D.E. Publicado em 14/09/2015 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, afastar a preliminar arguida pela defesa, e, no mérito, negar provimento às apelações de todos os acusados, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas por Washington José Santos Secundes, Maria Pereira da Costa, Isaac Pereira da Costa e Juliane Cristina Tavernaro de Souza, em face da r. sentença de fls. 1327/1343, complementada às fls. 1350 e verso, proferida pelo então Juiz Federal da 9ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP, Dr. Hélio Egydio de Matos Nogueira, que os condenou nos termos seguintes:
a) Isaac Pereira da Costa: a cinco anos, cinco meses e nove dias de reclusão, em regime inicial fechado, e a vinte e cinco dias-multa, como incurso nas penas do artigo 297, "caput", c.c o art. 71 do Código Penal, e a quatro anos e vinte e nove dias de reclusão, em regime inicial fechado, e a trinta e sete dias-multa, como incurso no artigo 171, § 3º, c.c o art. 71 do Código Penal;
b) Washington José Santos Secundes: a quatro anos de reclusão, em regime inicial fechado, e a dezenove dias-multa, como incurso nas penas do artigo 297, "caput", c.c o art. 71 do Código Penal, e a três anos de reclusão, em regime inicial fechado, e a vinte e nove dias-multa, como incurso no artigo 171, § 3º, c.c o art. 71 do Código Penal;
c) Maria Pereira da Costa: a quatro anos de reclusão, em regime inicial fechado, e a dezenove dias-multa, como incurso nas penas do artigo 297, "caput", c.c o art. 71 do Código Penal, e a três anos de reclusão, em regime inicial fechado, e a vinte e nove dias-multa, como incurso no artigo 171, § 3º, c.c o art. 71 do Código Penal;
d) Juliane Cristina Tavernaro de Souza: a quatro anos de reclusão, em regime inicial fechado, e a dezenove dias-multa, como incurso nas penas do artigo 297, "caput", c.c o art. 71 do Código Penal, e a três anos de reclusão, em regime inicial fechado, e a vinte e nove dias-multa, como incurso no artigo 171, § 3º, c.c o art. 71 do Código Penal.
Ainda, Sua Excelência os absolveu da prática do crime do artigo 304 do Código Penal, com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
Por fim, foi fixado em R$ 505.198,64 (fl. 214) o valor mínimo para a reparação dos danos materiais causados pela infração, com fundamento no artigo 387, inciso IV, do CPP, bem como decretada a perda de todos os bens e valores apreendidos em poder dos acusados, com base no artigo 91, II, "b", do Código Penal, além da venda antecipada de um veículo, de aparelhos de notebooks e de computadores, todos elencados às fls. 73/74 dos autos, nos termos do artigo 144-A do CPP e da Recomendação 30/10 do CNJ.
Em razões de fls. 1561/1591, 1592/1622, 1623/1653 e 1654/1685, a defesa argui, preliminarmente, a ocorrência de litispendência em relação à ação penal nº 0003442-16.2012.403.6181, havendo, pois, manifesto "bis in idem" a ser afastado por esta Corte por meio da extinção desta ação penal, por ter sido instaurada posteriormente ao feito supramencionado.
No mérito, argumenta inexistirem provas suficientes à condenação, devendo prevalecer o "in dubio pro reo", com a absolvição dos apelantes.
Impugna, ademais, as penas impostas, por ferimento ao princípio da individualização da pena e ao critério trifásico, requerendo, pois, seja decretada a nulidade da r. sentença, ou, quando não, a aplicação das reprimendas no mínimo legal, o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, a fixação de regime menos gravoso e a substituição da pena corporal por restritivas de direitos, porquanto favoráveis aos réus as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal.
Por fim, pleiteia o afastamento do valor mínimo fixado a título de indenização pelos danos causados, à míngua de não ter sido comprovado o prejuízo sofrido pelo erário, bem como a restituição dos bens apreendidos e descritos no auto de apreensão de fls. 73/74, por não serem produtos adquiridos com o proveito de crime.
Contrarrazões ministeriais às fls. 1687/1695, pelo improvimento das apelações defensivas.
Em parecer de fls. 1698/1715, a E. Procuradoria Regional da República opinou pelo não provimento dos recursos da defesa, com a manutenção integral da r. sentença "a quo".
Às fls. 1911/1917 foi enviado ofício pelo C. Superior Tribunal de Justiça, informando ter sido negado provimento ao recurso em "habeas corpus" nº 43.976-SP, afastando a alegação dos recorrentes de litispendência, aqui formulada em sede de preliminar, tendo aquela r. decisão transitado em julgado para acusação e defesa, conforme certidão de fl. 1920/verso, datada de 04/04/2014.
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
Segundo a denúncia de fls. 183/211, os acusados, desde pelo menos meados de 2006, formaram verdadeira organização criminosa voltada à prática de crimes, mantendo-se, de forma consciente, voluntária e estável, associados em quadrilha para o fim de cometer crimes de falsidade documental, uso de documento falso e estelionato, em quase todo o território nacional, especialmente nos Estados de São Paulo, Amazonas, Goiás, Minas Gerais, Tocantins, Paraná e no Distrito Federal, tendo causado prejuízos de grande monta ao Ministério do Trabalho e Emprego e à Caixa Econômica Federal, no valor aproximado de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), no que concerne especificamente aos fatos apurados nestes autos, totalizando, porém, considerada a atuação de toda a organização criminosa, prejuízos que somam mais de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), conforme relatório do Ministério do Trabalho e Emprego de fls. 38/59.
Expõe a acusação que o "modus operandi" dos réus consistia em promover a criação de empresas fictícias através de contratos sociais registrados na Junta Comercial, obter documentos falsificados de pessoas físicas, criar vínculos trabalhistas entre essas pessoas e as empresas criadas e, posteriormente, realizar a "demissão" destas pessoas físicas, pagando inclusive o valor do FGTS devido, para depois sacar este mesmo valor em conjunto com o benefício de seguro desemprego, movimentando, assim, grande esquema delituoso para fraudar o programa de seguro desemprego do Ministério do Trabalho e Emprego.
Esclarece, ainda, a inicial que as investigações tiveram início a partir de análises realizadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, onde foram constatadas diversas irregularidades na concessão de seguro desemprego, envolvendo 159 (cento e cinquenta e nove) empresas fictícias.
Da denúncia extrai-se também terem sido apreendidas 81 cédulas de identidade com diversos nomes, porém, com fotografias da ré Juliane, 9 identidades com diversos nomes, mas com a foto do réu Washington, 4 cédulas com diversos nomes, mas com a foto de Isaac, três CTPS em nome de terceiras pessoas, mas com a fotografia da ré Maria Pereira da Costa e duas CTPS com fotografias do réu Isaac.
Além disso, foram ainda apreendidos diversos outros documentos em nome de terceiras pessoas, tais como, certificados de reservista, CPF's, cópias autenticadas de registro civil, inúmeros cartões bancários, entre outros, todos com o fim de possibilitarem a fraude.
Descreve, ademais, o "Parquet" Federal ter sido apurada pelo Ministério do Trabalho a existência de mais de uma centena de empresas fictícias criadas pelos acusados, as quais existem somente no papel, não se encontrando nos locais dos endereços declarados, havendo várias empresas com o mesmo endereço, todas sem funcionamento no local, chamando atenção a similaridade de salários dos funcionários de tais empresas, a despeito de possuírem diferentes atividades e estarem situadas em locais distintos.
Por meio desta engendrada fraude os réus obtiveram a liberação de centenas de benefícios de seguro desemprego, expedidos nos nomes constantes dos documentos falsos apreendidos em poder deles (auto de apreensão de fls. 25/27), todos com as suas fotografias e impressões digitais, mas em nomes de terceiros.
Em razão de tais fatos, foram os réus denunciados como incursos nas penas dos artigos 171, "caput" e § 3º, 297 e 304, c.c os artigos 71 e 29, todos do Código Penal.
Brevemente sintetizados os fatos, analiso, primeiramente, a preliminar arguida pela defesa.
Preliminar
Alega a defesa a ocorrência de litispendência em relação à ação penal nº 0003442-16.2012.403.6181, aduzindo haver "bis in idem" a ser afastado por esta Corte por meio da extinção desta ação penal, por ter sido instaurada posteriormente ao feito supramencionado.
A preliminar deve ser afastada.
Isso porque, conforme já relatado, às fls. 1911/1917 dos autos consta ofício do C. Superior Tribunal de Justiça, informando ter sido negado provimento ao recurso em "habeas corpus" nº 43.976-SP, afastando a alegação dos recorrentes de litispendência, aqui formulada em sede de preliminar, tendo aquela r. decisão transitado em julgado para acusação e defesa, conforme certidão de fl. 1920/verso, datada de 04/04/2014.
Portanto, estando a questão já sedimentada, tanto por esta Corte, quanto pelo C. STJ, que manteve o entendimento deste Tribunal, exarado nos autos do "habeas corpus" nº 0016513-67.2013.4.03.0000, de minha relatoria, nada há mais a ser decidido quanto ao tema.
Nesse sentido, transcrevo a ementa do writ julgado por este Tribunal em 30 de setembro de 2013:
"PROCESSUAL PENAL - PRÁTICA REITERADA DE CRIMES DE ESTELIONATO CONTRA O MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO - LITISPENDÊNCIA - AFASTAMENTO - AÇÕES PENAIS QUE APURAM FATOS DISTINTOS, A DESPEITO DA MESMA TIPIFICAÇÃO PENAL - ORDEM DENEGADA
1. Não se verifica a litispendência quando os fatos apurados são distintos, a despeito de configurarem o mesmo tipo penal. Apesar de se tratar das mesmas partes e do mesmo pedido, qual seja, o de condenação dos pacientes, os fatos imputados a eles nas duas ações penais são diferentes, inexistindo, assim, a mesma causa de pedir.
2. No caso em tela, seria possível cogitar-se, tão somente, em conexão fática, com a reunião dos feitos para julgamento em conjunto, ou na futura unificação das penas em sede de execução criminal, caso eventualmente reconhecida a continuidade delitiva entre os diversos delitos de estelionato perpetrados pelos pacientes, sendo, porém, a competência a esse mister do MMº Juízo das Execuções Criminais, porquanto já proferida sentença condenatória nos autos da Ação Penal nº 00124666820124036181, enquanto a Ação Penal nº 0003442-16.2012.403.6181 está ainda em curso, circunstância que inviabiliza a reunião dos dois feitos, conforme preceitua o artigo 82, parte final, do Código de Processo Penal, o artigo 111 da Lei de Execução Penal - Lei nº 7.210/84, bem como a Súmula 235 do STJ.
3. Súmula 235 do STJ: "A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado".
4. Ordem denegada".
Afastada, pois, a preliminar arguida pela defesa, passo a analisar o mérito.
Mérito
Da materialidade delitiva
A materialidade delitiva restou efetivamente comprovada por meio da prisão em flagrante dos quatro acusados (auto de fls. 02/03), ocorrida no dia 08 de novembro de 2012, na cidade de Uberlândia, Minas Gerais, no apartamento nº 804, na Rua Xavantes nº 1056, em razão de cumprimento de mandados de busca e apreensão e de prisão preventiva, expedidos nos autos do processo nº 0003442-16.2012.403.6181, que teve curso na 9ª Vara Criminal Federal desta Capital, oportunidade em que foi encontrada com os apelantes quantidade expressiva de documentos falsos, tais como, centenas de cédulas de identidade em nome de terceiras pessoas, mas com as fotografias dos acusados, inúmeros documentos de CPF's, carteiras de trabalho e de cartões bancários de terceiros, centenas de "cartões do cidadão" e de formulários para requerimento do seguro desemprego, todos em branco, inúmeras comunicações de dispensa e de rescisão de contrato de trabalho, diversos documentos de empresas com inscrição na JUCESP, além de centenas de outros documentos aptos a possibilitar as fraudes perpetradas pela organização criminosa em questão, tudo conforme detalhadamente descrito nos autos de apreensão de fls. 25/27, 73/85 e 86/91 e no relatório do Ministério do Trabalho e Emprego de fls. 38/59.
Consta de tais autos de apreensão, ainda, que no apartamento onde procedida a busca foram localizados pelos policiais federais inúmeros espelhos de cédulas de identidade originais, computadores, máquinas fotográficas, aparelho para recorte de papéis, carimbos, caixas com fotos 3x4, além de diversos documentos contendo dados para confecção de documentos de identidade, circunstância a demonstrar que os acusados, efetivamente, estavam muito bem instrumentalizados a perpetrar a fraude e que por meio desses crimes construíram duradoura "empresa" para o recebimento fraudulento do seguro desemprego, o que vinham fazendo desde o ano de 2006.
Ademais, às fls. 403/765 estão juntados todos os benefícios de seguro desemprego fraudulentos que foram pagos pelo Ministério do Trabalho durante todo o período apurado, conforme relação detalhada no relatório de fls. 404/408.
Ainda, comprovam também a materialidade delitiva os laudos de perícia papiloscópica de fls. 875/899 (referente ao réu Washington), 900/933 (referente ao réu Isaac), 934/947 (referente à ré Maria Pereira da Costa) e 950/1130 (referente à ré Juliane Cristina), bem como o laudo de confronto de impressões digitais de fls. 1131/144, os quais dão conta de serem dos réus as impressões digitais lançadas nos inúmeros documentos de identificação pessoal em nome de diversas pessoas (RG's e CTPS), porém, com as fotografias dos acusados, tendo sido com esses documentos que eles realizaram as centenas de saques do seguro desemprego.
Outrossim, frente ao robusto conjunto probatório carreado aos autos, reputo não haver qualquer dúvida quanto à comprovação da materialidade delitiva dos crimes de falsidade documental e estelionato.
Da autoria e do dolo
A autoria e o dolo dos réus, da mesma forma, são incontestes.
Com efeito, relativamente ao crime de falsidade documental, conforme já acima aludido, no dia da prisão em flagrante dos acusados foram apreendidos na posse deles centenas de documentos falsos, entre eles inúmeros documentos de identificação pessoal em nome de terceiras pessoas (RG's e CTPS), porém, com as fotos e impressões digitais dos acusados, fato este efetivamente comprovado pela apreensão de referidas cédulas e carteiras, sendo ratificada a falsidade pelos laudos periciais papiloscópicos supra referidos.
Ao serem ouvidos quando do flagrante (fls. 08/21), os quatro apelantes preferiram o silêncio, não desejando explicar os fatos a eles imputados e a razão de estarem na posse de centenas de documentos falsos, principalmente, de documentos de identificação pessoal em nome de terceiros, mas com as suas fotografias e impressões digitais.
Em juízo os apelantes também não trouxeram versão verossimilhante e cognoscível, apta a rechaçar as fraudes detectadas nas investigações, isto é, não explicaram a razão de suas impressões digitais e fotografias terem sido encontradas em documentos de identificação pessoal expedidos em nome de terceiros, de sorte a não haver qualquer dúvida de terem eles atuado, ou ao menos contribuído, na contrafação de todas as cédulas de identidade e CTPS's com eles apreendidas, a comprovar o crime de falsidade documental pelo qual foram condenados, bem como o dolo em suas condutas.
Veja-se que as circunstâncias em que apreendidos tais documentos corroboram a prova da contrafação pelos réus, ou ao menos a contribuição deles com terceiros à falsificação, já que forneceram suas fotografias e impressões digitais, as quais foram lançadas em todos aqueles documentos, conforme atestado nos diversos laudos periciais papiloscópicos supra destacados.
Por fim, relevante salientar que tais contrafações não se exauriram nos diversos crimes de estelionato perpetrados pelos réus, porquanto, como bem exposto em primeiro grau, referidos documentos espúrios poderiam continuar a ser utilizados por eles para outros fins ilícitos, permanecendo com potencial lesivo e aptos à perpetração de outras espécies delitivas, especialmente, por se tratarem de documentos oficiais de identificação pessoal bem falsificados, dotados de fé pública em todo o território nacional, de modo a não haver falar-se em sua absorção pelo crime de estelionato, não se aplicando ao caso, pois, a Súmula 17 do Superior Tribunal de Justiça.
Destarte, por todas essas razões, entendo deva ser mantida a condenação dos réus pelo crime tipificado no artigo 297, "caput", do Código Penal, bem como a continuidade delitiva reconhecida em primeiro grau, em razão de terem sido várias as contrafações perpetradas, nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar e modo de execução, nos exatos termos da r. sentença "a quo".
No tocante ao crime de estelionato qualificado, também não há qualquer dúvida quanto à necessidade de ser mantida a condenação de todos os réus.
Com efeito, o cenário fático descrito na denúncia e efetivamente comprovado em inquérito e em juízo, especialmente, pela apreensão pela Polícia Federal de todos os documentos relacionados nos autos de apreensão supracitados, não deixa qualquer dúvida de que tal documentação foi e continuaria a ser utilizada pelos réus para o saque fraudulento do seguro desemprego, conforme, inclusive, comprovam os documentos de fls. 403/765, os quais demonstram os benefícios de seguro desemprego fraudulentos que foram pagos pelo Ministério do Trabalho durante todo o período apurado, conforme relação detalhada no relatório de fls. 404/408.
A corroborar essa prova documental cito a grande contribuição da testemunha Jonas Santana Filho, coordenador de articulação e pesquisa da APE, do Ministério do Trabalho e Emprego.
Em relatório por ele apresentado e juntado às fls. 38/59, Jonas descreveu às autoridades todo o "modus operandi" da organização criminosa, o que acabou por culminar no prolongamento das investigações pela Polícia Federal nos autos do feito criminal nº 0003442-16.2012.403.6181, com posterior deferimento de escutas telefônicas e de diversas apreensões deferidas judicialmente pelo Juízo da 9ª Vara Criminal Federal de São Paulo, desencadeando ao final a denominada "Operação Chakal" da Polícia Federal, sendo que o cumprimento de um dos mandados de prisão e de busca e apreensão expedidos naqueles autos contra os réus resultou em suas prisões em flagrante pelos crimes de falsidade documental e estelionato, apurados nestes autos.
Assim é que do depoimento judicial de referida testemunha - mídia à fl. 1153 -, em cotejo às interceptações telefônicas realizadas, colhe-se que Isaac encabeçava o grupo, coordenando os demais réus e ditando as ordens a serem cumpridas, sendo assessorado por Washington, que também dava entrada nos requerimentos para o saque do seguro desemprego em diversos postos espalhados pelo país. Juliane, por sua vez, preparava a documentação falsa em Uberlândia, com o auxílio de Maria Pereira, irmã de Isaac. Jonas confirmou, ainda, em juízo que diversos requerimentos já estavam prontos para serem deferidos quando descoberta a fraude, e que o prejuízo ao Ministério do Trabalho e Emprego causado por essa organização criminosa já alcançava, à época de seu depoimento em juízo, aproximadamente, R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais), valor esse, pois, muito superior àquele constante de seu próprio relatório de fls. 38/59, momento em que o prejuízo havia sido calculado na casa dos R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais).
Veja-se que referida ligação entre os acusados, além de ser demonstrada pelos inúmeros documentos apreendidos no apartamento em Uberlândia, quando da prisão em flagrante dos quatro no mesmo local, vem corroborada pela interceptação telefônica deferida nos autos nº 0003591-12.2012.403.6181 (fl. 12150), a demonstrar que todos eles frequentemente trocavam telefonemas e informações relacionadas ao objeto criminoso aqui descrito, deixando clara, ainda, a liderança de Isaac, no sentido de fornecer as coordenadas na preparação dos documentos necessários a dar entrada nos pedidos de seguro desemprego, nas simulações de demissões que deveriam ser feitas a fim de "legitimar" a fraude, etc.
Por fim, importante salientar que os acusados, efetivamente, requereram e obtiveram inúmeros benefícios de seguro desemprego utilizando-se, entre outros documentos, das carteiras de identidade falsas em nome de terceiros, mas com as suas fotografias, conforme farta documentação juntada aos autos (fls. 212/214 e 404/766).
Ainda, acrescento o depoimento da testemunha Michele Portela Lima, que ao ser ouvida quando do flagrante (fl. 06), narrou que:
"QUE compôs a equipe que cumpriu o mandado de busca e apreensão nº 040/2012, expedido nos autos do processo 0003442-16.2012.403.6181; QUE chegando ao local (apartamento 804 da Rua Xavantes, 1056, Uberlândia/MG), adentraram o local acompanhados das testemunhas indicadas no auto circunstanciado [...]; QUE os quatro conduzidos estavam na sala, onde havia colchões espalhados pelo chão; QUE dois dos três quartos foram transformados em escritórios e encontravam-se cheios de materiais diversos, tais como espelhos de carteiras de identidade não preenchidos, espelhos de CNHs não preenchidos, carteiras de identidade em grande número, muitas com as mesmas fotografias, CTPS preenchidas e também com fotografias das mesmas pessoas, inúmeros cartões do cidadão, duas caixas com grande quantidade de carimbos diversos (CNPJ, nomes de empresas e de pessoas, etc), requerimentos de seguro desemprego preenchidos, também em grande quantidade; requerimentos de seguro desemprego em branco, também em grande quantidade; QUE também foram encontradas carteiras de identidade e CTPSs, com nomes e dados diversos, mas com as fotografias dos quatro conduzidos; [...]" - grifo nosso.
No mesmo sentido, a testemunha Marcelo Camilo de Freitas, agente da Polícia Federal, ouvido em juízo (mídia à fl. 869), confirmou o seu depoimento em inquérito às fls. 02/03, tendo dito que participou do monitoramento telefônico e que foi o responsável pelo flagrante no dia e hora dos fatos descritos na denúncia; que no local, um apartamento de três quartos, verificou que dois cômodos estavam abarrotados de documentos, entre eles, centenas de RGs, de CTPSs, de requerimentos de seguro desemprego preenchidos e ainda a preencher, centenas de espelhos de RG ainda não preenchidos, inúmeros RGs em nomes de pessoas diversas mas com as fotos dos réus, mais de dois mil cartões do cidadão, além de centenas de outros documentos utilizados pelos acusados para perpetrar a fraude.
Informou, ademais, que no ato do flagrante os acusados não justificaram a razão de todos aqueles documentos. Disse, ainda, que o procedimento de entrada dos requerimentos era realizado em inúmeros postos diferentes, situados em São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Brasília, entre vários outros estados da federação.
Relatou, também, que pelas interceptações telefônicas e demais meios de investigação, apurou-se que Isaac era o "gerente" da empreitada criminosa, enquanto Washington, namorado de Maria, atuava inicialmente com a apresentação dos requerimentos, mas que com o crescimento do "negócio" ele e todos os demais acusados passaram a realizar apenas o seu gerenciamento, com participação ativa nas falsificações.
Por derradeiro, os depoimentos dos réus em juízo nada acrescentaram ao deslinde da causa, como bem asseverado pelo MMº Juízo "a quo" à fl. 1338:
"Os próprios acusados, em seus interrogatórios judiciais, embora não confessem os fatos de forma ampla e assumam integralmente a prática delituosa afirmaram, de forma genérica e simplista, que 'não fazia a coisa certa' (JULIANE - fls. 1167), ou 'participava de atividade ilícita' (MARIA PEREIRA - 1168); ou ainda que conhecia o conteúdo dos envelopes que entregava nos postos do Ministério do Trabalho e Emprego, mas não pensava que a documentação era falsa (WASHINGTON - fls. 1169). Já ISAAC, em seu interrogatório, preferiu asseverar que desconhecia a falsidade dos documentos (carteira de identidade) e que a documentação visava pleito político regional e não fraude conta o seguro desemprego (fls. 1166)".
Vislumbra-se, pois, a fragilidade dos depoimentos dos acusados em juízo, sem qualquer verossimilhança e em integral falta de sintonia com todo o contexto probatório produzido em inquérito e em juízo, cujas provas lhes são totalmente desfavoráveis, não tendo os réus e a defesa obtido êxito em rechaçá-las, nos termos do quanto determina o artigo 156 do CPP.
Destarte, sopesado todo o contexto probatório carreado aos autos, seja na fase inquisitiva seja em contraditório, somada à relevante quantidade de documentos apreendidos com os réus no dia do flagrante, os quais certamente continuariam a ser usados na realização de inúmeras outras fraudes ainda por eles em preparação, entendo que a condenação dos apelantes pelo crime de estelionato era mesmo medida de rigor, devendo, pois, ser mantida, nos exatos termos da r. sentença "a quo".
Passo, pois, à análise da dosimetria da pena.
Dos crimes de falsificação de documento público - art. 297 do Código Penal
Em relação a tais delitos sua Excelência fixou a pena-base em dois anos e oito meses de reclusão e treze dias-multa, com fundamento na grande quantidade de cédulas de identidade falsas apreendidas com os réus, além do contexto em que apreendidos tais documentos, isto é, em ambiente no qual efetivamente restou comprovado tratar-se de verdadeira empresa do crime de contrafação de documentos públicos, com o intuito de fraudar posteriormente o seguro desemprego. No escritório da quadrilha foram encontrados computadores, máquinas fotográficas, maquinário para recortes de fotografias, inúmeras fotografias 3x4, carimbos, além de centenas de espelhos de identidade originais, de carteiras de trabalho preenchidas e a preencher, enfim, um arcabouço documental que permitia aos réus a contrafação de centenas de documentos, com vastíssimo prejuízo à fé pública.
Some-se a tudo isso o fato de nenhum dos acusados ter comprovado o exercício de atividade lícita, a demonstrar, sem dúvida, que vinham eles fazendo dessa empresa do crime o seu meio de vida.
Dessa forma, entendo que nenhum reparo merece a. r. sentença nesse tópico, porquanto evidentemente desfavoráveis as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal.
Na segunda fase reputo correta a r. sentença, pois a atenuante da confissão espontânea somente há de ser reconhecida quando os réus confessarem integralmente os fatos, o que não ocorreu no caso dos autos.
Ainda nesta fase, deve ser mantida a agravante do artigo 62, inciso I, do Código Penal, em relação ao corréu Isaac, por ter sido demonstrado pela prova oral e pelas interceptações telefônicas deferidas judicialmente, que este acusado era o dirigente do grupo criminoso. Da mesma forma, em relação a este réu, mantenho a agravante da reincidência, pois demonstrado está que ele já foi definitivamente condenado por crime de estelionato anteriormente aos delitos ora em julgamento (fl. 136 do apenso). Com efeito, o trânsito em julgado em relação a tal delito deu-se em 24/07/2009, sendo que Isaac foi preso em flagrante delito no caso destes autos em 08/11/2012, dentro, pois, do período de cinco anos previsto no artigo 64, I, do Código Penal.
Por fim, na terceira fase deve ser mantida a continuidade delitiva, pois pelo contexto fático apurado restou comprovada a reiteração de todos os acusados na contrafação de documentos públicos, nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar e modo de execução, nos termos do artigo 71 do Código Penal.
Assim, a pena de Isaac resta mantida em cinco anos, cinco meses e nove dias de reclusão, e vinte e cinco dias-multa, enquanto a de Washington, Maria Pereira e Juliane em quatro anos de reclusão e multa de dezenove dias-multa, mantido o valor do dia-multa aplicado em primeiro grau, porquanto proporcional e adequadamente fixado.
Dos crimes de estelionato qualificado - art. 171, § 3º, do Código Penal
Na primeira fase foi aplicada pena-base de um ano e seis meses de reclusão e quinze dias-multa, com fundamento nas circunstâncias judiciais desfavoráveis, conforme já acima aludido, acrescentando-se o fato de que, quanto aos inúmeros estelionatos perpetrados, resultou prejuízo de grande monta ao Ministério do Trabalho e Emprego, na casa de mais de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), no caso específico destes autos.
Na segunda fase permanecem os mesmos fundamentos já acima aludidos quanto ao afastamento da atenuante da confissão espontânea para todos os réus, bem como ao reconhecimento das agravantes dos artigos 62, I (aumentada a pena em 1/6) e 61, I (aumentada a pena em 1/6), ambos do Código Penal, no tocante apenas a Isaac, resultando nesta fase, para este réu, a pena de dois anos e quinze dias de reclusão e dezenove dias-multa.
Na terceira fase mantenho a aplicação da causa de aumento prevista no artigo 71 do Código Penal, eis que os inúmeros estelionatos foram perpetrados nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução. Considerando, porém, o número de condutas praticadas, a majoração deve ser mantida em ½ (metade), resultando, pois, nas penas de três anos e vinte e dois dias de reclusão e mais 28 dias-multa para o réu Isaac e dois anos e três meses de reclusão e multa de 22 dias-multa para os corréus Washington, Maria Pereira e Juliane.
Aplicada, por fim, a norma prevista no § 3º do artigo 171 do Código Penal, com aumento daquelas penas em 1/3, a reprimenda resta definitivamente aplicada em quatro anos e vinte e nove dias de reclusão e trinta e sete dias-multa para Isaac, enquanto para os corréus Washinton, Maria Pereira e Juliane em três anos de reclusão e vinte e nove dias-multa, mantido o valor do dia-multa fixado em primeiro grau, posto que aplicado com a devida proporcionalidade.
Observado o concurso material de crimes, as penas superam quatro anos de reclusão, de sorte que os acusados não fazem jus a reprimendas restritivas de direitos, nos termos do artigo 44 do Código Penal.
Em razão das circunstâncias judiciais totalmente desfavoráveis a todos os réus, conforme já exaustivamente demonstrado, o regime inicial deve ser mantido o fechado, como bem fundamentado em primeiro grau, especialmente no caso de Isaac, que é reincidente e a soma de suas penas supera oito anos de reclusão.
Do valor mínimo à indenização ao erário e dos bens apreendidos
No tocante ao pleito defensivo para que seja afastado o valor de R$ 505.198,64 (fl. 214), fixado pelo Juízo "a quo" como valor mínimo à reparação dos danos materiais causados pela infração, com fundamento no artigo 387, inciso IV, do CPP, bem como a restituição dos bens apreendidos e descritos no auto de apreensão de fls. 73/74, por não serem produtos adquiridos com o proveito de crime, entendo que melhor sorte não socorre aos apelantes.
Isso porque o prejuízo causado ao erário restou efetivamente comprovado nos autos e foi objeto de amplo debate durante toda a instrução criminal, mesmo porque a prova da materialidade do crime de estelionato consumado é a própria lesão causada, a qual foi demonstrada pela farta documentação acostada aos autos (fls. 403/765), da qual os réus e sua defesa técnica tiveram ciência prévia e puderam se defender, com cumprimento, pois, aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Observo, ademais, que o prejuízo total causado ao erário constou até mesmo da denúncia (fl. 199) e também das planilhas de fls. 200/201 e 212/214, juntas à inicial acusatória, de sorte que a defesa técnica teve integral possibilidade de proceder à defesa de seus constituídos, não tendo, porém, logrado êxito em rechaçar as provas trazidas pela acusação.
Dessa forma, entendo deva ser mantida a supra referida indenização inicial, estando também nesse tópico correta a r. sentença "a quo".
No tocante à restituição dos bens apreendidos, é evidente a necessidade de sua apreensão cautelar, até mesmo como forma de indenização ao erário, especialmente, porque nenhum dos acusados demonstrou possuir ocupação lícita, e ao menos desde o ano de 2006 vinham sobrevivendo de práticas ilícitas, de forma a não se revelar plausível que tivessem condições financeiras de adquiri-los senão como produto de suas infrações criminais, principalmente, o veículo Pajero ano 2011, Placas EQL 4809, de alto valor financeiro. Não verifico, ainda, qualquer prejuízo com a apreensão cautelar de tais bens, até porque foi determinada a venda antecipada do veículo supracitado, permanecendo em conta judicial vinculada ao presente feito o valor apurado, correndo juros e correção monetária, de sorte que em caso de absolvição os réus terão tais valores restituídos devidamente corrigidos.
Dispositivo
Ante todo o exposto, afasto a preliminar arguida pela defesa, e, no mérito, nego provimento às apelações de todos os acusados.
É como voto.
Oficie-se à Vara das Execuções Criminais competente.
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