D.E. Publicado em 06/08/2015 |
|
|
|
|
|
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | LUIZ DE LIMA STEFANINI:10055 |
Nº de Série do Certificado: | 6F9CE707DB6BDE6E6B274E78117D9B8F |
Data e Hora: | 30/07/2015 14:40:58 |
|
|
|
|
|
RELATÓRIO
Trata-se de apelação criminal interposta por Ewerton Pereira Quini contra sentença (fls.648/655v) proferida pelo MMº Juízo da 3ª Vara Federal de Marília/SP que, julgando procedente queixa-crime, condenou o querelado ao cumprimento das penas de 8 (oito) meses de detenção, em regime aberto e 13 (treze) dias-multa, à base de um salário mínimo vigente à época do fato, como incurso no art. 138, c/c art. 141, II, ambos do Código Penal.
O querelado foi condenado ao pagamento do valor mínimo de R$8.000,00 (oito mil reais) de reparação de danos morais experimentados pela querelante.
A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade a ser regulada pelo Juízo da Execução.
A queixa formulada pela Juíza do Trabalho da 2ª Vara de Marília/ São Paulo centra-se na afirmação de que Everton, na qualidade de advogado do Sindicato dos Empregados em Postos de Serviços de Combustível e Derivados de Petróleo de Bauru e Região, nos autos da Reclamação Trabalhista nº 5/2007, apresentou em 13/05/11, petição arguindo suspeição da querelante, segundo ela incorrendo em excesso de linguagem que ofendeu a sua honra e reputação pessoal e profissional. Segundo ela, o querelado disse que a juíza tinha antecipado, "à boca pequena", "à portas fechadas", a decisão que antecipou a tutela antecipada para deferir o registro provisório de outro sindicato (a qual foi mantida pelo E. TRT da 15ª Região em Mandado de Segurança lá impetrado). Ainda conforme a queixa, o querelado consignou na petição que "(...) podemos falar na possível existência de um juiz peitado (...)".
A peita, conforme discorre a queixa- crime que caracteriza suborno, pode ser representada, por diversas maneiras, a mais comum consubstanciada pela "compra" por intermédio de pagamento em dinheiro, diz respeito à corrupção propriamente dita, crime capitulado pelo artigo 317 do Código Penal Brasileiro, a corrupção passiva, onde figura o corruptor e o corrupto, ou pelo suborno imaterial.
E ainda diz a petição:
"Se parcial, parcial é seu julgamento, parcial é o seu trabalho, e certamente na parcialidade destacada, pode ao propenso favorecido, antecipar os acontecimentos ao analisar o mérito e julgar a causa em questão.
O favorecido se favorece das benesses do suspeito".
Sobrevinda a condenação fundada em comprovação de autoria e materialidade do delito de calúnia, apela Ewerton Pereira Quini requerendo absolvição, inclusive em relação à condenação ao pagamento por danos morais, sob os seguintes fundamentos:
O narrado na exceção não passou de argumentação que ainda buscava provas de sua procedência ou não, sendo o único remédio jurídico a ser intentado na ocasião;
Não se poderia falar em parcialidade se não houvesse ajuizamento de suspeição;
As expressões "peita", "suborno", "parcialidade", à boca pequena, à portas fechadas", etc, não passaram de meros fatos exemplificativos da vida prática que foram objeto de notícia jornalística na cidade de Marília, sem qualquer alusão à querelante;
Não há declinação de que a querelante teria cometido crime;
Não houve o animus caluniandi;
O excesso de linguagem ou linguagem inapropriada nos casos de peticionamento por parte de advogado, como no caso, tampouco traduziriam crime, à luz da interpretação do art. 31 do Estatuto da Advocacia e art. 133 da Constituição Federal.
Subsidiariamente, pleiteia redução da condenação pelos danos morais, minorando-a em 10% do valor, dada a impossibilidade material do recorrente e os parcos ganhos para sua mantença e de sua família.
Contrarrazões de apelação pela manutenção da sentença recorrida às fls. 697/704.
Parecer do Ministério Público Federal opina pelo desprovimento do recurso (fls.709/712v).
É o relatório.
Dispensada a revisão, na forma regimental, em face de previsão de pena de detenção.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | LUIZ DE LIMA STEFANINI:10055 |
Nº de Série do Certificado: | 6F9CE707DB6BDE6E6B274E78117D9B8F |
Data e Hora: | 30/07/2015 14:40:52 |
|
|
|
|
|
VOTO
Na queixa-crime a querelante destacou trechos da exceção de suspeição oposta pelo querelado em que, segundo ela, claramente evidenciou o querelado o propósito de ofensa a sua honra nos quais afirma ter a querelante antecipado "ainda que à boca pequena, sussurro, à portas fechadas" sua decisão, podendo-se "falar em possível existência de Juiz peitado", verbis:
"Nestes termos, falamos em ato exclusivo a ser praticado pelo Juiz e, assim, a ele cabendo sua prática, se uma das partes antecipadamente dele sabe, a suspeição aqui mesmo ocorreu, eis que somente ele poderia prever o julgamento da demanda e antecipar, ainda que à boca pequena, de sussurro, a portas fechadas, o que no mérito a ação virá a ser julgada".
"Até, por questões de realidade vivida nestas condições, podemos falar na possível existência de Juiz peitado, pois não sabemos ao certo os moldes dos acontecimentos bem como se deu a informação de que houve a tal decisão autorizadora mencionada na reportagem ou, ainda, quando e como houve a antecipação dos termos da decisão final de mérito da ação em discussão que, em forma extrajudicial e antecipativa, outorgaria ao sindicato autor possibilidade de atuar como entidade representativa desde já".
"A peita, o suborno, pode ser representado por diversas maneiras, a mais comum se caracteriza pela "compra" por intermédio de pagamento em dinheiro, diz respeito à corrupção propriamente dita, crime capitulado pelo artigo 317 do Código Penal Brasileiro, a corrupção passiva, onde falamos da figura do corruptor (o que paga o preço) e do corrupto (aquele que recebe a proposta e o pagamento); podemos falar também que a peita pode se caracterizar pela vantagem ser paga por bens de consumo ou mesmo direitos inerentes à pessoa do corruptor, transmitidos ao corrupto, pela vantagem obtida ou ainda a ser obtida pelo mesmo".
"Mas mesmo assim, deixando de lado a peita material, podemos ainda falar da imaterialidade do suborno, descrito como a vantagem que não se vê, da vantagem que não se pega, que não se dá, mas daquela em que se cativa, que se cria no decorrer dos dias, das semanas, dos meses, dos anos; o suborno imaterial é assim caracterizado quando o corruptor cria o enlace de confiança, criando, indicando e concedendo mimos, gracejos, lampejos de exortação em favor do corrupto que os recebe sem diretamente e no momento, se lhe lançar mão da contraprestação - que na certeza ainda não foi exigida - mas que futuramente cederá a fará uso desta propriedade imaterial - a confiança - para conseguir o que realmente se quer (o corruptor)".
"Se parcial, parcial é seu julgamento, parcial é o seu trabalho, e certamente, na parcialidade destacada, pode ao propenso favorecido, antecipar os acontecimentos ao analisar o mérito e julgar a causa em questão".
"O favorecido se favorece das benesses do suspeito".
Ainda na petição aponta a querelante que depois de discorrer as diversas maneiras de corrupção e um juiz suspeito, concluiu o querelado:
"Desta forma e nos termos do artigo 135, inciso V, do Código de Processo Civil, é a presente para arguir a suspeição agregada e alegada nos fatos e nas provas calcadas no presente pedido, dando-se por suspeita a autoridade judiciária aludida no preâmbulo do presente pedido...".
A sentença condenatória sobreveio sob os seguintes fundamentos:
"Tendo o querelado constado estes dizeres em petição arguindo a suspeição do juiz (querelante), invocando expressamente o disposto no inciso V do art. 135 do CPC, patente estava, para o querelado, que a juíza não mais detinha a necessária imparcialidade, pois possuía interesse na causa, inclusive para que o autor saísse vitorioso da demanda.
O querelado foi categórico em afirmar que a querelante antecipou à parte contrária qual seria a sua decisão a ser prolatada nos autos, insinuando que isto teria acontecido "(...) à boca pequena, de sussurro, a portas fechadas(...)".
Ele foi além no seu intento de atacar a honra da querelante, na medida em que disse que diante da "realidade vivida nestas condições" seria possível dizer que existia um "Juiz peitado", explicando, em seguida, as formas possíveis de suborno ou peita, fazendo alusão expressa ao artigo 317 do Código Penal e, depois, definindo as figuras do corruptor e corrupto.
Por arremate, foi enfático o querelado ao aduzir que "o favorecido se favorece das benesses do suspeito".
Esta foi a postura do querelado ao sustentar a quebra da imparcialidade da querelante e, com isso, dar base à alegação de suspeição da querelante com o intuito de tentar afastá-la da condução do processo ajuizado contra seu cliente.
A seu modo, o querelado imputou à querelante a pecha de corrupta com o intuito de ensejar sua parcialidade no caso judicial que estava em suas mãos para julgamento.
O art. 317 do Código Penal traz o tipo de corrupção passiva nos seguintes termos, in verbis:
Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena- reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Este tipo penal pune a mercancia da função pública, ou seja, a atitude do funcionário público que se valendo de tal função solicita, aceita promessa ou recebe vantagem indevida.
Diante das palavras do querelado e ao ser invocado por ele o disposto no tipo antes transcrito, não tenho dúvidas de que o querelado agiu dolosamente ao imputar, falsamente, à querelante a autoria do crime de corrupção passiva, tachando-a de corrupta por ter antecipado à parte contrária uma decisão sua ainda não prolatada nos autos de uma ação em tramitação perante a justiça obreira.
A falsidade da imputação do crime foi reconhecida, nestes autos, pelo próprio querelado nos seguintes termos "(...) que não houve antecipação de qualquer decisão por parte da querelante em favor de quem quer que seja, direta ou indiretamente, (...)". (fl.81). Tal afirmação foi repetida pelo querelado à fl.637)".
E concluiu comprovado que o querelado cometeu excesso no exercício da advocacia, praticando, dolosamente, crime de calúnia contra a querelante.
Observou ainda que no julgamento da exceção, o desembargador relator entendeu que as afirmações relacionadas a existência de Juiz peitado, crime de corrupção passiva e suborno imaterial, embora não mencionasse objetivamente a prática de tais condutas, se houve com flagrante desrespeito à magistrada e ao Poder Judiciário, litigando de forma desleal e temerária, impondo multa revertida à parte contrária.
Pois bem. Nenhum reparo há de ser feito à escorreita decisão.
Prevê o art. 138 do Código Penal, verbis:
"Art. 138. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime.
Pena - Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
A esse núcleo do tipo se subsumiria a conduta de fazer acusação falsa a alguém de um fato criminoso, punindo-se o crime quando o agente agir dolosamente.
A doutrina e jurisprudência consideram o elemento subjetivo do tipo como a especial intenção de ofender, magoar, macular a honra alheia. Este o elemento intencional que lhe está implícito.
O crime de calúnia exige dolo específico. A imputação é objetiva, direta, precisa, faz com que todos entendam a mensagem e isso é o que se vê na petição manejada pelo querelado. O atingimento à honra se vislumbra claramente, mesmo porque em sendo dirigida a uma juíza certamente que não haveria necessidade de explicações sobre significados de tipos penais como corrupção, corruptor e corrupto, suborno, senão pelo nítido propósito de ofendê-la, inclusive com citação do crime em que eventualmente poderia lhe ser imputado com sua conduta.
Ademais, a primordial qualidade de um magistrado e requisito essencial para o exercício da magistratura é a imparcialidade, a confiabilidade, de modo que, mais uma vez, incorreu o recorrente em ferimento à honra da magistrada, caracterizando a tipicidade subjetiva do crime, perceptível primus ictus oculi que deu lastro ao entendimento da justa causa para a ação penal presente calúnia visível de pronto, não socorrendo o recorrente o estatuto do advogado, tampouco a inviolabilidade de seus atos no exercício da profissão da advocacia (art.131 da Constituição Federal e art.31 do Estatuto da Advocacia).
Destarte, tendo a recorrida manifestamente sofrido ofensas pessoais contra a sua honra irrogadas por Ewerton Pereira Quini na petição de Exceção de Suspeição, tenho por comprovado o crime do art. 138, c.c. art. 141, inc.II, do Código Penal e mantenho a sentença condenatória.
Por fim, o pedido de redução do importe de indenização não comporta acolhimento.
O valor está adequado ao caso dos autos e o pedido não está baseado em suporte probatório que evidencie a necessidade de redução, uma vez que se situou em mera alegação.
Ante tais fundamentos, nego provimento ao recurso.
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | LUIZ DE LIMA STEFANINI:10055 |
Nº de Série do Certificado: | 6F9CE707DB6BDE6E6B274E78117D9B8F |
Data e Hora: | 30/07/2015 14:40:55 |