Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 19/08/2015
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0000307-98.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.000307-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : ENIVALDO QUADRADO
ADVOGADO : SP124516 ANTONIO SERGIO ALTIERI DE MORAES PITOMBO e outro
No. ORIG. : 00003079820094036181 6P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL - PROCESSO PENAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - DENUNCIA REJEITADA - LAVAGEM DE DINHEIRO - DESCRIÇÃO DO DELITO ANTECEDENTE - DELITOS AUTONOMOS - REQUISITOS DO ART. 41, CPP - RECURSO MINISTERIAL PROVIDO.
1. A denúncia que imputou ao réu o crime previsto no art. 1º, inciso V, da Lei 9.613/1998, pois o acusado, em tese, teria ocultado a origem e propriedade de $361.445,00 (trezentos e sessenta e um mil, quatrocentos e quarenta e cinco euros) que seriam provenientes de crimes contra a Administração Pública.
2. O réu foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal pela prática de lavagem de dinheiro, no bojo da Ação Penal nº 470/MG. Estes fatos apurados na referida ação penal configurariam as infrações penais antecedentes do delito de branqueamento de ativos financeiros ora imputado ao recorrido.
3. A narrativa do fato criminoso, da forma como se apresenta, não torna a denúncia inepta, vez que o delito de lavagem de dinheiro é autônomo em relação ao crime antecedente. Exige-se, para sua configuração, o delineamento dos indícios de cometimento de uma infração penal antecedente, mas com ela não guarda qualquer relação de dependência para efeito de persecução penal.
4. Para o prosseguimento da ação penal, na esteira do entendimento do Supremo Tribunal Federal, basta que a denúncia atenda aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, expondo fato que, ao menos em tese, configure crime ligado ao sujeito passivo por nexo de causalidade plausível.
5. Necessário o prosseguimento feito, momento em que, à luz do contraditório e ampla defesa, as teses referentes à autoria e materialidade do delito serão discutidas com a profundidade necessária, com a devida análise da prova produzida no decorrer da instrução processual.
9. Recurso ministerial provido.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal, para receber a denúncia e determinar o consequente prosseguimento da ação penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 10 de agosto de 2015.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0000307-98.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.000307-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : ENIVALDO QUADRADO
ADVOGADO : SP124516 ANTONIO SERGIO ALTIERI DE MORAES PITOMBO e outro
No. ORIG. : 00003079820094036181 6P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de RECURSO EM SENTIDO ESTRITO interposto pela JUSTIÇA PÚBLICA contra sentença de fls. 1865/1867vº proferida pelo MM. Juiz Federal da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP, que rejeitou a denúncia ofertada contra ENIVALDO QUADRADO, quanto à imputação do crime previsto no art. 1º, inciso V, da Lei 9.613/1998, com base no artigo 395, III do CPP, pois não descreveu o crime antecedente à "lavagem de dinheiro" a contento.


Consta da denúncia, oferecida em 18.06.2014, que ENIVALDO ocultou a origem e propriedade de $361.445,00 (trezentos e sessenta e um mil, quatrocentos e quarenta e cinco euros) que seriam provenientes de crimes contra a Administração Pública apurados na ação penal 470/MG. Segundo a inicial, quando do seu ingresso no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, proveniente de um voo de Portugal, ENIVALDO foi preso em flagrante delito devido à internalização da quantia mencionada no território brasileiro, dentro de uma pasta (bagagem de mão) e dentro das meais. (fls. 1853/1857)


A rejeição da denúncia ocorreu em 22.08.2014 (fls. 1865/1867vº).


Inconformado, o Ministério Público Federal interpôs Recurso em Sentido Estrito (fls. 1877/1887), requerendo a reforma da decisão para o fim de recebimento da denúncia ofertada. Sustenta, em síntese, que a denúncia preenche todas as condições da ação.


Alega ser desnecessária a prova cabal da existência do crime antecedente, bem como de prova manifesta da relação entre este e a conduta de ocultação ou dissimulação de valores, conforme dispõe o art. 2º, §1º, da Lei 9.613/1998. E no caso dos autos, ENIVALDO foi condenado pelo STF no julgamento da Ação Penal 470/MG como incurso nas penas do crime de lavagem de dinheiro.


Aduz, assim, que os fatos apurados na referida ação penal configuram as infrações penais antecedentes do delito de branqueamento de ativos financeiros ora imputado ao recorrido.


Pugna pelo provimento do recurso para que a denúncia seja recebida, nos termos da Sumula 709 do STF, com o regular prosseguimento do feito penal.


As contrarrazões foram ofertadas às fls. 1894/1904. Requer a defesa a manutenção da decisão do juízo "a quo", com base na prescrição ocorrida no caso em tela.


Foi mantida a decisão recorrida em sede de Juízo de retratação (fl. 1905).


Após, subiram os autos a esta E. Corte, onde o Ministério Público Federal, em parecer da lavra da Exma. Procuradora Regional da República Lilian Guilhon Dore, opinou pelo parcial provimento do recurso a fim de corrigir o erro material contido no dispositivo da r. sentença recorrida, para que conste como fundamento da rejeição o inciso I do art. 395 do CPP (fls. 1917/1929).


É O RELATÓRIO.


Dispensada a revisão, na forma regimental.



VOTO

Consta da exordial que o denunciado cometeu o crime capitulado no artigo 1º, inciso V da Lei 9.613/1998, conforme trechos aqui transcritos (fls. 1853/1857):

(...)
1. Consta dos autos do incluso IPL que ENIVALDO QUADRADO ("ENIVALDO"), pelo menos até o dia 6 de dezembro de 2008, ocultou a origem e a propriedade de $361.445,00 (trezentos e sessenta e um mil, quatrocentos e quarenta e cinco euros) provenientes de crime contra a Administração Pública, fazendo-o no interior de uma pasta (bagagem de mão) e dentro das próprias meias, quando do seu ingresso no Aeroporto Internacional André Franco Montoro, em Guarulhos, São Paulo, proveniente de um voo de Portugal, ocasião na qual foi preso em flagrante delito devido à internalização da supramencionada quantia no território brasileiro, incorrendo, por conseguinte, no artigo 1º, inciso V, da Lei nº 9.613/1998.
2. DO CRIME ANTECEDENTE: breve relato do denominado "Caso do Mensalão" (Ação Penal nº 470): segundo conta dos autos do anexo IPL, ENIVALDO foi um dos réus condenados pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito da Ação Penal nº 470.
3. Conforme consta na denuncia ofertada naquele processo penal pela Procuradoria-geral da República, cuja cópia encontra-se encartada no Volume II, a corretora de valores BÔNUS-BANVAL, de propriedade de ENIVALDO, era utilizada para a realização de pagamentos de vantagem indevida a políticos do Partido Progressista, em razão do apoio político que estes davam ao governo do Partido dos Trabalhadores.
4. Assim, apurou-se que ENIVALDO, juntamente com BRENO FISCHBERG, ambos donos da BÔNUS-BANVAL, e CARLOS ALBERTO QUAGLIA, proprietário da NATIMAR, foram responsáveis pela "lavagem" de dinheiro para os réus integrantes do Partido Progressista, desvinculando os recursos oriundos da prática de corrupção passiva da origem criminosa.
5. Em virtude da prática do delito de "lavagem" de dinheiro, ENIVALDO foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal a uma pena privativa de liberdade de três anos e seis meses de reclusão, com posterior conversão da pena para prestação de serviços à comunidade.
6. Dessa forma, tendo presente que ENIVALDO não comprovou efetivamente origem dos valores que internalizou indevidamente em território nacional, e que os fatos narrados nesta denúncia ocorreram no dia 06 de dezembro de 2008, em meio ao julgamento da Ação Penal nº 470, tem-se que ENIVALDO tinha a intenção deliberada de ocultar a origem da quantia $361.445,00 (trezentos e sessenta e um mil, quatrocentos e quarenta e cinco euros) em decorrência de sua origem ilícita, visto que oriunda da perpetração do delito de "lavagem" de dinheiro.
7. DO CRIME DE "LAVAGEM" DE DINHEIRO POR INTERMÉDIO DA BÔNUS-BANVAL EMPREENDIMENTOS S/A: o anexo procedimento investigatório foi instaurado após a prisão em flagrante de ENIVALDO, ocorrida no dia 06 de dezembro de 2008, quando ele desembarcou no Aeroporto Internacional de São Paulo/Guarulhos, Subseção Judiciária de Guarulhos-SP, proveniente de Portugal, portando consigo a quantia de $361.445,00 (trezentos e sessenta e um mil, quatrocentos e quarenta e cinco euros), sem ter promovido a necessária declaração de porte dos valores á Delegacia da Receita Federal do Brasil ("Receita Federal").
8. Em seu depoimento, ENIVALDO declarou que o dinheiro apreendido seria proveniente de empréstimo informal tomado junto ao fundo de investimentos MONTEPIO, administrado pro seu primo RAFAEL HERNANZ ("RAFAEL"), na cidade de Madri, Espanha. Em razão da informalidade do ato, não teria sido celebrado nenhum tipo de contrato escrito entre as parte, além de nenhuma garantia ter sido oferecida ao fundo. Por fim, ENIVALDO afirmou que este valore seria utilizado em um investimento de compra de veículo, efetuado pela loja de sua propriedade, a EJJ COMERCIAL DE VEÍCULOS LTDA ("EJJ COMERCIAL"), localizada na cidade de Assis/SP [cf. fls. 1589/1591].
9. (...)
10. (...)
11. Além disso, inexiste qualquer elemento que comprove a origem lícita dos valores, ou seja, que demonstre a efetiva celebração do empréstimo no exterior. (...)
12. (...)
13. (...)
14. Conclui-se, portanto, que o dinheiro apreendido por ocasião da prisão em flagrante possui origem criminosa, pois além de não estar comprovada a sua procedência, o seu ingresso no território nacional deu-se à margem dos órgãos de controle, uma vez que os valores não foram devidamente declarados à Receita Federal.
15. (...)
16. Assim, tem-se que o dinheiro pertence efetivamente a ENIVALDO e é proveniente da corretora BÔNUS BANVAL, pessoa jurídica comprovadamente utilizada para lavagem de dinheiro no esquema do Mensalão. Conforme declarações do próprio ENIVALDO [cf. fls. 1783]m a sua atividade de compra e venda de veículos na EJJ COMERCIAL teria se iniciado no ano de 2006, após o encerramento de suas atividades na BÔNUS BANVAL, sendo possível, portanto, concluir-se que o investimento promovido na referida atividade, assim como o dinheiro por ele transportado de modo oculto no dia de sua prisão em flagrante provém dos valores anteriormente obtidos de forma delituosa, no âmbito do esquema de corrupção objeto da Ação Penal nº 470.
17. Ante todo o exposto, o Ministério Público Federal denuncia a Vossa Excelência ENIVALDO QUADRADO como incurso no artigo 1º, inciso V da Lei nº 9.613/1998, (...). (grifos e negritos do original)

No que toca à rejeição da exordial acusatória, a sentença assim se manifestou:

(...)
Pois bem. No caso concreto, a conduta de possível "lavagem" de dinheiro está bem descrita: o transporte internacional clandestino de dinheiro é uma das modalidades mais conhecidas e simplórias de desvinculação do dinheiro "sujo" de sua origem criminosa.
Nas palavras de Deltan Martinazzo Dallagnol, "tal técnica, embora pouco sofisticada, é muito usada para quantidades transportáveis pois é muito simples, barata e seus riscos são relativamente baixos" (Tipologias de lavagem. In: DE CARLI, Carla Veríssimo (org.). Lavagem de Dinheiro. Prevenção e Controle Penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 300).
Até aí tudo bem. No que diz respeito aos crimes antecedentes, entretanto, a descrição já me parece menos clara. Sobre esse ponto, restou textualmente consignado na denúncia (fls. 1854/1855):
(...) (vide item 2. da denúncia acima transcrita)
Destaco que, a meu juízo, não está totalmente clara qual seria, na tese acusatória, a origem do dinheiro apreendido. Aparentemente, o que sustenta o MPF é que, conforme restou comprovado no âmbito da Ação Penal nº 470, esses valores consistiriam no objeto do pagamento de vantagem indevida pelo Partido Progressista ao Partido dos Trabalhadores, em razão do apoio político que estes davam ao governo em votações parlamentares.
Admita-se, pois, que ENIVALDO tenha sido responsável por repassar os valores das "propinas" pagas por um partido político a outro. Por essa razão, aliás, é que foi, conforme apontado na denúncia, condenado pelo Supremo Tribunal Federal pela prática de lavagem de dinheiro.
Mas há, então, um defeito de insuficiência narrativa quanto à descrição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias que torna a denúncia inepta. É que não há nenhuma descrição de como o produto do delito de corrupção passiva poderia consubstanciar o objeto da lavagem de dinheiro.
Em outros termos, como é que o dinheiro pago pelos políticos do Partido dos Trabalhadores aos congressistas do Partido Progressista converteu-se em euros existentes no exterior para que, posteriormente, pudessem ser internalizados clandestinamente no Brasil?
A existência, ainda que comprovada com trânsito em julgado, do crime antecedente contra a Administração Pública em processo do qual o ora acusado fez parte não é suficiente para que se possa presumir que qualquer quantia com ele encontrada represente o produto daquele delito.
E essa premissa se mostra ainda mais robusta no caso concreto, em que o acusado foi preso em flagrante entrando no Brasil com moeda estrangeira. As regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece (CPC, artigo 335) indica o contrário: esse dinheiro foi entregue ao acusado por alguém no exterior, de onde ele regressava. Para que se pudesse admitir, ainda que em tese, a possibilidade de que o dinheiro apreendido era originário dos crimes contra a Administração Pública cometidos em território nacional, caberia ao Ministério Público Federal descrever, ainda que apontando meros indícios, como esse dinheiro saiu do país.
Se o objetivo do acusado era lavar dinheiro mediante conversão dos valores em moeda estrangeira, bastaria que o fizesse em território nacional. É pouco provável que ele tenha saído do país de posse de numerário em reais apenas para realizar operação de câmbio no exterior, quando se sabe que existem diversos "doleiros" no Brasil dispostos a realizar esse tipo de operação sem registro oficial.
Nestes moldes, portanto, a denúncia deve ser rejeitada.
Destaco, por fim, que não discordo do MPF quando assevera que a versão dada por ENIVALDO a respeito da origem do dinheiro é, para dizer o mínimo, pouco convincente. Mas o fato de o acusado ter internalizado valores de origem desconhecida, sem declaração às autoridades competentes no momento da entrada no território nacional, quando isso era exigido por lei, já é suficiente para: a) a perda do numerário excedente a R$ 10 mil reais ou equivalente (65, 3º, da Lei nº 9.069/1995); b) a caracterização de crime fiscal (artigo 1º da Lei nº 8.137/1990); c) a caracterização do delito de falsidade ideológica (artigo 299 do Código Penal).
Para a imputação de lavagem de dinheiro seria preciso mais: seria preciso indicar o vínculo entre o suposto produto do delito antecedente e o objeto da lavagem.
Diante do exposto, com fulcro no artigo 395, III, do Código de Processo Penal, REJEITO A DENÚNCIA oferecida pelo órgão ministerial em face de ENIVALDO QUADRADO, brasileiro, casado, empresário, nascido em 15.02.1965, inscrito no CPF sob o n 021.761.688-79, portador do RG n 14.144.884-6, dada a inépcia da denúncia. (...).

Cumpre salientar neste momento que, na ação penal nº 2008.61.19.010397-8, o réu ENIVALDO foi denunciado e, posteriormente, condenado pela prática do crime previsto no artigo 299 do Código Penal, pelos mesmos fatos aqui descritos, à pena de 01 ano e 06 meses de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 15 dias-multa, no valor unitário de 01 salário mínimo. A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade, a ser definida pelo Juízo da Execução, e multa equivalente a 30 salários mínimos à União.


No presente feito, recorrido foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 1º, inciso V, da Lei nº 9.613/98, sendo que o exame do caso concreto autoriza a conclusão de que as ações penais em comento versam sobre crimes autônomos, podendo tramitar separadamente, conforme decisão proferida pela Exma. Desembargado Federal Relatora daquele feito nº 2008.61.19.010397-8 ao não reconhecer a prevenção (fl. 1980).

Voltando à questão discutida nestes autos, é pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que a denúncia, para ser viável, necessita de mero juízo de probabilidade, bastando, para o seu recebimento, que os fatos nela descritos constituam, em tese, crime, e que haja indícios suficientes da autoria.

No caso dos autos, segundo consta, o acusado ocultou a origem e propriedade de $361.445,00 (trezentos e sessenta e um mil, quatrocentos e quarenta e cinco euros) que seriam provenientes de crimes contra a Administração Pública apurados na ação penal 470/MG. Segundo a inicial, quando do seu ingresso no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, proveniente de um voo de Portugal, ENIVALDO foi preso em flagrante delito devido à internalização da quantia mencionada no território brasileiro, dentro de uma pasta (bagagem de mão) e dentro das meias.


Ocorre que a sentença rejeitou a denúncia ofertada contra ENIVALDO quanto à imputação do crime previsto no art. 1º, inciso V, da Lei 9.613/1998, com base no artigo 395, III do CPP, sob o fundamento de que na denúncia não houve descrição do crime antecedente a contento, bem como não demonstrou de que maneira está ligado ao branqueamento de capitais imputado ao recorrido.


Conforme sustenta o MPF, o objeto da Ação Penal nº 470/MG, consistiriam no pagamento de vantagem indevida pelo Partido dos Trabalhadores ao Partido Progressista, em razão do apoio político que estes davam ao governo em votações parlamentares. Estes fatos apurados na referida ação penal configuram as infrações penais antecedentes do delito de branqueamento de ativos financeiros ora imputado ao recorrido. Razão assiste ao recorrente.


ENIVALDO foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal pela prática de lavagem de dinheiro, no bojo daquela ação penal, por ter sido responsável por repassar valores pagos por um partido político a outro.


No caso, aquele esquema de pagamento de valores utilizava a empresa Bônus Banval, Corretora de Câmbio, Título e Valores Mobiliários Ltda., de propriedade de ENIVALDO, e assim, por se tratar de uma corretora de câmbio, poderia facilmente remeter os valores ao exterior para, posteriormente, reintroduzi-los no país.


A narrativa do fato criminoso, da forma como se apresenta, não torna a denúncia inepta, vez que o delito de lavagem de dinheiro é autônomo em relação ao crime antecedente. Exige-se, para sua configuração, o delineamento dos indícios de cometimento de uma infração penal antecedente, mas com ela não guarda relação de absoluta dependência para efeito de persecução penal.


A simples existência de indícios da prática de infração penal já autoriza a instauração de ação para apurar a ocorrência do delito de lavagem de dinheiro (delito autônomo), não sendo necessária, por conseguinte, a prévia condenação ou comprovação plena da materialidade e autoria referente ao ilícito antecedente.


Assim, o que se está a afirmar é que, na fase de recebimento da denúncia pelo delito de lavagem de dinheiro, persiste íntegro o princípio do "in dubio pro societate", que autoriza o recebimento da denúncia diante da existência de indícios de materialidade e autoria do crime. No caso da lavagem, a necessidade de tais indícios distribui-se igualmente por todos os elementos do tipo, inclusive no que concerne ao crime antecedente; não se exige prova cabal da existência deste último, mas os mesmos indícios que são necessários em relação à própria conduta consistente na lavagem. E, tendo o réu sido condenado no chamado "Mensalão", aliado ao fato de tentar entrar no país com expressiva quantia de dinheiro estrangeiro dissimulada em suas vestes, é motivo suficiente para a instauração da instrução penal, propiciando-se ao autor da ação fazer prova quanto aos elementos do tipo de lavagem, entre os quais se inclui a existência do crime antecedente.


O crime de lavagem de dinheiro consiste em ocultar ou dissimular a procedência criminosa de bens e integrá-los à economia, com aparência de terem origem lícita.

Veja que se traduz elemento essencial à configuração do crime de lavagem de dinheiro que o bem lavado ou ocultado provenha da prática de infrações penais anteriores. Assim, é necessário, para o recebimento da denúncia, indícios suficientes da existência do chamado crime antecedente por meio do qual o bem a ser oculto, ou dissimulado, tenha se originado.


Como afirma William Terra de Oliveira, o branqueamento de capitais é "um crime que olha adiante (geradeaus schauen, na concepção alemã), possuindo um objeto próprio e prescindindo da identificação e punição dos responsáveis pelos crimes antecedentes para que se complete sua tipicidade" (in Lei de lavagem de capitais: comentários à Lei 9.613/98. São Paulo: RT, 1998, p. 334).


Verificada a existência de fato que, em tese, configura crime, e havendo indícios de sua autoria, cabe ao Representante do Ministério Público Federal, no exercício de suas atribuições constitucionais, oferecer denúncia com o fim de instaurar ação penal, para, à luz dos princípios constitucionais e legislação vigente, proceder à apuração dos fatos, não se podendo falar em ausência de justa causa para a ação penal.


Assim, para o prosseguimento da ação penal, na esteira do entendimento do Supremo Tribunal Federal, basta que a denúncia atenda aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, expondo fato que, ao menos em tese, configure crime ligado ao sujeito passivo por nexo de causalidade plausível.


Ressalto a necessidade do prosseguimento feito, momento em que, à luz do contraditório e ampla defesa, as teses referentes à autoria e materialidade do delito serão discutidas com a profundidade necessária, com a devida análise da prova produzida no decorrer da instrução processual.


Diante do exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal, para RECEBER a denúncia e determinar o consequente prosseguimento da ação penal.


É COMO VOTO.


PAULO FONTES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 13/08/2015 14:07:12