Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 14/04/2015
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003219-68.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.003219-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : ADEMIR PEREIRA VILLAS BOAS
: SILVIO GROTKOWSKI JUNIOR
: DIRCE VILLAS BOAS GROTKOWSKI
: JOSE ROBERTO DUARTE
ADVOGADO : SP106067 DAVID MARQUES MUNIZ RECHULSKI e outro
EXTINTA A PUNIBILIDADE : JUVENAL JOSE MARTINHO
No. ORIG. : 00032196820094036181 5P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 1º, I, C.C. ARTIGO 12, I, DA LEI 8137/90. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. ACOLHIMENTO DE PRELIMINAR DE ILICITUDE DA PROVA. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. LICITUDE. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO.
1. IRPJ exercício 2002. Omissão de informações. Supressão de imposto.
2. Sentença absolutória - acolhimento de preliminar de ilicitude de provas. Decisão embasada em um julgamento do STF - impossibilidade de quebra de sigilo bancário diretamente pela Receita Federal.
3. Reconhecida a existência de repercussão geral da matéria no RE 601314 RG/SP, mas não há pronunciamento do STF, em controle abstrato, sobre inconstitucionalidade do artigo 6º da Lei Complementar 105/2001.
4. Quebra de sigilo bancário legal. Precedentes.
5. Sentença anulada. Devolução à origem para prosseguir no julgamento.
6. Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, dar provimento ao recurso para anular a sentença e determinar o retorno dos autos ao juízo de origem para prosseguir no julgamento da ação penal.


São Paulo, 23 de março de 2015.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003219-68.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.003219-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : ADEMIR PEREIRA VILLAS BOAS
: SILVIO GROTKOWSKI JUNIOR
: DIRCE VILLAS BOAS GROTKOWSKI
: JOSE ROBERTO DUARTE
ADVOGADO : SP106067 DAVID MARQUES MUNIZ RECHULSKI e outro
EXTINTA A PUNIBILIDADE : JUVENAL JOSE MARTINHO
No. ORIG. : 00032196820094036181 5P Vr SAO PAULO/SP

VOTO VENCIDO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DR. MAURICIO KATO: Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal contra sentença proferida pelo MM. Juiz Federal Substituto da 5ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP, que absolveu ADEMIR PEREIRA VILLAS BOAS, JOSÉ ROBERTO DUARTE, SÍLVIO GROTKOWSKI JÚNIOR e DIRCE VILLAS BOAS GROTKOWSKI da prática do delito previsto no artigo 1º, I, c.c. art. 2º, I, ambos da Lei nº 8.137/90, e artigos 29 e 71 do Código Penal, com fulcro nos artigos 386, II e 395, III, ambos do Código de Processo Penal (fls. 681/683).

O eminente relator do processo, Desembargador Federal Dr. Paulo Fontes, em voto proferido em 23/03/2015, deu provimento ao recurso da acusação e determinou o retorno dos autos ao Juízo de origem para prosseguimento do julgamento da ação penal (fls. 796/801).

Divergindo do E. Relator, proferi voto no sentido de negar provimento à apelação e manter o decreto absolutório.

Os autos vieram a este gabinete para a juntada do voto vencido.

Anoto, inicialmente, que a questão objeto da divergência diz respeito à quebra do sigilo bancário.

Aduz o Ministério Público Federal (fls. 699/715) que a quebra de sigilo bancário não foi fundamental para autuação do contribuinte neste caso, bem como que a Receita Federal possui poderes para solicitar, motivadamente, a referida quebra, nos termos da Lei Complementar nº 105/2001.

Compulsando os autos, verifico que a demonstração dos fatos descritos na denúncia somente foi possível a partir da quebra de sigilo bancário de forma ilícita, qual seja, por autoridade administrativa, sem autorização judicial.

A inviolabilidade do sigilo de dados, inserta no artigo 5º, XII, da Constituição Federal correlaciona-se com as garantias fundamentais da intimidade e privacidade, insculpidas no inciso X, do mesmo artigo e, conquanto não se revistam de caráter absoluto, como consabido, constituem manifestações expressivas do direito da personalidade frente às intromissões de terceiros, mormente, de atos arbitrários por parte de qualquer órgão do Poder Público.

No particular, a Constituição Federal assim determina:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
..........................................
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Neste contexto, exsurge a excepcionalidade da quebra do sigilo de dados, em especial do sigilo bancário, em casos de investigação criminal ou instrução processual penal, conforme se extrai do texto constitucional, sendo indispensável, sempre, a autorização judicial (excetuadas as determinações das Comissões Parlamentares de Inquérito, que por força de dispositivo constitucional dispõem de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais).

A inviolabilidade de dados assegurada no texto constitucional acima transcrito está clausulada de forma absolutamente explícita e somente admite exceção mediante atuação de autoridade judiciária e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

E a quebra aqui tratada foi efetivada por autoridade administrativa da Receita Federal que, evidentemente, não pode ser equiparada a autoridade judiciária. Além disso, a referida quebra não se destinou, originalmente, à investigação criminal, mas exclusivamente a apuração de eventual ilícito administrativo.

Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, na sua composição plenária, assim já se pronunciou:

SIGILO DE DADOS - AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção - a quebra do sigilo - submetida ao crivo de órgão equidistante - o Judiciário - e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal. SIGILO DE DADOS BANCÁRIO S - RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à receita Federal - parte na relação jurídico-tributária - o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte" (STF, RE 389.808, pleno, maioria, rel. Marco Aurélio, DJe 09/05/2011).
Cabe lembrar, ainda, que mesmo nos casos em que tenha sido respeitada a reserva da jurisdição e o campo próprio de atuação (criminal), o sigilo só pode ser quebrado se houver elementos que indiciem de forma minimamente provável a existência de autoria e materialidade delitivas.

Tais elementos devem estar presentes em momento anterior à decretação da quebra do sigilo. Em outras palavras, a quebra do sigilo constitucionalmente assegurado, ainda quando autorizado por decisão judicial, não pode ter o caráter exploratório, mas se destinar a complementar provas já anteriormente colhidas.

Este é o entendimento já consagrado pelo Supremo Tribunal Federal.

O Ministro Celso de Melo, ao proferir voto na Medida Cautelar em Ação Cautelar nº 33, conferiu tratamento judicioso ao tema. Confira-se:

(...) Tenho enfatizado, por isso mesmo, que a quebra do sigilo bancário - ato que se reveste de extrema gravidade jurídica - só deve ser decretada, e sempre em caráter de absoluta excepcionalidade, quando existentes fundados elementos que justifiquem, a partir de um critério essencialmente apoiado na prevalência do interesse público, a necessidade da revelação dos dados pertinentes às operações financeiras ativas e passivas resultantes da atividade desenvolvida pelas instituições bancárias.
A relevância do direito ao sigilo bancário impõe, por isso mesmo, cautela e prudência ao poder Judiciário na determinação da ruptura da esfera de privacidade individual que o ordenamento jurídico, em norma de salvaguarda, pretendeu submeter à clausula tutelar de reserva constitucional (CF, art.5º, X).
(...) Contudo para que esta providência extraordinária, e sempre excepcional, que é a decretação da quebra de sigilo bancário seja autorizada, revela-se imprescindível a existência de causa provável, vale dizer de fundada suspeita quanto a ocorrência de fato cuja apuração resulte exigida pelo interesse público.
Na realidade, sem causa provável, não se justifica, sob pena de inadmissível consagração do arbítrio estatal e de inaceitável opressão ao indivíduo pelo poder Público, a "disclosure" das contas bancárias, eis que a decretação da quebra do sigilo bancário não pode converter-se num instrumento de indiscriminada e ordinária devassa da vida financeira das pessoas em geral.
(...)
A exigência de preservação do sigilo bancário - enquanto meio expressivo de proteção ao valor constitucional da intimidade - impõe ao estado o dever de respeitar a esfera jurídica de cada pessoa. A ruptura desse círculo de imunidade só se justificará desde que ordenada por órgão estatal investido, nos termos do nosso estatuto constitucional, da competência jurídica para suspender, excepcional e motivadamente, a eficácia do princípio da reserva das informações bancárias.
Em tema de ruptura do sigilo bancário , somente os órgãos do poder judiciário dispõem do poder de decretara esta medida extraordinária, sob pena da autoridade administrativa interferir, indevidamente, na esfera de privacidade constitucional assegurada às pessoas. Apenas o |Judiciário, ressalvada a competência das Comissões Parlamentares de Inquérito (CF, art.58,§3º)pode eximir as instituições financeiras do dever que lhes incumbe em tema de sigilo bancário . (...)

Tal entendimento tem sido acolhido reiteradamente pelo Pleno do Supremo Tribunal. Confira-se sobre o tema a seguinte ementa:

CRIME ELEITORAL - DELITO DE DESOBEDIÊNCIA (ART. 347 DO CÓDIGO ELEITORAL) - ALEGAÇÃO DE FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A INSTAURAÇÃO DA PERSECUÇÃO PENAL - POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL, MESMO EM SEDE DE "HABEAS CORPUS", PORQUE LÍQUIDOS OS FATOS SUBJACENTES À ACUSAÇÃO PENAL - QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO - GERENTES DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE SÓ DEIXAM DE CUMPRIR A ORDEM JUDICIAL, EM FACE DA AUSÊNCIA, NELA, DE DADOS ESSENCIAIS À SUA FIEL EXECUÇÃO - INOCORRÊNCIA DE DOLO - NÃO-CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE DESOBEDIÊNCIA - "HABEAS CORPUS" DEFERIDO. PERSECUÇÃO PENAL - AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA - CONSTATAÇÃO OBJETIVA DA LIQUIDEZ DOS FATOS - POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL EM SEDE DE "HABEAS CORPUS". - É lícito, ao Poder Judiciário, mesmo na via sumaríssima da ação de "habeas corpus", verificar se existe, ou não, justa causa para a instauração da "persecutio criminis", ainda que já iniciado, em juízo, o procedimento penal. - Para que tal controle jurisdicional se viabilize, no entanto, impõe-se que inexista qualquer situação de iliquidez ou de dúvida objetiva quanto aos fatos subjacentes à acusação penal, pois o reconhecimento da ausência de justa causa, para efeito de extinção do procedimento persecutório, reveste-se de caráter extraordinário, quando postulado em sede de "habeas corpus". Precedentes. A QUEBRA DE SIGILO NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE DEVASSA INDISCRIMINADA, SOB PENA DE OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INTIMIDADE. - A quebra de sigilo não pode ser manipulada, de modo arbitrário, pelo Poder Público ou por seus agentes. É que, se assim não fosse, a quebra de sigilo converter-se-ia, ilegitimamente, em instrumento de busca generalizada e de devassa indiscriminada da esfera de intimidade das pessoas, o que daria, ao Estado, em desconformidade com os postulados que informam o regime democrático, o poder absoluto de vasculhar, sem quaisquer limitações, registros sigilo sos alheios. Doutrina. Precedentes. - Para que a medida excepcional da quebra de sigilo bancário não se descaracterize em sua finalidade legítima, torna-se imprescindível que o ato estatal que a decrete, além de adequadamente fundamentado, também indique, de modo preciso, dentre outros dados essenciais, os elementos de identificação do correntista (notadamente o número de sua inscrição no CPF) e o lapso temporal abrangido pela ordem de ruptura dos registros sigilo sos mantidos por instituição financeira. Precedentes. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA (ART. 347 DO CÓDIGO ELEITORAL) - GERENTES DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE SÓ DEIXAM DE CUMPRIR ORDEM JUDICIAL DE QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO , PORQUE NELA AUSENTES DADOS ESSENCIAIS - INEXISTÊNCIA DE DOLO - NÃO-CARACTERIZAÇÃO DE DELITO ELEITORAL. - Não pratica o crime de desobediência previsto no art. 347 do Código Eleitoral, o gerente de instituição financeira que somente deixa de cumprir ordem de quebra de sigilo bancário emanada da Justiça Eleitoral, porque não indicados, pelo magistrado que a ordenou, elementos essenciais à fiel execução da determinação judicial, como a correta identificação do correntista (referência ao seu CPF, p. ex.) e a precisa delimitação temporal (que não pode ser indeterminada) correspondente ao período abrangido pela investigação estatal" (HC 84758 / GO, DJ 16-06-2006, pág. 05).

Assim, a Receita Federal deveria ter observado a regra constitucional da inviolabilidade do sigilo bancário para a obtenção da pretendida quebra. É o que se infere da interpretação sistemática da legislação pertinente à quebra de sigilo bancário e dos preceitos constitucionais.

No caso dos autos, porém, a Receita Federal, no exercício de suas atribuições, apurou divergências entre valores informados na Declaração Imposto de Renda Pessoa Jurídica (DIJP) do ano calendário de 2001 e a movimentação financeira informada pelas instituições financeiras.

A autoridade fiscal procedeu, então, a devida notificação do contribuinte, com vistas à apresentação da documentação pertinente e à justificação da origem dos recursos creditados no período.

Contudo, diante da ausência de respostas, o fisco solicitou diretamente às instituições financeiras a documentação relativa às contas correntes do contribuinte, obtendo, deste modo, os extratos bancários, consoante documentos apensados (Apensos III a XXXII), sem que houvesse prévia autorização judicial.

Encerrado o Procedimento Administrativo Fiscal nº 13896.002682/2007-84 (Representação Fiscal para Fins Penais nº 13896.002683/2007-29), no qual foi lavrado o Auto de Infração constante nos apensos I e II, a Delegacia da Receita Federal em Barueri procedeu, então, a comunicação ao Ministério Público Federal, anexando cópia integral do procedimento, no qual houve rastreamento das contas de depósito da empresa Danielle Princier Comercial Ltda., mais uma vez, em afronta às normas que regem o sigilo bancário.

Observo, também, que todas as demais provas coletadas no âmbito da ação criminal foram dirigidas a partir dos dados colhidos de maneira ilícita na fase extrajudicial.

Deste modo, ainda que presentes outros elementos de convicção que, eventualmente, pudessem dar suporte a reforma da sentença, inegavelmente, encontrar-se-iam contaminados pelo vício de origem.

Desconsiderando-se as provas de materialidade e autoria que derivam da indevida quebra de sigilo bancário pelo fisco e, portanto, imprestáveis, é de rigor a manutenção do decreto absolutório.

Neste sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO . PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. NECESSIDADE. NULIDADE DA PROVA. MANIFESTO CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
1. Este Superior Tribunal firmou o posicionamento no sentido de que o fornecimento de informações sobre movimentação bancária de contribuintes, pelas instituições financeiras, diretamente ao Fisco, sem prévia autorização judicial, com o consequente oferecimento de denúncia com base em tais informações, é vedado pelo ordenamento jurídico pátrio. Precedentes.
2. Considerando que não houve prévia autorização judicial para a quebra do sigilo bancário do recorrente, bem como que a denúncia lastreou-se apenas em elementos dela obtidos, não há como não afastar a nulidade da ação penal.
3. Ainda que se alegue ou que se sustente, com base na Lei Complementar n. 105, artigo 6º, que é possível o acesso a essas informações bancárias pela autoridade fazendária, sem autorização judicial, não há como isso ser possível para fins de investigação no processo criminal, pela previsão constitucional expressa a respeito.
4. Recurso em habeas corpus provido para, reconhecendo nulas as provas obtidas mediante a quebra de sigilo bancário aqui tratada, anular a denúncia e a consequente ação penal, ressalvada a possibilidade de que nova demanda seja proposta em desfavor do recorrente, com base em prova lícita (Processo n.
0010951-90.2007.4.03.6110, da 3ª Vara Criminal Federal da Subseção Judiciária de Sorocaba/SP).
(RHC 34.952/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 04/09/2014, DJe 15/09/2014)
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA COM BASE EM DADOS BANCÁRIO S OBTIDOS EM PROCESSO ADMINISTRATIVO MEDIANTE REQUISIÇÃO DO FISCO ÀS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. PROVA ILÍCITA. UTILIZAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
1. A quebra do sigilo bancário para investigação criminal deve ser necessariamente submetida à avaliação do magistrado competente, a quem cabe motivar concretamente seu decisum, em observância aos artigos 5º, XII e 93, IX, da Carta Magna.
2. Os dados obtidos pela receita Federal mediante requisição direta às instituições bancárias em sede de processo administrativo tributário sem prévia autorização judicial não podem ser utilizados no processo penal.
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 1373498/SE, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 19/08/2014, DJe 29/08/2014)

Por estes fundamentos, nego provimento ao recurso ministerial.

É o voto.



MAURICIO KATO
Relator


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Data e Hora: 09/04/2015 14:35:27



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003219-68.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.003219-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : ADEMIR PEREIRA VILLAS BOAS
: SILVIO GROTKOWSKI JUNIOR
: DIRCE VILLAS BOAS GROTKOWSKI
: JOSE ROBERTO DUARTE
ADVOGADO : SP106067 DAVID MARQUES MUNIZ RECHULSKI e outro
EXTINTA A PUNIBILIDADE : JUVENAL JOSE MARTINHO
No. ORIG. : 00032196820094036181 5P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta pela acusação contra sentença proferida pelo Juízo Federal da 5ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP, que absolveu ADEMIR PEREIRA VILLAS BOAS, JOSÉ ROBERTO DUARTE, SÍLVIO GROTKOWSKI JÚNIOR e DIRCE VILLAS BOAS GROTKOWSKI pela prática do delito previsto no artigo 1º, I, c.c. art. 12, I, ambos da Lei nº 8.137/90, e artigos 29 e 71 do Código Penal.

Consta na denúncia (fls. 107/111), em síntese, que os denunciados como sócios e administradores da empresa Danielle Princier Cosméticos Ltda., deixaram de prestar informações referentes a receitas operacionais, caracterizadas por depósitos bancários não contabilizados, na declaração de IRPJ do exercício de 2002, bem como realizaram glosa de despesas operacionais sem comprovação durante o ano calendário 2001, que implicaram na supressão de imposto de renda no valor de R$ 31.935.776,48 e de CSLL, no valor de R$ 11.533.686,98. Aditada a denúncia para correção do nome do réu Juvenal (fl. 139).

A denúncia foi recebida em 26.01.2012 (fls. 112/114), e o aditamento em 07.03.2012 (fl. 140).

Em face do óbito de Juvenal José Martinho, conforme certidão de óbito juntada aos autos (fl. 420), foi proferida sentença para declarar a extinção de sua punibilidade em 04.06.2013 (fl. 560).

Citados, os corréus apresentaram defesas prévias (fls. 289/326, 376/414 e 517/554), com rol de testemunhas e documentos juntados a fls. 328/350.

Durante a instrução foram ouvidas testemunhas de acusação e de defesa (mídias de fls. 577 e 637) e interrogados os réus (mídia de fl. 637).

Alegações finais do MPF (fls. 639/654) e da defesa (fls. 658/680).

Foi proferida a sentença absolutória em 19.03.2014 (fls. 681/683), publicada na mesma data (fl. 684).

Apela a acusação (fls. 699/715) pleiteando a reforma da sentença para reconhecer que a quebra do sigilo bancário realizado pela Receita Federal não foi determinante para a autuação do contribuinte ou para o início das investigações. Se não acatado o pedido, requer seja reconhecida a constitucionalidade da quebra do sigilo bancário pela Receita Federal, com fulcro na Lei Complementar nº 105/2001, determinando-se a remessa dos autos à primeira instância para julgamento do mérito da ação.

Contrarrazões da defesa (fls. 742/760).

O Ministério Público Federal, representado pela Exma. Procuradora Regional da República Cristina Marelim Vianna, opinou pelo provimento do recurso (fls. 767/775).

É O RELATÓRIO.

À revisão.


PAULO FONTES
Desembargador Federal Relator


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Data e Hora: 04/03/2015 18:11:39



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003219-68.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.003219-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : ADEMIR PEREIRA VILLAS BOAS
: SILVIO GROTKOWSKI JUNIOR
: DIRCE VILLAS BOAS GROTKOWSKI
: JOSE ROBERTO DUARTE
ADVOGADO : SP106067 DAVID MARQUES MUNIZ RECHULSKI e outro
EXTINTA A PUNIBILIDADE : JUVENAL JOSE MARTINHO
No. ORIG. : 00032196820094036181 5P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

A sentença recorrida acolheu preliminar de nulidade aduzida pela defesa, considerando ilícitas as provas dos autos e, assim, concluiu por absolver os réus.

A acusação, em sede de apelo, busca afastar a nulidade, sob alegação de que a obtenção de informações bancárias pela autoridade fiscal é legítima e está prevista no artigo 6º da Lei Complementar nº 105/2001. Ainda, sustenta que não é a única prova que demonstra a materialidade do crime, bem como a quebra de sigilo bancário não foi imprescindível para a constituição do crédito tributário, uma vez que as informações obtidas só corroboraram as que já obtidas anteriormente e que demonstravam a divergência expressiva entre a movimentação bancária real e a declarada no IRPJ/2002.

Assim, a questão é de possível nulidade da prova em razão de indevida quebra do sigilo bancário, por não ter sido autorizada pela autoridade judiciária.

A autoridade fazendária está legalmente autorizada a acessar os dados bancários do fiscalizado a partir da instauração do procedimento administrativo fiscal, conforme previsão do artigo 6º da Lei Complementar nº 105/2001, de que as autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios poderão ter acesso aos dados bancários dos contribuintes, independentemente de prévia autorização judicial, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais dados sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

Diversamente da conclusão lançada na decisão recorrida, não existe qualquer pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, em controle abstrato, sobre a inconstitucionalidade do art. 6º, da Lei Complementar nº 105/2001 por ofensa do direito ao sigilo bancário, apesar de ter sido reconhecida a existência de repercussão geral a respeito da matéria:

"CONSTITUCIONAL. SIGILO BANCÁRIO. FORNECIMENTO DE INFORMAÇÕES SOBRE MOVIMENTAÇÃO BANCÁRIA DE CONTRIBUINTES, PELAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS, DIRETAMENTE AO FISCO, SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL (LEI COMPLEMENTAR 105/2001). POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA LEI 10.174/2001 PARA APURAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS REFERENTES A EXERCÍCIOS ANTERIORES AO DE SUA VIGÊNCIA. RELEVÂNCIA JURÍDICA DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL."
(STF - RE 601314 RG/SP - rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, j. 22/10/2009, DJe-218 DIVULG 19-11-2009 PUBLIC 20-11-2009)

É certo, ademais, que essa C. Corte Regional já decidiu pela constitucionalidade de referido dispositivo legal, mesmo para investigar fatos pretéritos à sua vigência, como se constata dos seguintes julgados (negritei):

"HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. SIGILO BANCÁRIO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. QUEBRA. TRANCAMENTO AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA DE PLANO.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça confirma a validade das provas obtidas mediante quebra do sigilo bancário em procedimento administrativo instaurado pela Receita Federal com fundamento no art. 6º da lei complementar n. 105 , de 10.01.01, de natureza procedimental e de aplicação retroativa para efeito de tornar lícita essa prova também em relação a fatos ocorridos anteriormente à sua vigência. Acrescente-se que a jurisprudência também admite a apuração de fatos em virtude da movimentação financeira concernente à CPMF, em conformidade com o § 3º do art. 11 da lei n. 9.311/96, com a redação dada pela lei n. 10.174/01 (STJ, REsp n. 1111248, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 17.02.09; HC n. 66014, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 24.08.09; HC n. 42968, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 07.08.08; HC n. 66128, Rel. Des. Fed. Conv. Jane Silva, j. 27.03.08; HC n. 31448, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 23.08.07).
2. O trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade. Precedentes do STF e do STJ.
3. Ordem de habeas corpus denegada."
(TRF3 - HC 0001723-15.2012.4.03.0000/SP - 5ª Turma - rel. Des. Fed. ANDRÉ NEKATSCHALOW, j. 19/03/2012, TRF3 CJ1 27/03/2012)
"PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 1º, I DA LEI 8.137/90. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO PELA RECEITA FEDERAL. PROVA LÍCITA. APELO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Válidas são as provas obtidas mediante quebra do sigilo bancário em procedimento administrativo instaurado pela Receita Federal com fundamento no art. 6º da Lei Complementar nº 105, de 10.01.01, de natureza procedimental.
2. Constatada a incompatibilidade entre a movimentação financeira do contribuinte e as informações constantes de sua Declaração de Imposto de Renda, a autoridade fiscal deve instaurar o procedimento fiscal, de modo a apurar a existência de eventual crédito tributário.
3. O sigilo bancário não é absoluto, mormente porque a proteção aos direitos individuais deve ceder diante do interesse público, observados os procedimentos fixados em lei.
4. Decisão em sentido contrário da Suprema Corte não possui efeito vinculante e erga omnes.
(...)"
(TRF3 - ACR 00019113520084036115 - 1ª Turma - rel. Des. Fed. JOSÉ LUNARDELLI, j. 20.08.2013, v.u., e-DJF3 Judicial 1 28/08/2013)

Com efeito, a norma penal em comento busca viabilizar a tarefa fiscalizadora atribuída à Receita Federal do Brasil, considerando a necessária ponderação entre os direitos e garantias do contribuinte e a intolerável possibilidade de se evocar a garantia ao sigilo bancário como salvo-conduto para a prática de ilícitos.

Nesse sentido, destaco o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça (negritei):

"PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS REFERENTES A FATOS IMPONÍVEIS ANTERIORES À VIGÊNCIA DA LEI COMPLEMENTAR 105/2001. APLICAÇÃO IMEDIATA. ARTIGO 144, § 1º, DO CTN. EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE. RECURSO ESPECIAL N° 1.134.665 REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC.
1. A quebra do sigilo bancário sem prévia autorização judicial, para fins de constituição de crédito tributário não extinto, é autorizada pela Lei 8.021/90 e pela Lei Complementar 105/2001, normas procedimentais, cuja aplicação é imediata, à luz do disposto no artigo 144, § 1º, do CTN. (...)
8. A Primeira Seção, quando do julgamento do REsp 1134665/SP, DJe
18/12/2009, sujeito ao regime dos "recursos repetitivos", reafirmou
o entendimento de que:
"8. (...) 11. A razoabilidade restaria violada com a adoção de tese inversa conducente à conclusão de que Administração Tributária, ciente de possível sonegação fiscal, encontrar-se-ia impedida de apurá-la. 12. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 facultou à Administração Tributária, nos termos da lei, a criação de instrumentos/mecanismos que lhe possibilitassem identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, respeitados os direitos individuais, especialmente com o escopo de conferir efetividade aos princípios da pessoalidade e da capacidade contributiva (artigo 145, § 1º). 13. Destarte, o sigilo bancário, como cediço, não tem caráter absoluto, devendo ceder ao princípio da moralidade aplicável de forma absoluta às relações de direito público e privado, devendo ser mitigado nas hipóteses em que as transações bancárias são denotadoras de ilicitude, porquanto não pode o cidadão, sob o alegado manto de garantias fundamentais, cometer ilícitos. Isto porque, conquanto o sigilo bancário seja garantido pela Constituição Federal como direito fundamental, não o é para preservar a intimidade das pessoas no afã de encobrir ilícitos. 14. O suposto direito adquirido de obstar a fiscalização tributária não subsiste frente ao dever vinculativo de a autoridade fiscal proceder ao lançamento de crédito tributário não extinto. (...)"
(...)
11. Agravo regimental desprovido."
(STJ - AgRg no Ag 1329960/SP - 1ª Turma - rel. Min. LUIZ FUX, j. 03/02/2011, v.u., DJe 22/02/2011)

Ademais, a possibilidade de acesso aos dados bancários do contribuinte diretamente pela Receita Federal, quando instaurado procedimento administrativo fiscal garante uma interpretação sistemática e harmônica do texto constitucional entre o direito ao sigilo fiscal do contribuinte e o poder/dever de fiscalização do Estado, sem descurar da proteção do contribuinte, dado o dever de sigilo imposto aos próprios servidores da Fazenda Nacional.

Assim, não se verifica o vício apontado na decisão recorrida, e, conforme fundamentação exposta na mesma, o juízo a quo partiu de premissa equivocada, uma vez que a Suprema Corte ainda não se posicionou de forma consolidada a respeito, já que foi reconhecido que a matéria tem repercussão geral, mas não foi ainda submetida a julgamento, tampouco publicada súmula a respeito, de modo que, deve ser reformada a sentença para anular o julgamento.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso para anular a sentença e determinar o retorno dos autos ao juízo de origem para prosseguir no julgamento da ação penal.


PAULO FONTES
Desembargador Federal


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