D.E. Publicado em 24/08/2015 |
|
|
|
|
|
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO:10042 |
Nº de Série do Certificado: | 172FB228704EFD |
Data e Hora: | 14/08/2015 15:53:18 |
|
|
|
|
|
RELATÓRIO
Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO, com pedido de efeito suspensivo, interposto pelo ESTADO DE SÃO PAULO contra a decisão do Juízo da 1ª Vara Federal de Jales/SP, nos autos da AÇÃO CIVIL PÚBLICA nº 0001151-20.2012.403.6124, que determinou:
Nas razões de recurso, pleiteia-se a reforma da decisão ou, subsidiariamente, o afastamento/redução da multa diária de R$ 5.000,00, alegando-se - em apertada síntese - que:
(1) o ESTADO DE SÃO PAULO definiu um procedimento específico de licença ambiental para queima da palha de cana-de-açúcar, com a edição das Leis Estaduais nº 10.547/2000 e nº 11.241/2002, seguindo as diretrizes da Resolução CONAMA nº 237/97, que regulamentou o artigo 8º da Lei nº 6.938/81;
(2) a legislação estadual paulista já considera os efeitos deletérios provocados pelas queimadas em canavial e as providências para mitiga-los, controlados em sistema informatizado próprio;
(3) em 2007 foi firmado o Protocolo Agroambiental do Setor Sucraleiro, objetivando o desenvolvimento de ações que promovam a sustentabilidade da cadeia produtiva de cana-de-açúcar, com antecipação do prazo legal para eliminação da queima da palha para 2014 em áreas mecanizadas e para 2017 em áreas não mecanizadas;
(4) a exigência de Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) "emperra" a colheita de cana-de-açúcar na região de Jales/SP, além de provocar enormes prejuízos socioeconômicos;
(5) a pretensão ministerial viola o artigo 225, §1º, IV, da Constituição Federal, que dispõe que a exigência de EIA/RIMA está condicionado à reserva de lei (fls. 2/25).
A PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA, na contraminuta, requereu o desprovimento do recurso (fls. 196/220).
Efeito suspensivo indeferido às fls. 222/226.
É o relatório.
VOTO
Cuida-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão que proferida em sede de ação civil pública.
Não foram apresentadas quaisquer argumentações que modificassem o entendimento deste Relator, exposto quando da prolação da decisão que analisou o pedido de efeito suspensivo do presente recurso.
Por esta razão, transcrevo os fundamentos daquela decisão, adotando-os como razão de decidir o mérito deste agravo.
"Insurge-se o ESTADO DE SÃO PAULO contra o condicionamento da concessão de licença/autorização para a queima controlada da palha de cana-de-açúcar à realização de Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).
Ocorre que a análise definitiva acerca da alegada imprescindibilidade de estudo prévio de impacto ambiental, como pretende o agravante, é incabível nessa sede de AGRAVO DE INSTRUMENTO, de mera cognição sumária, considerando as várias vertentes que envolvem a questão, com destaque às ambientais e também às socioeconômicas, haja vista a dimensão representativa da cultura canavieira na economia paulista.
Em ocasião anterior esta Corte já se pronunciou em caso semelhante, assegurando que a falta de estudo prévio de impacto ambiental na concessão de licença/autorização para a queima controlada em canavial - em princípio - não é inconstitucional. Também, que a legislação estadual paulista vem se desenvolvendo no sentido da gradativa eliminação do uso do fogo como método facilitador do corte da cana-de-açúcar, numa tentativa de contrabalancear os impactos ambientais e socioeconômicos que envolvem a questão. Confira-se:
Apesar disso, não merecem descuido as graves consequências do uso do fogo em plantações de cana, prática que remonta à época das Capitanias Hereditárias e que de há muito já deveria ter sido abolida em favor dos meios modernos de agricultura canavieira.
Ora, se grande parte dos produtores já aderiu à mecanização - e isso é facilmente constatável por qualquer pessoa que vá ao interior do Estado, na extensa zona canavieira paulista - a cada dia mais perde força o discurso da necessidade de "um tempo de adequação" do resto dos plantadores de cana à moderna tecnologia.
Também são facilmente constatáveis - até pelo uso de pelo menos dois dos sentidos humanos (visão e olfato) - as consequências danosas da infame prática não apenas contra o meio ambiente, mas também contra a saúde pública, notadamente crianças e idosos; deveras, crianças e idosos são as principais - mas não as únicas - vítimas de moléstias respiratórias nas cidades do interior do Estado que a cada ano, invariavelmente, são assoladas por nuvens negras de fuligem (palha de cana queimada) que, além de emporcalharem os centros urbanos, causam doenças que provocam a lotação de prontos socorros e clínicas.
A propósito, calha invocar trabalho científico do Dr. José Eduardo Delfini Cançado, da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia (SPPT), em tese de doutorado sobre o assunto apresentado na Faculdade de Medicina da USP, que teve como objeto de pesquisa a cidade de Araraquara, na zona canavieira paulista, no ano de 1995. O estudo do cientista concluiu que o aumento de partículas de fuligem (provenientes da queima da cana) era diretamente proporcional ao crescimento das inalações realizadas no Hospital São Paulo de Araraquara. A tese do Dr. Cançado baseou-se também no estudo de uma professora de física, da Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz (ESALQ-USP), que coletou e analisou a composição das partículas suspensas na região de Piracicaba (zona canavieira paulista) e com isso foi possível definir quanto da poluição atmosférica da cidade advém da queima de combustíveis fósseis (usado em automóveis, principalmente), da indústria e da queima de biomassa (cana, principalmente). A análise dos dados confirmou que 75% das partículas finas poluentes da atmosfera provêm da queima da cana-de-açúcar (Sítio da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tsiologia: http://www.sppt.org.br/v2/noticia_completa.php?id_noticia=108, disponível em 22 de outubro de 2009).
A propósito, aos interessados nas consequências deletérias da queima de palha de cana nos seres humanos, recomenda-se a leitura do artigo "Queimadas de cana-de-açúcar no Brasil: efeitos à saúde respiratória", da profª Helena Ribeiro, da Faculdade de Saúde Pública da USP e apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq; bolsa de produtividade em pesquisa, Proc. N. 303027/2002-9), disponível na Revista de Saúde Pública nº 2008;42(2):370-6 (visualizável na internet pelo mesmo título).
Até mesmo nos Estados Unidos, pesquisa de Boopathy et al. (2002) também indicou aumento de tendência de hospitalizações por asma nos meses de queima de palha de cana, no Estado de Louisiana, onde a prática existe (Assessment of the effects of sugar cane plantation burning on daily counts of inhalation therapy. J. Air Waste Management Assoc., v.50, n.10, p.1745-9, 2000).
Até o mais crédulo e ingênuo dos paulistas que se der ao "esforço" de ir ao interior de São Paulo na época da safra da cana constará (e sentirá na própria pele) a verdade do quanto aqui é dito.
E não é só: frequentemente as torres de transmissão de energia são destruídas pelo fogo nos canaviais, deixando populações às escuras com nítido prejuízo também para as empresas fornecedoras de eletricidade. Um exemplo já é esclarecedor: desde 2006, a companhia FURNAS realiza campanhas contra queimadas nos 456 municípios cortados por suas linhas de transmissão.
A propósito do dano ao meio ambiente, no sítio do Grupo Cultivar Publicações (empresa especializada na transmissão de informações técnicas focadas em sanidade vegetal e mecanização agrícola) mantido na internet, colhe-se a seguinte constatação apresentada por estudo técnico nele propagado:
A poluição do ar gerada pela queima de cana-de-açúcar, o agravamento do efeito estufa e os transtornos causados à população pela fumaça e pela fuligem, são fatos que merecem atenção especial, pois instituições ligadas ao setor sucroalcooleiro tendem a afirmar que o balanço ambiental da cana apresenta saldo positivo em relação às emissões de gases. Esta argumentação é válida e correta, senão pelo diferencial normalmente nunca explicitado de que o canavial realmente absorve e incorpora CO2 em grande quantidade, mas o seu consumo é muito lento quando comparado com a liberação na atmosfera. (destaquei) |
Os supostos prejuízos econômicos - sempre a economia ditando regras... - dos produtores de cana (aliás, muito questionável) não pode se sobrepor ao bem estar de um número indeterminável - mas que atinge milhões - de paulistas, tampouco justifica o sacrifício de animais inocentes que habitam as áreas lindeiras das culturas de cana, e menos ainda o malefício ao meio ambiente como um todo.
A liturgia devida ao "bezerro de ouro" há de ter limites, e a Constituição não pode ser o escudo dos que defendem o lucro a qualquer custo.
O que se vê é que embora o artigo 225, § 1º, IV em tese sirva para condicionar o estudo de impacto ambiental a prévia exigência legal, de outro lado deve-se ler o dispositivo constitucional de modo correto; ele prescreve a prévia exigência legal para atividades potencialmente causadoras de degradação do meio ambiente. No caso, a queima da palha de cana é atividade EVIDENTEMENTE degradadora da saúde humana, do meio ambiente e de outras atividades econômicas; não é um mero risco: é um dano objetivo e consumado e isso ninguém pode em sã consciência negar ou sequer tentar esconder (as imensas nuvens de fumaça negra que cobrem o interior do Estado não deixam que se tente ocultar esse sinistro).
Uma coisa é a atividade vir a ser possível, ostentar a capacidade de ser, ofensiva ao meio ambiente.
Outra coisa é a atividade ostentar na sua essência a efetiva lesão a várias outras atividades, e especialmente contra a saúde, que é o que ocorre na queima da palha de cana.
No primeiro caso o estudo de impacto ambiental deve ser condicionado à lei porquanto a atividade não pode ser vista, a priori, como degradadora. É o caso, por exemplo, da instalação de uma nova unidade portuária no estuário de Santos, que pode ou não piorar a degradação local.
No segundo caso a atividade é essencialmente degradadora, e por isso mesmo o seu desempenho deve se cercar das maiores cautelas destinadas a minorar seus efeitos.
Essa distinção deve ser feita à luz da dicção constitucional, sob pena de se igualar atividades desiguais.
Nesse cenário não é absurdo que o Judiciário seja compelido a ditar - ainda que excepcionalmente - uma política pública de salvaguarda do meio ambiente, que têm evidente reflexo na proteção de um direito social como a saúde (art. 6º da Constituição Federal).
A propósito convém colacionar os dizeres de Cláudio Pereira de Souza Neto (Teoria da Constituição, Democracia e Igualdade, in SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; BERCOVICI, Gilberto; MORAES FILHO, José Filomeno de; LIMA, Martônio Mont'Alverne Barreto. Teoria da Constituição: estudos sobre o lugar da política no direito constitucional. Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2003):
"...se o Poder Judiciário tem legitimidade para invalidar normas produzidas pelo Poder Legislativo, mais facilmente pode se afirmar que é igualmente legítimo para agir diante da inércia dos demais poderes, quando essa inércia implicar um óbice ao funcionamento regular da vida democrática. Vale dizer: a concretização judicial de direitos sociais fundamentais, independentemente de mediação legislativa, é um minus em relação ao controle de constitucionalidade" |
É invocável também a sabedoria de sempre do Ministro CELSO DE MELLO, do STF (ADPF nº 45 MC/DF, Relator Ministro Celso de Mello, DJU de 04 maio 2004), verbis:
"Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo.
Assim, não se pode dizer que o ESTADO DE SÃO PAULO está provido de integral razão, diante da bem fundamentada decisão a qua que não tem foros de inconstitucionalidade.
Pelo exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO:10042 |
Nº de Série do Certificado: | 172FB228704EFD |
Data e Hora: | 14/08/2015 15:53:22 |