D.E. Publicado em 14/09/2015 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento aos recursos interpostos pela defesa e pela acusação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de recursos de apelação interpostos pelo Ministério Público Federal e por SONIA MARIA GARDE contra a r. sentença proferida pelo MM. Juízo da 4ª Vara Federal de Ribeirão Preto, que julgou procedente a pretensão punitiva para condenar a ré como incursa no art. 171, caput e § 3º, c/c art. 29, ambos do Código Penal.
Consta da denúncia de fls. 02/05, recebida em 26.09.2003 (fls. 264) que, em 25.06.1996, SONIA MARIA GARDE e LUIZ CARLOS ALBANO TEIXEIRA efetuaram saques irregulares de conta de LUIZ CARLOS vinculada ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), nos valores de R$ 10.257,14 e R$ 1.366,80. Segundo a peça acusatória, SONIA MARIA era funcionária da Caixa Econômica Federal, lotada na agência Campos Elíseos, encarregada do setor de liberação de autorizações de pagamento do FGTS, tendo se valido de suas funções para liberar os saques, inserindo nas autorizações de pagamento a falsa justificativa de dispensa do trabalhador sem justa causa.
A r. sentença, publicada em 11.10.2007 (fls. 732), julgou procedente a pretensão punitiva, condenando os réus:
SONIA MARIA GARDE à pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 26 (vinte e seis) dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos.
LUIZ CARLOS ALBANO TEIXEIRA à pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 13 (treze) dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos.
A pena privativa de liberdade de ambos os réus foi substituída por duas penas restritivas de direitos, a saber: prestação de serviços à comunidade, à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, e prestação pecuniária consistente na entrega de uma cesta básica mensal no valor de R$ 300,00 (trezentos reais) pelo período da condenação.
Às fls. 753/754, foi acolhida a manifestação do Ministério Público Federal, sendo declarada extinta a punibilidade do réu LUIZ CARLOS ALBANO TEIXEIRA em decorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal.
Em suas razões de apelo (fls. 776/791), a ré SONIA MARIA GARDE pugna pela sua absolvição, sustentando a atipicidade do fato imputado, ausência de materialidade delitiva e insuficiência de prova da autoria. Subsidiariamente, postula a redução da pena-base, bem como da pena pecuniária.
O Ministério Público Federal apela (fls. 733/743) requerendo a elevação da pena-base, asseverando que a ré ostenta maus antecedentes, figurando no polo passivo de dezenas de processos criminais.
Contrarrazões da ré às fls. 787/781 e do Parquet às fls. 793/798.
A Procuradoria Regional da República ofereceu parecer às fls. 828/831, opinando pelo desprovimento de ambos os apelos.
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
Da materialidade e da autoria
A tese da defesa de ausência de justa causa para ação penal e de inexistência de materialidade do delito é manifestamente descabida.
Os documentos colacionados às fls. 14 e 17 comprovam a liberação de saques nos valores de R$ 10.257,14 e R$ 1.366,80, de conta vinculada ao FGTS, de titularidade de LUIZ CARLOS ALBANO TEIXEIRA. Referidas operações foram autorizadas pelo funcionário de código funcional nº C008854 (matrícula pertencente à ré SONIA).
As cópias de Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho de fls. 20/21 apontam como causa de afastamento de LUIZ CARLOS ALBANO TEIXEIRA, das empresas Cristália Rods. Quim. Farmacêuticos Ltda. e Schering do Brasil Química e Farmacêutica Ltda., a formulação de pedido de demissão pelo trabalhador.
O fato de tratar-se de cópias e não da documentação original não afasta a comprovação da prática do delito, contrariamente ao afirmado pela defesa.
Ademais, o próprio titular da conta vinculada ao FGTS, LUIZ CARLOS, admitiu perante a autoridade policial que não preenchia o requisito da dispensa sem justa causa e que requereu os saques após o contato com um colega de trabalho, que declarou ter efetuado saque do FGTS por intermediação de um advogado. Por oportuno, transcrevo trecho das declarações prestadas às fls. 59/60:
Por fim, o documento de fls. 108, mencionado pela defesa como prova da regularidade das operações e demonstração da ausência de justa causa para a ação penal, apenas indica que a liberação dos saques foi motivada pelo "evento 01 - dispensa sem justa causa", o que resultou da própria fraude perpetrada. Trata-s de ofício emitido pela Caixa Econômica Federal (Escritório de Negócios em Ribeirão Preto/SP), endereçado ao Departamento de Polícia Federal, informando que:
O referido documento, por outro lado, é apto para demonstrar a autoria da apelante, tendo sido apurado pela Caixa Econômica Federal que a matrícula utilizada para a liberação dos saques foi a da empregada à época SONIA MARIA GARDE.
Corroborando o conjunto probatório, afirmou a testemunha de acusação Luis Carlos Jurioli, empregado da Caixa Econômica Federal, que a ré era a única responsável pela liberação de saques do FGTS na agência Campos Elíseos, que o acesso ao sistema se dá por meio e senha pessoal e que todos os documentos apresentam a matrícula do funcionário que acessou o sistema. Esclareceu, ainda, que em diligências efetuadas pela CEF na referida agência foram constatados diversos levantamentos de saldo de FGTS irregulares, tendo sido verificada em todos a matrícula funcional de SONIA MARIA GARDE. Confira-se trecho do depoimento prestado às fls. 422/423:
A testemunha de acusação Antônio César da Cruz Milani, empregado da Caixa Econômica Federal, também declarou ter ciência de outros casos de fraude da mesma natureza envolvendo a ré e afirmou que SONIA era a responsável pela liberação dos pagamentos de FGTS na agência, esclarecendo que o requerente do saque se reportava à ora apelante apresentando a carteira de trabalho e o termo de rescisão do contrato de emprego e que SONIA examinava a documentação necessária para a liberação dos saques. Passo a transcrever trecho do depoimento prestado às fls. 383/384:
A fim de se eximir de responsabilidade, a recorrente alega que sua senha pessoal foi utilizada por terceiro. No entanto, não apresentou nenhum elemento capaz de infirmar as conclusões que levam à sua autoria, limitando-se a alegações genéricas, desprovidas de qualquer comprovação.
Por derradeiro, não assiste razão à defesa ao afirmar que o corréu LUIZ CARLOS foi absolvido por insuficiência de provas para condenação e que a mesma conclusão deveria ser aplicada à apelante. Ao contrário do que afirma a defesa, LUIZ CARLOS foi condenado e posteriormente teve declarada extinta sua punibilidade por força da prescrição, não havendo que se falar em insuficiência de provas.
Não restam dúvidas, portanto, acerca da prática do delito de estelionato pela ré SONIA MARIA GARDE.
Do dolo
O dolo também restou satisfatoriamente demonstrado. Os saques na conta vinculada ao FGTS somente foram efetuados porque a ré SONIA MARIA de forma livre e consciente liberou o levantamento dos valores sob a falsa justificativa de dispensa sem justa causa.
Dosimetria da pena
A pena-base foi aplicada acima do mínimo legal, em 2 (dois) anos de reclusão e 20 (vinte) dias-multa, diante da maior reprovabilidade da conduta da ré, que atuava como encarregada do setor de liberação de pagamentos de FGTS. Não foram verificadas circunstâncias atenuantes ou agravantes. Na terceira fase da dosimetria, foi aplicada a causa de aumento prevista no § 3º do art. 171 do Código Penal, uma vez que o crime foi praticado em detrimento de instituto de economia popular. Com o aumento de 1/3 (um terço) da pena decorrente da referida majorante, restou como definitiva a pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 26 (vinte e seis) dias-multa.
O Ministério Público Federal postula a elevação da pena base em face da existência de dezenas de ações penais em andamento contra a ré, todas por estelionato contra a Caixa Econômica Federal, o que revelaria personalidade voltada à prática delitiva.
No entanto, não se autoriza a exasperação da pena-base em razão de maus antecedentes, personalidade ou conduta social do réu se tal avaliação estiver fundada na existência de inquéritos ou ações penais em andamento, à luz do disposto na Súmula nº 444 do C. Superior Tribunal de Justiça:
No mesmo sentido, transcrevo o seguinte julgado:
Também não merece acolhida o pleito da defesa de redução da pena-base ao patamar mínimo. Não obstante a primariedade da ré, há que se considerar a maior reprovabilidade da sua conduta, uma vez que traiu a confiança que lhe fora depositada pela Caixa Econômica Federal para atuar como encarregada do setor de liberação de pagamentos de FGTS, como bem salientado pelo MM. Juízo a quo.
No tocante à pena pecuniária, contrariamente ao afirmado pela apelante, verifico que o montante de dias-multa foi fixado proporcionalmente à reprimenda corporal.
Assim, e considerando que o valor do dia-multa foi fixado na fração mínima de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, não há reparos a serem feitos na r. sentença.
Ante o exposto, nego provimento aos recursos interpostos pelo Ministério Público Federal e pela defesa.
É como voto.
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