Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 19/08/2015
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0903609-86.1996.4.03.6110/SP
2008.03.99.036380-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : PAULO FRANCO MARCONDES FILHO
ADVOGADO : SP032618 EDISON HERCULANO CUNHA e outro
APELANTE : VALDOMIRO DE CALEGARI CENCI
: FRANCISCO JOSE MELCHIOR
ADVOGADO : SP058601 DOMINGOS ALFEU COLENCI DA SILVA e outro
APELADO(A) : Justica Publica
CO-REU : PAULO FRANCO MARCONDES
No. ORIG. : 96.09.03609-0 2 Vr SOROCABA/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO CONTRA A UNIÃO. ART. 171, §3º, DO CP. NÃO CONHECIMENTO DA APELAÇÃO DOS CORRÉUS VALDOMIRO E FRANCISCO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA RECONHECIDA PELA SENTENÇA APELADA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS. PENAS CORRETAMENTE FIXADAS. APELAÇÃO DO CORRÉU PAULO DESPROVIDA.
1- A apelação interposta pelos réus Francisco e Valdomiro não há de ser conhecida. Deveras, a jurisprudência (vide: STJ - HC 201402321912, Jorge Mussi, Quinta Turma, DJE de 26.11.2014) e a doutrina dominantes (confira-se, por todos: DE LIMA, Renato Brasileiro; Manual de Processo Penal, vol. 2, Niteroi-RJ, Impetus, 2012, p. 898-899) consolidaram o entendimento de que não há interesse que justifique a interposição de recurso de apelação em hipóteses tais como a dos autos, em que declarada, por decisão já imutável, a prescrição da pretensão punitiva do Estado.
2- O acusado Paulo foi denunciado, processado e condenado como incurso nas sanções do art. 171, §3.º, do Código Penal, na forma do art. 71 do referido códice, porque, segundo a sentença de fls. 3.308/3.322, teria obtido em benefício da empresa Carbomix o ressarcimento do valor de R$ 922.143,13 (novecentos e vinte e dois mil cento e quarenta e três reais e treze centavos), relativos a despesas com fretes de combustíveis e respectivos subsídios, após induzir em erro o extinto Departamento Nacional de Combustível - DNC, órgão ligado ao Ministério de Minas e Energia, mediante o emprego de fraude consistente no uso de documentos falsos.

3- Comprovadas a autoria e a materialidade delitivas.
4- Sendo o caso de ser mantida a condenação de Paulo, não merece prosperar o pleito atinente à aplicação do princípio da consunção dos delitos previstos nos arts. 299 e 304 do Código Penal ao estelionato (art. 171, do Código Penal). Isso porque, como ressaltado nas contrarrazões de apelação (fls. 3.386/3.387), a sentença apelada condenou Paulo apenas pelo delito previsto no art. 171, § 3.º, do Código Penal, em continuidade delitiva (art. 71, do Código Penal), o que inviabiliza, por completo, o exame do pleito em questão.
5- Ainda que abstraíssem os maus antecedentes de Paulo -indevidamente valorados pelo juízo sentenciante, em flagrante contrariedade ao Enunciado n. 444 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça -, o outro fundamento apontado para o aumento da pena-base, qual seja, a sua intensa culpabilidade em face da "maior reprovabilidade (...) de sua participação gerencial nas duas empresas de distribuição envolvidas nos fatos, o que indica ter sido o mentor intelectual das práticas delitivas" (fls. 3.319), por si só, justifica a majoração empreendida, de modo que é de ser mantida a sanção-base no quantum de 2 (dois) anos de reclusão e 20 (vinte) dias-multa.
6- Quanto aos demais termos, as penas fixadas ao apelante Paulo pela decisão recorrida hão de ser mantidas nos moldes em que cominadas, uma vez que fixadas conforme os parâmetros legais e jurisprudenciais, tanto que nem a acusação nem a defesa se insurgiram com relação as ulteriores fases da dosimetria penal, tampouco questionaram o regime inicial de cumprimento da pena (aberto) e as penas restritivas de direitos aplicadas em substituição à sanção privativa de liberdade.
7- Apelação dos réus Francisco e Valdomiro não conhecida.
8 - Apelo do réu Paulo desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer do apelo interposto pela defesa de Valdomiro e Francisco por falta de interesse recursal e negar provimento à apelação interposta por Paulo, ratificando integralmente a sentença apelada e respectivo complemento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 10 de agosto de 2015.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): Paulo Gustavo Guedes Fontes:10067
Nº de Série do Certificado: 55DD429704881053FA1DF33F8C7D3FAA
Data e Hora: 13/08/2015 13:50:33



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0903609-86.1996.4.03.6110/SP
2008.03.99.036380-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : PAULO FRANCO MARCONDES FILHO
ADVOGADO : SP032618 EDISON HERCULANO CUNHA e outro
APELANTE : VALDOMIRO DE CALEGARI CENCI
: FRANCISCO JOSE MELCHIOR
ADVOGADO : SP058601 DOMINGOS ALFEU COLENCI DA SILVA e outro
APELADO(A) : Justica Publica
CO-REU : PAULO FRANCO MARCONDES
No. ORIG. : 96.09.03609-0 2 Vr SOROCABA/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelações interpostas por Paulo Franco Marcondes Filho ("Paulo"), Francisco José Melchior ("Francisco") e Valdomiro de Calegari Cenci ("Valdomiro") contra a sentença de fls. 3.308/3.322, complementada às fls. 3.326/3.327, que:


i) condenou Paulo como incurso nas sanções do art. 171, §3.º, combinado com o art. 71, ambos do Código Penal, aplicando-lhe a pena de 3 (três) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas restritivas de direitos consistentes em duas prestações pecuniárias no valor de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) cada uma, a serem revertidas em prol de instituição beneficente ou de assistência social a ser indicada pelo Juízo da Execução. Além da pena privativa de liberdade, Paulo também foi condenado ao pagamento de 36 (trinta e seis) dias-multa, no unitário de 1 (um) salário mínimo vigente à época dos fatos;


ii) condenou Francisco à pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 17 (dezessete) dias-multa, no valor unitário de ½ (meio) salário mínimo vigente à época dos fatos, como incurso nas sanções do art. 171, §3.º, combinado com o art. 71, ambos do Código Penal. Ato contínuo, com base na pena concretamente aplicada e tendo em vista o disposto no art. 110, § 1.º, do Código Penal e o trânsito em julgado da condenação para o órgão de acusação (cf. fls. 3.324-v.º), o juízo a quo decretou a extinção das penas aplicadas ao referido acusado em face da prescrição da pretensão punitiva estatal (fls. 3.326/3.327); e


iii) decretou extinta a punibilidade estatal em face de Valdomiro, nos termos dos art. 109, III, e art. 115, ambos do Código Penal, diante da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal pela pena em abstrato.


Segundo consta dos autos, em 05 de junho de 2000, Paulo, Francisco e Valdomiro foram denunciados pela prática dos crimes previstos nos artigos 299, 304 e 171, § 3.º, combinados com os arts. 29 e 71, todos do Código Penal, pois, no período de junho a outubro de 1995, Paulo, enquanto responsável pela administração da empresa Carbomix Produtos de Petróleo LTDA. ("Carbomix"), conjuntamente com Valdomiro e Francisco - que seriam os proprietários da referida empresa - teria obtido para si vantagem ilícita induzindo em erro o extinto Departamento Nacional de Combustível - DNC, órgão ligado ao Ministério de Minas e Energia, mediante fraude consistente no uso de documentos falsos, para recebimento de ressarcimento de fretes a que não tinham direito, ocasionando aos cofres públicos um prejuízo no valor de R$ 922.143,13 (novecentos e vinte e dois mil cento e quarenta e três reais e treze centavos), tal como apurado na época dos fatos.


A denúncia foi recebida em 21.09.2000 (fls. 2.703) e a sentença apelada foi publicada em 31.03.2008 (fls. 3.323).


Inconformados, Paulo, Francisco e Valdomiro recorreram (cf. fl. 3.335 e fl. 3.336).


Em suas razões de apelação (fls. 3.347/3.357), Paulo pretende sua absolvição, sob a alegação de que, à época dos fatos narrados na denúncia, não era mais sócio da "Carbomix". Sustenta, ademais, atipicidade da conduta, eis que o recebimento de subsídios decorrentes da comercialização de combustíveis era prática comum à época, utilizada indistintamente por todas as distribuidoras de combustíveis, fato que não ensejava qualquer prejuízo aos cofres públicos, tanto que a Carbomix teria intentado ação anulatória de débito perante a Seção Judiciária de Brasília/DF. Pleiteia, ainda, a aplicação do princípio da consunção dos delitos previstos nos arts. 299 e 304 do Código Penal ao estelionato. Alternativamente, postula a redução da pena-base, alegando ser tecnicamente primário.


Já Valdomiro e Francisco, nas razões recursais juntadas às fls. 3.359/3.367, se insurgem, em primeiro lugar, contra a declaração da extinção da punibilidade dos fatos que lhe foram imputados, requerendo seja analisada sua participação nos fatos com vistas a obterem a absolvição.


Prosseguem os apelantes Francisco e Valdomiro requerendo, nos termos das preliminares arguidas nas alegações finais de fls. 3.268/3.281, o sobrestamento da presente ação penal até julgamento da ação anulatória de débito ajuizada pela Carbomix perante a Seção Judiciária de Brasília/DF e a inépcia da denúncia (fls. 3.359/3.367).


Sem embargo dos requerimentos supra, Francisco e Valdomiro insurgem-se contra a pretensa incidência do art. 29 do Código Penal somente no final do processo, o que teria dificultado o exercício da ampla defesa, e, ademais disso, alegam que as notas fiscais de compra e venda dos combustíveis não teriam sido consideradas na apreciação dos fatos, ressaltando que não teria havido qualquer prejuízo para a União no caso em apreço (fls. 3.359/3.367).


Com a juntada das contrarrazões (fls. 3.370/3.389), os autos foram remetidos à Procuradoria Regional da República que, após vista-los, pugnou fosse julgada prejudicada a apelação interposta por Francisco e Valdomiro, ante a falta de interesse recursal, bem como postulou o desprovimento da apelação de Paulo (fls. 3.393/3.397).


É o relatório, que submeto à revisão, nos termos regimentais.

RAQUEL PERRINI
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): RAQUEL FERNANDEZ PERRINI:10166
Nº de Série do Certificado: 669B2A7D4509CFB0
Data e Hora: 25/05/2015 15:37:45



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0903609-86.1996.4.03.6110/SP
2008.03.99.036380-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : PAULO FRANCO MARCONDES FILHO
ADVOGADO : SP032618 EDISON HERCULANO CUNHA e outro
APELANTE : VALDOMIRO DE CALEGARI CENCI
: FRANCISCO JOSE MELCHIOR
ADVOGADO : SP058601 DOMINGOS ALFEU COLENCI DA SILVA e outro
APELADO(A) : Justica Publica
CO-REU : PAULO FRANCO MARCONDES
No. ORIG. : 96.09.03609-0 2 Vr SOROCABA/SP

VOTO

1- Do caso dos autos


Trata-se de apelações interpostas por Paulo Franco Marcondes Filho ("Paulo"), Francisco José Melchior ("Francisco") e Valdomiro de Calegari Cenci ("Valdomiro") contra a sentença de fls. 3.308/3.322, complementada às fls. 3.326/3.327, que condenou Paulo como incurso nas sanções do art. 171, §3.º, combinado com o art. 71, ambos do Código Penal, e decretou a extinção da punibilidade de Francisco e Valdomiro diante da prescrição da pretensão punitiva estatal.


2- Da apelação interposta por Francisco e Valdomiro


A apelação interposta por Francisco e Valdomiro não há de ser conhecida.


Deveras, a jurisprudência (vide: STJ - HC 201402321912, Jorge Mussi, Quinta Turma, DJE de 26.11.2014) e a doutrina dominantes (confira-se, por todos: DE LIMA, Renato Brasileiro; Manual de Processo Penal, vol. 2, Niteroi-RJ, Impetus, 2012, p. 898-899) consolidaram o entendimento de que não há interesse que justifique a interposição de recurso de apelação em hipóteses tais como a dos autos, em que declarada, por decisão já imutável, a prescrição da pretensão punitiva do Estado.


Isso porque, uma vez reconhecida a prescrição do jus puniendi estatal, não remanescem quaisquer efeitos decorrentes de eventual condenação, o que inviabiliza, pois, o exame das objeções processuais e dos demais argumentos atinentes ao mérito da pretensão punitiva declinados nas razões recursais juntadas pelos referidos acusados às fls. 3.359/3.367.


3- Da apelação interposta por Paulo

3.1- A autoria e a materialidade delitivas


Paulo foi denunciado, processado e condenado como incurso nas sanções do art. 171, §3.º, do Código Penal, na forma do art. 71 do referido códice, porque, segundo a sentença de fls. 3.308/3.322, teria obtido em benefício da empresa Carbomix Produtos de Petróleo LTDA. ("Carbomix") o ressarcimento do valor de R$ 922.143,13 (novecentos e vinte e dois mil cento e quarenta e três reais e treze centavos), relativos a despesas com fretes de combustíveis e respectivos subsídios, após induzir em erro o extinto Departamento Nacional de Combustível - DNC, órgão ligado ao Ministério de Minas e Energia, mediante o emprego de fraude consistente no uso de documentos falsos.


A materialidade do delito imputado ao referido é incontestável, tal como resulta dos documentos colacionados nos autos apensos - notadamente dos vols. 03 e 04 - extraídos do Processo Administrativo n.º 48.300.018015/95-83, promovido pelo DNC em face da Carbomix.


Conforme se extrai dos documentos que compõem o referido processo administrativo, nos meses de junho a agosto de 1995, nos Demonstrativos de Controle de Produtos - DCP's (documentos declaratórios com base nos quais são feitos os pagamentos dos subsídios e os ressarcimentos de fretes de combustíveis) apresentados ao DNC, a Carbomix informou, utilizando-se da rubrica "1309 - transação com congênere" a suposta aquisição de álcool hidratado da empresa Mercoil Distribuidora de Petróleo LTDA. ("Mercoil"), tendo sido ressarcida a título de subsídio e frete na conta denominada Frete de Uniformização de Preços do Álcool - FUPA, no valor de R$ 576.771,34.


Entretanto, no conjunto de notas apresentado pela Mercoil ao DNC relativa ao período em alusão, encontram-se o registro de vendas apenas de óleo diesel e gasolina à Carbomix.


Além disso, apenas em setembro de 1995 a CARBOMIX solicitou ao DNC homologação de quota para comercialização de álcool hidratado no valor de 90 m3, sendo que o ressarcimento do valor supra, relativos aos meses de junho a agosto, somente foi possível porque nos DCPs apresentados a Carbomix declarou as operações valendo-se da rubrica "1309- Transação com Congênere", prática essa que, contudo, foi permitida somente até março de 1995 e a qual, ademais, segundo informado pelo próprio DNC, por falhas em seu sistema computacional, dispensava a confrontação da quota homologada com as aquisições declaradas pelas distribuidoras.


Por sua vez, em setembro de 1995, apesar de a Carbomix ter solicitado ao DNC homologação de quota de comercialização de álcool hidratado no quantitativo de 90m3, no DCP daquele mês registrou uma venda de 2.008m3, obtendo ressarcimento no valor de R$ 235.880,14, utilizando-se, mais uma vez, do expediente de registrar a operação sob a rubrica "1309- Transação com Congênere", o que viabilizou o ressarcimento de cota maior do que aquela homologada.


Finalmente, no mês de outubro de 1995, foi homologada uma quota de 80 m3, a Carbomix não apresentou o DCP, e o DNC ressarciu, em 18.10.95, o valor de R$ 109.490,65, por meio de um adiantamento de 50% (cinquenta por cento) do valor do subsídio indevidamente pago em agosto de 1995, com base na sistemática de ressarcimento então vigente, que previa, em hipóteses tais, a antecipação correspondente à metade do valor do subsídio pago no penúltimo mês de competência.


A par dos fatos acima elencados, causou espécie aos agentes do DNC o fato de a Carbomix não ter informado nas DCP's qualquer registro de perdas ("Código 2704"), ocorrência inevitável na movimentação de álcool, que, como cediço, possui alto grau de volatilidade, circunstância essa que só vem a corroborar a existência das fraudes perpetradas.


Outro indício das fraudes perpetradas apurado pelos técnicos do DNC encontra-se no contrato firmado entre a Carbomix e a distribuidora Pollus Brasileira de Petróleo LTDA. ("Pollus"), que, aliás, tinha como sócio o apelante Paulo.


Em conformidade com o contrato em questão, a Carbomix possuía uma cessão de espaço para tancagem de álcool restrita a 50 m3, quantia muito inferior àquela comercializada no período de janeiro a setembro de 95 - 10.920 m3, ou seja, 218,4 vezes a capacidade de armazenamento -, tal como declarado pela Carbomix nos DCP's apresentados ao DNC no interregno em alusão.


Nada obstante, ainda segundo apurado pelo DNC, as informações prestadas pela Carbomix, com referência aos clientes para os quais havia fornecido combustível não são fidedignas, haja vista que, dos 21 (vinte e um) postos revendedores pesquisados, 4 (quatro) não foram localizados pelos Correios, e 4 (quatro) informaram que não adquiriram combustíveis daquela distribuidora, no exercício de 1995, e/ou que não a conheciam e o restante não atendeu à solicitação de informação do DNC.


Em linhas gerais, as fraudes acima apontadas foram ratificadas em juízo pelas testemunhas de acusação Sebastião do Carmo Lara, responsável pela Divisão de Ressarcimento do DNC (fls. 2.971/2.972), e por João Carlos Maldini Quijano, que, à época dos ilícitos, ocupava o cargo de Coordenador de Preços e Ressarcimento do DNC (fls. 2.986/2.987).


Por sua vez, se afigura descabida a alegação de que a União não teria enfrentado qualquer prejuízo em virtude das fraudes perpetradas, tanto que, como o próprio apelante Paulo mencionou em suas razões recursais, a Carbomix chegou a ajuizar, perante a Seção Judiciária de Brasília/DF, uma ação anulatória de débito contra o DNC na tentativa de obstar a cobrança dos valores indevidamente ressarcidos por conta dos ilícitos apurados nestes autos.


Entretanto, como era de se esperar, a referida ação foi julgada improcedente em primeiro grau de jurisdição e a sentença foi confirmada na apelação julgada pelo E. Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, em acórdão assim ementado (negritei):


ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA. NULIDADE INOCORRÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. DISTRIBUIDORA DE ÁLCOOL ETÍLICO HIDRATADO. FRETE DE UNIFORMIZAÇÃO DE PREÇOS DE ÁLCOOL. SUBSÍDIO. RECEBIMENTO. AUDITORIA. CONSTATAÇÃO DE IRREGULARIDADE. COMBUSTÍVEL ADQUIRIDO DE DISTRIBUIDORA CONGÊNERE E NÃO DE UNIDADE PRODUTORA. CONSTATAÇÃO DE INIDONEIDADE DOS DOCUMENTOS DE AQUISIÇÃO E VENDA. NOTAS FISCAIS. ANULAÇÃO DO ATO DE RESSARCIMENTO. DEVOLUÇÃO. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1. Sentença. Ausência de nulidade. As razões que conduziram a conclusão da sentença são harmônicas para afirmar a improcedência de ambos os pedidos, na medida em que restou explicitada a ausência do direito à percepção de recursos decorrentes do Frete de Uniformização de Preços do Álcool - FUPA, independentemente do período pretendido, tendo em vista o não atendimento dos requisitos legais, pela postulante. 2. Quanto ao mérito, reitera a apelante o direito à percepção de recursos decorrentes do Frete de Uniformização de Preços do Álcool- FUPA, postulando seja declarado o direito de receber pelo álcool comercializado nos meses de março, abril e maio/95, bem como a declaração de nulidade do ato que a notificou para restituir o valor recebido pela comercialização de álcool nos meses de junho a setembro. 3. O objeto de controvérsia nestes autos refere-se ao pagamento de compensação financeira decorrente da distribuição e comercialização de álcool etílico hidratado, através de recursos geridos pelo Conselho Nacional do Petróleo, instituído pela Resolução CNP, n. 18, de 11.12.1984 - FUPA - Frete de Uniformização de Preços de Álcool. 4. Após haver efetuado em favor da autora o pagamento de R$ 922.143,13, pela comercialização de álcool etílico hidratado no período entre junho e setembro de 1.995, por ressarcimento a título de Frete de Uniformização de Preço de Álcool, o Departamento Nacional de Combustíveis - DNC, fundado em fatos indicativos de que aquele valor fora pago indevidamente, determinou a abertura de auditoria com o objetivo de aferir acerca da legalidade do pagamento. 5. Ausência do direito aos recursos do FUPA, porque o álcool comercializado fora adquirido de outra distribuidora - A MERCOIL DISTRIBUIDORA DE PETRÓLEO LTDA, ao passo que somente caberia o ressarcimento para combustível adquirido de produtor (PT MME 63/95. Consoante se verifica pelo documento de fls. 79/89, informado ela Autora do DNC, e referente às notas fiscais de aquisição e venda de álcool, tem-se registrado que entre 27/02/1995 e 01/09/1995, as aquisições do combustível - álcool etílico hidratado - comercializado e em razão de cujo fato ocorreu o pagamento do FUPA-Frete de Uniformização de Preços de Álcool, teve por fornecedor MERCOIL DISTRIBUIDORA DE PETRÓLEO LTDA. Contudo, por documento de fls. 117, encaminhado pela MERCOIL, ao DNC, quando por este instada a se pronunciar, relatou que não forneceu combustível àquela empresa. 6. Sob outro aspecto, por documentos de fls. 284, 287, 289 e 292, as empresas: Auto Posto Massucato Ltda; Auto Posto Serrano Ltda; Auto Posto Imperial C. Lange Ltda; Auto Posto Bonesso Ltda; relacionadas como assíduas adquirentes de álcool comercializado pela autora, nos termos de notas fiscais que apresentou ao DNC (fls. 46/78) negaram a ocorrência da operação comercial informada. Fato que também deixa evidente que a venda do combustível, informada para instruir o pedido de ressarcimento do FUPA-Frete de Uniformização de Preços de Álcool, também não restou corroborada. 7. Contexto fático não infirmado pela autora que dispensou dilação probatória, quando oportunizada a fazê-lo. Contexto que há um só tempo em que não desnatura a presunção de legitimidade do ato que concluiu pela ilegalidade do pagamento de FUPA-Frete de Uniformização de Preços de Álcool, à autora, no valor de R$ 992.143,13, reafirma a juridicidade do ato que determinou a restituição do respectivo valor. 8. Apelação improvida.
(AC 0011930-40.1997.4.01.3400/ DF, Rel. Itelmar Raydan Evangelista, Sexta Turma Suplementa, e-DJF1 p.319 de 28.08.2013).

Nessa ordem de ideias, não restam dúvidas acerca da materialidade da conduta delitiva apurada nos presentes autos, mesmo porque a conclusão exarada no relatório de diligência fiscal às fls. 2.575/2.581, atesta apenas formalmente a existência das operações envolvendo a aquisição e a venda de álcool combustível pela Carbomix, mas não se prestam a demonstrar que tais operações efetivamente existiram, máxime diante dos indícios em sentido contrário apurados pelo próprio DNC.


De seu turno, também a responsabilidade de Paulo pelo ilícito é igualmente incontestável.


Com efeito, extrai-se dos autos, que, durante o período decorrido entre o deferimento do registro de distribuidor (08.11.94) e a sua anulação (19.03.96), o DNC requereu o envio de cópia do contrato social da Carbomix, o que só foi atendido em sede policial, ocasião em que foi apresentada a alteração de contrato social datada de 21.10.94 e levada a registro em 08.11.94, em que se pactuou a retirada do acusado Paulo e seu pai (Paulo Franco Marcondes) da sociedade mediante a transferência da totalidade das quotas aos corréus Valdomiro e Francisco pela ínfima quantia de R$18,18 (dezoito reais e dezoito centavos) (cf. fls. 155/158).


Apesar de terem permanecido revéis, não tendo comparecido em juízo para prestar depoimento, certo é que, nas declarações de rendimentos apresentadas à Secretaria da Receita Federal, Francisco e Valdomiro informaram perceberem rendimentos unicamente de pessoas físicas e que tinham como bens apenas 50% (cinquenta) cotas do capital social da Carbomix (cf. fls. 2.665 e fls. 2.684/2.701).


A toda evidência, tais fatos demonstram a existência de patente simulação, porquanto a transferência da sociedade do apelante Paulo e de seu pai para os acusados Valdomiro e Francisco por módicos R$ 18,18 indica que, embora travestidos de empresários adquirentes da Carbomix, Valdomiro e Francisco funcionaram como "laranjas" de Paulo, que, de fato, continuou a administrar a Carbomix, perpetrando as ilicitudes materializadas nestes autos.


A simulação subjacente à transferência das cotas sociais da Carbomix de Paulo e seu pai para Francisco e Valdomiro também não passou despercebida aos funcionários do DNC que apuraram, no âmbito administrativo, as fraudes perseguidas nestes autos.


Com efeito, a testemunha de acusação Geraldo Magela Dutra, funcionário da Secretaria de Controle Interno do Ministério de Minas e Energia que participou dos trabalhos de auditoria operacional envolvendo a Carbomix, declarou em juízo que: "(...) pelo que se recorda, tratava-se de empresa fantasma, registrada em nome de laranjas e que não realizou efetivamente as operações de transporte de combustível que teriam ensejado o ressarcimento de frete (...); não conhece qualquer dos réus; que sabe da existência de uma alteração no quadro social da empresa CARBOMIX, para o fim de fazer constar como sócio da empresa uma pessoa idosa, que constatou-se ser mero laranja" (fls. 2.946/2.947 - sublinhei).


Por tais fatos, inegável a responsabilidade de Paulo pelo estelionato cometido pela Carbomix em detrimento do DNC, notadamente quando o apelante em referência também figurava como sócio da Pollus (cf. fls. 2.549/2.559), com quem a Carbomix tinha um contrato de tancagem de combustível, contrato esse que, na dinâmica das fraudes perpetradas, teve fundamental importância para o ressarcimento dos supostos valores despendidos a título de frete.


Ademais disso, é bom que se frise que, tal como se extrai do testemunho de João Carlos Maldini Quijano (fls. 2.986/2.987), a Pollus também esteve envolvida em fraudes semelhantes àquelas perpetradas pela Carbomix, demonstrando que DNC era vítima contumaz das empresas geridas por Paulo.


3.2 - Dosimetria das penas


Sendo o caso de ser mantida a condenação de Paulo, não merece prosperar o pleito atinente à aplicação do princípio da consunção dos delitos previstos nos arts. 299 e 304 do Código Penal ao estelionato (art. 171, do Código Penal).


Isso porque, como ressaltado nas contrarrazões de apelação (fls. 3.386/3.387), a sentença apelada condenou Paulo apenas pelo delito previsto no art. 171, § 3.º, do Código Penal, em continuidade delitiva (art. 71, do Código Penal), o que inviabiliza, por completo, o exame do pleito em questão.


Ainda no que diz respeito a dosimetria da pena, a defesa do apelante Paulo postula a redução da pena-base para o mínimo legal. No seu entender, seria tecnicamente primário, de modo que faria jus ao menor apenamento previsto em lei.


A teor do que estatui a Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça ("É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base"), simples apontamentos de registros criminais, inquéritos policiais ou processos em andamento ou arquivados, não podem ser considerados para exacerbar a pena-base sob a pecha de maus antecedentes.


Entretanto, ainda que abstraíssem os maus antecedentes de Paulo -indevidamente valorados pelo juízo sentenciante -, o outro fundamento apontado para o aumento da pena-base, qual seja, a sua intensa culpabilidade em face da "maior reprovabilidade (...) de sua participação gerencial nas duas empresas de distribuição envolvidas nos fatos, o que indica ter sido o mentor intelectual das práticas delitivas" (fls. 3.319), por si só, justifica a majoração empreendida, de modo que é de ser mantida a sanção-base no quantum de 2 (dois) anos de reclusão e 20 (vinte) dias-multa.


Deveras, conforme cediço, "O réu, ainda que primário e de bons antecedentes, não tem direito subjetivo à fixação da pena-base em seu mínimo legal" (STF - HC 69598, Celso de Mello, Primeira Turma, j. 17.11.92; TRF4 - EDACR 13383720064013200, Hilton Queiroz, Quarta Turma, e-DJF1 de 07.12.2012, p. 553).


Nada obstante, cumpre ressaltar ainda que, ao contrário do que sustentou o embargante, "o Código Penal não atribui peso a nenhuma das circunstâncias estatuídas no art. 59, [de modo que] elas devem ser reputadas como equivalentes" (TRF5 - ACR 200682000079236, Raimundo Alves de Campos Jr., Terceira Turma, DJE de 11.02.2014, p. 342), sendo lícito concluir, pois, que cada uma delas, se valorada negativamente, constitui fundamento suficiente para a exasperação da pena-base.


Sem dúvida, tal como ressaltou o Exmo. Min. Jorge Mussi, do Superior Tribunal de Justiça, em voto vista proferido no HC 169.813-GO, "a ponderação das circunstâncias judiciais não é uma operação aritmética, em que se daria pesos absolutos a cada uma delas, a serem extraídas de cálculo matemático levando-se em conta as penas máxima e mínima cominadas ao delito, mas um exercício de discricionariedade vinculada, que impõe ao magistrado apontar motivadamente os fundamentos da consideração positiva, negativa ou neutra das circunstâncias judiciais" (sublinhei).


Quanto aos demais termos, as penas fixadas ao apelante Paulo pela decisão recorrida hão de ser mantidas nos moldes em que cominadas, uma vez que fixadas conforme os parâmetros legais e jurisprudenciais, tanto que nem a acusação nem a defesa se insurgiram em relação às ulteriores fases da dosimetria penal, tampouco questionaram o regime inicial de cumprimento da pena (aberto) e as penas restritivas de direitos aplicadas em substituição à sanção privativa de liberdade (duas prestações pecuniárias no valor de R$ 50.000,00).


4- Dispositivo


Diante do exposto: NÃO CONHEÇO do apelo interposto pela defesa de Valdomiro e Francisco por falta de interesse recursal e NEGO PROVIMENTO à apelação interposta por Paulo, ratificando integralmente a sentença apelada.


É como voto.



PAULO FONTES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): Paulo Gustavo Guedes Fontes:10067
Nº de Série do Certificado: 55DD429704881053FA1DF33F8C7D3FAA
Data e Hora: 13/08/2015 13:50:36