D.E. Publicado em 19/08/2015 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal, para receber a denúncia e determinar o consequente prosseguimento da ação penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de RECURSO EM SENTIDO ESTRITO interposto pela JUSTIÇA PÚBLICA contra sentença de fls. 1865/1867vº proferida pelo MM. Juiz Federal da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP, que rejeitou a denúncia ofertada contra ENIVALDO QUADRADO, quanto à imputação do crime previsto no art. 1º, inciso V, da Lei 9.613/1998, com base no artigo 395, III do CPP, pois não descreveu o crime antecedente à "lavagem de dinheiro" a contento.
Consta da denúncia, oferecida em 18.06.2014, que ENIVALDO ocultou a origem e propriedade de $361.445,00 (trezentos e sessenta e um mil, quatrocentos e quarenta e cinco euros) que seriam provenientes de crimes contra a Administração Pública apurados na ação penal 470/MG. Segundo a inicial, quando do seu ingresso no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, proveniente de um voo de Portugal, ENIVALDO foi preso em flagrante delito devido à internalização da quantia mencionada no território brasileiro, dentro de uma pasta (bagagem de mão) e dentro das meais. (fls. 1853/1857)
A rejeição da denúncia ocorreu em 22.08.2014 (fls. 1865/1867vº).
Inconformado, o Ministério Público Federal interpôs Recurso em Sentido Estrito (fls. 1877/1887), requerendo a reforma da decisão para o fim de recebimento da denúncia ofertada. Sustenta, em síntese, que a denúncia preenche todas as condições da ação.
Alega ser desnecessária a prova cabal da existência do crime antecedente, bem como de prova manifesta da relação entre este e a conduta de ocultação ou dissimulação de valores, conforme dispõe o art. 2º, §1º, da Lei 9.613/1998. E no caso dos autos, ENIVALDO foi condenado pelo STF no julgamento da Ação Penal 470/MG como incurso nas penas do crime de lavagem de dinheiro.
Aduz, assim, que os fatos apurados na referida ação penal configuram as infrações penais antecedentes do delito de branqueamento de ativos financeiros ora imputado ao recorrido.
Pugna pelo provimento do recurso para que a denúncia seja recebida, nos termos da Sumula 709 do STF, com o regular prosseguimento do feito penal.
As contrarrazões foram ofertadas às fls. 1894/1904. Requer a defesa a manutenção da decisão do juízo "a quo", com base na prescrição ocorrida no caso em tela.
Foi mantida a decisão recorrida em sede de Juízo de retratação (fl. 1905).
Após, subiram os autos a esta E. Corte, onde o Ministério Público Federal, em parecer da lavra da Exma. Procuradora Regional da República Lilian Guilhon Dore, opinou pelo parcial provimento do recurso a fim de corrigir o erro material contido no dispositivo da r. sentença recorrida, para que conste como fundamento da rejeição o inciso I do art. 395 do CPP (fls. 1917/1929).
É O RELATÓRIO.
Dispensada a revisão, na forma regimental.
VOTO
Consta da exordial que o denunciado cometeu o crime capitulado no artigo 1º, inciso V da Lei 9.613/1998, conforme trechos aqui transcritos (fls. 1853/1857):
No que toca à rejeição da exordial acusatória, a sentença assim se manifestou:
Cumpre salientar neste momento que, na ação penal nº 2008.61.19.010397-8, o réu ENIVALDO foi denunciado e, posteriormente, condenado pela prática do crime previsto no artigo 299 do Código Penal, pelos mesmos fatos aqui descritos, à pena de 01 ano e 06 meses de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 15 dias-multa, no valor unitário de 01 salário mínimo. A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade, a ser definida pelo Juízo da Execução, e multa equivalente a 30 salários mínimos à União.
No caso dos autos, segundo consta, o acusado ocultou a origem e propriedade de $361.445,00 (trezentos e sessenta e um mil, quatrocentos e quarenta e cinco euros) que seriam provenientes de crimes contra a Administração Pública apurados na ação penal 470/MG. Segundo a inicial, quando do seu ingresso no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, proveniente de um voo de Portugal, ENIVALDO foi preso em flagrante delito devido à internalização da quantia mencionada no território brasileiro, dentro de uma pasta (bagagem de mão) e dentro das meias.
Ocorre que a sentença rejeitou a denúncia ofertada contra ENIVALDO quanto à imputação do crime previsto no art. 1º, inciso V, da Lei 9.613/1998, com base no artigo 395, III do CPP, sob o fundamento de que na denúncia não houve descrição do crime antecedente a contento, bem como não demonstrou de que maneira está ligado ao branqueamento de capitais imputado ao recorrido.
Conforme sustenta o MPF, o objeto da Ação Penal nº 470/MG, consistiriam no pagamento de vantagem indevida pelo Partido dos Trabalhadores ao Partido Progressista, em razão do apoio político que estes davam ao governo em votações parlamentares. Estes fatos apurados na referida ação penal configuram as infrações penais antecedentes do delito de branqueamento de ativos financeiros ora imputado ao recorrido. Razão assiste ao recorrente.
ENIVALDO foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal pela prática de lavagem de dinheiro, no bojo daquela ação penal, por ter sido responsável por repassar valores pagos por um partido político a outro.
No caso, aquele esquema de pagamento de valores utilizava a empresa Bônus Banval, Corretora de Câmbio, Título e Valores Mobiliários Ltda., de propriedade de ENIVALDO, e assim, por se tratar de uma corretora de câmbio, poderia facilmente remeter os valores ao exterior para, posteriormente, reintroduzi-los no país.
A narrativa do fato criminoso, da forma como se apresenta, não torna a denúncia inepta, vez que o delito de lavagem de dinheiro é autônomo em relação ao crime antecedente. Exige-se, para sua configuração, o delineamento dos indícios de cometimento de uma infração penal antecedente, mas com ela não guarda relação de absoluta dependência para efeito de persecução penal.
A simples existência de indícios da prática de infração penal já autoriza a instauração de ação para apurar a ocorrência do delito de lavagem de dinheiro (delito autônomo), não sendo necessária, por conseguinte, a prévia condenação ou comprovação plena da materialidade e autoria referente ao ilícito antecedente.
Assim, o que se está a afirmar é que, na fase de recebimento da denúncia pelo delito de lavagem de dinheiro, persiste íntegro o princípio do "in dubio pro societate", que autoriza o recebimento da denúncia diante da existência de indícios de materialidade e autoria do crime. No caso da lavagem, a necessidade de tais indícios distribui-se igualmente por todos os elementos do tipo, inclusive no que concerne ao crime antecedente; não se exige prova cabal da existência deste último, mas os mesmos indícios que são necessários em relação à própria conduta consistente na lavagem. E, tendo o réu sido condenado no chamado "Mensalão", aliado ao fato de tentar entrar no país com expressiva quantia de dinheiro estrangeiro dissimulada em suas vestes, é motivo suficiente para a instauração da instrução penal, propiciando-se ao autor da ação fazer prova quanto aos elementos do tipo de lavagem, entre os quais se inclui a existência do crime antecedente.
Veja que se traduz elemento essencial à configuração do crime de lavagem de dinheiro que o bem lavado ou ocultado provenha da prática de infrações penais anteriores. Assim, é necessário, para o recebimento da denúncia, indícios suficientes da existência do chamado crime antecedente por meio do qual o bem a ser oculto, ou dissimulado, tenha se originado.
Como afirma William Terra de Oliveira, o branqueamento de capitais é "um crime que olha adiante (geradeaus schauen, na concepção alemã), possuindo um objeto próprio e prescindindo da identificação e punição dos responsáveis pelos crimes antecedentes para que se complete sua tipicidade" (in Lei de lavagem de capitais: comentários à Lei 9.613/98. São Paulo: RT, 1998, p. 334).
Verificada a existência de fato que, em tese, configura crime, e havendo indícios de sua autoria, cabe ao Representante do Ministério Público Federal, no exercício de suas atribuições constitucionais, oferecer denúncia com o fim de instaurar ação penal, para, à luz dos princípios constitucionais e legislação vigente, proceder à apuração dos fatos, não se podendo falar em ausência de justa causa para a ação penal.
Assim, para o prosseguimento da ação penal, na esteira do entendimento do Supremo Tribunal Federal, basta que a denúncia atenda aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, expondo fato que, ao menos em tese, configure crime ligado ao sujeito passivo por nexo de causalidade plausível.
Ressalto a necessidade do prosseguimento feito, momento em que, à luz do contraditório e ampla defesa, as teses referentes à autoria e materialidade do delito serão discutidas com a profundidade necessária, com a devida análise da prova produzida no decorrer da instrução processual.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal, para RECEBER a denúncia e determinar o consequente prosseguimento da ação penal.
É COMO VOTO.
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