Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 20/08/2015
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005852-54.2012.4.03.6114/SP
2012.61.14.005852-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : RAQUEL BROSSA PRODOSSIMO LOPES
ADVOGADO : SP235199 SANTIAGO ANDRE SCHUNCK e outro
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00058525420124036114 3 Vr SAO BERNARDO DO CAMPO/SP

EMENTA

PROCESSUAL PENAL. PENAL. ESTELIONATO. DENÚNCIA ANÔNIMA. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. CASUÍSTICA. NATUREZA DO DELITO. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO. CRIME IMPOSSÍVEL. DOCUMENTAÇÃO FRAUDULENTA. INADMISSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. DOSIMETRIA.
1. Ressalvado meu entendimento, o Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência firme quanto à distinção da natureza do delito de estelionato previdenciário conforme o papel desempenhado pelo agente. Portanto, cumpre diferenciar as seguintes situações: se o agente é o próprio beneficiário, o delito tem natureza permanente e o prazo prescricional se inicia com a cessação do recebimento indevido; se o autor do crime pratica a fraude em favor de outrem, o delito é instantâneo de efeitos permanentes, cujo termo inicial do prazo prescricional é o recebimento da primeira prestação do benefício indevido.
2. O art. 110 do Código Penal estabelece que a prescrição depois do trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação regula-se pela pena aplicada.
3. Entre os marcos interruptivos da prescrição, não transcorreu período superior a 8 (oito) anos.
4. A isolada circunstância de o inquérito policial ter sido instaurado para apurar fatos narrados por meio de notitia crimine anônima não permite afirmar a ausência de justa causa para as investigações policiais, uma vez que a indisponibilidade da ação penal impõe o dever de investigar o fato criminoso.
5. A entender-se que a efetiva atividade laborativa impõe a concessão do benefício e, por essa razão, a falta de documentação idônea consubstanciaria crime impossível, chegar-se-ia à conclusão de ser prescindível essa mesma documentação ou, quando menos, que ela não estaria abrangida pelo campo da tutela penal. Ao contrário: a sanção penal (estelionato previdenciário) protege também a forma pela qual o direito ao benefício é feito valer, não se concebendo que seja lícita a fraude consumada. Precedente do TRF da 3ª Região.
6. Autoria e materialidade delitivas comprovadas.
7. As circunstâncias judiciais são amplamente desfavoráveis à ré, razão pela qual se justifica a fixação da pena-base acima do mínimo legal.
8. Mantém-se o regime inicial aberto, por se encontrarem presentes os requisitos do art. 33, b, do Código Penal, uma vez que a ré, não reincidente, foi condenada a pena inferior a 4 (quatro) anos de reclusão.
9. Apelo da defesa provido parcialmente. Recurso da acusação desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da defesa para reduzir a pena de Raquel Brossa Prodossimo Lopes para 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 26 (vinte e seis) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos e negar provimento ao apelo da acusação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 10 de agosto de 2015.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 13/08/2015 18:34:09



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005852-54.2012.4.03.6114/SP
2012.61.14.005852-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : RAQUEL BROSSA PRODOSSIMO LOPES
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APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00058525420124036114 3 Vr SAO BERNARDO DO CAMPO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelações criminais interpostas pela acusação e pela defesa de Raquel Brossa Prodossimo Lopes contra a sentença que a condenou a 4 (quatro) anos de reclusão, regime inicial aberto, e 160 (cento e sessenta) dias-multa, fixados unitariamente em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, pelo delito do art. 171, § 3º, do Código Penal. Não houve a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (fls. 381/384).

Em razões de apelação, a acusação requer a imposição do regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena (fls. 387/392).

A defesa de Raquel Brossa, em razões recursais, aduz:

a) a prescrição da pretensão punitiva estatal;
b) tratar-se de crime impossível;
c) serem ilícitas as provas produzidas nos autos, em razão de as investigações criminais iniciarem-se por meio de denúncia anônima;
d) a absolvição da ré, uma vez que não restou comprovado nos autos sua participação delitiva;
e) subsidiariamente, a redução da pena-base ao mínimo legal (fls. 417/447).

Foram oferecidas contrarrazões pela defesa (fls. 403/407) e pela acusação (fls. 458/482).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Uendel Domingues Ugatti, opina pelo provimento da apelação do Ministério Público Federal e desprovimento do recurso da defesa (fls. 487/492v.).

Os autos foram encaminhados à revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.



Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005852-54.2012.4.03.6114/SP
2012.61.14.005852-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : RAQUEL BROSSA PRODOSSIMO LOPES
ADVOGADO : SP235199 SANTIAGO ANDRE SCHUNCK e outro
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00058525420124036114 3 Vr SAO BERNARDO DO CAMPO/SP

VOTO

Imputação. Raquel Brossa Prodossimo Lopes foi denunciada pelo art. 171, § 3º, c. c. o art. 69, ambos do Código Penal, porque, entre 02.09.04 e 31.10.05, induziu e manteve em erro o Instituto Nacional do Seguro Social para obter em favor de Sebastião Pereira de Lima e Ademir José de Souza a indevida concessão de auxílio-doença, por meio de documentos médicos falsos.

Narra a denúncia que para a concessão do benefício de Sebastião Pereira foi apresentado atestado médico assinado pelo médico Paulo Maurício Souza Pinto, cuja falsidade foi confirmada pela Secretaria de Saúde do Município de São Bernardo do Campo (fls. 39/40, Peças Informativas n. 1.34.011.000399/2010-46), enquanto o requerimento previdenciário de Ademir José, instruído com relatório médico subscrito por Maria Helena Zanini, o qual foi apontado como falso, em face da inexistência de registros de atendimentos a Ademir na Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP (fl. 53 do apenso II).

O Ministério Público Federal relata que em depoimentos prestados perante a autoridade policial (fls. 35 e 93), os segurados afirmaram ter contratado a acusada para intermediar os requerimentos administrativos e pagaram por esse serviço cerca de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais).

Os benefícios foram concedidos e indevidamente pagos de 02.09.04 a 30.09.05 a Sebastião Pereira e de 31.10.05 a 15.01.09 a Ademir José.

Consta da inicial que a materialidade e autoria delitivas estão comprovadas por meio de relatórios apresentados pelo INSS (fls. 67/69, 2ª parte do apenso I, e fls. 85/87, do apenso II), de ofícios e relatórios médicos, os quais confirmaram a falsidade dos atestados apresentados, e pelas declarações prestadas pelos segurados Sebastião e Ademir, constante de fls. 36/42 (fls. 136/138).

Do processo. A ré foi absolvida da imputação do art. 171, § 3º, do Código Penal, relativa à concessão do benefício previdenciário a Ademir Joé de Souza, sob o fundamento de não haver provas suficientes da autoria delitiva (fl. 383).

Estelionato previdenciário. Natureza do delito. Termo inicial da prescrição. Ressalvado meu entendimento, o Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência firme quanto à distinção da natureza do delito de estelionato previdenciário conforme o papel desempenhado pelo agente. Portanto, cumpre diferenciar as seguintes situações: se o agente é o próprio beneficiário, o delito tem natureza permanente e o prazo prescricional se inicia com a cessação do recebimento indevido; se o autor do crime pratica a fraude em favor de outrem, o delito é instantâneo de efeitos permanentes, cujo termo inicial do prazo prescricional é o recebimento da primeira prestação do benefício indevido:

PENAL. HABEAS CORPUS. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO (ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. CRIME PERMANENTE. BENEFICIÁRIO. PRAZO PRESCRICIONAL. INÍCIO DA CONTAGEM. CESSAÇÃO DA PERMANÊNCIA. PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA. TEMA NÃO APRECIADO NA ORIGEM. INCOGNOSCIBILIDADE. INSTITUTO NÃO ACOLHIDO PELO E. STF.
1. O agente que perpetra a fraude contra a Previdência Social recebe tratamento jurídico-penal diverso daquele que, ciente da fraude, figura como beneficiário das parcelas. O primeiro pratica crime instantâneo de efeitos permanentes; já o segundo pratica crime de natureza permanente, cuja execução se prolonga no tempo, renovando-se a cada parcela recebida da Previdência.
2. Consectariamente, em se tratando de crime praticado pelo beneficiário, o prazo prescricional começa a fluir da cessação da permanência. Precedentes: HC nº 99.112, rel. Min. Marco Aurélio, j. 20/4/2010, 1ª Turma; HC 101.481, rel. min. Dias Toffoli, j. 26/4/2011, 1ª Turma; HC 102.774/RS, rel. Min. Ellen Gracie, j. 14/12/2010, 2ª Turma, DJ de 7/2/2011.
3. In casu, narra a denúncia que a paciente participou não apenas da fraude à entidade de Previdência Social, por meio de conluio com servidores do INSS, mas figurou como destinatária dos benefícios previdenciários, que recebeu até 30/10/2006.
4. Dessa forma, forçoso reconhecer que o prazo prescricional teve início apenas na referida data, em que cessada a permanência.
(...)
7. Parecer pela denegação da ordem.
8. Ordem denegada.
(STF, 1ª Turma, HC n. 102491, Rel.: Ministro Luiz Fux, j. 10.05.11)
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CRIME DE ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. RÉU BENEFICIÁRIO DAS PARCELAS INDEVIDAS. CRIME PERMANENTE. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. HIGIDEZ DA PRETENSÃO PUNITIVA. PRECEDENTES.
1. Em tema de estelionato previdenciário, o Supremo Tribunal Federal tem uma jurisprudência firme quanto à natureza binária da infração. Isso porque é de se distinguir aquele que, em interesse próprio, recebe o benefício ilicitamente daquele que comete uma falsidade para permitir que outrem obtenha a vantagem indevida. No primeiro caso, a conduta, a despeito de produzir efeitos permanentes no tocante ao beneficiário da indevida vantagem, materializa, instantaneamente, os elementos do tipo penal. Já naquelas situações em que a conduta é cometida pelo próprio beneficiário e renovada mensalmente, o crime assume a natureza permanente, dado que, para além de o delito se protrair no tempo, o agente tem o poder de, a qualquer tempo, fazer cessar a ação delitiva. Precedentes.
2. Agravo regimental desprovido.
(STF, 2ª Turma, ARE-AgR 663735, Rel.: Min. Ayres Britto, j. 07.02.12)

Do caso dos autos. Raquel Brossa Prodossimo Lopes praticou o crime em favor de outrem e foi condenada a 4 (quatro) anos de reclusão (fl. 384).

Os fatos ocorreram em 02.09.04 (fl. 137). A denúncia foi recebida em 23.08.12 (fl. 143) e a sentença condenatória publicada em 16.06.14 (fl. 385).

O Ministério Público Federal não se insurgiu quanto à pena privativa de liberdade imposta à ré (fls. 387/392), razão pela qual a prescrição regula-se pela pena de 4 (quatro) anos de reclusão aplicada pelo Juízo a quo (art. 110, § 1º, do Código Penal).

Com efeito, a acusada foi condenada a 4 (quatro) anos de reclusão e a pretensão punitiva estatal prescreve em 8 (oito) anos, a teor do inciso IV do art. 109 do Código Penal.

Entre os marcos interruptivos da prescrição, não transcorreu período superior a 8 (oito) anos.

Logo, não está prescrita a pretensão punitiva estatal.

Denúncia anônima. Admissibilidade. O Supremo Tribunal Federal rejeitou questão de ordem suscitada pelo Min. Marco Aurélio a propósito da denúncia delação anônima. Embora o voto-condutor do Min. Carlos Velloso acene com a ilegitimidade da denúncia anônima (CR, art. 5º, IV, in fine), acaba por rejeitar a questão de ordem: "Vê-se, portanto, não obstante o caráter apócrifo da delação ora questionada, que, tratando-se de revelação de fatos revestidos de aparente ilicitude penal, existia, efetivamente, a possibilidade de o Estado adotar medidas destinadas a esclarecer, em sumária e prévia apuração, a idoneidade das alegações que lhe foram transmitidas, desde que verossímeis, em atendimento ao dever estatal de fazer prevalecer - consideradas razões de interesse público - a observância do postulado jurídico da legalidade, que impõe, à autoridade pública, a obrigação de apurar a verdade real em torno da materialidade e autoria de eventos supostamente delituosos" (Min. Carlos Velloso, Inq. n. 1.957-PR, Informativo STF n. 393). Conquanto o voto-condutor conclua que os escritos anônimos não podem justificar, por si só, desde que isoladamente considerados, a imediata instauração da persecutio criminis, fica claro que "nada impede, contudo, que o Poder Público, provocado por delação anônima ('disque-denúncia", p. ex.) adote medidas informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária, 'com prudência e discrição', a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude penal (...)" (ibidem). Dito em outras palavras: o Estado pode e deve averiguar fatos objeto de delação apócrifa, apurar sua materialidade e autoria. E isso cumpre ser feito mediante inquérito policial ou procedimento investigativo equivalente devidamente formalizado, pois não se concebe investigação "informal" ou "paralela", sem nenhum controle.

No sentido de que a isolada circunstância de se tratar de denúncia anônima não justifica o trancamento da ação penal:

CRIMINAL. HC. LAVAGEM DE DINHEIRO, SONEGAÇÃO FISCAL, CORRUPÇÃO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. OPERAÇÃO ALBATROZ. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO. PROCEDIMENTO INSTAURADO COM BASE EM INVESTIGAÇÃO DEFLAGRADA POR DENÚNCIA ANÔNIMA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA. FATOS CONTROVERTIDOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA.
Hipótese em que o paciente - Presidente da Comissão Geral de Licitação do Estado do Amazonas - está sendo investigado sob a suspeita de ter participado de operações de lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, corrupção e formação de quadrilha na Administração Pública do Estado do Amazonas, condutas apuradas pela Polícia Federal na chamada 'Operação Albatroz'. Não há ilegalidade na instauração de inquérito com base em investigações deflagradas por denúncia anônima, eis que a autoridade tem o dever de apurar a veracidade dos fatos alegados, desde que se proceda com a devida cautela, o que se revela no presente caso, pois tanto a investigação quanto o inquérito vêm sendo conduzidos sob sigilo. Não há que se falar em ausência de justa causa para a investigação criminal, a qual só pode ser obstada na hipótese de flagrante e inequívoca atipicidade ou impossibilidade de ser o indiciado o autor dos fatos, o que, primo oculi, não se verifica.
O contexto dos autos não permite, de plano, a conclusão de que a conduta do paciente não é suspeita, como pretende a impetração, tornando-se prematuro o trancamento do inquérito policial instaurado.
Somente após o correto procedimento inquisitorial, com a devida apuração dos fatos e provas, é que se poderá averiguar, com certeza, a tipicidade, ou não, das condutas imputadas ao paciente.
Ordem denegada.
(STJ, HC n. 38.093-AM, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 28.10.04)
HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL. INSTAURAÇÃO. JUSTA CAUSA. (...).
(...)
3. A isolada circunstância de o inquérito policial ter sido instaurado para apurar fatos narrados por meio de notitia crimins anônima não permite afirmar a ausência de justa causa para as investigações policiais, uma vez que a indisponibilidade da ação penal impõe o dever de investigar o fato criminoso. Ademais, segundo informou o MM. Juiz Federal, os fatos narrados na missiva anônima foram corroborados por declarações de ex-empregados da empresa.
(...)
7. Habeas corpus conhecido. Ordem denegada.
(TRF da 3ª Região, HC n. 200703000406471-MS, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, unânime, j. 03.12.07)

Do caso dos autos. O IPL n. 0894/2010-5, que possibilitou o oferecimento da denúncia, foi embasado no Relatório de Informações emitido pela Força-Tarefa Previdenciária/SP, instaurada para o fim de rever irregularidades dos atos administrativos, registrado sob o Ofício APE-GR/SP n. 80/2009 (fls. 9/21), o qual identificou quarenta e três procedimentos de concessão de benefícios previdenciários com o emprego de expedientes fraudulentos, todos indicando a participação de Raquel Brossa Prodossimo Lopes como responsável por tais expedientes.

Com efeito, não há falar em nulidade das provas produzidas por meio do Inquérito Policial ou mesmo vício na apuração dos fatos, uma vez que a notícia crime anônima restringiu-se ao início da fase investigativa, a qual foi efetuada pela Autoridade Policial e resultou a instauração do Inquérito Policial, que serviu de substrato para a presente ação penal.

Estelionato previdenciário. Crime impossível. Documentação fraudulenta. Inadmissibilidade. Para a obtenção de benefício previdenciário é imprescindível o preenchimento dos respectivos pressupostos, obviamente a efetiva prestação de atividade laborativa pelos períodos de tempo exigidos na legislação de regência, filiação à própria Previdência Social etc. Contudo, é imprescindível também a comprovação do preenchimento desses requisitos mediante documentação idônea, em conformidade com as disposições regulamentares que regem a matéria. A entender-se que a efetiva atividade laborativa impõe a concessão do benefício e, por essa razão, a falta de documentação idônea consubstanciaria crime impossível, chegar-se-ia à conclusão de ser prescindível essa mesma documentação ou, quando menos, que ela não estaria abrangida pelo campo da tutela penal. Ao contrário: a sanção penal (estelionato previdenciário) protege também a forma pela qual o direito ao benefício é feito valer, não se concebendo que seja lícita a fraude consumada:


PENAL. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. CRIME IMPOSSÍVEL. DOCUMENTAÇÃO FRAUDULENTA. INADMISSIBILIDADE. APELAÇÃO PROVIDA.
1. A entender-se que a efetiva atividade laborativa impõe a concessão do benefício e, por essa razão, a falta de documentação idônea consubstanciaria crime impossível, chegar-se-ia à conclusão de ser prescindível essa mesma documentação ou, quando menos, que ela não estaria abrangida pelo campo da tutela penal. Ao contrário: a sanção penal (estelionato previdenciário) protege também a forma pela qual o direito ao benefício é feito valer, não se concebendo que seja lícita a fraude consumada (...).
(TRF da 3ª Região, ACr n. 2003.61.81.009032-8, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 20.09.10)

Do caso dos autos. Sustenta a defesa restar caracterizado o crime impossível.

Não merece prosperar a tese defensiva.

A utilização de documentos falsos para comprovação de incapacidade total e temporária para o exercício laboral é meio eficaz e próprio à consumação do delito de estelionato previdenciário.

Materialidade. Está satisfatoriamente comprovada a materialidade delitiva conforme decorre dos seguintes elementos de convicção:

a) requerimento administrativo de Sebastião Pereira de Lima, o qual foi instruído com atestados médicos falsos, emitidos em nome do médico Paulo Maurício Souza Pinto (fls. 15/16);
b) auxílio-doença indevidamente concedido a Sebastião Pereira de Lima de 15.09.04 a 01.02.06, o que resultou o prejuízo de R$ 20.025,00 (vinte mil e oitocentos e vinte reais) aos cofres públicos (Apenso I, fls. 44/46);
c) recibos de pagamentos efetuados por Sebastião Pereira de Lima a Raquel Brossa Prodossimo Lopes a título de contraprestação aos serviços prestados pela acusada referente à concessão do benefício previdenciário por ele recebido (fls. 37/41).

Autoria. Não há dúvida quanto à autoria do estelionato perpetrado por Raquel Brossa Prodossimo Lopes.

Perante a Autoridade Policial, Raquel Brossa negou a autoria delitiva. Afirmou que seus atos limitaram-se ao preenchimento do requerimento previdenciário de Sebastião Pereira de Lima (fl. 51).

Em Juízo, Raquel Brossa negou a imputação que lhe fora feita. Afirmou que há época dos fatos possuía um escritório de processamento de dados e não prestava serviços de intermediação de benefícios previdenciários. Declarou que dividia seu escritório com outras duas pessoas, cujos paradeiros desconhece, as quais prestavam serviços de assessoramento previdenciário. Justificou ser a locatária da sala comercial em que se localizava o referido escritório e, por essa razão, os valores recebidos por tais pessoas, em razão do assessoramento previdenciário, eram repassados a ela, pois se destinavam a cobrir o aluguel sob sua responsabilidade. Sua empresa de processamento de dados, embora pequena, possuía dois funcionários registrados (fls. 269 e mídia audiovisual à fl. 270).

Sebastião Pereira de Lima declarou à Autoridade Policial haver contratado os serviços de Raquel Brossa a quem entregou os documentos necessários à instrução do pedido administrativo. Foram-lhe cobrados R$ 3.000,00 (três mil reais), os quais foram pagos a Raquel depois de obter o benefício pretendido. O segurado submeteu-se a três perícias médicas e, em todas elas, foi orientado por funcionários de Raquel a permanecer calado durante as entrevistas, pois era necessário simular sintomas de depressão. Embora não apresentasse qualquer problema de saúde na época dos fatos. Esclareceu que o valor dos honorários cobrados pela acusada foi parcelado. De início as parcelas foram pagas em espécie, por meio de dinheiro repassado diretamente a Raquel Brossa, conforme se verifica dos recibos entregues à Autoridade Policial (fls. 37/38), e posteriormente por meio de depósitos bancários, cujos comprovantes encontram-se às fls. 38v./41 (fl. 35).

Em Juízo, Sebastião reconheceu a acusada como a pessoa contratada para intermediar seu benefício previdenciário. Afirmou que ela utilizou-se de atestados médicos falsos para instruir o requerimento administrativo, bem como ser ela, por meio das pessoas que o acompanharam até o INSS, quem o orientou a simular ser portador de doença psiquiátrica e a permanecer em silêncio durante as perícias médicas. Pagou à acusada R$ 3.000,00 (três mil reais), os quais foram parcelados, conforme demonstrou por meio de recibos e comprovantes bancários que instruíram a presente ação penal (fls. 233/234 e mídia audiovisual à fl. 237).

As testemunhas arroladas pela defesa, Vladimir Casassa e Antônio Jorge Maia, não trouxeram novos elementos à elucidação dos fatos. Vladimir afirmou que o requerimento administrativo pressupõe prévio agendamento e que quem atendia o segurado era o médico de plantão, o qual, embora se orientasse pelos atestados médicos apresentados pelo segurado a eles não estavam vinculados; Antônio esclareceu que a falsidade dos atestados médicos que instruíram o pedido administrativo foi reconhecida por meio de consulta efetivada a seus subscritores (fls. 266/268 e mídia audiovisual à fl. 270).

A negativa de autoria da acusada não se mantém quando confrontadas com os demais elementos dos autos.

Sebastião Pereira de Lima confirmou haver contratado os serviços de assessoria prestados por Raquel Brossa (fl. 42), pagou por esse serviço R$ 3.000,00 (três mil reais), os quais foram parcelados. Os recibos comprobatórios de tais pagamentos encontram-se acostados às fls. 37/41 e indicam que foram todos recebidos por Raquel, quer em espécie (fls. 37/38), quer por meio de depósito bancário em conta corrente de sua titularidade (fls. 38v./41).

O segurado afirmou que não estava doente à época dos fatos e que fora orientado por Raquel a simular estado de depressão. Nas ocasiões em que se submeteu à perícia pelo Instituto Autárquico foi acompanhado por funcionários da ré, os quais o aconselhavam a permanecer calado durante a entrevista conduzida pelo médico perito responsável, para o fim de demonstrar seu estado depressivo e incapacitante para o trabalho (fls. 35 e mídia audiovisual à fl. 237).

O exame pericial conclui que as assinaturas apostas nos recibos apresentados por Sebastião pertenciam a Raquel Brossa (fls. 37/38 e 61/62).

A falsidade dos atestados médicos que acompanharam o requerimento administrativo instruído por Raquel foi comprovada por meio de Ofício encaminhado pela Prefeitura de São Bernardo do Campo, o qual informou que, conforme dados obtidos junto à Secretaria de Saúde daquele município, não havia registro funcional em nome de Paulo Maurício Souza Pinto, razão pela qual restou prejudicado o fornecimento de informações sobre eventual atendimento médico prestado a Sebastião Pereira de Lima (fl. 40, Peças Informativas n. 1.34.011.000399/2010-46).

A ré criou a empresa BENPREV - Assessoria Previdenciária Administrativa e Jurídica, especializada em aposentadoria, revisão de benefício e auxílio-doença, para o fim de intermediar requerimentos previdenciários (fl. 42). Intermediou o pedido administrativo de Sebastião Pereira de Lima (fl. 26 das já mencionadas peças informativas e mídia audiovisual à fl. 237) e o instruiu com atestados médicos falsificados, os quais possibilitaram a concessão indevida de auxílio-doença de 02.09.04 a 30.09.05 (fl. 46, das referidas peças informativas) e implicou prejuízo de R$ 20.025,00 (vinte mil e vinte e cinco reais) aos cofres públicos. Cobrou por esse serviço R$ 3.000,00 (três mil reais), os quais foram parcelados e pagos mensalmente pelo segurado (fls. 37/41).

Com efeito, restou satisfatoriamente comprovada a pratica delitiva perpetrada por Raquel Brossa Prodossimo Lopes.

Dosimetria. Considerados os critérios do art. 59 do Código Penal, notadamente a culpabilidade, as circunstância e as consequências do delito (prejuízos superiores a R$ 20.000,00), o Juízo a quo fixou a pena-base da ré acima do mínimo legal, em 3 (três) anos de reclusão e 120 (cento e vinte) dias-multa.

Sem atenuantes, agravantes ou causas de diminuição, fez incidir a causa de aumento prevista no art. 171, § 3º, do Código Penal, passando a pena para 4 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e 160 (cento e sessenta) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Ausentes as hipóteses do art. 44, I, II e III do Código Penal, não houve a substituição das penas privativas de liberdade por duas restritivas de direitos.

Raquel Brossa se insurge quanto às penas que lhe foram impostas pela prática do delito do art. 171, § 3º, do Código Penal. Requer a fixação da pena-base no mínimo legal.

Assiste parcial razão apenas à defesa.

A ré, proprietária do escritório BENPREVI - Assessoria Previdenciária Administrativa Jurídica (fl. 42), organizou uma estrutura criminosa contra o INSS. Distribuía material impresso relativo aos serviços prestados para o fim de possibilitar a concessão de benefícios previdenciários. Os interessados a contratavam e lhe confiavam documentos necessários à intermediação dos requerimentos previdenciários, os quais, instruídos por ela com atestados médicos falsificados, possibilitavam a concessão dos benefícios previdenciários pretendidos por seus clientes. Cobrava pelo trabalho desemprenhado cerca de R$ 3.000,00 (três mil reais), de tal modo que fazia dessa atividade seu meio de vida.

Com efeito, sua exclusiva dedicação a atividades ilícitas (não há indicativo de ocupação lícita durante a época dos fatos) e o prejuízo causado à União em razão da indevida concessão de benefício a Sebastião Pereira (superior a R$ 20.000,00) possibilitam a elevação da pena-base acima do mínimo legal para 2 (dois) anos de reclusão e 20 (vinte) dias-multa.

Sem atenuantes ou agravantes, incide a causa de aumento prevista pelo art. 171, § 3º, do Código Penal, passando a pena para 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 26 (vinte e seis) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, uma vez que não há nos autos indicativos de que a ré possua condição financeira abastada (mídia audiovisual à fl. 270).

A acusação requer a fixação do regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena.

Não lhe assiste razão.

Mantém-se o regime inicial aberto, nos termos em que definidos pelo Juízo sentenciante, por se encontrarem presentes os requisitos do art. 33, b, do Código Penal, uma vez que a ré, não reincidente, foi condenada a pena inferior a 4 (quatro) anos de reclusão.

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao apelo da defesa para reduzir a pena de Raquel Brossa Prodossimo Lopes para 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 26 (vinte e seis) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. NEGO PROVIMENTO ao recurso da acusação. Mantenho, no mais, a sentença.

É o voto.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


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