Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 03/09/2015
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0012489-72.2008.4.03.6110/SP
2008.61.10.012489-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : PAULO SERGIO MILANI
ADVOGADO : ROBERTO FUNCHAL FILHO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : OS MESMOS
NÃO OFERECIDA DENÚNCIA : ADOLPHO IGOR BORGES DA SILVEIRA
: CLAUDEMAR ANDRADE CORREA
: ROSANGELA RODRIGUES SILVA
: MAIKON JOEL DOS SANTOS
No. ORIG. : 00124897220084036110 2 Vr SOROCABA/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. DESCAMINHO. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO. INSIGNIFICÂNCIA. DÉBITO TRIBUTÁRIO NÃO EXCEDENTE A R$ 20.000,00. PIS E COFINS. REITERAÇÃO DELITIVA. DOSIMETRIA.
1. Ao contrário do que sucede com o delito de sonegação fiscal, cuja natureza material exige a constituição do crédito tributário para instauração da ação penal (STF, Súmula Vinculante n. 24), o delito de contrabando ou descaminho é de natureza formal, não sendo necessário o prévio esgotamento da instância administrativa (TRF da 3ª Região, HC n. 201003000138852, Rel. Juiz Fed. Conv. Silvia Rocha, unânime, j. 06.07.10; ACR n. 200261810065925, Rel. Juiz Fed. Conv. Silvio Gemaque, unânime, j. 29.06.10; ACR n. 200261810067120, Rel. Des. Fed. Henrique Herkenhoff, unânime, j. 29.09.09; HC n. 200803000042027, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, unânime, j. 24.09.09; HC n. 200903000243827, Rel. Juiz. Fed. Conv. Marcio Mesquita, unânime, j. 25.08.09).
2. Revejo meu entendimento para acompanhar a jurisprudência predominante nos Tribunais Superiores e nesta Corte no sentido de que a reiteração delitiva obsta a incidência do princípio da insignificância ao delito de descaminho, independentemente do valor do tributo não recolhido (STF, HC n. 118686, Rel. Min. Luiz Fux, j. 19.11.13; HC n. 114675, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 13.11.12; 2ª Turma, HC n. 112597, Rel. Min. Carmen Lúcia, j. 18.09.12; STJ, 5ª Turma, AGARESP n. 329693, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 13.08.13; AGRESP n. 201200367950, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 17.04.12; TRF 3ª Região, ACR n. 00114957320054036102, Rel Des. Fed. José Lunardelli, j. 27.08.13).
3. É aplicável o princípio da insignificância ao delito de descaminho quando o valor do débito tributário não exceder a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), previsto no art. 20 da Lei n. 10.522/02, com as alterações introduzidas pelas Portarias 75 e 130 do Ministério da Fazenda, consoante restou assentado pelas duas Turmas do Supremo Tribunal Federal (STF, 1ª Turma, HC n. 123035, Rel.  Min. Rosa Weber, j. 19.08.14; 1ª Turma, HC n. 118.067, Min. Rel. Luiz Fux, j. 25.03.14; 1ª Turma, HC n. 120.139, Min. Rel. Dias Toffoli, j. 11.03.14; 1ª Turma, HC n. 120.096, Min. Rel. Roberto Barroso, j. 11.02.14; 2ª Turma, HC n. 118.000, Min. Rel. Ricardo Lewandowski, j. 03.09.13).
4. Ainda que se faça incidir somente os valores referentes ao imposto de importação (II) e ao imposto sobre produtos industrializados (IPI), em conformidade com precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ, RHC n. 43.916/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 24.04.14; AgRg no REsp n. 1351919/SC, Rel. Min. Moura Ribeiro, 5ª Turma, j. 03.10.13; AgRg no REsp n. 1423998/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, j. 20.03.14; AgRg no REsp n. 1205263/PR, Rel. Min. Assusete Magalhães, 6ª Turma, j. 18.12.12), o valor total dos tributos devidos é de R$ 25.036,80 (vinte e cinco mil trinta e seis reais e oitenta centavos), que supera o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para aplicação do princípio da insignificância. Ademais, é firme a jurisprudência no sentido da inaplicabilidade do princípio da insignificância na hipótese de habitualidade delitiva. O réu responde a outra ação penal pela prática do mesmo delito (fl. 310), de modo que não há falar em incidência do princípio da insignificância.
5. Autoria e materialidade comprovadas.
6. Em observância ao disposto no art. 59 do Código Penal, considerando-se as circunstâncias da apreensão, bem como o valor das mercadorias (R$ 78.240,00) e dos tributos devidos (aproximadamente R$ 25.000,00 vinte e cinco mil reais), a pena-base deve ser fixada na metade acima do mínimo legal.
7. Preenchidos os requisitos do art. 44, § 2º, do Código Penal, de rigor a substituição da pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária nos termos fixados na sentença e em prestação de serviços à comunidade.
8. Apelação do réu não provida. Recurso da acusação provido.

ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do réu e dar provimento ao recurso da acusação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 24 de agosto de 2015.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): Andre Custodio Nekatschalow:10050
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Data e Hora: 26/08/2015 13:22:53



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0012489-72.2008.4.03.6110/SP
2008.61.10.012489-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
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: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : OS MESMOS
NÃO OFERECIDA DENÚNCIA : ADOLPHO IGOR BORGES DA SILVEIRA
: CLAUDEMAR ANDRADE CORREA
: ROSANGELA RODRIGUES SILVA
: MAIKON JOEL DOS SANTOS
No. ORIG. : 00124897220084036110 2 Vr SOROCABA/SP

RELATÓRIO


Trata-se de apelações interpostas pela acusação e por Paulo Sergio Milani contra a sentença que o condenou pela prática do delito do art. 334, § 1º, d, do Código Penal, à pena de 1 (um) ano de reclusão, regime inicial aberto, substituída por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade (fls. 484/492).

Aduz o réu, em seu recurso de apelação, o quanto segue:

a) é necessária a prévia constituição definitiva do crédito tributário por se tratar de crime material;

b) é aplicável o princípio da insignificância, pois incorreto o valor atribuído às mercadorias, bem como porque deve ser excluído o valor referente a PIS e COFINS do cálculo dos tributos (fls. 497/504).

Recorre a acusação, requerendo, em síntese, a majoração da pena e, por consequência, a substituição da pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos (fls. 509/514).

Foram apresentadas contrarrazões pela acusação (fls. 515/539) e pelo réu (fls. 553/554).

A Ilustre Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo não provimento do recurso da defesa e pelo provimento do recurso da acusação para que seja majorada a pena-base e readequada a pena privativa de direitos à nova dosimetria (fls. 557/561).

Os autos foram encaminhados à revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 12/06/2015 18:18:39



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0012489-72.2008.4.03.6110/SP
2008.61.10.012489-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : PAULO SERGIO MILANI
ADVOGADO : ROBERTO FUNCHAL FILHO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : OS MESMOS
NÃO OFERECIDA DENÚNCIA : ADOLPHO IGOR BORGES DA SILVEIRA
: CLAUDEMAR ANDRADE CORREA
: ROSANGELA RODRIGUES SILVA
: MAIKON JOEL DOS SANTOS
No. ORIG. : 00124897220084036110 2 Vr SOROCABA/SP

VOTO

Imputação. O apelante Paulo Sérgio Milani foi surpreendido pela fiscalização em 26.09.08 quando transportava em um ônibus grande quantidade de mercadoria de origem estrangeira sem a respectiva documentação legal em sua bagagem. Foram apreendidas 81.500 unidades de "isqueiros a gás", avaliados em R$ 78.240,00 (setenta e oito mil duzentos e quarenta reais).

Uma vez apurada a autoria e a materialidade, o réu foi denunciado pela prática do crime do art. 334, § 1º, d, do Código Penal (fls. 692/699, Volume IV).

Descaminho. Constituição definitiva do crédito. Desnecessidade. Ao contrário do que sucede com o delito de sonegação fiscal, cuja natureza material exige a constituição do crédito tributário para instauração da ação penal (STF, Súmula Vinculante n. 24), o delito de contrabando ou descaminho é de natureza formal, não sendo necessário o prévio esgotamento da instância administrativa:


PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. ARTIGO 334, § 1º, d. PRÉVIA CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. DESNECESSIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. (...).
I - Constatados indícios suficientes de autoria e prova da materialidade aptos, em tese, a dar sustentação à ação penal. II - Para a consumação do descaminho não se faz necessária a prévia constituição definitiva do crédito tributário na esfera administrativa, por se tratar de delito que tutela não apenas o erário, mas também outros interesses da Administração Pública, como a regularidade nas importações e exportações, a soberania e segurança nacionais, a autodeterminação do Estado, a ordem pública etc.
(...).
(TRF da 3ª Região, HC n. 201003000138852, Rel. Juiz Fed. Conv. Silvia Rocha, unânime, j. 06.07.10)
PENAL. APELAÇÃO. DESCAMINHO. FALTA DE CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO: IRRELEVÂNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: APLICÁVEL AO CASO. RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO.
1. Apelação do Ministério Público Federal interposta contra sentença que absolveu o réu, acusado da prática do crime do artigo 334, §1º, 'c' e 'd', do Código Penal, com fundamento na ausência de constituição do crédito tributário e no princípio da insignificância.
2. A ausência de constituição definitiva do crédito tributário não obsta a propositura de ação penal por crime de descaminho. O precedente do Supremo Tribunal Federal firmado no HC 81.611 restringe-se aos crimes contra a ordem tributária elencados no artigo 1º da Lei nº 8.137/90.
(...).
(TRF da 3ª Região, ACR n. 200261810065925, Rel. Juiz Fed. Conv. Silvio Gemaque, unânime, j. 29.06.10)
PENAL. DESCAMINHO. ARTIGO 334,§1º, ALÍNEA "C", DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA QUE ABSOLVEU A ACUSADA COM FULCRO NO ARTIGO 386, INCISOS I E VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CRIME DE DESCAMINHO QUE NÃO EXIGE A CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO PARA A SUA CONSUMAÇÃO. (...).
1.Os crimes descritos na Lei nº 4.729/65 e na Lei nº 8.137/90 têm por escopo a proteção da ordem tributária, configurada no interesse do Estado no recebimento dos tributos devidos, enquanto que o crime de descaminho apresenta tutela dúplice: o interesse jurídico do ingresso de valores no erário público e outros bens jurídicos, tais como o controle da entrada e saída de bens do território nacional, a proteção das atividades econômicas nacionais frente à de outros país o que está ligado à política nacional de desenvolvimento econômico.
2. O delito de descaminho é formal, cuja consumação ocorre com o mero ingresso da mercadoria em território nacional sem o pagamento dos tributos devidos, não dependendo da demonstração do valor do tributo que deixou de ser recolhido e, neste aspecto, não exigindo a constituição definitiva do crédito tributário para sua consumação. Na verdade, não cabe exigir o prévio lançamento do tributo, quando não é esta a providência cabível por parte da autoridade fiscal, mas sim o perdimento do bem.
(...).
(TRF da 3ª Região, ACR n. 200261810067120, Rel. Des. Fed. Henrique Herkenhoff, unânime, j. 29.09.09)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. DESCAMINHO FRAUDULENTO. CÓDIGO PENAL, ARTIGO 334, § 1º, ALÍNEA 'C'. CONSUMAÇÃO QUE NÃO PRESSUPÕE A CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. (...).
(...)
4. O crime de descaminho não ofende somente o erário, atingindo também a soberania nacional, a autodeterminação do Estado, a segurança nacional e a eficácia das políticas governamentais de defesa do desenvolvimento da indústria pátria. Por isso, o descaminho é classificado como crime contra a Administração Pública e contra a ordem tributária.
5. Para a consumação do crime de descaminho, não se faz necessária a constituição definitiva do crédito tributário na esfera administrativa. Precedentes.
(...).
(TRF da 3ª Região, HC n. 200803000042027, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, unânime, j. 24.09.09)
CONSTITUCIONAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO "KASPAR II". INÉPCIA DA DENÚNCIA: INOCORRÊNCIA. ALEGAÇÃO DE FALTA DE JUSTA CAUSA, COM RELAÇÃO AO CRIME DE DESCAMINHO, EM RAZÃO DA NÃO CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO: DESCABIMENTO.
1. Habeas Corpus impetrado contra ato que recebeu a denúncia pela prática dos crimes tipificados nos artigos 16, 21 e 22, caput e parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137/90, artigo 1º, incisos VI e VII, §1º, incisos I, II e III, da Lei nº 9.613/96 e artigo 334 do Código Penal.
(...)
10. É certo que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 81.611, entendeu que o delito descrito no artigo 1º da Lei 8.137/90, por ser material, demanda, para sua caracterização, o lançamento definitivo do débito tributário, estabelecendo o lançamento definitivo como condição objetiva de punibilidade ou, ainda, como um elemento normativo do tipo. 11. Contudo, o paciente foi denunciado também pelo delito de descaminho, crime em que o bem jurídico tutelado é não só a proteção do erário, como também a regularidade nas importações e exportações e, conseqüentemente, a eficácia das políticas governamentais de defesa do desenvolvimento da indústria nacional.
12. Tal entendimento coaduna-se com a nítida função extrafiscal dos tributos incidentes sobre importações e exportações, ou seja, mais do que o interesse do Estado na arrecadação tributária, tais exações cumprem a função de instrumentos de implementação da política de desenvolvimento da indústria e comércio nacionais.
13. Bem por isso, o procedimento fiscal no caso de apreensão de mercadorias descaminhadas não visa a constituição do crédito tributário, mas sim a aplicação da pena de perdimento (artigo 23 e seguintes do Decreto-lei n° 1.455/76) e, dessa forma, não há como aplicar-se o entendimento da necessidade de prévia constituição do crédito tributário, que restringe-se aos crimes contra a ordem tributária, do artigo 1° da Lei n° 8.137/90, em que a lei objetiva coibir exclusivamente a sonegação fiscal.
14. Acrescente-se que os delitos do artigo 1º da Lei nº 8.137/90 são de natureza material - importando a necessidade de demonstração da ocorrência de resultado naturalístico, ou seja, da supressão ou redução do tributo devido - e o crime do artigo 334 do CP, ao contrário, é de natureza formal.
15. Assim, não é de se exigir, para a ação penal por crime de descaminho, o encerramento da instância administrativa. Precedentes deste Tribunal Regional Federal da 3a Região. 16. Ordem denegada.
(TRF da 3ª Região, HC n. 200903000243827, Rel. Juiz. Fed. Conv. Marcio Mesquita, unânime, j. 25.08.09)

Do caso dos autos. Aduz a defesa que a prévia e definitiva constituição do crédito tributário é condição objetiva de punibilidade, necessária para o exercício da ação penal (fls. 497/504).

Não lhe assiste razão.

Trata-se de crime de natureza formal, sendo prescindível a prévia constituição definitiva do crédito tributário e consumando-se o crime no momento do ingresso da mercadoria no País.

Descaminho. Reiteração delitiva. Princípio da insignificância. Revejo meu entendimento para acompanhar a jurisprudência predominante nos Tribunais Superiores e nesta Corte no sentido de que a reiteração delitiva obsta a incidência do princípio da insignificância ao delito de descaminho, independentemente do valor do tributo não recolhido:


Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. DESCAMINHO (ART. 334, CAPU T, DO CP). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PACIENTE CONTUMAZ NA PRÁTICA DELITIVA. ORDEM DENEGADA. 1. O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. A aplicação do princípio da insignificância deve, contudo, ser precedida de criteriosa análise de cada caso, a fim de evitar que sua adoção indiscriminada constitua verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos patrimoniais. 3. O princípio da insignificância no crime de descaminho é afastado quando comprova-se a contumácia na prática delitiva. Precedentes: HC 115.514, Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJ de 10.04.13; HC 115.869, Primeira Turma, Relator o Ministro Dias Toffolli, DJ de 07.05.13; HC 114.548, Primeira Turma, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJ de 27.11.12; HC 110.841, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 14.12.12; HC 112.597, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 10.12.12; HC 100.367, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJ de 08.09.11. 4. A existência de outras ações penais em curso contra a paciente, embora não configure reincidência, é suficiente para caracterizar a contumácia na prática delitiva, afastando, por conseguinte, a aplicação do princípio da insignificância. 5. In casu, a paciente foi denunciada como incursa nas sanções do artigo 334, caput, do Código Penal, por ingressar no território nacional com mercadorias de procedência estrangeira - CDs, DVDs, cigarros, artigos de pesca, pilhas, rádios toca fitas, máquina de cortar cabelo, acessórios para videogames, baterias de telefones, calculadoras, aparelhos de telefones, maquiagens, isqueiros, brinquedos - desacompanhadas da documentação fiscal comprobatória do recolhimento dos respectivos tributos, no valor total de R$ 1.652,51 (um mil seiscentos e cinquenta e dois reais e cinquenta e um centavos). 6. Destarte, em que pese o valor do tributo sonegado ser inferior ao limite estabelecido no artigo 20 da Lei 10.522/02, na redação conferida pela Lei 11.0 33/04, não é possível aplicar-se o princípio da insignificância, porquanto trata-se de paciente contumaz na prática delitiva. 7. Ordem denegada.
(STF, HC n. 118686, Rel. Min. Luiz Fux, j. 19.11.13)
Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO. VALOR SONEGADO INFERIOR AO FIXADO NO ART. 20 DA LEI 10.522/2002, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.033/200 4. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REITERAÇÃO DELITIVA. EXISTÊNCIA DE OUTROS PROCEDIMENTOS FISCAIS. ORDEM DENEGADA. I - Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, com a redação dada pela Lei 11.033/2004. II - Entretanto, os autos dão conta da existência de mais oito procedimentos fiscais instaurados contra o paciente, nos quais os valores dos impostos elididos, somados, extrapolam o referido limite, o que demonstra a habitualidade criminosa e impede a aplicação do princípio da insignificância, em razão do elevado grau de reprovabilidade da conduta do agente. III - Ordem denegada.
(STF, HC n. 114675, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 13.11.12)
HABEAS CORPUS. PENAL. CONSTITUCIONAL. INFRAÇÃO DO ART. 344, § 1º, A LÍNEA D, DO CÓDIGO PENAL. PRETENSÃO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCI A: INVIABILIDADE. PRÁTICA REITERADA DE DESCAMINHO. PRECEDENTES. 1. A tipicidade penal não pode ser percebida como o exercício de mera adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, a configuração da tipicidade demandaria uma análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, para se verificar a ocorrência de alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado. 2. O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por consequência, torna atípico o fato na seara penal, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal. 3. Existência de outros processos administrativos fiscais instaurados contra o Paciente em razão de práticas de descaminho. Elevado grau de reprovabilidade da conduta imputada evidenciado pela reiteração delitiva, o que afasta a aplicação do princípio da insignificância no caso. 4. O criminoso contumaz, mesmo que pratique crimes de pequena monta, não pode ser tratado pelo sistema penal como se tivesse praticado condutas irrelevantes, pois crimes considerados ínfimos, quando analisados isoladamente, mas relevantes quando em conjunto, seriam transformados pelo infrator em verdadeiro meio de vida. 5. O princípio da insignificância não pode ser acolhido para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de conduta ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto. Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido à sua reprovabilidade, perdem a característica da bagatela e devem se submeter ao direito penal. 6. Ordem denegada.
(STF, 2ª Turma, HC n. 112597, Rel. Min. Carmen Lúcia, j. 18.09.12)
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE DESCAMINHO. DÉBITO TRIBUTÁRIO NO VALOR DE R$ 10.665,39. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INVIABILIDADE. HABITUALIDADE NA PRÁTICA DA CONDUTA CRIMINOSA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A despeito do débito tributário referente às mercadorias estrangeiras sem documentação fiscal ser de R$ 10.665,39 (dez mil seiscentos e sessenta e cinco reais e trinta e nove centavos), subsiste o interesse estatal à repressão do delito de descaminho praticado habitualmente pela Acusada. 2. A Suprema Corte firmou sua orientação no sentido de que "[o] princípio da insignificância não foi estruturado para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de condutas ínfimas, isoladas, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto. Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido a sua reprovabilidade, perdem a característica de bagatela e devem se submeter ao direito penal" (STF, HC 102.088/RS, 1.ª Turma, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe de 21/05/2010). 3. De fato, constatada a conduta habitual do Agente, a lei seria inócua se fosse tolerada a prática criminosa ou, até mesmo, o cometimento do mesmo delito, seguidas vezes, em frações que, isoladamente, não superassem certo valor tido por insignificante, mas o excedesse na soma. A desconsideração dessas circunstâncias implicaria verdadeiro incentivo ao descumprimento da norma legal, mormente para aqueles que fazem da criminalidade um meio de vida. Precedentes da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal e desta Turma. 4. A despeito de não configurar reincidência, a existência de outras ações penais em curso é suficiente para caracterizar a habitualidade delitiva e, consequentemente, afastar a incidência do princípio da insignificância. No caso, há comprovação da existência de outras ações penais em seu desfavor, inclusive da mesma atividade criminosa. 5. Agravo regimental desprovido.
(STJ, 5ª Turma, AGARESP n. 329693, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 13.08.13)
EMEN: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO. TIPICIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REITERAÇÃO DELITIVA. INAPLICABILIDADE. APRECIAÇÃO UNIPESSOAL. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A decisão está em harmonia com a jurisprudência pacífica desta Quinta Turma e da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a reincidência e a habitualidade criminosa específicas implicam maior reprovabilidade da conduta porque denotam profissionalismo delitivo, praticado em doses módicas, visando, assim, fintar a lei, livrando-se do seu alcance por meio da aplicação do princípio da insignificância. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ, AGRESP n. 201200367950, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 17.04.12)
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 334, §1º, "c", DO CÓDIGO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. HABITUALIDADE DELITIVA. REPROVABILIDADE DA CONDUTA. (...) 7. Revejo meu posicionamento até então adotado sobre o tema, forte na jurisprudência da Suprema Corte, que também se modificou, sedimentando a visão de que, permanecendo o réu na prática delitiva do descaminho com habitualidade, deixa de ser aplicável o princípio da insignificância, independentemente do valor surrupiado aos cofres públicos. 8. É de todo recomendável considerar as diversas circunstâncias que cercam o delito, tais como a conduta social do agente, a reincidência e a habitualidade da conduta para sopesar a viabilidade da aplicação de citado princípio. 9. No caso dos autos, verifica-se a existência de outros inquéritos policiais e ação penal em andamento em razão do mesmo delito, razão pela qual não deve incidir o princípio da insignificância, restando mantida a sentença condenatória (...).
(TRF 3ª Região, ACR n. 00114957320054036102, Rel Des. Fed. José Lunardelli, j. 27.08.13)

Do caso dos autos. Aduz o apelante ser aplicável o princípio da insignificância, haja vista que o valor real das mercadorias e, portanto, dos tributos devidos, é inferior ao apontado pela Receita Federal do Brasil, bem como porque deve ser excluído do cálculo o valor referente a PIS e Cofins (fls. 497/504).

Sem razão a recorrente.

É aplicável o princípio da insignificância ao delito de descaminho quando o valor do débito tributário não exceder a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), previsto no art. 20 da Lei n. 10.522/02, com as alterações introduzidas pelas Portarias 75 e 130 do Ministério da Fazenda, consoante restou assentado pelas duas Turmas do Supremo Tribunal Federal (STF, 1ª Turma, HC n. 123035, Rel.  Min. Rosa Weber, j. 19.08.14; 1ª Turma, HC n. 118.067, Min. Rel. Luiz Fux, j. 25.03.14; 1ª Turma, HC n. 120.139, Min. Rel. Dias Toffoli, j. 11.03.14; 1ª Turma, HC n. 120.096, Min. Rel. Roberto Barroso, j. 11.02.14; 2ª Turma, HC n. 118.000, Min. Rel. Ricardo Lewandowski, j. 03.09.13).

A Receita Federal do Brasil calculou em R$ 78.240,00 (setenta e oito mil duzentos e quarenta reais) o valor total das mercadorias (fls. 231/232) e em R$ 35.322,44 (trinta e cinco mil trezentos e vinte e dois reais e quarenta e quatro centavos) o valor dos tributos referentes aos bens apreendidos (fl. 230).

Ainda que se faça incidir somente os valores referentes ao imposto de importação (II) e ao imposto sobre produtos industrializados (IPI), em conformidade com precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ, RHC n. 43.916/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 24.04.14; AgRg no REsp n. 1351919/SC, Rel. Min. Moura Ribeiro, 5ª Turma, j. 03.10.13; AgRg no REsp n. 1423998/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, j. 20.03.14; AgRg no REsp n. 1205263/PR, Rel. Min. Assusete Magalhães, 6ª Turma, j. 18.12.12), o valor total dos tributos devidos é de R$ 25.036,80 (vinte e cinco mil trinta e seis reais e oitenta centavos), que supera o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para aplicação do princípio da insignificância.

Ademais, é firme a jurisprudência no sentido da inaplicabilidade do princípio da insignificância na hipótese de habitualidade delitiva. O réu responde a outra ação penal pela prática do mesmo delito (fl. 310), de modo que não há falar em incidência do princípio da insignificância.

Materialidade. O réu não se insurgiu contra a materialidade e a autoria. A materialidade delitiva está plenamente comprovada, conforme decorre dos seguintes elementos de convicção:

a) auto de exibição e apreensão (fls. 10/11);
b) auto de infração e termo de apreensão e guarda fiscal (fls. 230/232);
c) laudo merceológico (fls. 243/245).

Autoria. Restou comprovada a autoria delitiva.

O réu foi preso em flagrante (fls. 2/3).

Perante a Autoridade Policial, confessou que trazia grande quantidade de isqueiros de origem paraguaia, os quais haveria de entregar na Galeria Pajé, em São Paulo (SP). Em Juízo, confirmou suas declarações, afirmando que gastou cerca de US$ 8.000,00 (oito mil dólares) na aquisição dos produtos (mídia à fl. 471).

Os depoimentos de Angela Márcia dos Santos e Maikon Joel dos Santos, parentes do réu que viajavam com ele no ônibus na ocasião, são no sentido de que os isqueiros lhe pertenciam, os havendo adquirido no Paraguai para revender em São Paulo (SP) (mídia à fl. 392).

As versões de Paulo Henrique Navarro Barbosa, Delegado de Polícia, e de Wagner Bueno Valino e Cleber Luiz Bertolletti, Policiais Civis, são coerentes e harmônicas com relação às circunstâncias do crime e da prisão do réu. Consoante se apurou, o acusado trazia em sua bagagem significativa quantidade de mercadorias de origem estrangeira sem a respectiva documentação legal (fls. 13/16 e mídias às fls. 416 e 441).

Desse modo, deve ser mantida a condenação pela prática do crime do art. 334 do Código Penal.

Dosimetria da pena. Observando os critérios do art. 59 do Código Penal, o MM. Juízo a quo fixou a pena-base no mínimo legal, em 1 (um) ano de reclusão. Ausentes circunstâncias agravantes, deixou de aplicar a atenuante da confissão em observância à Súmula n. 231 do Superior Tribunal de Justiça.

À míngua de causas de aumento ou de diminuição da pena, tornou-a definitiva, fixando o regime inicial aberto. Substituiu a pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade.

Requer a acusação seja majorada a pena e, por consequência, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos (fls. 509/514).

Assiste-se razão.

Em observância ao disposto no art. 59 do Código Penal, considerando-se as circunstâncias da apreensão, bem como o valor das mercadorias (R$ 78.240,00) e dos tributos devidos (aproximadamente R$ 25.000,00 vinte e cinco mil reais), a pena-base deve ser fixada na metade acima do mínimo legal, em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão.

Incide a atenuante da confissão (mídia à fl. 471) em 1/6 (um sexto), reduzindo-se a pena para 1 (um) ano e 3 (três) meses de reclusão, que resta definitiva à míngua de outras circunstâncias atenuantes ou agravantes e causas de aumento ou diminuição de pena.

Preenchidos os requisitos do art. 44, § 2º, do Código Penal, de rigor a substituição da pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária nos termos fixados na sentença e em prestação de serviços à comunidade.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação do réu e DOU PROVIMENTO ao recurso da acusação para majorar a pena privativa de liberdade para 1 (um) ano e 3 (três) meses de reclusão, substituindo-a por 2 (duas) penas restritivas de direitos, nos termos da fundamentação.

É o voto.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


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