes de substância que se constatou posteriormente ser maconha. Após localizar o denunciado, a equipe policial constatou que o veículo que estava na posse deste havia sido furtado na cidade de Goiânia/GO (BO n. 021056/2012), sendo a placa original NLH-4490. Nessa ocasião, ainda durante a abordagem policial, o denunciado confessou que havia pegado o entorpecente no Paraguai, em uma casa, e que levaria a droga até a cidade de Rio Verde/GO, e que receberia a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) pelo transporte. O denunciado informou não ter conhecimento de que o veículo havia sido furtado."

Quanto ao crime de desobediência (art. 330 do Código Penal), o réu restou absolvido, nos termos do quanto segue (fl. 213):

"Há atipicidade em relação ao crime de desobediência (art. 330 do Código Penal), porque existe previsão de punição civil (pena de multa) para o fato de desobedecer ordem emanada de autoridade de trânsito, conforme art. 195 do CTB. Segundo entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, o crime em apreço somente se caracterizaria caso inexistente punição de ordem estranha à penal, por força do caráter subsidiário do Direito Penal. No ponto e adotada essa linha de raciocínio, é imperiosa a absolvição do réu quanto à imputação do delito em exame."

A r. sentença transitou em julgado para a acusação em 16/09/2013 (fl. 254-v.).

I. DO CRIME DE TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS

A materialidade do delito de tráfico de drogas restou efetivamente comprovada por meio do Auto de Apresentação e Apreensão de fls. 11/12 e do Laudo Preliminar de Constatação (Maconha) de fls. 19/20, posteriormente ratificado pelo Laudo de Perícia Criminal Federal (Química Forense) encartado às fls. 92/97, que atestam ser maconha a substância entorpecente apreendida na posse do réu.

A autoria, o dolo e a transnacionalidade do crime, da mesma forma, são incontestes, diante das provas produzidas no bojo da presente ação penal, as quais foram devidamente sopesadas pelo MM. Juízo a quo, sob a seguinte fundamentação (fl. 212):

"O réu afirmou, em síntese, no interrogatório policial (fls. 07/09), que: i) transportava a droga; ii) para tanto, receberia R$ 5.000,00 (cinco mil reais); iii) ao chegar na região de fronteira, deveria esperar no Shopping China; iv) um rapaz paraguaio chegou em um Celta branco e o levou para uma casa no Paraguai; v) pegou o carro para retornar a Goiânia já com a droga.
Em Juízo, o réu confessou que: i) transportava a droga; ii) receberia R$ 5.000,00 (cinco mil reais) pelo transporte; iii) não sabia, de início, que viria para a região de fronteira; iv) quando chegou ao Shopping China, sabia que estava no Paraguai; v) levaria o entorpecente até Rio Verde/GO.
A testemunha de acusação, por sua vez, tanto no depoimento extrajudicial como no judicial, afirmou que a droga não estava escondida no veículo e que o acusado lhes disse que pegou o entorpecente no Paraguai, que receberia R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por isso e que tinha um batedor (em um Gol prata).
Não há dúvidas, portanto, que o réu praticou o delito de tráfico internacional de drogas."

Por essas razões, há que ser mantida a condenação de Saulo Pereira da Silva como incurso no art. 33, caput, c.c art. 40, inc. I, da Lei n.º 11.343/06, decisão que foi objeto de conformismo por parte da defesa, vindo a insurgir-se, apenas, quanto à dosimetria da pena imposta, que será adiante analisada.

II. DO CRIME DE RECEPTAÇÃO CULPOSA

A materialidade delitiva restou efetivamente comprovada por meio do Auto de Prisão em Flagrante de fls. 02/05, do Boletim de Ocorrências Policiais de fls. 21/23, do Laudo de Perícia Criminal Federal (Veículos) de fls. 77/84 e do Relatório Circunstanciado encartado às fls. 42/44, que aduz que o veículo recebido pelo réu (VW Voyage 1.0, chassi 9BWDA05U79T162512, cor preta, Fabricação/Modelo 2008/2009), que ostentava placas NLF-5055 quando de sua apreensão, tratava-se, na verdade, de veículo roubado na cidade de Goiânia/GO aos 16/11/2012, com emplacamento originário NLH-4490.

A autoria do crime de receptação na modalidade culposa, da mesma forma, é inconteste, sobre a qual não se insurgiu a defesa em grau recursal.

Ainda que assim não fosse, r. sentença a quo restou acertadamente e exaustivamente fundamentada no ponto. Confira-se (fls. 213/214):

"O réu afirmou, em síntese, no interrogatório policial (fls. 07/09), que: i) um conhecido seu, Alex, lhe ofereceu para buscar a droga; ii) Alex foi a sua casa e falou ao telefone com uma pessoa que ele acredita ser um detento; iii) em verdade, esta pessoa é quem ofereceu o serviço; iv) Alex é traficante na região de Aparecida de Goiânia/GO; v) pegou o carro em um terminal rodoviário no bairro Vitória, em Goiânia, por orientação de Alex e da pessoa que ele acredita ser um detento; vi) ao sair de Goiânia, conferiu a placa do veículo e viu que era a mesma do documento do carro; vii) na casa em que estava no Paraguai, havia muitas placas (de todos os Estados); viii) na hora de voltar para Goiânia, não conferiu a placa e não sabe se a trocaram ou se alteraram a documentação.
Em Juízo, o réu afirmou que: i) lhe disseram, quando pegou o carro, que estava tudo certo com ele; ii) a placa do veículo era a mesma que constava no documento; iii) no local em que ficou no Paraguai, havia muitas placas; iv) não sabe se as do automóvel foram trocadas.
A testemunha ouvida judicialmente disse que ao verificarem a placa que estava no veículo descobriram que ela não era a original.
Como se pode notar, o réu alega que não tinha ciência da origem ilícita do carro o que afasta a receptação dolosa (art. 180, caput, do CP), porquanto não há prova de que o acusado sabia, de fato, que o veículo era produto de crime. As circunstâncias do caso indicam, porém, que o acusado deveria ter desconfiado da procedência ilícita do automóvel o que configura receptação culposa.
Veja-se o que dispõe o art. 180, 3º, do CP: 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso: (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996) Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas.
Assim, embora o réu, em tese, não soubesse a origem ilícita do veículo, os indícios deveriam tê-lo feito desconfiar da sua procedência. Houve, portanto, culpa. Afinal, ele pegou o automóvel em um terminal rodoviário em Goiânia, após ter combinado com um conhecido e com um amigo do conhecido, que ele acredita seja um detento, que iria, com esse veículo, transportar maconha. Além disso, ao chegar ao Paraguai, local onde pegaria o entorpecente, viu várias placas de automóveis na casa onde ficaria. E, apesar de tudo isto, não desconfiou da procedência ilícita do veículo.
Sobre o delito do art. 180, 3º, do CP, Damásio E. de Jesus traz importante lição:(...) o sujeito não sabe que a coisa é produto de crime. Se sabe, responde por receptação dolosa. Entretanto, em face dos indícios reveladores da procedência ilícita do objeto, não deveria recebê-lo ou adquiri-lo. Fazendo-o, responde pela forma culposa. Os indícios deveriam fazer com que o sujeito desconfiasse da origem do objeto material. A ausência dessa desconfiança impeditiva de aquisição ou do recebimento faz com que surja a culpa. (Direito Penal, 2º volume, Parte Especial, 26ª edição, Editora Saraiva, p. 508).
O réu praticou, portanto, o delito de receptação culposa." - grifo nosso.

De rigor, portanto, a manutenção da condenação de Saulo Pereira da Silva também como incurso no art. 180, §3º, do Código Penal.

Passo, pois, à análise da dosimetria das penas impostas.

DA DOSIMETRIA DAS PENAS

I. DO CRIME DE TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS

Considerando as circunstâncias judiciais previstas nos arts. 59 do Código Penal e 42 da Lei n.º 11.343/06, particularmente a natureza e a quantidade de substância entorpecente apreendida na posse do réu - 297.000g (duzentos e noventa e sete mil gramas) de maconha -, a pena-base foi fixada em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão.

Com efeito, a elevada quantidade de droga transportada por Saulo (aproximadamente 300kg de maconha) legitima a fixação da pena-base em patamar acima do mínimo legal, diferentemente do quanto aduzido pela defesa, razão pela qual mantenho a reprimenda tal como fixada pelo MM. Juízo a quo.

Na segunda fase, foi aplicada ao réu a atenuante da confissão espontânea (art. 65, inc. III, "d", do CP), no patamar de 1/6 (um sexto), a qual, mantida e em consonância com o teor da Súmula 231 do C. Superior Tribunal de Justiça, conduz à pena de 05 (cinco) anos de reclusão.

Na terceira e última fase da dosimetria, o MM. Magistrado a quo reconheceu acertadamente a incidência da causa de aumento de pena prevista pelo art. 40, inc. I, da Lei n.º 11.343/06, majorando a reprimenda no patamar de 1/6 (um sexto), "porque, como já dito, há comprovação de que o réu recebeu droga fornecida do Paraguai e a transportava até a cidade de Rio Verde/GO" (fl. 215), o que resulta na pena de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão.

Ainda na terceira fase, o MM. Juízo sentenciante deixou de aplicar ao réu a minorante prevista pelo art. 33, §4º, da Lei n.º 11.343/06, sob a conclusão de que "o réu, apesar de primário e de bons antecedentes, certamente integra organizações criminosas. É que o vulto da empreitada e a distância percorrida para efetuar o transporte da droga (mais de 1.000 Km de distância) permitem concluir que não se trata de 'mula' ocasional, destinatário da benesse, segundo o STF, mas sim de integrante de organização criminosa que se dedica à prática de delitos similares. Não fosse assim, não gozaria da confiança da organização criminosa ao ponto de ter consigo algo tão valioso financeiramente. Acrescente-se que o acusado em seu interrogatório judicial citou, pelo menos, o nome de mais três pessoas envolvidas no esquema criminoso - o que corrobora o fato de que, em verdade, se está diante de verdadeira organização criminosa."

Nesse diapasão, é cediço que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar recentemente o Agravo em Repercussão Geral no Recurso Extraordinário n.º 666334, decidiu haver bis in idem a consideração da quantidade e da natureza da droga tanto na primeira quanto na terceira fases da dosimetria.

Portanto, e considerando que tais circunstâncias - quantidade e natureza da droga - já foram sopesadas na primeira fase, não serão analisadas novamente na terceira fase, em respeito ao entendimento firmado pela Suprema Corte.

Pois bem.

Da análise do conjunto fático probatório carreado aos autos, constato que deve ser mantido o entendimento esposado na r. sentença, no sentido de afastar a aplicação da causa de diminuição em tela a Saulo.

Verifica-se que o réu não figura como "pequeno traficante" para fins de aplicação da benesse legal, nos termos do entendimento firmado pelo E. STF (HC 118351, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em 19/11/2013, Processo Eletrônico DJe-115 Divulg 13-06-2014 Public 16-06-2014), seja pelo teor de seu interrogatório judicial - de onde se extrai a logística da empreitada criminosa, envolvendo diversas pessoas, com funções distintas -, seja por ter sido lhe confiado veículo com 04 (quatro) anos de uso à época dos fatos, com a finalidade exclusiva de realizar o transporte da droga apreendida, do Estado do Mato Grosso do Sul ao Estado de Goiás, o que denota a confiança sobre ele depositada, circunstância que dificilmente ocorreria em se tratando de pessoa alheia e desconhecida da organização criminosa.

Mas não é só.

No presente caso, verifico que o réu transportou maconha e aqui, repiso, não considero a natureza e a quantidade do entorpecente apreendido, mas a droga sob os aspectos da lucratividade, nocividade e reprovabilidade, aspectos transcendentes da prática delitiva em si.

Sobre os efeitos nocivos da maconha no organismo humano, trago à colação excertos de artigos publicados na rede mundial de computadores (internet): o primeiro escrito pelo Médico Dr. Pedro Pinheiro, graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ; o segundo publicado por Ana Café, Psicóloga Clínica especializada na prevenção e tratamento da dependência química e em saúde mental da infância e adolescência, membro da Associação Brasileira de Estudo do Álcool e outras Drogas:

"Ao contrário do que algumas correntes divulgam, a maconha pode causar dependência, sim. Cerca de 30% das pessoas que experimentam a droga tornam-se usuários regulares e 10% criam dependência. Portanto, 1 em 10 cada usuários se tornará dependente, uma taxa semelhante ao que ocorre com o álcool, mas bem menor do que com o cigarro.
Usuários pesados podem apresentar síndrome de abstinência quando interrompem o seu uso crônico. Os sintomas podem durar semanas e incluem insônia, depressão, náuseas, agressividade, anorexia e tremores.
A maconha apresenta cerca de 60 derivados canabinóides diferentes sendo o tetrahidrocanabinol (THC) a substância mais psicoativa. Ao longo dos últimos 50 anos as concentrações de THC na maconha vêm aumentando progressivamente, saindo de cerca de 5% na década de 1960 para até 15% nos dias de hoje, o que justifica uma maior taxa de pacientes dependentes atualmente, apesar do pico de consumo ter ocorrido no final da década de 70, época em que mais 60% dos jovens admitiam usar a droga.
Também há clara relação entre o uso de maconha e uma maior chance de consumo de outras drogas. A maconha é a chamada porta de entrada para drogas mais pesadas. Um trabalho realizado na Alemanha em 2001 com jovens entre 14 e 24 anos consumidores regulares de maconha evidenciou que os mesmo também consumiam outras drogas em taxas percentuais mais altas do que na população geral: Álcool - 90%, Nicotina - 68%, Cocaína - 12%, Estimulantes - 9%, Alucinógenos - 6%, Opióides - 3%, Sedativos - 1%.
Quanto mais cedo se começa a fumar maconha, maior é o risco do consumo de outras drogas. Este raciocínio vale também para o cigarro e o álcool."
(In: http://www.mdsaude.com/2008/09/marijuana.html)
"Efeitos no organismo: Ao chegar na corrente sangüínea, a maconha passa por todos os tecidos do organismo. As sensações experimentadas variam conforme a quantidade e teor THC e a via de introdução e absorção. Os efeitos variam muito de indivíduo para indivíduo e dependem da personalidade e mesmo do grau de experiência do indivíduo no uso da droga. A seguir listamos alguns efeitos causados pelo uso da maconha:
A curto prazo, os efeitos comportamentais típicos são:
- período inicial de euforia (sensação de bem-estar e felicidade, seguido de relaxamento e sonolência).
- risos espontâneos (risos e gritos imoderados como reação a um estímulo verbal qualquer).
- perda da definição de tempo e espaço: o tempo passa mais lentamente (um minuto pode parecer uma hora ou mais), e as distâncias são calculadas muito maiores do que realmente são (um túnel de 10 metros de comprimento por exemplo pode parecer ter 50 ou 100 metros).
- coordenação motora diminuída: perda do equilíbrio e estabilidade postular.
- alteração da memória recente.
- falha nas funções intelectuais e cognitivas.
- maior fluxo de idéias.
- pensamento mais rápido que a capacidade de falar, dificultando a comunicação oral, a concentração, o aprendizado e o desenvolvimento intelectual.
- idéias confusas.
- aumento da freqüência cardíaca (taquicardia).
- hiperemia das conjuntivas (olhos vermelhos).
- aumento do apetite (especialmente por doces) com secura na boca e garganta.
Doses mais altas de podem levar a:
- alucinações, ilusões e paranóias.
- pensamentos confusos e desorganizados.
- despersonalização.
- ansiedade e angústia que podem levar ao pânico.
- sensação de extremidades pesadas.
- medo da morte.
- incapacidade para o ato sexual (até impotência).
A longo prazo, a extensão dos danos, bem caracterizados:
- se restringem ao sistema pulmonar e cardiovascular. Maior risco de desenvolver câncer de pulmão.
- diminuição das defesas, facilitando infecções.
- dor de garganta e tosse crônica.
- aumenta os riscos de isquemia cardíaca.
- percepção do batimento cardíaco."
(In: http://www.nucleointegrado.med.br/maconha-efeitos-no-organismo-provocados-por-uma-droga-natural/)

Sob esse enfoque, entendo que em casos como tais, deve o julgador analisar, também na terceira fase da dosimetria, com vistas ao resguardo da saúde pública, o grau de pureza, ou de impureza, de cada espécie de entorpecente, o que não se confunde com a natureza da droga, prevista no artigo 42 da Lei n.º 11.343/06 e sopesada na primeira fase.

Com efeito, da natureza da droga extrai-se a sua identidade objetiva, o estado constitutivo de sua matéria elementar, isto é, o entorpecente em si mesmo: maconha, cocaína, LSD, haxixe, etc.

Já da especificidade conhecem-se as variações das qualidades intrínsecas de cada droga: sua qualidade como substância pura, impura, misturada, com pouco ou aperfeiçoado refinamento, mais tóxica ou menos tóxica à saúde humana, etc., podendo, por exemplo, a substância entorpecente apreendida pela polícia em dois casos semelhantes possuírem especificidades bem diferentes, como grau de pureza e malefícios à saúde distintos, ainda que se trate da mesma substância (mesma natureza).

A relevância dessa distinção dá-se em razão de que quanto maior o grau de pureza da droga, maior é também o lucro do traficante, que antes da sua entrega ao consumidor final, mistura a droga pura a inúmeras outras substâncias, a fim de aumentar o seu lucro. Por outro lado, quanto maior o grau de impurezas misturadas à substância entorpecente, mais graves são as consequências à saúde humana.

No caso em análise, verifico não haver no laudo pericial toxicológico informações acerca do grau de pureza da droga apreendida com o réu.

Não obstante, tal circunstância não se revela essencial ao meu convencimento, pois, como visto, a extrema reprovabilidade da conduta em questão demonstra-se tanto se integralmente pura a droga, hipótese em que maior será o lucro do traficante (lucratividade), quanto se impura, já que, nesse caso, sendo misturada a outros componentes químicos, suas consequências à saúde humana são ainda mais graves ao usuário (nocividade).

Do exposto, em razão dos aspectos apontados, voltados à tutela da saúde pública (nocividade, lucratividade e alta reprovabilidade), e considerando que Saulo não se enquadra no conceito de "pequeno traficante", destinatário da benesse legal prevista pelo art. 33, §4º, da Lei n.º 11.343/06, conforme fundamentação supra, mantenho a inaplicabilidade da minorante em tela e torno definitiva a pena de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão.

Observada a proporcionalidade com a pena privativa de liberdade, resta a pena de multa definitivamente fixada em 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, no valor unitário mínimo legal.

II. DO CRIME DE RECEPTAÇÃO CULPOSA

Na primeira fase de dosimetria da pena, atendendo ao disposto no art. 59 do Código Penal, o MM. Juízo a quo entendeu que nenhuma das circunstâncias ali previstas (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime, comportamento da vítima) possui idoneidade para exasperar a pena-base, pelo que a fixou em 01 (um) mês de detenção e 10 (dez) dias-multa.

Na segunda fase, reconheceu corretamente a incidência da agravante prevista pelo art. 61, inc. II, "b", do Código Penal, "pois o réu cometeu tal crime para assegurar a execução do crime de tráfico internacional de drogas" (fl. 216), salientando que não houve confissão espontânea de Saulo quanto à receptação, o que resultou na pena de 01 (um) mês e 05 (cinco) dias de detenção e 11 (onze) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, reprimenda que torno definitiva à vista da ausência de causas de aumento ou de diminuição de pena.

Considerando o concurso material de crimes (art. 69 do CP), resta a pena do réu definitivamente fixada em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 01 (um) mês e 05 (cinco) dias de detenção, e multa de 594 (quinhentos e noventa e quatro) dias-multa, no valor unitário mínimo legal.

Nesse ponto, não há que se falar em inaplicabilidade da pena de multa, posto que expressamente prevista na legislação de regência, não havendo ressalva no texto da lei.

Ademais, não há inconstitucionalidade no simples fato de referida reprimenda, prevista para o crime de tráfico de drogas, ser mais drástica frente àquela prevista no Código Penal, porquanto é lícito ao legislador infraconstitucional estabelecer parâmetros mais gravosos a determinadas espécies delitivas, nas hipóteses em que o delito também causar à sociedade consequências mais intensas e danosas, como se dá nos casos dos crimes hediondos e aos a eles equiparados.

Assim, eventual impossibilidade de cumprimento da pena deverá ser sopesada pelo MM. Juízo das Execuções Penais, em momento oportuno.

Com relação ao regime inicial, pelas mesmas razões supra destacadas, deve ser mantido o inicial fechado em relação ao tráfico de drogas, único compatível com a prática de crimes extremamente gravosos à sociedade, tal como o verificado no caso presente, tratando-se de apreensão de grande quantidade de maconha (297.000g), droga com potencial de causar consequências graves à saúde e à vida de número indeterminado de pessoas, nos termos do art. 33, §3º, do Código Penal.

Nesse sentido:

"[...] No caso, apesar de a pena de um dos pacientes ter sido fixada em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, a gravidade concreta do delito, evidenciada pelas circunstâncias em que ocorreu - comércio transnacional de expressiva quantidade de entorpecente: 1.497g (um mil e quatrocentos e noventa e sete gramas) de cocaína -, justificam a imposição do regime inicial fechado, bem como a não substituição da pena por restritiva de direitos, nos termos do art. 44, inciso III, do Código Penal. Habeas corpus não conhecido." (HC 218875 / RO HABEAS CORPUS 2011/0222254-5 Relator(a) Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE) (8300) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento 07/03/2013 Data da Publicação/Fonte DJe 12/03/2013)

Ressalto que no tocante ao delito de receptação culposa, o MM. Juízo a quo, quando da parte dispositiva da r. sentença (fl. 217/218), fixou o regime semiaberto para o cumprimento da pena.

No que se refere à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, ausente pressuposto objetivo à concessão, tendo em vista que fixada reprimenda privativa de liberdade superior a 04 (quatro) anos de reclusão.

Não há falar-se em direito à liberdade provisória e ao recurso em liberdade, pois tendo o réu sido preso em flagrante e assim permanecido durante todo o processo, com maior razão deve ser mantida a prisão cautelar até o trânsito em julgado, conforme reiterada jurisprudência de nossos tribunais superiores.

Ante todo o exposto, nego provimento à apelação interposta.

É como voto.

LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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