Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 17/09/2015
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001293-57.2008.4.03.6126/SP
2008.61.26.001293-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : CARLOS FRANCA GONCALVES
ADVOGADO : SP246391 CAIO BARROSO ALBERTO e outro
APELADO(A) : OS MESMOS
REU ABSOLVIDO : ADRIANA ANOBILI FERNANDES
: ANGELA SIMONE GONCALVES
No. ORIG. : 00012935720084036126 1 Vr SANTO ANDRE/SP

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO E DA DEFESA. ARTIGOS 168-A E 337-A, III, DO CP. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENICÁRIA E SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. IMPUTAÇÃO DE FATOS NOVOS AO RÉU APÓS AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. ADITAMENTO À DENÚNCIA OFERTADO. FALTA DE PRONUNCIAMENTO JUDICIAL ACERCA DO ADITAMENTO. PROSSEGUIMENTO DO FEITO COM PROLAÇÃO DE SENTENÇA. CONDENAÇÃO PELOS FATOS NARRADOS NO ADITAMENTO. NULIDADE INSANÁVEL. PROCESSO ANULADO. APELAÇÕES PREJUDICADAS.
1. Apelação da Acusação e da Defesa contra a sentença que condenou Carlos França Gonçalves, como incurso nos artigos 168-A e 337-A, III, do Código Penal.
2. Constata-se a existência de nulidade insanável, derivada da ausência de pronunciamento judicial acerca do recebimento ou rejeição do aditamento à denúncia, ofertado pelo Ministério Público Federal na audiência de instrução e julgamento, realizada em 07.04.2009.
3. O Juízo não se pronunciou sobre o aditamento à denúncia, impulsionando o processo, após manifestação da Defesa acerca do aditamento e da Acusação, como se não o tivesse havido.
4. A decisão de fls. 1192 não tem teor de recebimento ou rejeição do aditamento, mas apenas afasta a pretensão da Defesa de reconhecer-se a inépcia da denúncia ou que conste no polo passivo da ação somente o réu Carlos, como requerido, pleito que contou com a discordância ministerial, bem assim determina que se aguarde o término da instrução para a verificação do pedido da Defesa de expedição de ofício à Receita Federal, para o fornecimento de cópias das declarações de imposto de renda do réu Carlos.
5. O Ministério Público Federal amplia a acusação ao réu Carlos França Gonçalves, pois segundo a denúncia seria ele "responsável pelos delitos praticados a partir de outubro de 2004", ao passo que o aditamento à denúncia coloca-o como responsável por todo o período da imputada apropriação indébita previdenciária (de setembro/1996 a fevereiro/2006), constando que "efetivamente administrava a empresa, de fato, desde a sua criação".
6. Tendo em vista a notória ampliação da acusação, para inclusão de novos fatos criminosos ao réu Carlos, imprescindível por certo, a avaliação do Juízo sobre as novas imputações, com o recebimento ou rejeição do aditamento e, em sendo recebido o aditamento, a realização de nova citação do denunciado, com abertura de prazo à Defesa para o arrolamento de testemunhas.
7. Nulidade reconhecida. Processo anulado de ofício. Apelações prejudicadas.



ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, de ofício, anular o feito desde a audiência de instrução datada de 07.04.2009, determinando-se a baixa dos autos ao Juízo de origem para a retomada do processamento desde então, refazendo-se os atos processuais atingidos pela declaração de nulidade, restando prejudicada a apreciação das apelações, nos termos voto do Relator, acompanhado pelo Desembargador Federal Peixoto Junior, em antecipação de voto, vencido o Desembargador Federal Luiz Stefanini que deixava de acolher a nulidade apontada no voto do Eminente Relator.


São Paulo, 01 de setembro de 2015.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001293-57.2008.4.03.6126/SP
2008.61.26.001293-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : CARLOS FRANCA GONCALVES
ADVOGADO : SP246391 CAIO BARROSO ALBERTO e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
ABSOLVIDO(A) : ADRIANA ANOBILI FERNANDES
: ANGELA SIMONE GONCALVES
No. ORIG. : 00012935720084036126 1 Vr SANTO ANDRE/SP

VOTO-VISTA

Pedi vista dos autos diante do reconhecimento, pelo Eminente Relator, de ofício, de nulidade do feito a partir da audiência de instrução e julgamento, em face da falta de expressa decisão de recebimento ou rejeição do aditamento à denúncia procedido pelo Ministério Público Federal.

Com a devida vênia do Eminente Relator, não vislumbro vício insanável a dar azo ao refazimento dos atos processuais posteriores.

Verifico que Carlos França Gonçalves foi denunciado como incurso no art. 95, alínea "d", da Lei nº 8.212/91, c.c. art. 168-A, §1º, e art.337-A, inc. III, c/c art.71, do Código Penal, porque, segundo apontou a inicial acusatória, administrou a empresa FERTEC INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA-ME, desde 05 de outubro de 2004, tendo praticado os delitos a partir daquela data.

O aditamento à denúncia exsurgiu dos elementos trazidos aos autos até a data da realização da audiência de instrução, ocasião na qual houve por bem o Ministério Público Federal aditar a denúncia para imputar ao réu as mesmas condutas, porém, cometidas também em período anterior ao referido na inicial acusatória, desde setembro de 1996 e fevereiro de 2006 (para as contribuições previdenciárias) e desde setembro de 1999 e dezembro de 2005 (para as sonegações previdenciárias).

Ao final da audiência, determinou a magistrada a abertura de vista dos autos à defesa pelo prazo legal, para se manifestar acerca do aditamento à denúncia (fl.1151).

A defesa se manifestou às fls. 1160/1164, alegando inépcia da exordial, bem como discorreu a respeito da administração da empresa exercida ao longo do período, portanto desde 1995 a 2006, protestando por juntada de cópias das declarações de imposto de renda do acusado e diligenciando por prazo para junto à Receita Federal poder acostar as declarações pertinentes, o que foi feito (fls.1165/1174).

A seguir, foi designado o dia 21 de outubro de 2009 para oitiva das testemunhas arroladas pela defesa das corrés, ato realizado conforme fls.1225/1226.

A defesa juntou aos autos comprovação de pedido de parcelamento do débito com documentos (fls.1238 e segs).

Os réus Carlos e Adriana foram interrogados (1272) e a acusada Angela reinterrogada (fl.1235).

Tendo em vista o parcelamento, a ação penal foi suspensa, porém revogada a suspensão diante de informação sobre os débitos incluídos em dívida ativa (fl.1309).

Após as informações prestadas pela Procuradoria da Fazenda Nacional confirmando que os débitos, citados na denúncia não foram incluídos no parcelamento, determinou a Juíza o prosseguimento do feito, abrindo-se vista dos autos ao Ministério Público Federal para apresentação das alegações finais.

Foi concedido ao acusado o prazo de cinco dias para juntada de documentos comprobatórios do parcelamento, o que foi feito, dando-se vista ao parquet que ofereceu as alegações finais (fl.1442 e segs) e à defesa apresentada às fls. 1470/1489 que alegou inexigibilidade de conduta diversa em face de dificuldades financeiras pelas quais passou a empresa ao tempo dos não recolhimentos e presunção de inocência, pugnando por absolvição, defendendo-se, pois, de todos os fatos constantes quer da denúncia, quer de seu aditamento.

Não obstante ausente decisão explícita da julgadora sobre recebimento ou rejeição do aditamento à denúncia, certo é que, implicitamente, houve aceitação do ato acusatório, de modo que o feito foi impulsionado de acordo com o acréscimo acusatório realizado no aditamento até a posterior sentença que admitiu a acusação por todo o período administrado pelo réu na empresa.

O réu foi regularmente citado do aditamento, tendo sido interrogado, abrindo-se-lhe oportunidade para que se produzisse prova que entendesse conveniente, não suportando prejuízo, motivo pelo qual não há, sob esses aspectos, que reconhecer existência de nulidade.

Verifiquei que o prosseguimento do feito se deu regularmente com a observância dos princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal, ex vi do art. 5, incs. LIV e LV, da Constituição Federal, não havendo qualquer mácula nos atos posteriormente realizados a ensejar nulidade.

Lembro que, em tema de nulidade vige no nosso ordenamento jurídico o princípio pas de nulitté sans grief, pelo que, inexistindo prejuízo comprovado para a parte, não se declara nulo o ato processual, conforme deflui do art. 563 do Código de Processo Penal, sendo certo que a esse respeito a defesa não se pronunciou.

Portanto, entendo que não constituiu cerceamento de defesa a ausência de recebimento expresso do aditamento à denúncia antes da prolação da sentença.

Por fim, não cogito de dificuldade para aferição da prescrição da pretensão punitiva estatal, em face do aditamento à denúncia, à luz do entendimento de que tal ato não configura causa de interrupção do prazo por ausência de previsão legal (HC nº 84.606/SP Min. Carlos Velloso, DJ 28/10/2004). Precedente citado no voto de relatoria do Min. Ricardo Lewandowski no HC nº 109.635/ES, em 30/10/2012.

Ainda, por oportuno, quanto ao que decorre do aditamento à denúncia, cito o escólio de Eugênio Pacelli no sentido de que a mutatio "nessa modalidade, como não há substituição da acusação, mas a adição a ela de um fato ou circunstância agregado àquele (fato) principal já imputado, não haverá renovação integral da instrução e nem mesmo modificação da interrupção da prescrição. É dizer, na mutatio não há nova ação, mas aproveitamento daquela já instaurada, em razão de provas surgidas apenas na fase de instrução.

Com efeito, a inclusão de elemento ou de circunstância novos não poderá significar, obviamente, a mudança completa da acusação. O fato novo, na realidade, deverá se agregar ao núcleo da conduta imputada, como acréscimo". (in Curso de Processo Penal 17ª ed. Atlas, pág.651).

Em face do exposto, deixo de acolher a nulidade apontada no voto do Eminente Relator.

É o voto.


LUIZ STEFANINI


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001293-57.2008.4.03.6126/SP
2008.61.26.001293-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
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REU ABSOLVIDO : ADRIANA ANOBILI FERNANDES
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RELATÓRIO

O Exmo. Desembargador Federal HELIO NOGUEIRA (Relator):

O Ministério Público Federal, em 03.04.2008, denunciou Adriana Anobili Fernandes, Ângela Simone Gonçalves e CARLOS FRANÇA GONÇALVES, qualificado nos autos, nascido aos 17.02.1966, como incursos no artigo 95, 'd', da Lei 8212/91 c.c. artigo 168-A, §1º, I e artigo 337-A, III, do Código Penal. Consta da denúncia:


I - APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA
Os denunciados, na qualidade de responsáveis pela gerência e administração da empresa FERTEC INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA - ME, CNPJ n.° 00.026.510/0001-38, situada na Rua José Prieto Garcia, 91, Capuava, Mauá!SP, deixaram de recolher aos cofres do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS as contribuições previdenciárias descontadas dos pagamentos efetuados aos segurados empregados e contribuintes individuais, em meses compreendidos entre setembro de 1996 e fevereiro de 2006, inclusive os décimos terceiros salários, e os valores retidos de prestadores de serviço pessoa jurídica, em meses compreendidos entre setembro de 1999 e dezembro de 2005, o que configura o crime de apropriação indébita previdenciária.
Em ação fiscal deflagrada pelo INSS, constatou-se, com base nas informações contidas em Folhas de Pagamento, nas prestadas por intermédio das Guias de Recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social - GFIP e Guias de Recolhimento à Previdência Social - GPS, bem como das Notas Fiscais/Faturas de Serviços emitidas pelos prestadores de serviço e dos registros contábeis contidos nos Livros Razão e Diário, que a empresa havia deixado de recolher à Autarquia Previdenciária, no prazo legal, as contribuições previdenciárias descontadas da remuneração dos empregados e sócios-administradores, bem como as retidas no percentual de 11% das notas fiscais de mão-de obra temporária contratada pela empresa.
Em conseqüência, foram lavradas as Notificações Fiscais de Lançamento de Débitos n° 37.017.294-9 e n° 37.017.295-7, lançando-se, respectivamente os valores de R$ 198.026,07 (cento e noventa e oito mil, vinte e seis reais e sete centavos) e de R$ 3.090,65 (três mil e noventa reais e sessenta e cinco centavos), atualizados até setembro de 2006, valores estes que refletem o prejuízo causado ao erário pela conduta dos denunciados (cópias das NFLDs às fls. 457/530 e 531/555, e tabelas descritivas dos valores retidos e não recolhidos às fls. 04/05).
II - SONEGAÇÃO PREVIDENCIÁRIA
Os denunciados, também na qualidade de responsáveis pela gerência e administração da empresa FERTEC INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA - ME, omitiram, nas Guias de Recolhimento de Fundo de Garantia e Informações à Previdência Social - GFIPs, o valor total das remunerações pagas e creditadas a empregados e contribuintes individuais e demais fatos geradores de contribuição social, nos meses de setembro a dezembro de 2005, inclusive o décimos terceiro salário, causando redução indevida de contribuição previdenciária devida pela empresa, incidindo, assim, na conduta de sonegação previdenciária.
Na ação fiscal deflagrada pelo INSS, constatou-se, pela análise das folhas de pagamento e das GFIPs do contribuinte, que em diversas competências foram omitidas informações sobre rendimentos pagos a empregados e sócios, de forma a reduzir indevidamente a base de cálculo da contribuição social devida pela empresa, conforme tabela de fl. 06.
Em conseqüência, foi lavrada a Notificação Fiscal de Lançamento de Débito n° 37.017.296-5, lançando-se o débito no valor de R$ 25.517,57 (vinte mil quinhentos e dezessete reais e cinqüenta e sete centavos), atualizado até setembro de 2006.
III - DA MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS
A materialidade delitiva dos crimes de apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuições previdenciárias restou suficientemente demonstrada pelos procedimentos administrativos instaurados pela Previdência Social, no curso do qual se constatou, as condutas delituosas acima descritas.
A ação fiscal culminou na lavratura das Notificações Fiscais de Lançamentos de Débitos de números 37.017.294-9, 37.017.295-7 e 37.017.296-5, que juntamente como os demais documentos junto aos autos evidenciam os delitos supracitados.
Em relação à autoria delitiva, observa-se, a partir do contrato social e suas alterações (fls. 445/455), bem como da procuração de fls. 442, que são responsáveis pela gerência e administração da empresa, desde 16 junho de 1994, as sócias ADRIANA ANOBILI FERNANDES GONÇALVES e ÂNGELA SIMONE GONÇALVES, e, desde 05 de outubro de 2004, o procurador CARLOS FRANÇA CONÇALVES, que detém "amplos poderes para gerir e administrar a firma outorgante".
Desta forma, as acusadas ADRIANA E ÂNGELA são responsáveis por todas as condutas praticadas, enquanto o acusado CARLOS é responsável pelos delitos praticados a partir de outubro de 2004. Frise-se que CARLOS FRANÇA GONÇALVES, na qualidade de procurador-administrador, foi quem atendeu à fiscalização, conforme fls. 530, 555 e 576.

A denúncia foi recebida em 11.04.2008 (fls. 690).

A denúncia foi aditada às fls. 1150/1151 para constar: "e o sócio de fato, Carlos França Gonçalves que, malgrado somente tenha procuração para administrar a empresa desde 05 de outubro de 2004, efetivamente administrava a empresa, de fato, desde a sua criação".

Processado o feito, sobreveio sentença da lavra da MMª Juíza Federal Audrey Gasparini, publicada em 19.12.2011 (fls. 1495/1499 e 1500), que julgou parcialmente procedente a denúncia para:

a) condenar Carlos França Gonçalves à pena de 5 anos de reclusão, no regime semiaberto, e 24 dias-multa, no valor unitário mínimo, como incurso no artigo 168-A e artigo 337-A, III, do Código Penal c.c. artigo 71 do mesmo código e,

b) absolver Adriana Anobili Fernandes e Angela Simone Gonçalves das imputações da denúncia, com fundamento no artigo 386, IV, do Código de Processo Penal.

Apela o Ministério Público Federal pretendendo a majoração da pena-base (fls. 1502/1504). Sustenta que "em virtude do alto valor indevidamente apropriado - R$ 201.116,72 (duzentos e um mil, cento e dezesseis reais e setenta e dois centavos), atualizado até setembro de 2006 - as consequências do crime foram muito mais graves do que o normal". Alega que a pena de multa de 13 dias-multa não guarda proporção com a pena privativa de liberdade.

Apela o réu Carlos (fls. 1511 e 1658/1681), pleiteando édito absolutório. Alega ausência de dolo, por falta de prova do animus rem sibi habendi. Sustenta em razão das dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa priorizou o pagamento do salário dos funcionários e pagamento de fornecedores. Afirma que "os documentos constantes do procedimento administrativo não comprovam por si só, a existência de fato criminoso". Aduz que "resta cristalino a aplicação do princípio da inexigibilidade de conduta diversa" pois não teve intenção de reduzir ou suprimir tributo, não soube driblar as adversidades cada vez mais presentes no cotidiano de nosso país. Alega inaplicável a crime continuado, pois a apropriação indébita previdenciária é crime instantâneo de efeitos permanentes.

Contrarrazões da Defesa do réu Carlos pelo desprovimento do recurso ministerial às fls. 1516/1524.

A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da Dra. Samantha Chantal Dobrowolski opinou, preliminarmente, pela declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito secundário do artigo 168-A do CP, redimensionando-se a pena àquela aplicada ao artigo 2º, II, da Lei 8.137/90, com o reconhecimento da prescrição das condutas praticadas no período de setembro/1996 a março/2004. No mérito, pela absolvição do réu, pelo reconhecimento da excludente da inexigibilidade de conduta diversa e, subsidiariamente, pela elevação da pena, nos termos do recurso da Acusação (fls. 1686/1694).

É o relatório.

Ao MM. Revisor.



HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal Relator


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Data e Hora: 29/07/2015 13:40:48



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001293-57.2008.4.03.6126/SP
2008.61.26.001293-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : CARLOS FRANCA GONCALVES
ADVOGADO : SP246391 CAIO BARROSO ALBERTO e outro
APELADO(A) : OS MESMOS
REU ABSOLVIDO : ADRIANA ANOBILI FERNANDES
: ANGELA SIMONE GONCALVES
No. ORIG. : 00012935720084036126 1 Vr SANTO ANDRE/SP

VOTO

O Exmo. Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator):


Em análise do processamento do presente feito, constato a existência de nulidade insanável, derivada da ausência de pronunciamento judicial acerca do recebimento ou rejeição do aditamento à denúncia, ofertado pelo Ministério Público Federal na audiência de instrução e julgamento, realizada em 07.04.2009 (fls. 1150/1158).

Consta da assentada de fls. 1150/1151 que, após a oitiva de três testemunhas arroladas pela Defesa, o Ministério Público Federal manifestou-se em audiência nos seguintes termos:


"Tendo em vista que a prova produzida vai no sentido de que o réu Carlos administrou a empresa desde a sua criação, o MPF requer o aditamento da denúncia para que, no segundo e terceiro parágrafos da quarta página (fls. 689), no lugar das expressões 'e desde 05 de outubro de 2004, o procurador Carlos França Gonçalves, que detém amplos poderes para gerir e administrar a firma outorgante' e 'enquanto o acusado Carlos é acusado pelos delitos praticados a partir de outubro de 2004' passem a constar, respectivamente, as expressões 'e o sócio de fato, Carlos França Gonçalves que, malgrado somente tenha procuração para administrar a empresa desde 05 de outubro de 2004, efetivamente administrava a empresa, de fato, desde a sua criação'

Em sequência, a MMª. Juíza de primeiro grau abriu vista à Defesa para manifestação acerca do aditamento à denúncia.

Às fls. 1160/1174, a Defesa apresenta manifestação, arguindo a inépcia da denúncia e, subsidiariamente, que "caso este MM Juízo não considere inepta a denúncia que ora não acreditamos, que ao menos considere denunciado tão somente o acusado Carlos França Gonçalves". Requereu ainda a expedição de ofício à Receita Federal do Brasil para que forneça declarações do imposto de renda do réu Carlos dos exercícios de 1995 a 2006 ou a concessão de prazo para diligenciar a respeito.

O Ministério Público Federal, em contraditório, afirmou que "não faz sentido, deste modo, a alegação da defesa de que estar o juiz adstrito aos termos do aditamento implicaria em considerar como acusado tão somente Carlos França Gonçalves" e requereu "o prosseguimento do feito, com a condenação dos acusados nos termos da denúncia" (fls. 1186/1187).

Após manifestação das partes, o Juízo a quo decidiu (fls. 1192):


"1. Fls. 1160/1174 - Indefiro o pedido da defesa, acolhendo a manifestação do MPF. Quanto ao pedido formulado pela defesa às fls. 1164, aguarde-se o encerramento da instrução criminal.
No mais, aguarde-se a devolução da carta precatória expedida às fls. 1136.
Intimem-se."

A decisão de fls. 1192 foi disponibilizada no Diário Eletrônico da Justiça de16.07.2009 (fls. 1192 verso) e o Ministério Público Federal foi intimado pessoalmente em 20.07.2009 (fls. 1193).

A fase instrutória teve prosseguimento, com a oitiva por carta precatória da testemunha Davi Paulino (fls. 1224/1226), o reinterrogatório da ré Angela e o interrogatório dos réus Adriana e Carlos (fls. 1228, 1234/1235, 1269/1272).

As partes apresentaram alegações finais (fls. 1442/1449, 1461/1469 e 1470/1489) e sobreveio sentença de fls. 1495/1499.

Observe-se assim, que o Juízo não se pronunciou sobre o aditamento à denúncia, impulsionando o processo, após manifestação da Defesa acerca do aditamento e da Acusação, como se não o tivesse havido.

Com efeito, a decisão de fls. 1192 não tem teor de recebimento ou rejeição do aditamento, mas apenas afasta a pretensão da Defesa de reconhecer-se a inépcia da denúncia ou que conste no polo passivo da ação somente o réu Carlos, como requerido às fls. 1160/1174, pleito que contou com a discordância ministerial, bem assim determina que se aguarde o término da instrução para a verificação do pedido da Defesa de expedição de ofício à Receita Federal, para o fornecimento de cópias das declarações de imposto de renda do réu Carlos.

Na hipótese em tela, o Ministério Público Federal amplia a acusação ao réu Carlos França Gonçalves, pois segundo a denúncia seria ele "responsável pelos delitos praticados a partir de outubro de 2004", ao passo que o aditamento à denúncia coloca-o como responsável por todo o período da imputada apropriação indébita previdenciária (de setembro/1996 a fevereiro/2006), constando que "efetivamente administrava a empresa, de fato, desde a sua criação".

Nessa linha, tendo em vista a notória ampliação da acusação, para inclusão de novos fatos criminosos ao réu Carlos, imprescindível por certo, a avaliação do Juízo sobre as novas imputações, com o recebimento ou rejeição do aditamento e, em sendo recebido o aditamento, a realização de nova citação do denunciado, com abertura de prazo à Defesa para o arrolamento de testemunhas.

Dessa forma, presente nulidade insanável no feito.

Colaciono precedentes deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região acerca do tema, inclusive com o apontamento da necessidade de nova citação do acusado, dada a imputação de novos fatos criminosos, como no caso concreto:


"HABEAS CORPUS" - INÉPCIA DA DENÚNCIA - INICIAL QUE NÃO PROMOVE A INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA DE ACUSADO POR CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL - CRIME DE AUTORIA COLETIVA - DESNECESSIDADE - PRECEDENTES -INÉPCIA AFASTADA - RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA - ADITAMENTO À DENÚNCIA - NOVA DEFINIÇÃO JURÍDICA AOS FATOS DA DENÚNCIA - CPP. ART. 384, PARÁGRAFO ÚNICO - NOVA CITAÇÃO - PROVIDÊNCIA INEXIGÍVEL- AUSÊNCIA DE EXAME DE CORPO DE DELITO - PROVA EMPRESTADA - FASE INQUISITORIAL - MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA - ARTIGO 366 DO CPP - NORMA DE CARÁTER MISTO - PREVALÊNCIA DO ASPECTO PENAL - INAPLICABILIDADE DE FORMA RETROATIVA - ORDEM DENEGADA. (...) 5. Em havendo aditamento para a inclusão de mais acusados à prática da infração penal descrita na denúncia ou para a imputação de novos delitos ao réu, em verdade, o que existe é a instauração de uma nova ação penal, e sendo assim, nova citação seria indispensável. Porém, tratando-se do aditamento previsto no artigo 384, parágrafo único do Código de Processo Penal, não há a instauração de uma nova ação, mas, sim, a adequação dos fatos narrados na denúncia às circunstâncias elementares extraídas de prova dos autos, ensejando uma nova tipificação legal. (...)
(HC 00001380620044030000, DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE, TRF3 - QUINTA TURMA, DJU DATA:18/05/2004 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
PENAL. APELAÇÃO. INDEVIDA DESCLASSIFICAÇÃO EX OFFICIO DAS CONDUTAS DESCRITAS NA DENÚNCIA COMO CORRUPÇÃO PASSIVA PARA O DELITO DE CONCUSSÃO. APURAÇÃO DE FATO NOVO NO CURSO DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. IMPRESCINDIBILIDADE DO ADITAMENTO DA DENÚNCIA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. PROCEDIMENTO DO ART. 384 DO CPP. MUTATIO LIBELLI. LAVAGEM DE CAPITAIS. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DO DOLO DE OCULTAÇÃO E DISSIMULAÇÃO DE RECURSOS PROVENIENTES DE CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 1º, V, DA LEI 9.613/98. SONEGAÇÃO FISCAL. OMISSÃO DE RENDIMENTOS TRIBUTÁVEIS EM DECLARAÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA DE PESSOA FÍSICA. ADEQUAÇÃO DO TIPO PENAL DO ART. 1º, I, DA LEI 8.137/90 PARA A HIPÓTESE DE SUPRESSÃO DE TRIBUTO FEDERAL DEVIDO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA COMPROVADAS. DOLO CONFIGURADO. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE COM FUNDAMENTO EXCLUSIVO NAS CIRCUNSTÂNCIAS RELATIVAS A OUTRO CRIME IMPUTADO AO APELANTE. REDUÇÃO AO MÍNIMO LEGAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA NA MODALIDADE RETROATIVA REGULADA PELA PENA CONCRETA. (...) 2. É lição basilar do direito processual penal que a descrição dos fatos apresentada na denúncia delimita o objeto da ação penal, exigindo-se do órgão acusatório o aditamento da exordial para incluir fatos novos que eventualmente venham a ser apurados no curso da instrução. 3. Trata-se de garantia essencial ao exercício da ampla defesa e do contraditório, na medida em que confere ao acusado a segurança de que deve se defender de acusação certa e determinada, de forma a impedir que seja surpreendido por posterior condenação pela prática de condutas que extrapolem a base fática que serve de parâmetro para a produção de provas e para a atuação das partes na lide de um modo geral. 4. Na hipótese dos autos, a atribuição pelo juízo sentenciante de capitulação jurídica diversa da descrita na denúncia se deveu à valoração de elemento estranho à base fática constante da exordial, e não à interpretação distinta dos fatos ali narrados, não se tratando de mera emendatio libelli, mas de autêntica mutatio libelli. Nulidade da sentença com relação à imputação de crime contra a Administração Pública. (...)
(ACR 00048423120004036102, DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/08/2014 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

Digno de nota que, embora não recebido o aditamento à denúncia, a sentença condena o réu Carlos, na condição de "sócio de fato e administrador da empresa desde sua constituição", nos exatos teores do referido aditamento (fls. 1496verso/1498):


(...)
Resta, então, verificar a questão da autoria.
(...)
Apesar das Rés Ângela e Adriana serem as únicas sócias da empresa FERTEC IND. COM. LTDA. (fl. 450), restou comprovado que nunca exerceram a administração da mesma, administração esta exercida pelo Réu Carlos, sócido de fato e administrador da empresa desde sua constituição. Tanto as Rés como Carlos, confirmaram esta situação em seus depoimentos. Além disso, as testemunhas também corroboraram com esta versão. Assim, é de rigor a absolvição de Angela Simone Gonçalves de Souza e Adriana Anobile Fernandes, aliás requerida pelo próprio Ministério Público Federal (fl. 1445v).
Quanto ao Réu Carlos, o mesmo entendimento acima não se aplica.
Em seu interrogatório, alegou ter o controle total da empresa, sendo o único responsável por sua administração. Alegou, ainda, que são verdadeiros os fatos narrados na denúncia. Porém, em sua defesa, aduziu que os tributos não foram recolhidos em razão de grandes dificuldades financeiras pelas quais a empresa passou desde a fundação. Informou que houve redução do número de funcionários, atraso no pagamento de salários, títulos protestados.
As outras Rés corroboraram a afirmação de que só o Réu Carlos administrava a empresa, bem como as testemunhas ouvidas em Juízo.
(...)
Ou seja, é e se concluir que o Réu Carlos assumiu um encargo que não conhecia, qual seja, o de gerenciar uma empresa. Não se discute aqui a veracidade ou não da crise alegada. Entretanto o Réu assumiu o risco de estar à frente da empresa e mesmo que não tivesse conhecimento suficiente para tanto, era o responsável nos termos da lei. E como responsável, deve arcar com as consequências da inadimplência.
Quanto ao enquadramento jurídico, verifico que durante todo o período mencionado na denúncia, o Réu Carlos cometeu o crime previsto no art. 168-A do Código Penal e, nos meses de setembro a dezembro de 2005, incidiu também no crime previsto no inciso III do art. 337-A do Código Penal, em concurso material.

Por estas razões, de ofício, anulo o feito desde a audiência de instrução e julgamento datada de 07.04.2009 (fls. 1150/1158), determinando-se a baixa dos autos ao Juízo de origem para a retomada do processamento desde então, refazendo-se os atos processuais atingidos pela declaração de nulidade, restando prejudicada a apreciação das apelações.

É o voto.


HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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