Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 04/08/2015
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000018-55.2012.4.03.6119/SP
2012.61.19.000018-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : DEAN MARCELL PEARSON
ADVOGADO : MG115439 JULIA CORREA DE ALMEIDA (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00000185520124036119 5 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA

PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. MAJORAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE DA CONFISSÃO. APLICABILIDADE. CAUSA DE AUMENTO DA PENA PELA INTERNACIONALIDADE DO DELITO. MANTIDO O PATAMAR FIXADO EM PRIMEIRO GRAU. "MULAS" DO TRÁFICO. BENESSE DO § 4º DO ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06 INCOMPATÍVEL COM A REPRESSÃO À NARCOTRAFICÂNCIA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REGIME FECHADO. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA. SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. DESCABIMENTO. RECURSO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. O réu foi denunciado pela prática do delito descrito no art. 33, caput, c.c. art. 40, I, da Lei nº 11.343/06, por ser flagrado prestes a embarcar com destino ao exterior, transportando 971 g (novecentos e setenta e um gramas) de cocaína.
2. Materialidade e autoria comprovadas pelo conjunto probatório coligido aos autos.
3. Mantido o decreto condenatório pela prática do delito previsto no art. 33, caput, c.c. o art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/06.
4. Dosimetria da pena. Pena-base majorada com fundamento no art. 42 da Lei nº 11.343/06. Precedentes dos Tribunais Superiores.
5. Confissão caracterizada. De ofício deve ser considerada a circunstância atenuante da confissão (art. 65, III, "d" do CP), já que o acusado admitiu os fatos a ele irrogados, na fase policial e em Juízo, e a admissão foi utilizada para embasar a condenação em primeiro grau, não importando aqui, para o reconhecimento da atenuante, se o acusado foi ou não preso em flagrante. Precedentes.
6. Não comporta acolhida o pleito ministerial para o recrudescimento do quantum de aumento relativo à internacionalidade do delito, uma vez que a distância a ser percorrida pela droga não é variável a ser cotejada, conforme precedentes desta Corte Regional, sublinhando, ainda, que o estupefaciente sequer chegou a sair do território nacional. Mantida a causa de aumento descrita no art. 40, I, da Lei nº 11.343/06, à razão de 1/6 (um sexto).
7. Causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 inaplicável em caso envolvendo as chamadas "mulas", as quais desenvolvem atividade essencial na estrutura organizacional, levando o tóxico do território nacional para ser entregue a integrante da associação criminosa no exterior. Benesse incompatível com a repressão à narcotraficância. Desta feita, sem desconsiderar a significativa quantidade de droga apreendida com o réu que seria levada ao exterior, denotativa de seu enredamento com organização criminosa, inaplicável a mencionada causa de diminuição.
8. Extrai-se, pois, dos autos, pela quantidade e espécie de substância entorpecente apreendida (971g de cocaína); a forma como estava oculta em fundo falso da bagagem do réu; a circunstância de ter empreendido viagem internacional, com hospedagem e despesas financiadas pela narcotraficância, tudo está a denotar seu enredamento, ainda que não habitual, com organização criminosa voltada para o comércio internacional de cocaína, arredando a incidência da norma do § 4º do art. 33 da Lei Antidrogas. Ademais, o próprio réu afirmou em seu interrogatório, na esfera policial, cujas declarações mais condizem com as provas coligidas aos autos, que já fizera outras viagens contratado pelo aliciador, de nome James, sendo que, somente para o Brasil, viera quatro vezes com o propósito de transportar drogas. A corroborar as declarações do réu perante a autoridade policial, depreende-se da cópia de seu passaporte e do Histórico de Viajante, as viagens mencionadas pelo réu, que aliás, não se coadunam com sua alegada situação financeira.
9. Fixado regime inicial fechado de cumprimento de pena, nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal.
10. Presentes os requisitos para a decretação da segregação cautelar do acusado, necessária e adequada para assegurar a aplicação da lei penal (artigos 312 e 282, incisos I e II, do Código de Processo Penal), porquanto o réu é estrangeiro e não demonstrou o exercício de atividade lícita, não restando evidenciado qualquer vínculo com o país. Ademais, descumpriu condições estabelecidas quando da concessão de sua liberdade provisória, deixando de comparecer mensalmente ao Juízo Federal onde residia e não sendo encontrado no endereço por ele fornecido.
11. Incabível, in casu, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, porquanto não preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos do art. 44 do Código Penal.
12. Apelo ministerial parcialmente provido. Atenuante confissão espontânea aplicada de ofício.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso do Ministério Público Federal, para elevar a pena-base, afastar a causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º da Lei n.º 11.343/2006, fixar o regime inicial fechado de cumprimento de pena, bem como para revogar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e decretar a prisão preventiva do acusado, e de ofício, aplicar a atenuante da confissão espontânea ao réu DEAN MARCELL PEARSON, resultando na pena definitiva de 05 anos 10 meses de reclusão e pagamento de 583 dias-multa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 28 de julho de 2015.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): HELIO EGYDIO MATOS NOGUEIRA:10106
Nº de Série do Certificado: 7E967C46C0226F2E
Data e Hora: 29/07/2015 13:40:00



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000018-55.2012.4.03.6119/SP
2012.61.19.000018-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : DEAN MARCELL PEARSON
ADVOGADO : MG115439 JULIA CORREA DE ALMEIDA (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00000185520124036119 5 Vr GUARULHOS/SP

RELATÓRIO

O Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator): O Ministério Público Federal denunciou DEAN MARCELL PEARSON, qualificado nos autos, sul-africano, nascido aos 26/11/1983, como incurso no artigo 33, caput, combinado com o artigo 40, inciso I, da Lei n° 11.343/2006. Consta da denúncia:

... DEAN MARCELL PEARSON, em 20.12.2011, prestes a embarcar no voo internacional SA 223, pela empresa South African Airways, com destino final em Joanesburgo, África do Sul, no Aeroporto Internacional de Guarulhos, São Paulo, com vontade livre e consciente de seus atos, trazia oculto em fundo falso de sua bagagem 971g (novecentos e setenta e um gramas - - massa líquida) de substância entorpecente que determina dependência física e psíquica, cujo laudo preliminar apontou para cocaína, para fins de comércio no exterior, pelo que foi presa em flagrante delito. Conduta esta que se amolda ao que dispõe os artigo 33 c/c 40, I, da Lei 11.343/06.

HISTÓRICO DOS FATOS RELEVANTES

No dia 20.12.2011, no Aeroporto Internacional de Guarulhos, São Paulo, o Agente da Polícia Federal Marcos de Morais, procedia fiscalização no check-in da companhia aérea South African Airways, no terminal passageiros II, quando abordou o passageiro Dean Marcell Pearson, e em breve entrevista suspeitou do seu aparente nervosismo, diante de tal quadro, solicitou que o passageiro o acompanhasse a uma sala reservada para realizar revista pessoal e em sua bagagem.

Ao proceder revista na bagagem do suspeito, verificou a presença de fundo falso, e decidiu efetuar um furo, momento em que vazou uma pequena quantidade de substância em pó branca. Diante disso, o agente conduziu o suspeito, na presença da testemunha Edna Moreira e Silva Oliveira, à Delegacia da Polícia Federal, local em que foi realizada inspeção minuciosa na bagagem, tendo sido encontrado no fundo falso da mala três volumes em formato retangular, envoltos em fita adesiva de cor preta, que continham em seu interior substância em pó na cor branca.

Elaborado laudo preliminar de constatação (f. 8), este resultou em positivo para cocaína e apontou o montante de 1.114g (mil, cento e catorze gramas - massa bruta) e 971g (novecentos e setenta e um gramas - massa líquida) de substância entorpecente.

Diante do exposto, DEAN MARCELL PEARSON foi preso em flagrante delito, o que foi ratificado pela autoridade policial competente.

Em seu interrogatório (f. 5-6), o ora denunciado efetuou ligação para uma pessoa de nome Marius, no número 0744251590. O denunciado informou que veio ao Brasil para transportar drogas, e que foi contratado por uma pessoa de nome James, com o qual fez contato na África do Sul, tendo sido lhe oferecido a quantia de US$ 3.000,00 (três mil dólares) pelo transporte. No Brasil, o denunciado recebeu a droga de um homem chamado Tony, de nacionalidade nigeriana, com o qual se encontrou duas vezes no hotel Holiday Inn: a primeira vez, logo que chegou ao Brasil, e a segunda vez, quando lhe foi entregue a bagagem contendo o entorpecente. O denunciado disse expressamente que tinha ciência do transporte do entorpecente. No mais, informou que já tinha viajado quatro vezes ao Brasil, duas vezes para Filipinas, duas vezes para a Europa e uma vez para Cabo Verde, e em todas as oportunidades transportou entorpecentes para a pessoa de nome James, isto é, viajou exclusivamente para transportar drogas. Por derradeiro, relatou que o custeio das passagens e hospedagem é promovido pelos seus contatos na África do Sul e em São Paulo, e a droga que o denunciado leva para África do Sul é entregue no aeroporto de Johanesburgo, no setor alfandegário, local em que recebe o pagamento. (fls. 63/65)

A denúncia foi recebida em 27/06/2012 (fls. 147/148).

Após instrução, foi proferida sentença pelo MM. Juízo da 5ª Vara Federal de Guarulhos/SP (fls. 232/246), publicada em 29/11/2012 (fls. 247), condenando o réu como incurso no artigo 33 caput c/c o artigo 40, inciso I e artigo 33, § 4º, todos da Lei n.º 11.343/2006, à pena definitiva de 03 anos 10 meses e 20 dias de reclusão, em regime aberto, e pagamento de 415 dias-multa, no valor unitário mínimo. Substituída a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana. Revogada a prisão preventiva mediante o cumprimento das seguintes condições: a) não se ausentar do país, sem prévia autorização do Juízo; b) comparecer pessoal e mensalmente ao Juízo Federal onde se encontre residente; c) não frequentar locais onde se saiba da possibilidade da ocorrência de ilícitos ou áreas de fronteira; d) comparecer à Secretaria do Juízo sentenciante no prazo de até 02 dias úteis após a soltura para assinar o Termo de Compromisso e fornecer comprovante de endereço, telefones (fixos e móveis) e correio eletrônico, para eventual localização em caso de necessidade.

Foi o réu cientificado de que o descumprimento injustificado de qualquer uma das condições resultaria na revogação da liberdade provisória.

Alvará de Soltura Clausulado expedido às fls. 248.

Termo de Compromisso assinado em 03/12/2012, às fls. 263.

Apela o Ministério Público Federal (fls. 269/297), pugnando, preliminarmente, pela restauração imediata da prisão do acusado. No mérito, requer a) a fixação da pena-base em seu patamar médio; b) a aplicação da causa de aumento relativa à utilização de transporte público; c) o afastamento da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º da Lei n.º 11.343/06; d) a majoração da causa de aumento relativa à internacionalidade da conduta para o patamar médio; e) a fixação do regime inicial fechado de cumprimento de pena; f) a revogação da substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos.

Contrarrazões às fls. 302/317v.

A Procuradoria Regional da República opinou pelo parcial provimento dos recursos ministerial (fls. 350/361).

Nos termos do despacho de fls. 426, o D. Juízo Deprecado da 8ª Vara Federal Criminal de São Paulo determinou a devolução de carta precatória expedida para fiscalização das condições de liberdade provisória, sob o fundamento de que o sentenciado deixou de comparecer em Juízo, nem apresentou qualquer justificativa, porquanto não encontrado no endereço por ele declarado nos autos.

É o relatório.

À Revisão.



HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): HELIO EGYDIO MATOS NOGUEIRA:10106
Nº de Série do Certificado: 7E967C46C0226F2E
Data e Hora: 29/07/2015 13:39:56



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000018-55.2012.4.03.6119/SP
2012.61.19.000018-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : DEAN MARCELL PEARSON
ADVOGADO : MG115439 JULIA CORREA DE ALMEIDA (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00000185520124036119 5 Vr GUARULHOS/SP

VOTO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator): DEAN MARCELL PEARSON foi condenado à pena definitiva de 03 anos 10 meses e 20 dias de reclusão, em regime aberto, e pagamento de 415 dias-multa, no valor unitário mínimo, como incurso nos artigos 33, caput c/c os artigos 33, § 4º e 40, inciso I, todos da Lei n.º 11.343/06. Substituída a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

A preliminar de revogação da liberdade provisória suscitada pelo Ministério Público Federal será analisada juntamente com o mérito recursal.

De início, registro que a materialidade delitiva restou bem delineada nos autos, pelo Auto de Prisão em Flagrante Delito (fls. 02/06), pelo Laudo Preliminar de Constatação (fls. 08), pelo Auto de Apresentação e Apreensão (fls. 12/13), e pelo Laudo Pericial Definitivo (fls. 79/82), os quais atestam tratar-se de cocaína o material apreendido, totalizando a massa líquida de 971g (novecentos e setenta e um gramas).

A transnacionalidade do delito restou comprovada pelo fato de DEAN MARCELL PEARSON ter sido preso em flagrante delito quando estava prestes a embarcar em voo da companhia aérea South African Airways, com destino a Johanesburgo/África do Sul, transportando substância entorpecente oculta sob fundo falso de sua bagagem (fls.08; 63/65).

O conjunto probatório é coeso e uníssono, não restando dúvida sobre a materialidade e a internacionalidade do delito.

A autoria também é inconteste.

Na esfera policial (fls. 05/06), o acusado confessou que viera ao Brasil com a finalidade de transportar drogas, contratado por um homem na África do Sul, chamado James, mediante o pagamento de US$ 3.000,00. Afirmou que, no Brasil, seu contato foi um nigeriano chamado Tony, com quem se encontrou por duas vezes no Hotel Holyday Inn, em São Paulo, uma vez na chegada e outra quando a bagagem com a droga lhe fora entregue. Declarou que o tempo todo tinha ciência de que transportaria droga para Johanesburgo/África do Sul. Afirmou, outrossim, já viajou quatro vezes ao Brasil, duas vezes para as Filipinas, duas vezes para a Europa e uma vez para o Cabo Verde, em todas contratado por James para transportar drogas. Não soube declinar nome e endereço de nenhum contato no Brasil, pois em cada viagem tratava com pessoas diferentes. Esclareceu que a droga levada para a África do Sul é entregue no próprio aeroporto de Johanesburgo, no setor alfandegário, onde recebe seu pagamento.

Em Juízo (fls. 215 - mídia eletrônica), DEAN MARCELL PEARSON admitiu os fatos narrados na denúncia, mas retratou-se parcialmente, no tocante a ter transportado drogas anteriormente. Afirmou que sabia que transportava droga. Recebeu US$ 2.000,00 e receberia mais US$ 3.000,00 quando efetuasse a entrega. Alegou que aceitou a empreitada por necessidade financeira, para cuidar de um problema de saúde e sustentar sua filha. Disse ser arquiteto, mas estava desempregado à época. Ao contrário do que afirmou na esfera policial, disse que essa foi a primeira vez que viajou para transportar drogas. Afirmou que a viagem foi paga por um nigeriano na África do Sul, chamado James. Negou que tivesse viajado à Europa. Alegou que as viagens a Moçambique, Filipinas e Cabo Verde foram a trabalho. Disse que em setembro/2011viajou à Bolívia para buscar drogas, mas não conseguiu entrar no país, por não ter visto. Afirmou que nas duas viagens anteriores ao Brasil não transportou drogas (foi colocado no avião, sem dinheiro, e as pessoas que supostamente deveriam aguardá-lo no aeroporto não apareceram, razão pela qual retornou ao país de origem), o que fez apenas na terceira vez, quando foi preso. Disse que a intérprete da Polícia Federal falava mal o idioma inglês e sequer entendia o que os policiais perguntavam.

As testemunhas Marcos de Morais, Agente de Polícia Federal, e Edna Moreira e Silva Oliveira, Agente de Proteção, ratificaram em Juízo os depoimentos prestados na fase inquisitorial (fls. 215 - mídia eletrônica), no sentido de que, após apresentar nervosismo no setor de check-in da companhia aérea South African Airways, o acusado foi submetido a busca pessoal e teve sua bagagem inspecionada, ocasião em que a cocaína foi localizada em fundo falso da mala. O Agente de Polícia Federal Marcos de Morais asseverou ainda que tem conhecimento do idioma inglês e que o réu lhe afirmou, em entrevista, que todas as viagens que fez ao Brasil tinham por objetivo o transporte de drogas. Disse-lhe ainda que o entorpecente seria entregue no aeroporto de Johanesburgo/África do Sul.

Portanto, verifica-se que o depoimento prestado na esfera policial coaduna-se com as demais provas produzidas nos autos, sob o crivo do contraditório e ampla defesa.

Destarte, deve ser mantido o decreto condenatório pela prática do delito previsto no art. 33, caput, c.c. o art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/06.

Passo, por conseguinte, à análise da dosimetria da pena.

Do exame dos autos, verifico que o d. magistrado a quo, na primeira fase da dosagem da pena, fixou a pena-base no mínimo legal, em 05 anos de reclusão e 500 dias-multa.

Neste ponto, a Acusação pretende a sua majoração para o patamar médio.

Assiste razão parcial à Acusação.

A significativa quantidade e a alta nocividade da droga apreendida (971 g de cocaína) permitem a fixação da pena-base acima do mínimo legal, nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/06, que estabelece estes dois parâmetros como circunstâncias preponderantes àquelas do art. 59 do Código Penal.

É pacífica a jurisprudência neste sentido:

""PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA FUNDAMENTADA. PRELIMINARES REJEITADAS. MATERIALIDADE E AUTORIAS DELITIVAS COMPROVADAS. DOLOS EVIDENCIADOS. DOSIMETRIA DA PENA. NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA. CIRCUNSTÂNCIAS PREPONDERANTES. CONFISSÃO. REDUÇÃO EM 1/6 (UM SEXTO). TRANSNACIONALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ARTIGO 33, §4º, DA LEI Nº 11.343/06. MEMBROS DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. RECURSO DA DEFESA IMPROVIDO. RECURSO DA ACUSAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Não há que se falar em incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o presente feito, vez que a origem estrangeira da droga e a transnacionalidade do tráfico restaram devidamente caracterizadas não apenas pelas circunstâncias em que o acusado foi preso, mas também pelos fatos que envolveram o crime, notadamente a natureza e procedência do entorpecente. 2. A r. sentença expôs de maneira clara e objetiva as razões que levaram o MM Juiz a quo a proferir o decreto condenatório, através da apreciação das provas produzidas em Juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, tendo analisado todas as teses defensivas. 3. Condenação pela prática do crime de tráfico transnacional de drogas mantida, pois demonstradas a materialidade e respectivas autorias delitivas, pois as provas demonstram que os acusados transportavam e traziam consigo cocaína ocultada em veículo o qual conduziam. 4. Na fixação da pena-base do crime de tráfico de drogas, os critérios do artigo 42, da Lei nº 11.343/06 preponderam sobre as circunstâncias judiciais descritas no artigo 59, do Código Penal. 5. A natureza altamente nociva e a significativa quantidade de droga ensejam a majoração da pena-base para 7 (sete) anos de reclusão e 700 (setecentos) dias-multa. 6. Em respeito ao princípio non reformatio in pejus, deve ser mantido o patamar de diminuição de pena em 1/6 (um sexto) para os réus D.H.M.O e J.R.O.B., decorrente da atenuante de confissão espontânea, e 1/8 (um oitavo) para o réu J.F.N., em face do reconhecimento da atenuante genérica prevista no artigo 66, do Código Penal. 7. Incidência da causa de aumento prevista no inciso I, do artigo 40, da Lei de Drogas no patamar de 1/6 (um sexto). 8. Inaplicável a causa de diminuição prevista no § 4º, do artigo 33, da Lei nº 11.343/06, pois, embora não possam ser considerados como membros efetivos de uma quadrilha, não há como negar que efetivamente figuraram, ainda que de forma eventual, em uma ponta da organização criminosa voltada ao tráfico de drogas, a ela prestando serviços e colaborando para a distribuição mundial do entorpecente cocaína. 9. Penas definitivamente fixadas em 6 (seis) anos, 9 (nove) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 680 (seiscentos e oitenta) dias-multa para os réus D.H.M.O. e J.R.O.B. e 7 (sete) anos, 1 (um) mês e 22 (vinte e dois) dias de reclusão e 714 (setecentos e catorze) dias-multa para o réu J.F.N.. 10. Manutenção das prisões preventivas dos acusados de rigor, pois presentes o periculum libertatis e o fumus comissi delicti, tendo em vista que os fatos que ensejaram suas prisões cautelares não sofreram nenhuma alteração até o presente momento, permanecendo presentes os requisitos da custódia, sendo certo que responderam à ação penal presos. 11. Preliminares arguidas pela defesa em apelação rejeitada e, no mérito, improvido e recurso da acusação provido para majorar as penas-base, resultando nas penas de 6 (seis) anos, 9 (nove) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 680 (seiscentos e oitenta) dias-multa para os réus D.H.M.O. e J.R.O.B. e 7 (sete) anos, 1 (um) mês e 22 (vinte e dois) dias de reclusão e 714 (setecentos e catorze) dias-multa para o réu J.F.N..(ACR 00002918820124036004, DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/10/2014 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)(g.n.)


Ademais, os efeitos da droga podem ser mais ou menos acentuados dependendo da maneira pela qual é ingerida e do processo de refino onde são adicionadas diversas substâncias (processo pelo qual obrigatoriamente passa a droga, em casos como o dos autos, antes de ser distribuída ao usuário final), variáveis estas que fogem da análise em questão.

In casu, tendo em vista a quantidade e mormente a espécie da droga apreendida (971 gramas de cocaína), é razoável a fixação da pena-base pouco acima do mínimo legal, em 05 anos e 06 meses de reclusão e 550 dias-multa.

Na segunda fase, ausentes circunstâncias agravantes.

Deve, no entanto, ao revés do que constou no decisum de primeiro grau, de ofício, ser considerada a circunstância atenuante da confissão (art. 65, III, "d" do CP), já que o acusado admitiu os fatos a ele irrogados, na fase policial e em Juízo, e a admissão foi utilizada para embasar a condenação pelo Juízo a quo, não importando aqui, para o reconhecimento da atenuante, se o acusado foi ou não preso em flagrante.

Nesta senda a orientação jurisprudencial:

"PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. ELEVAÇÃO DA PENA-BASE. REDIMENSIONAMENTO DA PENA. 1. Recurso não conhecido no que tange aos pedidos de absolvição pela prática do delito de associação para o tráfico e de aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Ausência de interesse recursal. 2. Materialidade comprovada. Autoria demonstrada pela prisão em flagrante e pelas provas produzidas nos autos. 3. Embora não sejam desfavoráveis as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, a grande quantidade de lidocaína apreendida autoriza a fixação da pena-base em patamar superior àquele estabelecido na sentença. 4. Se a confissão, ainda que a parcial, foi utilizada como fundamento para a condenação, deve incidir a atenuante correspondente. Patamar reduzido para 1/6 (um sexto), considerando-se a circunstância em que ocorreu e o grau de efetividade para a elucidação dos fatos. 5. Transnacionalidade do delito evidenciada. Mantida a elevação no patamar de 1/6 (um sexto), pois presente apenas uma das causas de aumento previstas no art. 40, da Lei nº 11.343/2006. Precedentes desta Corte. 6. Afastada a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. O modus operandi adotado pelos réus na perpetração do delito denota que integram, ainda que circunstancialmente, uma organização criminosa voltada ao tráfico transnacional de drogas. 7. Fixado o regime inicial fechado para o cumprimento da pena. 8. Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em razão do quantum da pena aplicada (CP, art. 44, I). 9. Apelação do Ministério Público Federal provida e de AMARILDO SENA DORNELLES improvida.(TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, ACR 0004326-73.2007.4.03.6002, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, julgado em 25/11/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:01/12/2014) (grifei)

"PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA AFASTADA. DOSIMETRIA. MANTIDA A PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. ART. 42 DA LEI Nº 11.343/06. PRISÃO EM FLAGRANTE. CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE DA CONFISSÃO. APLICABILIDADE. CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE PREVISTA NO ART. 66 DO CÓDIGO PENAL. NÃO INCIDÊNCIA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 24, § 2º, DO CÓDIGO PENAL INAPLICÁVEL. MANTIDO O PATAMAR DE AUMENTO DA PENA PELA INTERNACIONALIDADE DO DELITO. CAUSA DE AUMENTO DE PENA RELATIVA AO TRANSPORTE PÚBLICO. NÃO INCIDÊNCIA. "MULAS" DO TRÁFICO. BENESSE DO § 4º DO ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06 INCOMPATÍVEL COM A REPRESSÃO À NARCOTRAFICÂNCIA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. FIXAÇÃO DO REGIME FECHADO. RECURSO DA DEFESA DESPROVIDO. RECURSO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A ré foi denunciada pela prática do delito descrito no art. 33, caput, c.c. art. 40, I, da Lei nº 11.343/06, por ser flagrada prestes a embarcar com destino ao continente Africano, transportando 8.533 g (oito mil, quinhentos e trinta e três gramas) de cocaína. 2. Materialidade e autoria comprovadas pela prova testemunhal, bem como pela confissão da ré em Juízo. 3. Não merece acolhida a tese da Defesa de inexigibilidade de conduta diversa, uma vez que não foram carreadas aos autos provas contundentes das circunstâncias alegadas, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal. 4. Mantido o decreto condenatório pela prática do delito previsto no art. 33, caput, c.c. o art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/06. 5. Dosimetria da pena. Mantida a pena-base acima do mínimo legal, em 1/3 (um terço), nos exatos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/06. Precedentes dos Tribunais Superiores. 6. Aplica-se ao caso a circunstância atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal. O fato de a ré ter sido presa em flagrante não é óbice ao reconhecimento da confissão, uma vez que a espontaneidade exigida pela norma prescinde de motivos. Ademais, a confissão foi usada como fundamento do decreto condenatório, conforme se verifica da sentença vergastada. Precedentes. 7. Não incide, in casu, a circunstância atenuante descrita no art. 66 do Código Penal. Era exigível da apelante conduta diversa da prática criminosa, não sendo a hipótese de atenuação da pena por clemência em razão das alegadas dificuldades financeiras, as quais não restaram comprovadas nos autos. 8. Não comporta acolhida o pleito ministerial para o recrudescimento do quantum de aumento relativo à internacionalidade do delito, uma vez que a distância a ser percorrida pela droga não é variável a ser cotejada, conforme precedentes desta Corte Regional, sublinhando, ainda, que o estupefaciente sequer chegou a sair do território nacional. Fica mantida a causa de aumento descrita no art. 40, I, da Lei nº 11.343/06, à razão de 1/6 (um sexto). 9. Inaplicável a causa de aumento descrita no inciso III do artigo 40 da Lei de Drogas, pois, in casu, não houve preparação, execução ou a consumação do crime de tráfico de entorpecentes nas dependências de qualquer meio de transporte público, conquanto a ré pretendesse embarcar em uma aeronave, a qual seria usada, simplesmente, como meio de locomoção. 10. Não incide a causa de diminuição prevista no art. 24, § 2º, do Código Penal, uma vez que o estado de necessidade exculpante deve estar comprovado por elementos seguros, o que não ocorreu no caso sub examine. 11. Causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 inaplicável em caso envolvendo as chamadas "mulas", as quais desenvolvem atividade essencial na estrutura organizacional, levando o tóxico do território nacional para ser entregue a integrante da associação criminosa no exterior. Benesse incompatível com a repressão à narcotraficância. 12. Reformado o regime inicial de cumprimento de pena para o fechado, nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal. 13. Apelação da Defesa desprovida e apelo ministerial parcialmente provido. (TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, ACR 0000012-77.2014.4.03.6119, Rel. JUIZ CONVOCADO HÉLIO NOGUEIRA, julgado em 17/11/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/11/2014) (grifei)


Dessa forma, levando em conta que o réu, em duas oportunidades, admitiu seu envolvimento direto na prática do delito, faço incidir a circunstância atenuante da confissão, e reduzo a reprimenda ao mínimo legal de 05 anos de reclusão, acrescida do pagamento de 500 dias-multa. Incabível a redução abaixo do mínimo legal pela incidência da atenuante, nos termos da Súmula nº 231 do E. Superior Tribunal de Justiça.

Na terceira fase, não comporta acolhida o pleito ministerial para o recrudescimento do quantum de aumento relativo à internacionalidade do delito, uma vez que a distância a ser percorrida pela droga não é variável a ser cotejada, conforme precedentes desta Corte Regional (ACR 0004259-72.2012.4.03.6119, Segunda Turma, Rel. Dês. Fed. CECILIA MELLO, e-DJF3 Judicial 1 03/07/2014; ACR 0009743-05.2011.4.03.6119, Quinta Turma, Rel. Dês. Fed. LUIZ STEFANINI, e-DJF3 Judicial 1:24/06/2014), ), sublinhando, ainda, que o estupefaciente sequer chegou a sair do território nacional.

Desta forma, mantenho o patamar da causa de aumento referente à transnacionalidade fixado pelo magistrado a quo em 1/6 (um sexto), o que resulta na pena de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e pagamento de 583 dias-multa.

No que tange à causa de diminuição da pena capitulada no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, a Acusação pretende o afastamento da benesse.

Assiste razão ao Parquet Federal.

Neste ponto, curial deixar anotado que tal benesse concedida pelo legislador deve ficar restrita - quando presentes todos os requisitos legais - a casos excepcionais, de menor gravidade, ou seja, pequenos traficantes, atuantes no mercado doméstico, envolvendo entorpecentes que se possam caracterizar, em princípio, como menos lesivos, e nunca a traficantes internacionais de expressiva quantidade de cocaína - como é a hipótese dos autos, em que o réu sujeitou-se a realizar o transporte de 971g de cocaína, oculta em fundo falso de sua bagagem, para levá-la até Johanesburgo/África do Sul (neste sentido: Tribunal Regional Federal da 3ª Região - ACR 27998 - Proc. nº 2006.61.19.005166-0 - 5ª T. - Rel. Juiz Conv. Hélio Nogueira - j. 14.04.08 - D.E. 06.05.08).

Aqui vale registrar o seguinte aresto desta Corte:

"(...) 8. A pessoa que se sujeita a transportar substância entorpecente para o exterior mediante paga, com despesas integralmente custeadas, integra organização criminosa de forma efetiva, ainda que na condição de 'mula'. Com efeito, a apelante, de forma voluntária, contribuiu para a narcotraficância internacional, representando peça essencial ao sucesso da empreitada criminosa, eis que incumbida de receber a droga devidamente embalada do fornecedor, devendo entregá-la ao destinatário no exterior, representando, portanto, o elo de ligação entre fornecedor e receptor, o que afasta, de plano, o benefício previsto no § 4º, do art. 33, da Lei nº 11.343/06, cuja aplicação exige a prova extreme de dúvidas da concorrência dos quatro requisitos exigidos na norma.(...)"

(ACR 26478 - Rel. Desembargador Federal Johonsom Di Salvo - DJF3 26.08.09, p. 83)

Neste mesmo diapasão:

"PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PROVA. ESTADO DE NECESSIDADE. PENA. TRANSNACIONALIDADE. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º DA LEI Nº 11.343/06. - Materialidade e autoria dolosa provadas no conjunto processual. - A figura do estado de necessidade requisita a exposição do agente a perigo atual, como tal não se entendendo situação que não se vincula direta e imediatamente à oportunidade de prática de qualquer delito em particular mas à possibilidade genérica de obtenção de recursos teoricamente necessários com violações à ordem jurídico-penal. - Circunstâncias judiciais que não autorizam a graduação da pena-base acima do mínimo legal. - Aplicação da atenuante da confissão espontânea, reconhecida na sentença, afastada com a redução da pena-base ao mínimo legal, uma vez que a incidência de circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal, prejudicada a questão no âmbito do recurso da acusação. - Transnacionalidade do tráfico provada pelas evidências de destinação do entorpecente ao exterior e percentual reduzido ao mínimo previsto. - Causa de diminuição do artigo 33, §4º que não incide no caso em virtude das circunstâncias do delito (contato com agentes de organização criminosa atuando no tráfico internacional) a revelarem propensão criminosa, não se lobrigando o preenchimento do requisito cunhado na lei com a expressão "não se dedique às atividades criminosas". Lei que é de combate ao tráfico, a concessão indiscriminada do benefício legal aos agentes transportadores da droga vindo a facilitar as atividades das organizações criminosas, de modo a, também sob pena do paradoxo da aplicação da lei com estímulo ao tráfico, impor-se a interpretação afastando presunções e exigindo fortes e seguros elementos de convicção da delinqüência ocasional. - Recursos parcialmente providos"(ACR 32479 - Rel. Desembargador Federal Peixoto Júnior - DJF3 20.08.09, p. 302) (g.n.)

"HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ELEVADA QUANTIDADE DE COCAÍNA. NÃO APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06. 1. Diz o art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, que a pena pode ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), desde que o paciente seja primário, portador de bons antecedentes, não integre organização criminosa nem se dedique a tais atividades. 2. A sentença afastou a incidência da benesse pretendida sob o fundamento de que as circunstâncias que ladearam a prática delitiva evidenciaram o envolvimento do paciente em organização criminosa. 3. A elevada quantidade de droga apreendida, a saber, quase um quilo de cocaína, distribuída em 83 cápsulas, ingeridas pelo paciente, o qual estava prestes a embarcar para a Holanda, é circunstância que impede o reconhecimento da modalidade privilegiada do crime. 4. De se ver, que a mens legis da causa de diminuição de pena seria alcançar aqueles pequenos traficantes, circunstância diversa da vivenciada nos autos, dada a apreensão de expressiva quantidade de entorpecente, com alto poder destrutivo. 5. Ordem denegada.

(HC 189.979/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 03/02/2011, DJe 21/02/2011)


Extrai-se, pois, dos autos, pela quantidade e natureza de substância entorpecente apreendida (971g de cocaína); a forma como estava oculta em fundo falso da bagagem; a circunstância de ter o réu empreendido viagem internacional, com hospedagem e despesas financiadas pela narcotraficância, tudo está a denotar seu enredamento com organização criminosa voltada para o comércio internacional de cocaína, arredando a incidência da norma do § 4º do art. 33 da Lei Antidrogas.

Ademais, o próprio réu afirmou em seu interrogatório na esfera policial (fls. 06), cujas declarações mais condizem com as provas coligidas aos autos, que já fizera outras viagens contratado pelo aliciador, de nome James, sendo que somente para o Brasil, viera quatro vezes com o propósito de transportar drogas.

A corroborar as declarações do réu perante a autoridade policial, depreende-se da cópia de seu passaporte (fls. 90/97) e do Histórico de Viajante (fls. 23), as viagens mencionadas pelo réu, que aliás, não se coadunam com sua alegada situação financeira.

Desta feita, inaplicável a mencionada causa de diminuição, restando definitiva a pena de 05 anos 10 meses de reclusão e o pagamento de 583 dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, corrigido monetariamente.

No que tange ao regime inicial de cumprimento de pena, a Acusação, pleiteia seja fixado o regime fechado, ao argumento de que o regime aberto adotado pela r. sentença é insuficiente para alcançar a finalidade retributiva e preventiva da pena.

Assiste razão ao Ministério Público Federal.

No caso em apreço, o delito perpetrado tinha por objeto o transporte de quantidade considerável de cocaína, substância de elevada potencialidade lesiva, de modo que a fixação de regime inicial diverso do fechado, de fato, faz-se inadequado e insuficiente para a reprovação e prevenção do delito, ainda mais se considerarmos que o acusado é de nacionalidade estrangeira, não comprovando vínculos mais estreitos com o país.

Acerca do tema já decidiu o E. Supremo Tribunal Federal:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES (ARTIGO 33, CAPUT, DA LEI 11.343/06). ART. 2º, § 1º, DA LEI 8.072/90, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.464/07. INCONSTITUCIONALIDADE. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUPERIOR A 4 (QUATRO) ANOS E NÃO EXCEDENTE A 8 (OITO) ANOS. REGIME INICIAL SEMIABERTO (ART. 33, § 2º, ALÍNEA B, DO CP). CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. IMPOSIÇÃO DE REGIME MAIS GRAVOSO. POSSIBILIDADE. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS PARCIALMENTE PROVIDO APENAS PARA DETERMINAR AO JUÍZO DA EXECUÇÃO QUE VERIFIQUE SE O PACIENTE PREENCHE, OU NÃO, OS REQUISITOS NECESSÁRIOS À PROGRESSÃO DE REGIME.

1. O artigo 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, na redação conferida pela Lei 11.464/07 - que determina que o condenado pela prática de crime hediondo inicie o cumprimento da pena privativa de liberdade, necessariamente, no regime fechado - foi declarado inconstitucional pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada em 27.06.12, ao julgar o HC 11.840, Relator o Ministro Dias Toffoli. Naquela ocasião, contudo, esta Corte destacou que, mesmo na hipótese de condenação por tráfico de entorpecentes, o regime inicial do cumprimento de pena não é mera decorrência do quantum da reprimenda, estando condicionado também à análise das circunstâncias judiciais elencadas no artigo 59 do Código Penal, a que faz remissão o art. 33, § 3°, do mesmo Código. 2. O regime inicial fechado revela-se possível, destarte, em condenações por tráfico de entorpecentes, mesmo para o cumprimento de pena inferior a 9 (oito) anos, desde que desfavoráveis as circunstâncias judiciais elencadas no artigo 59 do Código Penal. 3. In casu, considerada tão-somente a quantidade da pena aplicada (cinco anos e onze dias de reclusão), o paciente teria direito ao regime inicial semiaberto , nos termos do artigo 33, § 2º, alínea b, do Código Penal. Todavia, a fixação de regime mais gravoso, deu-se à luz das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal e, no caso da regência específica do crime de tráfico de entorpecentes, do art. 42 da Lei n. 11.343/2006, verbis: "O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente" (sem grifos no original). 4. Por outro lado, a análise do preenchimento, ou não, dos requisitos necessários à progressão de regime compete ao Juízo da Execução. 5. Recurso ordinário em habeas corpus parcialmente provido apenas para determinar ao Juízo da Execução que verifique se o paciente preenche, ou não, os requisitos necessários à progressão de regime.

(RHC 121063/MT, Rel. Min. LUIZ FUX, j. 25/02/2014, Primeira Turma)


Ainda nesse diapasão, acerca do início do regime de desconto de pena já decidiu este Tribunal Regional Federal da 3a Região:

(...) No caso dos autos, deve ser fixado o inicial fechado, único compatível com a prática de crimes extremamente gravosos à sociedade, tal como o verificado no caso presente, tratando-se de apreensão de grande quantidade de droga com potencial de causar consequências gravíssimas à saúde e à vida de número indeterminado de pessoas, sendo, pois, desfavoráveis aos acusados as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, c.c o art. 33, § 3º, ambos do Código Penal.

(ACR 54662/MS - 5ª T. - Rel. Juíza Federal Conv. Louise Filgueiras - e-DJF3 02.02.14).


Deste modo, considerando as circunstâncias judiciais desfavoráveis, ponderadas na primeira fase da dosimetria da pena, acolho a pretensão ministerial e fixo regime inicial de cumprimento de pena fechado, tendo por fundamento o disposto no artigo 33, § 3º, do Código Penal.

Por outro ângulo, observo que estão presentes os requisitos para a decretação da segregação cautelar do acusado, necessária e adequada para assegurar a aplicação da lei penal (artigos 312 e 282, incisos I e II, do Código de Processo Penal).

Com efeito, o acusado é estrangeiro, não demonstrou o exercício de atividade lícita, não restando evidenciado qualquer vínculo com o país, sendo evidente o risco concreto de evasão. Outrossim, insta salientar que o réu permaneceu preso durante toda a instrução da ação penal devendo permanecer custodiado à míngua de mudança no quadro fático. Nesta trilha vem julgando essa Corte ; "(...) IX - Conforme orientação consolidada nas Cortes Superiores, não tem o direito de recorrer em liberdade o acusado que permaneceu justificadamente preso durante a instrução criminal, por força de prisão em flagrante ou preventiva, ainda que seja primário e de bons antecedentes" (ACR 5209 - 11ª T - Rel. Desembargadora Federal Cecília Mello - e-DJF3 Judicial 1 de 06.11.14).

A necessidade da decretação da prisão cautelar mais se acentua pelo fato do apelado ter sido beneficiado com a concessão de liberdade provisória quando da prolação da sentença recorrida (fls. 245), mediante o cumprimento de condições, dentre as quais comparecer mensalmente em Juízo (fls. 408), tendo descumprido a condição, conforme informado pelo Juízo Federal Deprecado (fls. 426). Ademais, diligenciado no endereço indicado pelo apelado por ocasião da assinatura do termo de compromisso para fins de intimação, DEAN MARCELL PEARSON não foi localizado (fls. 425), inexistindo notícia de seu paradeiro atual.

Tal situação, alinhada à estreita imbricação do réu com a associação criminosa, denota a imprescindibilidade da prisão cautelar para garantia da ordem pública e, especialmente, aplicação da lei penal, nos termos do art. 312 do CPP.

Registro, por oportuno, que é incabível na hipótese em tela a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, em face do não preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos do art. 44 do Código Penal. Com efeito, além de a pena corporal ser superior ao patamar de 04 anos, o acusado subjetivamente não faz jus ao benefício, considerando que as circunstâncias judiciais não lhe são favoráveis, tanto que fixada a pena-base acima do mínimo legal.

Por esses fundamentos, dou parcial provimento ao recurso do Ministério Público Federal, para elevar a pena-base, afastar a causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º da Lei n.º 11.343/2006, fixar o regime inicial fechado de cumprimento de pena, bem como para afastar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e decretar a prisão preventiva do acusado, e de ofício, aplicar a atenuante da confissão espontânea ao réu DEAN MARCELL PEARSON, resultando na pena definitiva de 05 anos 10 meses de reclusão e pagamento de 583 dias-multa.

Expeça a Subsecretaria da 1ª Turma o competente mandado de prisão preventiva. Em consequência, oficie-se ao Ministério do Trabalho para que não forneça ou cancele eventual CTPS expedida em favor do acusado, bem como oficie-se ao Ministério das Relações Exteriores para que cancele incontinenti e emissão de visto temporário em seu favor, como determinado na sentença de primeiro grau.

Oficie-se ao Ministério da Justiça.

É o voto.


HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): HELIO EGYDIO MATOS NOGUEIRA:10106
Nº de Série do Certificado: 7E967C46C0226F2E
Data e Hora: 29/07/2015 13:40:03