D.E. Publicado em 06/08/2015 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, declarar a nulidade do feito desde o recebimento da denúncia, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação criminal interposta por Maria Leonor Fernandes Milan contra sentença (fls.288/294v) proferida pelo MMº Juízo da 1ª Vara Federal de São João da Boa Vista/SP que, julgando procedente denúncia, condenou a acusada ao cumprimento da pena de 8 (oito) meses de detenção, em regime inicial aberto e 13 (treze) dias-multa, à base de um décimo do salário mínimo vigente à época dos fatos, atualizado, como incursa no art. 138, c/c art. 141, II, ambos do Código Penal.
A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade a ser regulada pelo Juízo da Execução.
Consta dos autos que a acusada caluniou um magistrado, imputando-lhe falsamente fato definido como crime, além de tê-lo difamado, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação, e de tê-lo injuriado, ofendendo-lhe a dignidade.
O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Maria Leonor Fernandes Milan porque, na condição de defensora de Fábio Antunes Modenese, réu na Ação Penal nº 0001459-57.2006.403.6127, protocolizou na 1ª Vara Federal de São João da Boa Vista/SP, no dia 23 de setembro de 2010, as razões de apelação acostadas às fls. 501/523 do Apenso I, (vol.III) dos autos, contendo expressões ofensivas à honra do juiz prolator da sentença condenatória exarada naquele feito, Gilberto Mendes Sobrinho, o qual, conforme exigido pelo art. 145, § único do Código Penal, representou ao Ministério Público Federal nos termos expendidos nas fls. 534/535 do mesmo volume.
No item II.C daquelas razões consta que o magistrado:
- "rumou pelo crítico caminho da clandestinidade, por não confrontar de forma devida os depoimentos prestados e, neste exercício, concluir pela supremacia de elementos extrínsecos ao devido processo legal";
- "eximiu-se da tarefa de apontar prova CABAL E PRODUZIDA SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO JUDICIAL para pautar o decreto condenatório, usando como único subterfúgio um duvidoso e arriscado exercício de lógica, ao arrepio dos abalizados princípios jurídicos que norteiam o processo penal e do próprio Estado Democrático de Direito";
- utilizou-se de uma evidente "estratégia" de "fundamentar seu convencimento, a todo custo, elementos capciosos ou alheios aos autos";
- agiu com "incontroversa arbitrariedade e achaque ao princípio do DEVIDO PROCESSO LEGAL (Constituição Federal, art.5º, LIV)";
- Concluiu "que há Autoria porque não pôde o apelante provar, de forma definitiva, sua inocência, como se o ônus probandi lhe coubesse", o que "significa admitir-se como sustentáculo do processo penal um verdadeiro 'Estado de Culpa' em detrimento do Estado de Inocência (Pacto de São José da Costa Rica, art. 8º, item 2; Constituição Federal, art.5º, LVII); e
- Neste esteio, tem-se que o Julgador preferiu optar por prolatar decisão às cegas, acolhendo entendimento não com base no livre convencimento motivado, MAS tomado por verdadeira CONVICÇÃO ÍNTIMA, porquanto tenha se desincumbido da tarefa de apreciar e mensurar devidamente as PROVAS JUDICIAIS simplesmente desacreditando-as por teorias subjetivas suas".
E diz a denúncia:
"Com tais assertivas, que extrapolam os limites éticos esperados de uma defesa combativa, a denunciada imputou falsamente ao prolator do decisum a conduta de ter praticado ato de ofício contra disposição expressa de lei, para satisfazer sentimento pessoal (íntimo, alheio aos autos, "clandestino") fato tipificado como crime de prevaricação no artigo 319 do Código Penal".
Além disso, consta no item II.B, das razões de apelação que "por fantasiar que somente um agente criminosos iria voluntariamente assumir a responsabilidade por atos danosos, o Juízo prefere condenar um inocente com base em meros exercícios falaciosos de raciocínio"afirmação depreciativa acerca de fato preciso que configura nítida ofensa à honra objetiva do juiz, notadamente perante os membros do Ministério Público e servidores que tiveram e terão acesso aos autos e os desembargadores federais que julgarão o recurso.
Outrossim, no mesmo item II.B, a denunciada afirma:
- "O fato é que, independentemente do grau de 'fantasia' que queira o Julgador, às suas expensas, creditar à ocorrência, esta foi confirmada pelos envolvidos, quando prestaram depoimento em fase judicial"; e
- "Ainda mais romântico é acreditar que o verdadeiro culpado, se presente à excursão, deveria ter tomado a frente para assumir a responsabilidade pela ocorrência - como se todos os culpados se dispusessem sempre a confessar de forma espontânea e livre de vícios, e como se não houvesse princípio constitucional protegendo-lhes e permitindo-lhes o contrário!!!".
Com essas afirmações, que assim como as anteriores extrapolam os limites da ampla defesa e da livre manifestação, a denunciada feriu a honra subjetiva do magistrado, inquinando-o de pessoa fantasiosa (por atribuir ao episódio "às suas expensas", interpretação dissociada da realidade) e romântica (no sentido de indivíduo dado a devaneios).
Diante do narrado, foi a acusada denunciada como incursa nos arts. 138, 139, 140, c.c. art.141, II e 70, todos do Código Penal.
A proposta de transação penal não foi aceita pela autora do fato (fl.101), tendo o feito seu prosseguimento.
A denúncia foi rejeitada no tocante aos crimes de difamação e injúria e recebida somente quanto ao crime de calúnia previsto no art. 138, c.c. art. 141, II, do Código Penal (fls.103/105).
A representação do ofendido está às fls. 534/535, considerando o Magistrado elementos indiciários do crime previsto no art. 139 do Código Penal (apenso I, vol.III).
Sobrevinda a condenação fundada em comprovação de autoria, materialidade e dolo do delito de calúnia, apela Maria Leonor Fernandes Milan requerendo:
Preliminarmente, nulidade do feito em razão de ferimento ao princípio da identidade física do juiz, uma vez que o juiz que interrogou a ré não foi o mesmo que procedeu a oitiva das testemunhas.
No mérito, intenta absolvição, sob os seguintes fundamentos:
A acusada não cometeu qualquer ilícito quando em defesa de seu constituinte e se excedeu nos autos apenas por uma infelicidade, cometendo deslize em suas afirmações;
Não houve o animus caluniandi e sim animus defendendi, pois o que se ataca por meio de recurso é a decisão e não a pessoa física do juiz;
Alega que o juiz pugnou a representação no próprio feito no qual foi a ele endereçada a apelação redigida pela acusada, não podendo ali praticar o ato jurídico que impugnou sob pena de nulidade;
Aduz que o animus de caluniar somente estaria presente na divulgação ou propagação de conduta desonrosa consistente em afirmação taxativa e direta à pessoa do douto juiz, fato inocorrente no caso. Assim, como imputação vaga e imprecisa não caracteriza o crime, como vem sendo decidido pelos tribunais superiores.
Afirma que jamais quis atingir a integridade moral do juiz, tendo agido no legítimo exercício profissional em defesa de seu constituinte, a descaracterizar a tipicidade do fato.
Contrarrazões pelo improvimento do recurso (fls.313/320).
Parecer do Ministério Público Federal opina pela declaração de nulidade do processo, consubstanciado na seguinte ementa:
"APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DA DEFESA. ARTS. 138 c/c 141, inciso II, do CP. Crime contra a honra praticado em face de magistrado. Ação penal pública condicionada à representação. Denúncia que extrapola os limites da representação do ofendido, que apontava o delito previsto no art.139 do CP. Ausência de condição de procedibilidade. Parecer pela declaração de nulidade do processo (fls. 323/329v).
É o relatório.
Dispensada a revisão, na forma regimental, em face de previsão de pena de detenção.
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VOTO
Preliminarmente, afasto a arguição de ferimento ao princípio da identidade física do juiz disciplinado no art. 399, §2º, do Código de Processo Penal, no sentido de que o juiz que presidiu a instrução deva proferir a sentença.
A aplicação do princípio comporta ressalvas, tais como convocações, licenças, aposentadorias, afastamentos dos magistrados, hipóteses extraídas do art. 132 do Código de Processo Civil.
No caso dos autos, a magistrada titular estava em férias quando do interrogatório da acusada e quando da prolação da sentença o substituto legal que realizou a audiência foi o sentenciante, de modo que não há nulidade processual.
Veja-se jurisprudência nesse sentido:
IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ - NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO - APLICAÇÃO DO ART. 132 DO CPC POR ANALOGIA AO ART. 3º DO CPP
Nesse sentido, cito brilhante voto da eminente Juíza Federal Convocada Louise Filgueiras, quando do julgamento da apelação criminal nº 0002036-43.2007.4.03.6113/SP:
"Princípio da identidade física do Juiz. CPP, art. 399, § 2º. Lei n. 11.719/08. Aplicação analógica do art. 132 do Código de Processo Civil. O princípio da identidade física do Juiz, introduzido no sistema processual penal pela Lei n. 11.719/08, que acrescentou o § 2º ao art. 399 do Código de Processo Penal, não é absoluto, devendo serem aplicadas, por analogia, as previsões contidas no art. 132 do Código de Processo Civil, com vistas a regular as hipóteses em que o Juiz que presidiu a instrução não esteja no exercício da judicatura, haja vista que tal princípio deve ser compatibilizado com o princípio constitucional da razoável duração do processo, não se mostrando razoável que o feito permaneça paralisado, principalmente nas hipóteses de prisão cautelar, enquanto estiver afastado, por qualquer razão, o magistrado:
PENAL - PROCESSO PENAL - OFENSA AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ - INOCORRÊNCIA - PRELIMINAR REJEITADA - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - (...). 1. Não houve afronta à norma do art. 399, § 2º do CPP, com a redação dada pela Lei nº 11.719/08, que instituiu, no sistema processual penal, o princípio da identidade física do juiz. O referido art. 399, §2º não prevê as hipóteses em que o juiz que presidiu a instrução não esteja no exercício da judicatura, pelo que aplicável, por analogia (art. 3º do Código de Processo Penal) as normas a respeito do tema constantes do art. 132 do Código de Processo Civil, que possui a seguinte dicção: "O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor". 2. A magistrada que presidiu a instrução encontrava-se em gozo de férias, razão pela qual o decisum foi proferido pelo juiz substituto. O período de gozo de férias da magistrada deve ser considerado como "afastamento por qualquer motivo", locução que contém norma de encerramento, desvinculando-a do feito enquanto perdurar o afastamento. Precedente. 3. Agrego, ainda, que, em razão da situação prisional dos recorrentes, a norma do art. 399, §2º do Código de Processo Penal deve ser interpretada com razoabilidade, não podendo o feito criminal permanecer paralisado aguardando retorno de magistrado afastado por qualquer motivo, em afronta ao princípio constitucional da celeridade processual (art. 5º, inc. LXVIII da CF) que possui especial relevo na hipótese de acusados presos - como é o caso dos autos. (...) (TRF da 3ª Região, ACR n. 200860020030342, Rel. Juiz Fed. Conv. Helio Nogueira, unânime, j. 28.09.09).
HABEAS CORPUS. ROUBO MEDIANTE GRAVE AMEAÇA E VIOLÊNCIA. USO DE ARMA DE FOGO. ART. 157, §2º, I, II, V, DO CP. TENTATIVA. ART. 217 DO CPP. AUSÊNCIA DO RÉU EM INSTRUÇÃO CRIMINAL. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. ART. 132 DO CPC. ORDEM DENEGADA. (...) 3. A sentença foi proferida quando já em vigor a Lei 11.689/08, que alterou diversos dispositivos do Código de Processo Penal, dentre eles o Art. 399, § 2º, que atualmente estabelece o princípio da identidade física do juiz. Aplicação por analogia do Art. 132 do CPC. Outrossim, a nulidade suscitada é relativa, nos termos do Art. 566 do CPP, devendo-se demonstrar o prejuízo para que seja acolhida. A nulidade absoluta é penalidade imposta pelo ordenamento jurídico à inobservância de atos que encerram interesse eminentemente público, estreitamente jungido que estão à busca da verdade substancial do processo. Caso estivéssemos diante de um comprometimento insanável do processo justo, a regra não comportaria exceções tal como comporta. (...) (TRF da 3ª Região, HC n. 200903000086564, Rel. Des. Fed. Baptista Pereira, unânime, j. 11.05.09).
Do caso dos autos. Não assiste razão à defesa no que concerne à violação do princípio da identidade física do juiz, consagrado pelo § 2º do art. 399 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei n. 11.719/2008.
O referido princípio não é absoluto, de modo que caberia à defesa demonstrar que o julgamento da causa por outro Juiz, que não aquele que presidira o interrogatório, não decorreu das hipóteses previstas no art. 132 do Código de Processo Civil.
Desse modo, com fundamento no art. 132 do Código de Processo Civil, não havia vinculação ao julgamento do feito do magistrado.
Acresça-se que nenhum ato deverá ser declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo (CPP, art. 563), o que, de igual modo, não foi demonstrado pela defesa.
Por conseguinte, rejeito a preliminar de nulidade suscitada.
DA FALTA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE QUE FULMINOU O FEITO DE NULIDADE
Nos crimes contra a honra, a representação do ofendido é imprescindível para a persecução penal.
Não é diferente no caso dos autos (art. 145, § único).
Aqui se observa que a representação do ofendido, o magistrado Gilberto Mendes Sobrinho, considerou que as imputações da doutora advogada contrariaram os deveres éticos do advogado e seriam indiciárias de crime previsto no art.139 do Código Penal, representando ao Ministério Público Federal com fundamento no art. 145, § único, c.c. art.141, II, ambos do Código Penal (fl.535).
Ocorre que o Ministério Público Federal ampliou a representação, para da denúncia constar a classificação das condutas descritas nos arts. 138, 139 e 140, do Código Penal, sendo que a denúncia foi rejeitada JUSTAMENTE pelo delito do art. 139 do Código Penal, representado pelo ofendido.
Ora, sendo a representação indispensável para a acusação e sendo esta rejeitada, não cabe ao Julgador extrapolar aos limites daquela que é condicionada à representação da vítima e admiti-la em substituição à vontade do ofendido, a fulminar a ação de nulidade insanável.
Com efeito, a ampliação se deveu à denúncia ao tipo que não foi objeto da representação e por este condenada a ré, o que tornou nula a ação.
A respeito, elucidativo é o escólio de Gulherme de Souza Nucci que assim discorre sobre o tema:
REPRESENTAÇÃO DE CONTEÚDO LIMITADO
"Havendo representação da vítima, não pode o Ministério Público ampliar o seu conteúdo, abrangendo fatos não imputados ao agente, nem tampouco criminalizando condutas indiferentes ao ofendido. O teor da representação limita a peça acusatória nos seus exatos termos".g.n.
Na jurisprudência: STJ:
"O Ministério Público não pode oferecer denúncia imputando a prática do crime de difamação, tampouco o juiz pode condenar o acusado pela prática desse crime, quando o ofendido demonstra claro interesse que o autor responda apenas pelo crime de injúria e as ofensas descritas na representação não contém qualquer fato que possa denegrir a reputação da vítima, ao revés, possuem o claro intuito de insultar sua honra subjetiva". (HC 191.430/RJ, 5ª T, REL. Laurita Vaz, 28/08/2012, v.u).
(in Código Penal Comentado, pág. 737, 13ª ed. Ed. Revista dos Tribunais).
Ante tais fundamentos, DECLARO A NULIDADE DO FEITO desde o recebimento da denúncia.
É como voto.
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