Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 20/08/2015
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0014810-32.2013.4.03.6134/SP
2013.61.34.014810-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : GILSON ADRIANO ANDRADE
ADVOGADO : SP104273B LEANDRO ROGERIO CHAVES e outro
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00148103220134036134 1 Vr AMERICANA/SP

EMENTA

PENAL. LEI N. 8.137/90, ART. 1°, I. PRELIMINARES. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. DOSIMETRIA. SUBSTITUIÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE PELO FORNECIMENTO DE CESTAS BÁSICAS.
1. É prescindível o exame pericial, quando, em razão das peculiaridades do caso, for possível atestar a ocorrência do delito por outros elementos.
2. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial Representativo de Controvérsia n. 1.134.665/SP, firmou o entendimento de que é lícito ao Fisco receber informações sobre a movimentação bancária dos contribuintes sem a necessidade de prévia autorização judicial, desde que seja resguardado o sigilo das informações, a teor do art. 1º, § 3º, VI, c. c. o art. 5º, caput, da Lei Complementar n. 105/01, c. c. o art. 11, §§ 2º e 3º, da Lei n. 9.311/96.
3. A controvérsia cinge-se ao emprego dessa prova para fins de instrução de processo-crime, pois há entendimento tanto no sentido de que para isso seria imprescindível decisão judicial para a quebra do sigilo bancário (STJ, HC n. 243.034, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 26.08.14, AGRESP n. 201300982789, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 19.08.14, RHC n. 201303405552, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 11.02.14), quanto no sentido de que, tendo sido a prova produzida validamente no âmbito administrativo, não há como invalidá-la posteriormente. Filio-me a esse entendimento, dado não se conceber nulidade a posteriori: a autoridade fiscal tem o dever jurídico (vinculado) de, ao concluir o lançamento de crédito constituído em decorrência de crime fiscal, proceder à respectiva comunicação ao Ministério Público para a propositura de ação penal. Não se compreende como, ao assim fazer, acabe por inviabilizar a persecutio criminis (STJ, HC n. 281.588, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 17.12.13; HC n. 48.059, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 12.06.06).
4. Resta confirmada a validade da aplicação imediata da Lei Complementar n. 105/01 em relação a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência, pois se trata de norma caráter procedimental (STJ, HC n. 118.849, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, j. 07.08.12).
5. Materialidade, autoria e dolo comprovados.
6. Não merece provimento o recurso da defesa para a alteração da prestação de serviços à comunidade pelo fornecimento de 4 (quatro) cestas básicas mensais a entidade designada pelo Juízo das Execuções Criminais, tendo em vista que não foi demonstrada a real necessidade dessa medida, considerando que nada há nos autos que indique que o réu se desloque com frequência para outros municípios para realizar vendas.
7. Desprovido o recurso de apelação da defesa.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso de apelação da defesa do acusado Gilson Adriano Andrade, mantendo-se integralmente a sentença recorrida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 10 de agosto de 2015.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0014810-32.2013.4.03.6134/SP
2013.61.34.014810-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : GILSON ADRIANO ANDRADE
ADVOGADO : SP104273B LEANDRO ROGERIO CHAVES e outro
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No. ORIG. : 00148103220134036134 1 Vr AMERICANA/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por Gilson Adriano Andrade contra a sentença que o condenou a 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, pela prática do delito do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, à razão de 1 (uma) hora de tarefa por dia de condenação, e na prestação pecuniária de R$ 2.000,00 (dois mil reais), conforme definido pelo Juízo das Execuções Criminais (fls. 177/180).
Recorre com os seguintes argumentos:
- Preliminarmente:
a) há cerceamento de defesa no indeferimento, desde a fase administrativa até a fase judicial, da prova requerida pelo apelante para que "fosse solicitado às instituições financeiras que informassem quem foi o titular do cartão que fez a compra bem como onde e de que forma a compra foi feita" (sic, destaques originais, fl. 193), bem como para que fosse determinada perícia nos lançamentos informados, de modo a excluir a ocorrência de alguma fraude;
b) são ilegais as provas obtidas pelo Fisco diretamente das operadoras de cartão de crédito sem prévia autorização judicial e antes de iniciado o processo administrativo-fiscal, sendo imprestáveis para fundamentar a persecução penal contra o apelante;
- No Mérito:
c) impõe-se a absolvição do apelante, considerando que o decreto condenatório encontra-se fundado em provas ilegais;
d) requer-se a substituição da pena restritiva de direitos de prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, à razão de 1 (uma) hora de tarefa por dia de condenação, pela prestação de 4 (quatro) cestas básicas mensais a entidade designada pelo Juízo das Execuções Criminais, o que possibilita o exercício do trabalho de vendedor ambulante pelo apelante, considerando que, para tanto, necessita ausentar-se com frequência do município (fls. 191/208).
O Ministério Público Federal apresentou contrarrazões (fls. 207/213).
O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Álvaro Luiz de Mattos Stipp, manifestou-se pelo desprovimento do recurso de apelação (fls. 217/223).
Os autos foram encaminhados à revisão, nos termos regimentais.
É o relatório.

Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0014810-32.2013.4.03.6134/SP
2013.61.34.014810-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : GILSON ADRIANO ANDRADE
ADVOGADO : SP104273B LEANDRO ROGERIO CHAVES e outro
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00148103220134036134 1 Vr AMERICANA/SP

VOTO

Imputação. Gilson Adriano Andrade foi denunciado pela prática do delito do art. 1°, I, da Lei n. 8.137/90 porque, na condição de administrador responsável pela Gilson Adriano Andrade Enxovais - ME, suprimiu e reduziu tributos federais mediante omissão ao Fisco das receitas auferidas pela empresa na comercialização de seus produtos com cartões de crédito e de débito nas Declarações Anuais do Simples Nacional, nos anos-calendário de 2008, 2009 e 2010.
Relata a denúncia que os fatos foram apurados no âmbito do Processo Administrativo-Fiscal n. 13888.723.833/2012-06, em que, apreciadas as Declarações de Operações com Cartões de Crédito -DECRED regularmente apresentadas, detectou-se que a empresa auferiu valores significativamente superiores aos declarados, no período abrangido pela fiscalização.
Descreve que foram lavrados autos de infração, sendo apurado o crédito tributário total de R$ 1.617.798,01 (um milhão, seiscentos e dezessete mil, setecentos e noventa e oito reais e um centavo), da seguinte forma:

Tributo Valor  Juros de Mora  Multa  Crédito Apurado  Fls. (Apenso I) 
IRPJ/   SIMPLES  R$ 152.750,15 R$ 39.829,71 R$ 229.125,20 R$ 421.705,06   637/652
PIS/   SIMPLES  R$ 59.222,38 R$ 16.430,09 R$ 88.833,49 R$ 164.485,96   653/666
COFINS/   SIMPLES  R$ 273.334,80 R$ 75.832,12 R$ 410.002,10 R$ 759.169,02   667/680
CSLL/   SIMPLES  R$ 98.400,53 R$ 26.436,68 R$ 147.600,76 R$ 272.437,97   681/694

De acordo com a denúncia, não houve impugnação, ou pagamento do crédito tributário, que se encontra definitivamente constituído (fls. 44/48).
Preliminar. Cerceamento de defesa. A defesa alega que há cerceamento de defesa no indeferimento, desde a fase administrativa até a fase judicial, da prova requerida pelo apelante para que "fosse solicitado às instituições financeiras que informassem quem foi o titular do cartão que fez a compra bem como onde e de que forma a compra foi feita" (sic, destaques originais, fl. 193), bem como para que fosse determinada perícia nos lançamentos informados, de modo a excluir a ocorrência de alguma fraude.
Tal argumento não merece prevalecer.
O MM. Magistrado a quo asseverou que:

Embora a defesa tenha alegado que deveria haver uma investigação quanto à origem dos valores descritos na relação apresentada pelas operadoras de cartão de crédito, tenho que seu pedido não restou lastreado por elementos aptos a justificar tal medida. O acusado não apresentou quaisquer indícios que pudessem apontar eventual fraude nos cartões de crédito que operava, alegando, apenas, de maneira genérica, que são apuradas várias fraudes com cartão de crédito que no cotidano.
Note-se que, em casos como o dos autos, ao réu cabe o ônus da prova de sua tese defensiva, na linha do que dispõe o art. 156, caput, do Código de Processo Penal. (fls. 177v./178)

É prescindível o exame pericial, quando, em razão das peculiaridades do caso, for possível atestar a ocorrência do delito por outros elementos.

Extrai-se das declarações do réu que sua microempresa recebeu muitos pagamentos com cartão de crédito pelas vendas de seus produtos e mantinha controles internos dessas operações (fls. 16/17 e 151 e mídia à fl. 152).

Nota-se que a defesa alega, genericamente, a possibilidade de ocorrência de fraude pelo elevado volume de vendas detectado nas informações das operadoras de cartão de crédito, tendo em vista que o réu não soube explicar a discrepância entre a receita real da empresa e a receita declarada nos anos de 2008 a 2010.

É sintomático que, durante o processo fiscalizatório, a empresa não tenha apresentado os livros e os talonários fiscais do período fiscalizado, nem esclareceu os valores dos repasses recebidos na conta bancária da pessoa jurídica, limitando-se a apresentar a ficha cadastral da JUCESP emitida pela internet (fls. 6/8, Apenso I).

Não se constata o prejuízo lamentado pela defesa.

Nesse mesmo sentido é o parecer do Ilustre Procurador Regional da República (fls. 219v./222).

Preliminar que se rejeita.

Preliminar. Sigilo bancário. Processo administrativo. Quebra. Admissibilidade. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial Representativo de Controvérsia n. 1.134.665/SP, firmou o entendimento de que é lícito ao Fisco receber informações sobre a movimentação bancária dos contribuintes sem a necessidade de prévia autorização judicial, desde que seja resguardado o sigilo das informações, a teor do art. 1º, § 3º, VI, c. c. o art. 5º, caput, da Lei Complementar n. 105/01, c. c. o art. 11, §§ 2º e 3º, da Lei n. 9.311/96:
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS REFERENTES A FATOS IMPONÍVEIS ANTERIORES À VIGÊNCIA DA LEI COMPLEMENTAR 105/2001. APLICAÇÃO IMEDIATA. ARTIGO 144, § 1º, DO CTN. EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE.
1. A quebra do sigilo bancário sem prévia autorização judicial, para fins de constituição de crédito tributário não extinto, é autorizada pela Lei 8.021/90 e pela Lei Complementar 105/2001, normas procedimentais, cuja aplicação é imediata, à luz do disposto no artigo 144, § 1º, do CTN.
2. O § 1º, do artigo 38, da Lei 4.595/64 (revogado pela Lei Complementar 105/2001), autorizava a quebra de sigilo bancário, desde que em virtude de determinação judicial, sendo certo que o acesso às informações e esclarecimentos, prestados pelo Banco Central ou pelas instituições financeiras, restringir-se-iam às partes legítimas na causa e para os fins nela delineados.
3. A Lei 8.021/90 (que dispôs sobre a identificação dos contribuintes para fins fiscais), em seu artigo 8º, estabeleceu que, iniciado o procedimento fiscal para o lançamento tributário de ofício (nos casos em que constatado sinal exterior de riqueza, vale dizer, gastos incompatíveis com a renda disponível do contribuinte), a autoridade fiscal poderia solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no artigo 38, da Lei 4.595/64.
4. O § 3º, do artigo 11, da Lei 9.311/96, com a redação dada pela Lei 10.174, de 9 de janeiro de 2001, determinou que a Secretaria da Receita Federal era obrigada a resguardar o sigilo das informações financeiras relativas à CPMF, facultando sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente.
5. A Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001, revogou o artigo 38, da Lei 4.595/64, e passou a regular o sigilo das operações de instituições financeiras, preceituando que não constitui violação do dever de sigilo a prestação de informações, à Secretaria da Receita Federal, sobre as operações financeiras efetuadas pelos usuários dos serviços (artigo 1º, § 3º, inciso VI, c/c o artigo 5º, caput, da aludida lei complementar, e 1º, do Decreto 4.489/2002).
6. As informações prestadas pelas instituições financeiras (ou equiparadas) restringem-se a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados (artigo 5º, § 2º, da Lei Complementar 105/2001).
7. O artigo 6º, da lei complementar em tela, determina que: "Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.
Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária." 8. O lançamento tributário, em regra, reporta-se à data da ocorrência do fato ensejador da tributação, regendo-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada (artigo 144, caput, do CTN).
9. O artigo 144, § 1º, do Codex Tributário, dispõe que se aplica imediatamente ao lançamento tributário a legislação que, após a ocorrência do fato imponível, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros.
10. Conseqüentemente, as leis tributárias procedimentais ou formais, conducentes à constituição do crédito tributário não alcançado pela decadência, são aplicáveis a fatos pretéritos, razão pela qual a Lei 8.021/90 e a Lei Complementar 105/2001, por envergarem essa natureza, legitimam a atuação fiscalizatória/investigativa da Administração Tributária, ainda que os fatos imponíveis a serem apurados lhes sejam anteriores (Precedentes da Primeira Seção: EREsp 806.753/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 22.08.2007, DJe 01.09.2008; EREsp 726.778/PR, Rel. Ministro Castro Meira, julgado em 14.02.2007, DJ 05.03.2007; e EREsp 608.053/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 09.08.2006, DJ 04.09.2006).
11. A razoabilidade restaria violada com a adoção de tese inversa conducente à conclusão de que Administração Tributária, ciente de possível sonegação fiscal, encontrar-se-ia impedida de apurá-la.
12. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 facultou à Administração Tributária, nos termos da lei, a criação de instrumentos/mecanismos que lhe possibilitassem identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, respeitados os direitos individuais, especialmente com o escopo de conferir efetividade aos princípios da pessoalidade e da capacidade contributiva (artigo 145, § 1º).
13. Destarte, o sigilo bancário, como cediço, não tem caráter absoluto, devendo ceder ao princípio da moralidade aplicável de forma absoluta às relações de direito público e privado, devendo ser mitigado nas hipóteses em que as transações bancárias são denotadoras de ilicitude, porquanto não pode o cidadão, sob o alegado manto de garantias fundamentais, cometer ilícitos. Isto porque, conquanto o sigilo bancário seja garantido pela Constituição Federal como direito fundamental, não o é para preservar a intimidade das pessoas no afã de encobrir ilícitos.
14. O suposto direito adquirido de obstar a fiscalização tributária não subsiste frente ao dever vinculativo de a autoridade fiscal proceder ao lançamento de crédito tributário não extinto.
15. In casu, a autoridade fiscal pretende utilizar-se de dados da CPMF para apuração do imposto de renda relativo ao ano de 1998, tendo sido instaurado procedimento administrativo, razão pela qual merece reforma o acórdão regional.
16. O Supremo Tribunal Federal, em 22.10.2009, reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário 601.314/SP, cujo thema iudicandum restou assim identificado: "Fornecimento de informações sobre movimentação bancária de contribuintes, pelas instituições financeiras, diretamente ao Fisco por meio de procedimento administrativo, sem a prévia autorização judicial. Art. 6º da Lei Complementar 105/2001." 17. O reconhecimento da repercussão geral pelo STF, com fulcro no artigo 543-B, do CPC, não tem o condão, em regra, de sobrestar o julgamento dos recursos especiais pertinentes.
18. Os artigos 543-A e 543-B, do CPC, asseguram o sobrestamento de eventual recurso extraordinário, interposto contra acórdão proferido pelo STJ ou por outros tribunais, que verse sobre a controvérsia de índole constitucional cuja repercussão geral tenha sido reconhecida pela Excelsa Corte (Precedentes do STJ: AgRg nos EREsp 863.702/RN, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 13.05.2009, DJe 27.05.2009; AgRg no Ag 1.087.650/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 18.08.2009, DJe 31.08.2009; AgRg no REsp 1.078.878/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 18.06.2009, DJe 06.08.2009; AgRg no REsp 1.084.194/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 05.02.2009, DJe 26.02.2009; EDcl no AgRg nos EDcl no AgRg no REsp 805.223/RS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 04.11.2008, DJe 24.11.2008; EDcl no AgRg no REsp 950.637/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 13.05.2008, DJe 21.05.2008; e AgRg nos EDcl no REsp 970.580/RN, Rel.
Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 05.06.2008, DJe 29.09.2008).
19. Destarte, o sobrestamento do feito, ante o reconhecimento da repercussão geral do thema iudicandum, configura questão a ser apreciada tão somente no momento do exame de admissibilidade do apelo dirigido ao Pretório Excelso.
20. Recurso especial da Fazenda Nacional provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.
(STJ, REsp n. 1134665, Rel. Min. Luiz Fux, j. 25.11.09, para fins do art. 543-C do CPC)

A controvérsia cinge-se ao emprego dessa prova para fins de instrução de processo-crime, pois há entendimento tanto no sentido de que para isso seria imprescindível decisão judicial para a quebra do sigilo bancário (STJ, HC n. 243.034, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 26.08.14, AGRESP n. 201300982789, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 19.08.14, RHC n. 201303405552, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 11.02.14), quanto no sentido de que, tendo sido a prova produzida validamente no âmbito administrativo, não há como invalidá-la posteriormente. Filio-me a esse entendimento, dado não se conceber nulidade a posteriori: a autoridade fiscal tem o dever jurídico (vinculado) de, ao concluir o lançamento de crédito constituído em decorrência de crime fiscal, proceder à respectiva comunicação ao Ministério Público para a propositura de ação penal. Não se compreende como, ao assim fazer, acabe por inviabilizar a persecutio criminis:


HABEAS CORPUS (...). QUADRILHA E CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ARTIGO 288 DO CÓDIGO PENAL E ARTIGO 1º, INCISOS I E II, DA LEI 8.137/1990). ALEGADA NULIDADE DA AÇÃO PENAL. PROCESSO CRIMINAL QUE TERIA SIDO DEFLAGRADO A PARTIR DE PROVAS ILÍCITAS. AVENTADA IMPOSSIBILIDADE DE QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. LEI COMPLEMENTAR 105/2001. PERMISSÃO DE FORNECIMENTO DE INFORMAÇÕES PELAS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS DIRETAMENTE À RECEITA FEDERAL. NORMA NÃO DECLARADA INCONSTITUCIONAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO.
1. O Supremo Tribunal, nos autos do RE 601.314/SP reconheceu a repercussão geral do tema referente à possibilidade de as instituições financeiras fornecerem, diretamente ao Fisco, informações sobre a movimentação bancária dos contribuintes.
2. Todavia, esta Corte Superior de Justiça firmou entendimento no sentido de que o reconhecimento de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal não enseja o sobrestamento dos recursos especiais e ações em trâmite neste Sodalício.
3. O trancamento de ação penal ou de inquérito policial em sede de habeas corpus é medida excepcional, só admitida quando restar provada, inequivocamente, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito.
4. A 1ª Seção desta Corte Superior de Justiça, no julgamento do REsp 1.134.655/SP, submetido ao rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil, consolidou o entendimento de que a quebra do sigilo bancário sem prévia autorização judicial, para fins de constituição de crédito tributário é autorizada pela Lei 8.021/1990 e pela Lei Complementar 105/2001, normas procedimentais cuja aplicação é imediata.
5. No caso dos autos, não se vislumbra qualquer ilegalidade no procedimento adotado pela autoridade fiscal que, com base nas normas legais vigentes, solicitou as informações que os investigados não prestaram diretamente às instituições financeiras, a despeito de terem sido para tanto intimados.
6. Habeas corpus não conhecido.
(STJ, HC n. 281.588, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 17.12.13)
CRIMINAL. HC. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. DENÚNCIA BASEADA EM PROVAS ILÍCITAS. INOCORRÊNCIA. LEI COMPLEMENTAR N.º 105/2001. RETROATIVIDADE. DADOS BANCÁRIOS COLHIDOS PELA AUTORIDADE FISCAL. UTILIZAÇÃO NA SEARA PENAL. POSSIBILIDADE. APRESENTAÇÃO DOS EXTRATOS PELO PRÓPRIO RÉU. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL NÃO EVIDENCIADA. LEI COMPLEMENTAR N.º 105/2001. INCONSTITUCIONALIDADE. QUESTÃO NÃO ANALISADA PELO TRIBUNAL A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E DENEGADA.
No campo tributário, esta Corte tem se orientado pela possibilidade de retroação do art. 6º da Lei Complementar n.º 105/2001 para atingir fatos geradores verificados anteriormente à sua vigência.
Precedentes da Primeira e Segunda Turmas.
Não havendo, a princípio, qualquer ilegalidade no procedimento adotado pelo fisco, nada impede que os resultados das diligências sejam encaminhados ao representante do Ministério Público Federal, o qual, visualizando possível incursão do paciente no tipo previsto no art. 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137/90, busque a melhor averiguação dos fatos.
Se a conduta do acusado, consolidada ainda entre os anos de 1997 e 2000, já constituída, à época, suposto crime, o conhecimento posterior desse fato pelo Parquet, em decorrência de atividade legalmente autorizada à fiscalização tributária, não pode ser considerado ilícito, a inquinar de nulidade todas as provas posteriores e inviabilizar a investigação policial.
Descabido o argumento de impossibilidade de os dados fiscais do indiciado serem encaminhados ao Ministério Público, pois resta evidenciado que o próprio acusado colaborou com as investigações fiscais, apresentando os extratos bancários que, posteriormente, serviram de motivação para a constituição de crédito tributário e para a denúncia.
Se o argumento referente à inconstitucionalidade do art. 6º da Lei Complementar n.º 105/2001 não foi objeto de debate e decisão por parte de órgão colegiado do Tribunal de origem, sobressai a flagrante incompetência desta Corte para a análise desta parte da irresignação, sob pena de indevida supressão de instância.
Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, denegada.
(STJ, HC n. 48.059, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 12.06.06)

Resta confirmada a validade da aplicação imediata da Lei Complementar n. 105/01 em relação a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência, pois se trata de norma caráter procedimental:

PENAL. TRIBUTÁRIO. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. 1. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INVIABILIDADE. MEDIDA EXCEPCIONAL. 2. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES OBTIDAS A PARTIR DA ARRECADAÇÃO DA CPMF PARA A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS. ARTS. 6º DA LC 105/2001 E 11, § 3º, DA LEI Nº 9.311/1996 NA REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 10.174/2001. NORMAS DE CARÁTER PROCEDIMENTAL. APLICAÇÃO RETROATIVA. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ART. 144, § 1º, DO CTN. 3. ORDEM DENEGADA.
(...)
2. A Lei Complementar nº 105/2001 revogou expressamente o art. 38 da Lei nº 4.595/1964, que autorizava a quebra de sigilo bancário apenas por meio de requerimento judicial.
3. Com o advento da Lei nº 9.311/1996, que instituiu a CPMF, determinou-se que as instituições financeiras responsáveis pela retenção dessa contribuição prestassem informações à Secretaria da Receita Federal, especificamente, sobre a identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações efetuadas, vedando, contudo, no seu § 3º a utilização desses dados para constituição do crédito relativo a outras contribuições ou impostos.
4. Todavia a Lei nº 10.174/2001 revogou o § 3º do art. 11 da Lei n.º 9.311/1991, permitindo a utilização das informações prestadas para a instauração de procedimento administrativo-fiscal a fim de possibilitar a cobrança de eventuais créditos tributários referentes a outros tributos.
5. O art. 144, § 1º, do CTN prevê que as normas tributárias procedimentais ou formais têm aplicação imediata, ao contrário daquelas de natureza material que somente alcançariam fatos geradores ocorridos durante a sua vigência.
6. Os dispositivos que autorizam a utilização de dados da CPMF pelo Fisco para apuração de eventuais créditos tributários referentes a outros tributos são normas procedimentais e, por essa razão, não se submetem ao princípio da irretroatividade das leis, ou seja, incidem de imediato, ainda que relativas a fato gerador ocorrido antes de sua entrada em vigor. Precedentes.
7. Habeas corpus denegado.
(STJ, HC n. 118.849, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, j. 07.08.12)

Do caso dos autos. A defesa sustenta que são ilegais as provas obtidas pelo Fisco diretamente das operadoras de cartão de crédito sem prévia autorização judicial e antes de iniciado o processo administrativo-fiscal, sendo imprestáveis para fundamentar a persecução penal contra o réu.
Não lhe assiste razão.
A Lei Complementar n. 105/2001 prevê que, recebidas as informações de ilícito fiscal, as autoridades fazendárias poderão requisitar às instituições financeiras, consideradas como tais as administradoras de cartões de crédito (art. 1º, VI), as informações e os documentos de que necessitar, sem prévia autorização judicial, e desde que haja procedimento fiscal em curso (art. 5º, § 4º e art. 6º), daí decorrendo o dever jurídico (vinculado) de, ao concluir o lançamento de crédito constituído em decorrência de crime fiscal, proceder à respectiva comunicação ao Ministério Público.
De acordo com a Representação Fiscal para Fins Penais, as operadoras de cartões de crédito apresentaram regularmente Declarações de Operações com Cartões de Crédito - DECRED às autoridades fazendárias, o que lhes permitiu a detecção da percepção, pela Gilson Adriano Andrade Enxovais ME, administrada pelo réu, de valores significativamente superiores aos informados nas Declarações Anuais do Simples Nacional, no período compreendido entre 2008 e 2010, dando-se início à ação fiscal, sendo a empresa contribuinte intimada e reintimada a fornecer documentos para instrução da fiscalização.
Consta que, no curso da ação fiscal, as Requisições de Informações sobre Movimentação Financeira foram expedidas àquelas operadoras de cartões de crédito em razão de a empresa contribuinte não ter fornecido livros a que estava obrigada e documentos relacionados à movimentação financeira necessários à instrução do procedimento fiscalizatório, considerada a notável disparidade entre a receita declarada e os repasses efetuados pelas vendas com cartões de crédito e débito constantes nas Declarações de Operações com Cartão de Crédito - DECRED (fls. 70/77, Apenso I). Após o envio dos relatórios dos repasses efetuados por tais operadoras na conta-corrente da pessoa jurídica, outros documentos foram solicitados da empresa contribuinte, que permaneceu inerte, sendo efetuado o lançamento do crédito tributário de ofício com base no lucro arbitrado.
Verificando-se que "no período de três anos verificados, a Gilson Adriano Andrade Enxovais - ME, sistematicamente e reiteradamente, lançou mensalmente em sua Declaração do Simples Nacional valores de receita bruta em média equivalentes a 15% dos valores da receita auferida" (fl. 8, Apenso I) e, portanto, evidenciada a existência de indícios de crime contra a ordem tributária, as autoridades fazendárias procederam às comunicações devidas (fls. 2/21, Apenso I).
Sendo assim, não entrevejo ilicitude nas comunicações efetuadas pelas operadoras de cartões de crédito à Receita Federal, tampouco no encaminhamento, pela Receita Federal, da Representação Fiscal para Fins Penais à Procuradoria da República.
Ademais, o MM. Magistrado a quo ponderou que não houve lesão a direito de dimensão constitucional:

Também não há que se falar em nulidade da prova, referente às declarações prestadas pelas operadoras de cartões de crédito, em razão de quebra de sigilo fiscal ou bancário, conforme também sustentado pela defesa, uma vez que as informações obtidas pela Fazenda decorreram de obrigação legal das administradoras dos cartões, a teor do artigo 5º, § 1º, XIII, da Lei Complementar nº 105/01.
Ademais, os dados obtidos pela administração se resumiram em ter acesso aos valores arrecadados pela empresa em operações com cartão de crédito e débito, sendo relatadas apenas as importâncias recebidas, sem a identificação das pessoas que fizeram os pagamentos. Apuraram-se, tão-somente, os valores que a empresa recebeu de clientes, ou seja, o faturamento. Assim, não houve lesão a direito de dimensão constitucional, de natureza invocada pela defesa do réu, em relação ao procedimento administrativo que apurou a sonegação fiscal. (fl. 178)

Nesse mesmo sentido é o parecer do Ilustre Procurador Regional da República (fls. 219v./222).

Preliminar que se rejeita.
Materialidade. A materialidade delitiva extrai-se do Processo Administrativo-Fiscal n. 13888.723.833/2012-06 e encontra-se satisfatoriamente comprovada, por intermédio dos seguintes documentos:

a) Representação Fiscal para Fins Penais (fls. 2/21, Apenso I);

b) Despacho Decisório da Secretaria da Receita Federal do Brasil que ratificou a Representação Fiscal, excluindo a Gilson Adriano Andrade Enxovais - ME do Simples Nacional, sendo o desenquadramento motivado pelo fato de a microempresa ter extrapolado os limites de receitas que autorizam a permanência no sistema, entre os anos de 2008 e 2010, determinada a emissão de Ato declaratório de exclusão do Simples Nacional com efeitos a partir de 01.01.08 (fls. 24/29, Apenso I);

c) Termo de Constatação Fiscal (fls. 38/39, Apenso I);

d) Ficha cadastral completa da Gilson Adriano Andrade Enxovais - ME na Junta Comercial de São Paulo (SP) (fls. 41/42, Apenso I);

e) Declaração Anual do Simples Nacional da Gilson Adriano Andrade Enxovais -ME dos anos-calendário 2008 a 2010 (fls. 51/69, Apenso I);

f) Relatórios mensais das operadoras de cartão de crédito Cielo S.A., Redecard S.A., Hipercard Banco Múltiplo S.A. e Banco Bankpar S.A. (fls. 79/578, Apenso I);

g) cópia do contrato celebrado entre a Gilson Adriano Andrade Enxovais - ME e a operadora Bankpar (fls. 7 e 126, Apenso I);

h) Termo de Verificação e Constatação Fiscal (fls. 618/636, Apenso I);

i) Demonstrativos de apuração, Demonstrativos de multa e juros de mora, Autos de Infração e Demonstrativo consolidado do crédito tributário do processo (fls. 637/694 e 698, Apenso I);

j) Termo de Encerramento, com data de 19.10.12 (fl. 695, Apenso I);

k) informação sobre o não pagamento do crédito tributário, dentro do prazo regulamentar, e a inscrição em Dívida Ativa da União, com proposta de envio do processo administrativo ao Ministério Público Federal (fl. 706, Apenso I);

l) ofícios da Procuradoria da Fazenda Nacional sobre a constituição definitiva do crédito tributário controlado no Processo Administrativo-Fiscal n. 13888.723.833/2012-06 em novembro de 2012 (fls. 72/76 e 98).

Os Autos de Infração foram lavrados em nome da Raphael Henrique de Carvalho Andrade Enxovais - ME, que a autoridade fazendária entendeu como sucessora da Gilson Adriano Andrade Enxovais - ME (fls. 10/17, Apenso I).
Autoria. A autoria delitiva restou totalmente comprovada.
Gilson Adriano Andrade era proprietário e administrador da Gilson Adriano Andrade Enxovais - ME, no período abrangido pela fiscalização (2008 a 2010) (cfr. ficha cadastral completa na JUCESP, fls. 41/42, Apenso I), o que ele próprio confirmou extrajudicialmente (fl. 16).
Consta dos autos que a microempresa, constituída em 26.07.04, sob a forma de firma individual, atuava no ramo de comércio varejista de artigos de cama, mesa e banho e encontrava-se enquadrada no Simples Nacional desde 01.07.07 e durante todo o período fiscalizado. Entregou sua Declaração do Simples Nacional do ano-calendário de 2011 com informações sobre valores de receitas auferidas até março de 2011, indicando como zeradas as receitas relativas a fevereiro e março de 2011. No Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, encontra-se suspensa desde 25.04.11. No Cadastro do ICMS, consta baixa em 18.01.11. Na JUCESP, consta encerramento em 23.02.11. Foi excluída do Simples Nacional em decorrência do procedimento fiscal instaurado que subsidia a presente ação penal que possibilitou verificar que extrapolou os limites de receitas que autorizam a permanência no sistema entre os anos de 2008 e 2010, com efeitos a partir de 01.01.08 (fls. 3/5, 24/29 e 41/42, Apenso I).
Consta também que, no dia 24.01.11, foi cadastrada no CNPJ a firma individual Raphael Henrique de Carvalho Andrade Enxovais - ME, com mesmo endereço e ramo de comércio da Gilson Adriano Andrade - ME, com empregada e contadora em comum, sendo seu titular o filho do réu, concluindo a fiscalização reconhecê-la como sucessora da Gilson Adriano Andrade - ME (fls. 10/17, Apenso I).
Não obstante o reconhecimento da sucessão, o Ministério Público Federal esclareceu que Gilson Adriano de Andrade é o único responsável pela prática do delito de sonegação fiscal:

Embora a Receita Federal do Brasil tenha constatado a sucessão entre as empresas (firmas individuais, em verdade) do denunciado e do nominado, seu filho, na forma do artigo 133 do Código Tributário Nacional, tornando solidária a obrigação de pagamento do débito apurado, para efeitos criminais importa a definição do responsável pelo pagamento do tributo na data do correspondente fato gerador. Considerando-se que GILSON ADRIANO DE ANDRADE era o titular da firma individual autuada e que o débito lançado refere-se a período em que a mesma se encontrava ativa, aliado ao fato de que a firma individual "Raphael Henrique de Carvalho Andrade Enxovais - ME" foi aberta somente no ano de 2011, tem-se que apenas o denunciado deve responder pela prática do crime de sonegação fiscal tratado nestes autos, sendo subjetiva a responsabilidade penal. (fl. 39)

É certa a responsabilidade exclusiva do réu pela Gilson Adriano Andrade Enxovais - ME, no período compreendido entre 2008 e 2010, tendo ele admitido extrajudicialmente que seu filho Raphael Henrique de Carvalho Andrade não teve qualquer participação nos negócios da sua empresa, tendo constituído empresa própria em janeiro de 2011, no mesmo ramo de atividade comercial (fls. 16/17), o que também foi corroborado pelo depoimento policial de Raphael (fl. 19) e pelas declarações judiciais do Auditor Clério Heber Borges da Silva (fl. 138 e mídia à fl. 139).
Em que pese o réu tenha afirmado judicialmente que a gestão da Gilson Adriano Andrade Enxovais - ME competia a ele e também a sua empregada Karina Rodrigues Dias, incumbida da movimentação da conta bancária da pessoa jurídica que recebia os repasses das operadoras de cartão de crédito, assinando cheques e realizando pagamentos (fl. 151 e mídia à fl. 152), é nítida sua intenção de eximir-se da responsabilidade pela sonegação de tributos, notadamente por não ter requerido a oitiva dessa pessoa.
Em Juízo, o réu alegou que não teve conhecimento da omissão de receita descrita na denúncia antes da fiscalização, pois se encontrava demasiadamente onerado com despesas com fornecedores e empregados, mesmo tendo afirmado que era quem movimentava a conta da pessoa jurídica, além da empregada Karina, e que não acreditava que sua microempresa teria efetuado o volume de vendas detectado pela fiscalização, embora tenha declarado existir controles internos das vendas efetivamente realizadas (fl. 151 e mídia à fl. 152). Na Polícia, aduziu que recebeu muitos pagamentos com cartão de crédito, mas acreditava não ter vendido tanto quanto o apurado e não soube explicar a discrepância entre a receita real da empresa e a receita declarada nos anos de 2008 a 2010 (fls. 16/17).
Na fase judicial, em nova tentativa de responsabilizar terceiros pelo não recolhimento dos tributos devidos, o réu declarou que atuava nas vendas externas, de porta em porta, dos produtos da sua microempresa e que eram seus empregados que encaminhavam documentos para que a contadora contratada providenciasse os pagamentos (fl. 151 e mídia à fl. 152).
Ocorre que a Contadora Ivone Teresa Reis Ferraz afirmou, em Juízo, que recebia talões de nota e recolhia os impostos devidos, mas nada sabia dos repasses de valores das operadoras de cartão de crédito para a conta da pessoa jurídica, tomando conhecimento da omissão de receitas relacionada às vendas com cartões de crédito e débito apenas quando foi à Receita Federal para proceder à baixa da microempresa do réu (fl. 126 e mídia à fl. 127). Na Polícia, ao serem exibidos os valores recebidos pelas vendas com cartão de crédito por intermédio da operadora Cielo, esclareceu que "boa parte disso não lhe foi repassado pelo sr. GILSON; não foi responsável pela contabilidade no que tange a movimentação bancária do seu cliente GILSON ADRIANO ANDRADE, pessoa física e jurídica" (fl. 31).
Ressalte-se constar da cópia do contrato celebrado entre a Gilson Adriano Andrade Enxovais - ME e a operadora Bankpar, de 2008, a assinatura de Gilson Adriano de Andrade, a que alude a Representação Fiscal para Fins Penais (fls. 7 e 126, Apenso I).
A fraude utilizada para a redução/supressão dos tributos devidos foi ratificada pelo Auditor Fiscal da Receita Federal, Clério Heber Borges da Silva, que esclareceu ter consistido na declaração de apenas 15% (quinze por cento) dos valores das receitas de fato auferidas pelas vendas realizadas com cartões de crédito e débito, o que foi constatado a partir das informações lançadas nas Declarações de Operações com Cartões de Crédito - DECRED apresentadas regularmente pelas operadoras de crédito (fl. 138 e mídia à fl. 139).
Sendo o réu proprietário e exclusivo administrador da Gilson Adriano Andrade Enxovais - ME, microempresa que recebeu repasses de valores vultuosos de operadoras de cartão de crédito em sua conta bancária em resultado das vendas de seus produtos com cartão de crédito e débito nos anos de 2008 a 2010, que acarretaram, inclusive, sua exclusão do Simples Nacional, é certa sua responsabilidade pelas obrigações tributárias decorrentes, daí extraindo-se que agiu com dolo ao informar apenas 15% (quinze por cento) da receita real auferida por esse meio nas Declarações Anuais do Simples Nacional do período.
Restaram comprovadas a materialidade, a autoria e o dolo do apelante na prática do delito do art. 1°, I, da Lei n. 8.137/90.
Dosimetria. Considerados os critérios do art. 59 do Código Penal, o MM. Magistrado a quo fixou a pena-base no mínimo legal em 2 (dois) anos de reclusão.
Sem circunstâncias atenuantes, agravantes, ou causas de diminuição de pena.
Majorou as penas em decorrência da continuidade delitiva, à razão de 1/5 (um quinto), considerando a extensão da conduta por 3 (três) anos fiscais consecutivos, totalizando 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, que tornou definitivo, à míngua de outras causas de aumento de pena.
Arbitrou a pena de multa em 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato.
Estabeleceu o regime inicial aberto.
Substituiu a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, à razão de 1 (uma) hora de tarefa por dia de condenação, e na prestação pecuniária de R$ 2.000,00 (dois mil reais), conforme definido pelo Juízo das Execuções Criminais.
Pugna a defesa pela substituição da pena restritiva de direitos de prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, à razão de 1 (uma) hora de tarefa por dia de condenação, pela prestação de 4 (quatro) cestas básicas mensais a entidade designada pelo Juízo das Execuções Criminais, o que possibilita o exercício do trabalho de vendedor ambulante pelo apelante, considerando que, para tanto, necessita ausentar-se com frequência do município (fls. 191/208).
O recurso de apelação da defesa não merece provimento.
O réu não registra condenações criminais pretéritas com trânsito em julgado (Apenso Antecedentes).
Considero expressivo o valor do crédito tributário, equivalente a R$ 1.617.798,01 (um milhão, seiscentos e dezessete mil, setecentos e noventa e oito reais e um centavo) (fl. 698, Apenso I), hábil a recrudescer a pena-base, a título de consequências do delito. Entretanto, a pena-base foi fixada no mínimo legal, inexistindo recurso de apelação da acusação para exasperá-la, de modo que resta mantida tal como arbitrada na sentença, em observância à proibição à reformatio in pejus.
Sem circunstâncias atenuantes, agravantes, ou causas de diminuição de pena.
Acertada a elevação das penas em 1/5 (um quinto) pela continuidade delitiva, considerada a extensão da conduta por 3 (três) anos fiscais consecutivos, totalizando as penas definitivas de 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, que mantenho, à míngua de outras causas de aumento de pena, inexistindo recurso da defesa para a exclusão ou redução desse aumento.
A utilização dos mesmos critérios adotados na dosimetria da pena privativa de liberdade para o cálculo da pena de multa resultaria o total de 12 (doze) dias-multa. Contudo, a pena de multa foi arbitrada no mínimo legal de 10 (dez) dias-multa, o que se mantém, considerando que não foi interposto recurso de apelação da acusação, em observância à proibição à reformatio in pejus.
Resta mantido o valor do dia-multa, bem como o regime inicial aberto.
Resta também mantida a substituição da pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, à razão de 1 (uma) hora de tarefa por dia de condenação, e na prestação pecuniária de R$ 2.000,00 (dois mil reais), conforme definido pelo Juízo das Execuções Criminais.
Não merece provimento o recurso da defesa para a alteração da prestação de serviços à comunidade pelo fornecimento de 4 (quatro) cestas básicas mensais a entidade designada pelo Juízo das Execuções Criminais, tendo em vista que não foi demonstrada a real necessidade dessa medida, considerando que nada há nos autos que indique que o réu se desloque com frequência para outros municípios para realizar vendas.
Assinalo que a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos se dá desde que, preenchidos os requisitos legais, tal medida revele-se suficiente, ao arbítrio do Juiz (CP, art. 44, I a III) e, no tocante à prestação de serviços à comunidade ou a entidade públicas, é certo que serão atribuídas tarefas gratuitas conforme as aptidões do condenado, à razão de 1 (uma) hora de tarefa por dia de condenação e de modo a não prejudicar sua jornada normal de trabalho (CP, art. 46, § 3º).
Nada obsta que o réu demonstre a real impossibilidade de cumprimento da prestação de serviços à comunidade ao Juízo das Execuções Criminais, que poderá alterar sua forma de cumprimento, ajustando-a às condições pessoais do condenado e às características do estabelecimento, da entidade ou do programa comunitário ou estatal, nos termos do disposto no art. 148 da Lei n. 7.210/84.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação da defesa do acusado Gilson Adriano Andrade, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.
É o voto.

Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


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