Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 22/04/2015
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004470-18.2005.4.03.6002/MS
2005.60.02.004470-4/MS
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : MARCOS VINICIUS CARDUCCI
ADVOGADO : MS009123 LEANDRO GIANNY GONCALVES DOS SANTOS e outro
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00044701820054036002 2 Vr DOURADOS/MS

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 15 DA LEI Nº 7.802/89. CONFIGURAÇÃO. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. ERRO DE TIPO. NÃO CONFIGURAÇÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. ARTIGO 334, § 1º, "D", DO CÓDIGO PENAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. RECURSOS DESPROVIDOS.
1. Crime previsto artigo 15 da Lei nº 7.802/89. Materialidade e autoria comprovadas. Erro de tipo não configurado. Inaplicabilidade do princípio da insignificância.
2. Crime previsto no artigo 334, § 1º, "d", do Código Penal. Mantida a absolvição. Princípio da consunção.
3. Pena-base estabelecida no mínimo legal. Incidência da Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça.
4. Recursos desprovidos. Sentença mantida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento aos recursos da acusação e da defesa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 13 de abril de 2015.
MAURICIO KATO
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004470-18.2005.4.03.6002/MS
2005.60.02.004470-4/MS
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : MARCOS VINICIUS CARDUCCI
ADVOGADO : MS009123 LEANDRO GIANNY GONCALVES DOS SANTOS e outro
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00044701820054036002 2 Vr DOURADOS/MS

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL MAURICIO KATO:


Trata-se de Apelações Criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e por Marcos Vinícius Carducci contra a r. sentença de fls. 263/268 proferida pelo MM. Juiz Federal Substituto da 2ª Vara Federal de Dourados/MS, Dr. Márcio Cristiano Ebert, que condenou o acusado à pena de 02 (dois) anos de reclusão, a ser cumprida em regime aberto, e 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal, pela prática do delito previsto no artigo 15 da Lei 7.802/89, e o absolveu da prática do delito previsto no artigo 334 do Código Penal, com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.


A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade e na prestação pecuniária no valor de 2 (dois) salário mínimos vigentes à época do pagamento.


Nas razões de apelação (fls. 276/280), o Ministério Público Federal pleiteia:


a) a condenação do réu pela prática do crime previsto no artigo 334 do Código Penal, bem como a aplicação do concurso formal impróprio;


b) a exasperação da pena-base para ambos os delitos, com o consequente aumento da pena de multa, tendo em vista os maus antecedentes do réu.


Nas razões de apelação (fls. 282/285), a defesa pleiteia a absolvição, alegando, em síntese:


a) que o princípio da insignificância deve ser aplicado ao caso vertente;


b) insuficiência de provas e;


c) erro de tipo.


Contrarrazões acostadas às fls. 286/289 e 291/297.


A Procuradoria Regional da República, por seu ilustre representante, Dr. Elton Venturi, opinou pelo provimento parcial do recurso da acusação, para o fim de exasperar a pena-base, e pelo desprovimento da apelação da defesa (fls. 301/305).


É o relatório.


À revisão.


MAURICIO KATO
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004470-18.2005.4.03.6002/MS
2005.60.02.004470-4/MS
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : MARCOS VINICIUS CARDUCCI
ADVOGADO : MS009123 LEANDRO GIANNY GONCALVES DOS SANTOS e outro
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00044701820054036002 2 Vr DOURADOS/MS

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL MAURICIO KATO: Consta dos autos que MARCOS VINICIUS CARDUCCI foi denunciado pela prática do crimes previstos no artigo 334, § 1º, "d", do Código Penal e no artigo 15 da Lei nº 7.802/89, em concurso formal impróprio, porque adquiriu, recebeu e aplicou, em desacordo com a legislação aduaneira e ambiental, agrotóxicos de origem estrangeira, sem registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e na Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Narra a denúncia que, no dia 09/11/2002, o acusado foi abordado por Agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA, na Fazenda Cauiana, localizada no Km 5 de rodovia entre os Municípios de Dourados/MS e Itaporã/MS, na posse de 1 (um) Regente 800WG; 10 (dez) Metnova (embalagens vazias); 4 (quatro) Taspa 500 EC; 2 (dois) Metnova e 4 (quatro) Metsul Furon. As mercadorias estavam espalhadas no chão do escritório da fazenda (fls. 2/3).

A denúncia foi recebida em 15/08/2006 (fl. 113).

Após regular tramitação, sobreveio sentença que absolveu o acusado da prática do crime previsto no artigo 334, § 1º, "d", do Código Penal, e o condenou pela prática do delito descrito no artigo 15 da Lei nº 7.802/89 (fls. 263/268).

A sentença foi publicada no dia 18/08/2010 (fl. 269).

Em razões de apelação, o Ministério Público Federal requer a condenação de MARCOS VINICIUS CARDUCCI também pelo crime previsto no artigo 334, § 1º, "d", do Código Penal, e a consequente aplicação da regra do concurso formal impróprio (art. 70, caput, segunda parte, do CP). Pleiteia, outrossim, o aumento das penas-base de ambos os crimes, considerando a existência de maus antecedentes e a exasperação das penas de multa na mesma proporção (fls. 276/280).

A defesa pleiteia, em razões de recurso, a absolvição de MARCOS VINICIUS CARDUCCI da prática do crime do artigo 15 da Lei nº 7.802/89, em razão da atipicidade da conduta, pela aplicação do princípio da insignificância ou a absolvição por ausência de provas para a condenação. Sustenta, ainda, a incidência de erro de tipo, em virtude da ausência de dolo (fls. 282/285).

Passo a analisar a configuração do crime do artigo 15 da Lei nº 7.802/89.

Não merece provimento o recurso defensivo.

A materialidade restou comprovada pelos seguintes elementos: a) Auto de Infração nº 333197-D (fls. 11/14); b) Boletim de Ocorrência nº 3182/2002 (fls. 15/16); c) Auto de Apreensão (fl. 22); d) Laudo de Exame Merceológico nº 0811/06-SR/MS, que atestou que os agrotóxicos e as embalagens vazias de agrotóxicos são de origem estrangeira e não possuem registro no Ministério da Agricultura (fls. 45/47); e) Ofício-MP nº 274/2009-GADIP/ANVISA, segundo o qual as marcas de agrotóxico "MetNova", "Taspa 500 EC" e "Metsul Furon" não possuem registro no Brasil (fl. 221); f) Ofício SDA nº 402 e Nota Técnica nº 34 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, por meio do qual foi informado que os produtos "MetNova" e "Metsul Furon" não possuem registro junto a este órgão (fls. 231/234) e 241/244).

A autoria também é inconteste.

Em sede policial, MARCOS VINICIUS CARDUCCI disse que: é administrador da propriedade rural chamada Caiuana e responsável pelo cultivo das lavouras de soja e trigo desde o plantio até a colheita; certo dia, compareceu uma pessoa na fazenda e ofereceu alguns produtos agrotóxicos a título de experimentação; pegou algumas embalagens nas mãos e percebeu que havia "algumas letras estranhas" que não conseguia ler, razão pela qual deduziu que os produtos não tinham origem nacional; o vendedor comentou que a diferença de preço do produto que ele oferecia e daquele vendido em "casas de agricultura" era grande e que o resultado na lavoura era idêntico; comunicou o seu empregador Sylvio Zocolaro, por rádio, que "havia um rapaz oferecendo produtos agrotóxicos para fazer um teste"; é comum vendedores de empresas fabricantes de agrotóxicos visitarem as propriedades rurais e deixarem amostras de suas mercadorias para experimentação; seu empregador disse que, se fosse apenas para experimentação, poderia utilizar os produtos; em virtude da argumentação do vendedor, aceitou receber alguns frascos dos agrotóxicos para realizar o teste; utilizou o herbicida tão somente na lavoura de soja; tem conhecimento da proibição de fazer uso de agrotóxico em desacordo com a determinação legal ou regulamentar (fl. 57).

Novamente ouvido em sede extrajudicial, o acusado confirmou seu depoimento anterior e acrescentou que: tem conhecimento de que a aquisição de produto agrotóxico deve ser precedida de receituário fornecido por engenheiro agrônomo; a mercadoria apreendida pelos agentes do IBAMA estava guardada no escritório da fazenda (fls. 60/61).

Interrogado em Juízo, o acusado confirmou a versão prestada extrajudicialmente e acrescentou que: não pagou qualquer quantia pelos agrotóxicos deixados na Fazenda Caiuana; era possível saber que se tratava de mercadoria de origem estrangeira; tinha conhecimento de que era proibida a utilização deste tipo de produto no Brasil, no entanto, "não fui eu quem trouxe e sim o rapaz que as deixou na fazenda"; utilizei algumas embalagens de agrotóxico na lavoura de soja; os produtos se encontravam em um quarto da fazenda, em prateleiras; as embalagens vazias são, em regra, devolvidas a uma empresa localizada em Dourados/MS com essa específica finalidade (fls. 144/145).

Ouvido na fase inquisitiva, Sylvio Zocolaro, proprietário da Fazenda Caiuana, declarou que: não estava presente durante a fiscalização realizada por agentes do IBAMA; tem conhecimento de que foram apreendidos agrotóxicos que estavam em sua fazenda; não tinha conhecimento da origem estrangeira dos produtos; a fazenda é administrada por MARCOS VINICIUS CARDUCCI; o acusado, certo dia, telefonou-lhe informando que algumas pessoas haviam deixado amostras de agrotóxicos na fazenda para que fossem utilizados de forma experimental; não tem certeza se esses produtos foram usados; não pagou qualquer valor pelos agrotóxicos; ignorava a origem ilegal das mercadorias (fl. 40).

Na Polícia, Luciano Alves da Paixão, Agente de Fiscalização do IBAMA, informou que: a fiscalização realizada na Fazenda Caiuana foi dirigida, sendo que, anualmente, é realizada operação de fiscalização em propriedades rurais da região ("Operação Agrotóxico"); foi a primeira vez que a Fazenda Caiuana foi fiscalizada e autuada; os produtos aprendidos na Fazenda Caiuana estavam armazenados em um cômodo que servia de escritório; os agrotóxicos estavam em local inadequado, espalhados pelo chão, sem acondicionamento correto e em desacordo com a legislação; os produtos agrotóxicos tinham origem estrangeira e não tinham registro no País; o administrador da propriedade rural, MARCOS VINICIUS CARDUCCI, "tem participação direta porque é quem administra a fazenda, distribui os agrotóxico (sic) a empregados da fazenda para aplicação, responsável pela guarda e conservação dos agrotóxicos, tem conhecimento de que o agrotóxico é de origem estrangeira e irregular sua aplicação em lavouras no Brasil, ou seja, é co-autor no ato infracional" (fls. 50/51).

Em Juízo, a testemunha de acusação Luciano Alves da Paixão, Agente de Fiscalização do IBAMA que participou da apreensão dos agrotóxicos, confirmou o depoimento prestado em sede policial (fls. 184/185).

Considerando a origem estrangeira dos agrotóxicos e a proibição da comercialização e utilização destes produtos no Brasil e tendo em vista a confissão do acusado, na Polícia e em Juízo, corroborada pelo depoimento do agente do IBAMA que participou da fiscalização de rotina realizada na Fazenda Caiuana, não há falar em ausência de provas para a condenação.

Ademais, não se cogita a ocorrência de erro de tipo, previsto no artigo 20 do Código Penal, tal como pleiteia a defesa.

O erro de tipo incide sobre elementos objetivos do tipo penal e exclui o dolo. No caso, não restou comprovado que MARCOS VINICIUS CARDUCCI tinha uma falsa representação da realidade.

Conforme se depreende de seu interrogatório, o acusado tinha conhecimento da origem estrangeira do agrotóxico. Sabia, inclusive, da ilicitude de sua conduta, tanto é que declarou perante do Juiz: "Eu tinha conhecimento de que era proibido trazer esse tipo de mercadoria para o Brasil, no entanto, não fui eu quem trouxe e sim o rapaz que as deixou na fazenda. Até pensei que poderia dar algum problema, mas não do tipo que acabei enfrentando" (fl. 145).

Também não se aplica, ao caso concreto, o princípio da insignificância.

Os bens jurídicos tutelados pela norma são a saúde pública e o meio ambiente, de modo que a pequena quantidade de agrotóxicos encontrada com o acusado não é apta a quantificar o prejuízo resultante da prática delitiva, a ponto de caracterizar a mínima ofensividade da conduta e consequente exclusão da tipicidade por aplicação do princípio da insignificância.

Nesse sentido, é a manifestação da Procuradoria Regional da República (fls. 304/304v.):

Não há como prosperar o pleito do apelante, pois inaplicável o princípio da insignificância ao presente caso, que pressupõe que o tipo penal praticado tutele aspectos primordialmente patrimoniais.
Demonstrado, à exaustão, que o crime do art. 15 da Lei nº 7.802/89 tutela a saúde e segurança públicas, além do próprio meio ambiente, irrelevante a quantidade efetivamente utilizada de herbicida. Tanto é que a prática do delito em sua modalidade transportar, que possui natureza formal e não exige a ocorrência de resultado naturalístico para consumação, é bastante a configurar o dano ao bem protegido, prescindido da sua aplicação concreta. É que delitos dessa natureza são de perigo abstrato, presumindo-se o prejuízo ao meio ambiente e à saúde humana.
Noutras palavras, a figura do tipo em tela discute a ilicitude da mercadoria propriamente dita - agrotóxicos -, face à periculosidade que estes oferecem ao meio ambiente e à saúde pública, e no caso vertente chegou, inclusive, a se aplicar os herbicidas na lavoura.
Consigne-se, por oportuno, que é entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal que "a aplicação do princípio da insignificância deve observar alguns vetores objetivos: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada". E, no caso, é evidente que a conduta do acusado não atende a tais requisitos.

Comprovados a materialidade, a autoria e dolo, a manutenção da condenação pela prática do delito do artigo 15 da Lei nº 7.802/89 é medida que impõe.

Passo à análise da incidência do artigo 334, § 1º, "d", do Código Penal.

Não merece prosperar o apelo do Ministério Público Federal.

O MM. Juiz a quo absolveu o réu da prática do delito de contrabando por equiparação por não constituir o fato infração penal (art. 386, III, do CPP):

De partida observo que embora os produtos encontrados com o réu sejam importados, não foi provado que a importação foi obra do acusado, o que afasta a figura do caput do dispositivo transcrito.
Quanto à figura do contrabando por equiparação, observo que o tipo exige como elementar que o agente tenha adquirido, recebido ou ocultado mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal, no exercício de atividade comercial ou industrial.
No caso em apreço, restou evidenciado que a utilização de agrotóxicos pelo réu se deu em sua função de administrador de lavouras de cultivo de soja e trigo, ou seja, não se deu no exercício de atividade comercial ou industrial.
Cumpre observar que a alínea d do parágrafo primeiro do art. 334 do CP não abre espaço para interpretação analógica, já que a norma contempla fórmula casuística, e não genérica. Ademais, a extensão de conceitos no direito penal é sempre desaconselhada, especialmente se a norma é espichada para abarcar outras condutas não previstas no tipo penal.
Assim, impõe-se a absolvição do réu em relação ao delito de contrabando por equiparação (art. 334, 1º, d do Código Penal), com fulcro no art. 386, III do CP.

De fato, não restou comprovado o elemento constitutivo do tipo consistente "no exercício de atividade comercial ou industrial", que pressupõe a prática habitual de comércio, a denotar um estilo de vida.

Depreende-se dos autos que, em fiscalização anual de rotina por agentes do IBAMA, foram encontrados, em um cômodo utilizado como escritório na Fazenda Caiuana, diversos frascos de agrotóxicos e embalagens vazias de herbicidas de origem estrangeira e sem registro junto aos órgãos competentes brasileiros.

Foi demonstrado que MARCOS VINICIUS CARDUCCI, na qualidade de administrador da propriedade rural, utilizou parte do herbicida na lavoura de soja. A condição de preposto foi confirmada pelo Agente do IBAMA que participou da diligência, bem como pelo proprietário da fazenda.

Ainda que tenha recebido os produtos de um representante comercial de uma empresa fabricante de agrotóxicos tão somente para experimentação, não foi comprovado que o acusado adquiriu, recebeu ou ocultou, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal.

Ademais, acolho os fundamentos expostos no parecer ofertado pela Ilustre Procuradoria Regional da República (fls. 302/303v.):

Ao que se afere do Boletim de Ocorrência (fls. 15/16), Auto de Apreensão (fls. 22), Laudo de Exame Merceológico (fls. 45/47) e depoimentos prestado em juízo, restou evidente que a mercadoria tinha origem estrangeira e, por conseguinte, caracterizado o delito de contrabando. Contudo, não há como condenar o réu pelos dois tipos penais em questão.
Isso porque o bem jurídico tutelado pelo crime de contrabando é a Administração Pública, nos seus interesses que transcendem ao aspecto puramente patrimonial e de políticas de comércio exterior. Porém, em se tratando de agrotóxicos desprovidos de registro junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, de todo evidente que não há que se falar em recolhimento de tributo, visto que a sua introdução e comercialização é proibida, e jamais haveria a possibilidade de regularizar a internalização dos produtos. Inequívoca, pois, a ausência de interesse patrimonial da Administração, remanescendo apenas a tutela a seus interesses morais, que no caso específico cuidam-se do meio ambiente, saúde e segurança pública.
De outro giro, a aplicação do agrotóxico MetNova na lavoura - herbicida que não possui registro junto ao órgão competente -, é crime que também tutela o meio ambiente e a saúde pública, considerando que tais produtos são aptos a coloca-los em risco, se não exercido controle ostensivo. Os demais agrotóxicos foram também obtidos com a finalidade de aplicação no cultivo de soja e trigo.
Logo, tratando-se de conduta consistente em adquirir e aplicar agrotóxico estrangeiro de forma irregular, apta a lesionar idênticos bens jurídicos tutelados pelas normas em jogo, de todo evidente que não há falar em concurso formal de delitos.
(...)
Ressalte-se que se a conduta do acusado tivesse se limitado à obtenção/armazenamento dos agrotóxicos desprovidos de registro, certamente que lhe seria aplicável o crime descrito na alínea "d" do § 1º, do art. 334, porquanto não descrita como verbo-núcleo do tipo penal inserto no art. 15 da Lei nº 7.802/89. Ocorre que, a partir do momento que passou a aplicar um dos produtos na lavoura, concretizou a execução deste último, sendo certo que a obtenção do herbicida revelou-se meio essencial para se atingir a finalidade de aplicá-lo.
Desse modo, resta inequívoco que há relação de meio e fim entre os delitos em tela. A hipótese levantada pela acusação quanto aquele que aplica o agrotóxico ilegal dolosamente, sem participar de sua aquisição direta, certamente age em conluio com o indivíduo que o adquire, e ambos responderão pelo mesmo art. 15. Por sua vez, aquele que realiza a aplicação pura e simples sem consciência da obtenção fraudulenta e da infringência à regulamentação legal, nem mesmo responderá pela conduta de aplicar o agrotóxico, porquanto ausente estará o dolo.
Muito embora, pois, duas ações - adquiri e aplicar - tenham revestido a hipótese presente, a última absorveu a primeira, ao passo que não há como amoldá-las em crimes distintos, e à aplicação do herbicida sem registro é inerente a sua prévia obtenção irregular.
Portanto, é manifesto que aplica-se ao caso presente o princípio da consunção, revelando-se adequada a absolvição do acusado pelo art. 334 do Código Penal.

No caso, restou comprovado que o réu fez uso de agrotóxico que sabia ser de origem estrangeira e sem registro no órgão competente e que armazenou o herbicida, assim como as embalagens vazias, em desacordo com as exigências previstas na legislação pertinente.

Com efeito, a conduta de "receber" o agrotóxico constituiu meio para a prática da conduta de "aplicar" o herbicida na lavoura de soja.

Assim, pelo princípio da consunção, o ato de receber mercadoria de procedência estrangeira desacompanhada de documentação legal restou absorvido pela aplicação de agrotóxico em desacordo com as exigências estabelecidas na legislação pertinente.

A conduta do acusado se amolda tão somente ao artigo 15 da Lei nº 7.802/89, devendo ser mantida a absolvição pela prática do crime do artigo 334, § 1º, "d", do Código Penal.

Passo ao exame da dosimetria da pena.

O MM. Juiz a quo fixou a pena-base do crime do artigo 15 da Lei nº 7.802/89 no mínimo legal de 2 (dois) anos de reclusão.

Deixou de aplicar a atenuante da confissão espontânea porque a pena já estava estabelecida no mínimo legal, nos termos da Súmula nº 231 do Superior Tribunal de Justiça.

Ausentes circunstâncias agravantes, causas de diminuição e de aumento, tornou definitiva a pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos de reclusão.

Estabeleceu regime inicial aberto de cumprimento de pena.

Condenou o acusado à pena pecuniária de 10 (dez) dias-multa. Fixou o valor do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente em novembro de 2002, corrigido a partir do trânsito em julgado da sentença.

Substituiu a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, com indicação da entidade assistencial pelo Juízo da Execução, e pagamento de prestação pecuniária no valor de 2 (dois) salários mínimos vigentes à época do pagamento.

Quanto à dosimetria, o órgão ministerial requer o aumento da pena-base em razão da existência de maus antecedentes.

Sem razão.

A despeito da existência de registros criminais pela prática dos crimes descritos no artigo 56 da Lei nº 9.605/98, artigo 171 do Código Penal e artigo 2º da Lei nº 8.176/91 (fls. 203/204 e 225/226), MARCOS VINICIUS CARDUCCI é tecnicamente primário, tendo em vista que inquéritos e ações penais em curso não configuram maus antecedentes e não ensejam o agravamento da pena-base, nos termos da Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça.

Por outro lado, também não acolho o parecer da Procuradoria Regional da República que opina pela exasperação da pena-base com base nas circunstâncias desfavoráveis do delito e reprovabilidade acentuada.

Entendo que a obtenção de produto ilegal proveniente de outro país e a manutenção em depósito de mais de 10 (dez) frascos de herbicidas desprovidos de registro no Brasil para a utilização em lavouras de soja e trigo são elementos constitutivos do tipo e não circunstâncias que tornam mais grave a conduta delitiva.

Mantenho a pena-base no mínimo legal, nos termos da sentença.

Assim, restam mantidos a pena final de 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa e todos os demais aspectos da dosimetria.

Diante do exposto, nego provimento aos recursos interpostos pelo Ministério Público Federal e pela defesa de MARCOS VINICIUS CARDUCCI. Mantenho a sentença em sua integralidade.

Oficie-se à Vara de Execuções Criminais.

É como voto.


MAURICIO KATO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): MAURICIO YUKIKAZU KATO:10061
Nº de Série do Certificado: 1FAC9C5852853C5B
Data e Hora: 26/03/2015 14:17:49