Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 24/08/2015
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0023504-59.2013.4.03.0000/SP
2013.03.00.023504-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
AGRAVANTE : Estado de Sao Paulo
ADVOGADO : SP127161 PLINIO BACK SILVA
AGRAVADO(A) : Ministerio Publico Federal
ADVOGADO : THIAGO LACERDA NOBRE e outro
PARTE RÉ : Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA
: CETESB CIA AMBIENTAL DO ESTADO DE SAO PAULO
ORIGEM : JUIZO FEDERAL DA 1 VARA DE JALES - 24ª SSJ - SP
No. ORIG. : 00011512020124036124 1 Vr JALES/SP

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. QUEIMA CONTROLADA DE PALHA DE CANA-DE-AÇÚCAR. ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL PARA CONCESSÃO DE LICENÇA. NECESSIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Insurge-se o ESTADO DE SÃO PAULO contra o condicionamento da concessão de licença/autorização para a queima controlada da palha de cana-de-açúcar à realização de Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).
2. Esta Corte já se pronunciou em caso semelhante, assegurando que a falta de estudo prévio de impacto ambiental na concessão de licença/autorização para a queima controlada em canavial - em princípio - não é inconstitucional. Também, que a legislação estadual paulista vem se desenvolvendo no sentido da gradativa eliminação do uso do fogo como método facilitador do corte da cana-de-açúcar, numa tentativa de contrabalancear os impactos ambientais e socioeconômicos que envolvem a questão.
3. Os supostos prejuízos econômicos dos produtores de cana (aliás, muito questionável) não pode se sobrepor ao bem estar de um número indeterminável - mas que atinge milhões - de paulistas, tampouco justifica o sacrifício de animais inocentes que habitam as áreas lindeiras das culturas de cana, e menos ainda o malefício ao meio ambiente como um todo.
4. Embora o artigo 225, § 1º, IV em tese sirva para condicionar o estudo de impacto ambiental a prévia exigência legal, de outro lado deve-se ler o dispositivo constitucional de modo correto; ele prescreve a prévia exigência legal para atividades potencialmente causadoras de degradação do meio ambiente. No caso, a queima da palha de cana é atividade EVIDENTEMENTE degradadora da saúde humana, do meio ambiente e de outras atividades econômicas; não é um mero risco: é um dano objetivo e consumado e isso ninguém pode em sã consciência negar ou sequer tentar esconder (as imensas nuvens de fumaça negra que cobrem o interior do Estado não deixam que se tente ocultar esse sinistro).
5. Nesse cenário não é absurdo que o Judiciário seja compelido a ditar - ainda que excepcionalmente - uma política pública de salvaguarda do meio ambiente, que têm evidente reflexo na proteção de um direito social como a saúde (art. 6º da Constituição Federal).
6. Assim, não se pode dizer que o ESTADO DE SÃO PAULO está provido de integral razão, diante da bem fundamentada decisão a qua que não tem foros de inconstitucionalidade.
7. Agravo de instrumento a que se nega provimento.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 13 de agosto de 2015.
Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0023504-59.2013.4.03.0000/SP
2013.03.00.023504-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
AGRAVANTE : Estado de Sao Paulo
ADVOGADO : SP127161 PLINIO BACK SILVA
AGRAVADO(A) : Ministerio Publico Federal
ADVOGADO : THIAGO LACERDA NOBRE e outro
PARTE RÉ : Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA
: CETESB CIA AMBIENTAL DO ESTADO DE SAO PAULO
ORIGEM : JUIZO FEDERAL DA 1 VARA DE JALES - 24ª SSJ - SP
No. ORIG. : 00011512020124036124 1 Vr JALES/SP

RELATÓRIO

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator:


Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO, com pedido de efeito suspensivo, interposto pelo ESTADO DE SÃO PAULO contra a decisão do Juízo da 1ª Vara Federal de Jales/SP, nos autos da AÇÃO CIVIL PÚBLICA nº 0001151-20.2012.403.6124, que determinou:


...
a) que a CETESB e o ESTADO DE SÃO PAULO, através de sua Secretaria de Estado do Meio Ambiente, se abstenham de conceder novas licenças ambientais e autorizações, tendo como objeto autorização para a queima controlada da palha de cana-de-açúcar da área compreendida por esta Subseção, se não precedidas de Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), já a partir da próxima safra, levando-se em consideração as consequências para a saúde humana, para a saúde do trabalhador, para áreas de preservação permanente, para os remanescentes florestais, para a flora e fauna, bem como as mudanças na atmosfera relacionadas ao efeito estufa e ao consequente aquecimento global;
b) a fiscalização, pelo IBAMA, ante sua competência supletiva prevista na Lei nº 6.938/81 e LC nº 140/2011 quanto à exigência de licenciamento e prévio estudo de impacto ambiental nos termos da Lei n.º 6.938/91 e da Resolução n.º 237/97 do CONAMA;
c) a fixação de multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em caso de descumprimento da medida judicial;
d) que o Estado de São Paulo, por intermédio da CETESB, informe aos proprietários rurais da região na área compreendida nesta Subseção acerca do teor desta decisão, com vistas a viabilizar seu cumprimento já para a próxima safra; e
e) a expedição de ofício ao Corpo de Bombeiros, bem como a Polícia Ambiental da área de abrangência da Subseção de Jales, comunicando-os o teor desta decisão, para que, em tomando conhecimento da queima vedada, seja, de forma imediata, comunicado o Juízo. Intimem-se com urgência os réus da presente decisão para seu fiel cumprimento. Expeça-se o necessário. Sem prejuízo das medidas acima, manifeste-se o autor, no prazo preclusivo de 10 (dez) dias, sobre as contestações de todos os réus, notadamente em relação à(s) preliminar(es) arguida(s) e eventuais documentos juntados. À SUDP para incluir a Organização de Plantadores de Cana da Região Centro Sul do Brasil - ORPLANA no polo passivo do feito, na condição de assistente simples.
...

Nas razões de recurso, pleiteia-se a reforma da decisão ou, subsidiariamente, o afastamento/redução da multa diária de R$ 5.000,00, alegando-se - em apertada síntese - que:


(1) o ESTADO DE SÃO PAULO definiu um procedimento específico de licença ambiental para queima da palha de cana-de-açúcar, com a edição das Leis Estaduais nº 10.547/2000 e nº 11.241/2002, seguindo as diretrizes da Resolução CONAMA nº 237/97, que regulamentou o artigo 8º da Lei nº 6.938/81;

(2) a legislação estadual paulista já considera os efeitos deletérios provocados pelas queimadas em canavial e as providências para mitiga-los, controlados em sistema informatizado próprio;

(3) em 2007 foi firmado o Protocolo Agroambiental do Setor Sucraleiro, objetivando o desenvolvimento de ações que promovam a sustentabilidade da cadeia produtiva de cana-de-açúcar, com antecipação do prazo legal para eliminação da queima da palha para 2014 em áreas mecanizadas e para 2017 em áreas não mecanizadas;

(4) a exigência de Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) "emperra" a colheita de cana-de-açúcar na região de Jales/SP, além de provocar enormes prejuízos socioeconômicos;

(5) a pretensão ministerial viola o artigo 225, §1º, IV, da Constituição Federal, que dispõe que a exigência de EIA/RIMA está condicionado à reserva de lei (fls. 2/25).


A PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA, na contraminuta, requereu o desprovimento do recurso (fls. 196/220).

Efeito suspensivo indeferido às fls. 222/226.

É o relatório.


VOTO

Cuida-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão que proferida em sede de ação civil pública.

Não foram apresentadas quaisquer argumentações que modificassem o entendimento deste Relator, exposto quando da prolação da decisão que analisou o pedido de efeito suspensivo do presente recurso.

Por esta razão, transcrevo os fundamentos daquela decisão, adotando-os como razão de decidir o mérito deste agravo.


"Insurge-se o ESTADO DE SÃO PAULO contra o condicionamento da concessão de licença/autorização para a queima controlada da palha de cana-de-açúcar à realização de Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).

Ocorre que a análise definitiva acerca da alegada imprescindibilidade de estudo prévio de impacto ambiental, como pretende o agravante, é incabível nessa sede de AGRAVO DE INSTRUMENTO, de mera cognição sumária, considerando as várias vertentes que envolvem a questão, com destaque às ambientais e também às socioeconômicas, haja vista a dimensão representativa da cultura canavieira na economia paulista.

Em ocasião anterior esta Corte já se pronunciou em caso semelhante, assegurando que a falta de estudo prévio de impacto ambiental na concessão de licença/autorização para a queima controlada em canavial - em princípio - não é inconstitucional. Também, que a legislação estadual paulista vem se desenvolvendo no sentido da gradativa eliminação do uso do fogo como método facilitador do corte da cana-de-açúcar, numa tentativa de contrabalancear os impactos ambientais e socioeconômicos que envolvem a questão. Confira-se:

DIREITO CONSTITUCIONAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. QUEIMA CONTROLADA DE PALHA DE CANA-DE-AÇÚCAR. COMPETÊNCIA DO ÓRGÃO ESTADUAL PARA EXPEDIR LICENÇA. COMPETÊNCIA DO IBAMA SUPLETIVA. RECURSO DESPROVIDO.
1. A competência para o licenciamento para atividades de risco cabe, constitucional e legalmente, ao órgão estadual de proteção ao meio ambiente, sendo do IBAMA a competência meramente supletiva, na ausência de atuação daquele órgão, nos termos do artigo 10, § 3º, da Lei 6.938/81, na redação anterior à LC 140/2011. O CONAMA editou a Resolução 237/97, definindo que os empreendimentos e atividades sujeitas a licenciamento ambiental seriam as relacionadas no Anexo I (artigo 2º), dentre as quais não se encontra a queima da palha de cana-de-açúcar. Ratificou, ainda, a competência do IBAMA e, mesmo assim, delegável aos Estados, para licenciamento de tais atividades, exclusivamente na hipótese em que os impactos ambientais diretos delas decorrentes ultrapassarem os limites territoriais do país ou de um ou mais Estados (artigo 4º, III, e § 2º).
2. Confirmou, ainda, que a competência de licenciar empreendimentos e atividades é do órgão estadual de proteção do meio-ambiente, mesmo quando os impactos ambientais diretos decorrentes ultrapassarem os limites territoriais de um ou mais Municípios (artigo 5º, III, e parágrafo único). Então, o Estado de São Paulo editou as Leis 10.547/00 e 11.241/02, proibindo o emprego do fogo, salvo para atividades agrícolas, pastoris ou florestais, dentre as quais a queima controlada da palha de cana-de-açúcar, técnica a ser eliminada de forma gradativa. Na respectiva regulamentação, foi baixado o Decreto Estadual 45.869/01, definindo as hipóteses e procedimentos do método "despalhador" e "facilitador" do corte da cana-de-açúcar, mediante requerimento detalhado do interessado e sujeito à autorização ambiental.
3. Percebe-se, pois, das regras aplicáveis ao caso concreto, que a competência da autarquia federal para a concessão das licenças para a queima da palha de cana-de-açúcar na região de Ribeirão Preto somente existiria, de forma precípua, se o método causasse impactos ambientais diretos de âmbito regional ou nacional, ou, de forma supletiva, se houvesse omissão na atuação estadual.
4. Nem se alegue que a legitimidade passiva do IBAMA estaria sendo justificada pela necessidade de proteção da saúde, Sistema Único de Saúde, fauna, flora e outros bens jurídicos de interesse federal. Primeiramente, o órgão de fiscalização ambiental não pode responder pela proteção da saúde ou do SUS e, em segundo lugar, a repartição constitucional e legal de competência existe para, justamente, definir os limites de atuação cooperativa entre órgãos federais, estaduais, distritais e municipais, não sendo permitido ao ente federal, apenas por sua condição central, invadir a competência de outros entes federados sem que se esteja diante das hipóteses específicas de atuação supletiva ou intervenção.
5. A mera afirmativa da parte de que não tem interesse jurídico na causa não determina sua ilegitimidade passiva ou exclusão, assim como não é pela vontade do autor que se pode obrigar alguém a litigar ou permanecer no polo passivo da ação, qualquer que seja a situação, já que cabe sempre ao Juízo e ao Tribunal aferir e garantir a correta formação do polo passivo da ação. Assim, permite-se concluir acerca da própria ilegitimidade passiva do ente federal e, se não fosse tal bastante, ainda pelo risco grave à ordem pública, se concedida a medida que induz à usurpação de competência constitucional e legal do Estado, com a resistência da própria autarquia federal, manifestada em casos análogos, no sentido de reconhecer como válido o licenciamento ambiental por órgão estadual de fiscalização do meio ambiente, de acordo com todo o ordenamento jurídico, constitucional e legal.
6. A Constituição Federal, no inciso IV, § 1º, do artigo 225, previu, portanto, que a exigência de realização de estudo prévio de impacto ambiental estaria condicionada à reserva de lei. Por sua vez, o parágrafo único do artigo 27 do revogado Código Florestal dispôs que "é proibido o uso de fogo nas florestas e demais formas de vegetação", ressaltando-se que "se peculiaridades locais ou regionais justificarem o emprego do fogo em práticas agropastoris ou florestais, a permissão será estabelecida em ato do Poder Público, circunscrevendo as áreas e estabelecendo normas de precaução". Assim, a lei federal não previu a necessidade da realização de prévio estudo de impacto ambiental no caso da "queima controlada", mas apenas, por decreto, de prévia vistoria no caso de solicitação de autorização para o uso do fogo em áreas "que contenham restos de exploração florestal [...] limítrofes às sujeitas a regime especial de proteção, estabelecido em ato do poder público".
7. A dispensa de estudo prévio, contudo, não se revela, em princípio, inconstitucional. O parâmetro da desproporcionalidade ou da ofensa ao princípio da proibição de excesso não favorece a pretensão ministerial. No caso, invocam-se dois grandes valores constitucionalmente protegidos, dentre outros, a proteção ao meio ambiente e o desenvolvimento econômico. Embora não seja perfeita, a equação legal parece equilibrar dentro do possível tais bens jurídicos, a partir do modelo adotado de queima controlada, pois ainda que atividade gere poluição com efeitos sobre o meio ambiente, existe toda uma estrutura de atividade econômica e social que não pode ser ignorada. Não é por outro motivo que o Órgão Especial da Corte, em duas oportunidades, manteve, em maior ou menor grau, a queima da palha da cana-de-açúcar, contrariando a pretensão ministerial de imediata e integral supressão do procedimento.
8. Note-se, por outro lado, que a adequação da atividade econômica encontra-se em curso, pois o Decreto 2.661/98 prevê a redução gradativa do emprego de fogo, o que denota, portanto, que a preocupação ambiental encontra-se presente, porém, a supressão repentina da queima da cana-de-açúcar poderia representar grave prejuízo ao desenvolvimento econômico. Tal decreto prevê, por sua vez, medidas necessárias para evitar graves danos ao meio ambiente (artigos 14 e 15).
9. Verifica-se, pois, que a licença ambiental concedida não respalda o exercício da atividade em termos irrestritos, pois a respectiva execução sujeita-se a situações que não coloquem em risco concreto bens jurídicos tutelados. Pode a licença ser suspensa ou cancelada, nos casos especificados, cabendo o respectivo controle ao órgão ambiental, sem prejuízo do acompanhamento pelo Ministério Público e outros órgãos. Não se trata, portanto, de permitir ou de proibir de forma genérica e absoluta, mas de compatibilizar, não apenas na concessão da licença, como na execução da respectiva atividade, os valores constitucionais.
10. Agravo de instrumento desprovido.
(AI 00272884920104030000, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA, TRF3 - TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/07/2012)

Apesar disso, não merecem descuido as graves consequências do uso do fogo em plantações de cana, prática que remonta à época das Capitanias Hereditárias e que de há muito já deveria ter sido abolida em favor dos meios modernos de agricultura canavieira.

Ora, se grande parte dos produtores já aderiu à mecanização - e isso é facilmente constatável por qualquer pessoa que vá ao interior do Estado, na extensa zona canavieira paulista - a cada dia mais perde força o discurso da necessidade de "um tempo de adequação" do resto dos plantadores de cana à moderna tecnologia.

Também são facilmente constatáveis - até pelo uso de pelo menos dois dos sentidos humanos (visão e olfato) - as consequências danosas da infame prática não apenas contra o meio ambiente, mas também contra a saúde pública, notadamente crianças e idosos; deveras, crianças e idosos são as principais - mas não as únicas - vítimas de moléstias respiratórias nas cidades do interior do Estado que a cada ano, invariavelmente, são assoladas por nuvens negras de fuligem (palha de cana queimada) que, além de emporcalharem os centros urbanos, causam doenças que provocam a lotação de prontos socorros e clínicas.

A propósito, calha invocar trabalho científico do Dr. José Eduardo Delfini Cançado, da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia (SPPT), em tese de doutorado sobre o assunto apresentado na Faculdade de Medicina da USP, que teve como objeto de pesquisa a cidade de Araraquara, na zona canavieira paulista, no ano de 1995. O estudo do cientista concluiu que o aumento de partículas de fuligem (provenientes da queima da cana) era diretamente proporcional ao crescimento das inalações realizadas no Hospital São Paulo de Araraquara. A tese do Dr. Cançado baseou-se também no estudo de uma professora de física, da Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz (ESALQ-USP), que coletou e analisou a composição das partículas suspensas na região de Piracicaba (zona canavieira paulista) e com isso foi possível definir quanto da poluição atmosférica da cidade advém da queima de combustíveis fósseis (usado em automóveis, principalmente), da indústria e da queima de biomassa (cana, principalmente). A análise dos dados confirmou que 75% das partículas finas poluentes da atmosfera provêm da queima da cana-de-açúcar (Sítio da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tsiologia: http://www.sppt.org.br/v2/noticia_completa.php?id_noticia=108, disponível em 22 de outubro de 2009).

A propósito, aos interessados nas consequências deletérias da queima de palha de cana nos seres humanos, recomenda-se a leitura do artigo "Queimadas de cana-de-açúcar no Brasil: efeitos à saúde respiratória", da profª Helena Ribeiro, da Faculdade de Saúde Pública da USP e apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq; bolsa de produtividade em pesquisa, Proc. N. 303027/2002-9), disponível na Revista de Saúde Pública nº 2008;42(2):370-6 (visualizável na internet pelo mesmo título).

Até mesmo nos Estados Unidos, pesquisa de Boopathy et al. (2002) também indicou aumento de tendência de hospitalizações por asma nos meses de queima de palha de cana, no Estado de Louisiana, onde a prática existe (Assessment of the effects of sugar cane plantation burning on daily counts of inhalation therapy. J. Air Waste Management Assoc., v.50, n.10, p.1745-9, 2000).

Até o mais crédulo e ingênuo dos paulistas que se der ao "esforço" de ir ao interior de São Paulo na época da safra da cana constará (e sentirá na própria pele) a verdade do quanto aqui é dito.

E não é só: frequentemente as torres de transmissão de energia são destruídas pelo fogo nos canaviais, deixando populações às escuras com nítido prejuízo também para as empresas fornecedoras de eletricidade. Um exemplo já é esclarecedor: desde 2006, a companhia FURNAS realiza campanhas contra queimadas nos 456 municípios cortados por suas linhas de transmissão.

A propósito do dano ao meio ambiente, no sítio do Grupo Cultivar Publicações (empresa especializada na transmissão de informações técnicas focadas em sanidade vegetal e mecanização agrícola) mantido na internet, colhe-se a seguinte constatação apresentada por estudo técnico nele propagado:


A poluição do ar gerada pela queima de cana-de-açúcar, o agravamento do efeito estufa e os transtornos causados à população pela fumaça e pela fuligem, são fatos que merecem atenção especial, pois instituições ligadas ao setor sucroalcooleiro tendem a afirmar que o balanço ambiental da cana apresenta saldo positivo em relação às emissões de gases. Esta argumentação é válida e correta, senão pelo diferencial normalmente nunca explicitado de que o canavial realmente absorve e incorpora CO2 em grande quantidade, mas o seu consumo é muito lento quando comparado com a liberação na atmosfera. (destaquei)


Os supostos prejuízos econômicos - sempre a economia ditando regras... - dos produtores de cana (aliás, muito questionável) não pode se sobrepor ao bem estar de um número indeterminável - mas que atinge milhões - de paulistas, tampouco justifica o sacrifício de animais inocentes que habitam as áreas lindeiras das culturas de cana, e menos ainda o malefício ao meio ambiente como um todo.

A liturgia devida ao "bezerro de ouro" há de ter limites, e a Constituição não pode ser o escudo dos que defendem o lucro a qualquer custo.

O que se vê é que embora o artigo 225, § 1º, IV em tese sirva para condicionar o estudo de impacto ambiental a prévia exigência legal, de outro lado deve-se ler o dispositivo constitucional de modo correto; ele prescreve a prévia exigência legal para atividades potencialmente causadoras de degradação do meio ambiente. No caso, a queima da palha de cana é atividade EVIDENTEMENTE degradadora da saúde humana, do meio ambiente e de outras atividades econômicas; não é um mero risco: é um dano objetivo e consumado e isso ninguém pode em sã consciência negar ou sequer tentar esconder (as imensas nuvens de fumaça negra que cobrem o interior do Estado não deixam que se tente ocultar esse sinistro).

Uma coisa é a atividade vir a ser possível, ostentar a capacidade de ser, ofensiva ao meio ambiente.

Outra coisa é a atividade ostentar na sua essência a efetiva lesão a várias outras atividades, e especialmente contra a saúde, que é o que ocorre na queima da palha de cana.

No primeiro caso o estudo de impacto ambiental deve ser condicionado à lei porquanto a atividade não pode ser vista, a priori, como degradadora. É o caso, por exemplo, da instalação de uma nova unidade portuária no estuário de Santos, que pode ou não piorar a degradação local.

No segundo caso a atividade é essencialmente degradadora, e por isso mesmo o seu desempenho deve se cercar das maiores cautelas destinadas a minorar seus efeitos.

Essa distinção deve ser feita à luz da dicção constitucional, sob pena de se igualar atividades desiguais.

Nesse cenário não é absurdo que o Judiciário seja compelido a ditar - ainda que excepcionalmente - uma política pública de salvaguarda do meio ambiente, que têm evidente reflexo na proteção de um direito social como a saúde (art. 6º da Constituição Federal).

A propósito convém colacionar os dizeres de Cláudio Pereira de Souza Neto (Teoria da Constituição, Democracia e Igualdade, in SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; BERCOVICI, Gilberto; MORAES FILHO, José Filomeno de; LIMA, Martônio Mont'Alverne Barreto. Teoria da Constituição: estudos sobre o lugar da política no direito constitucional. Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2003):


"...se o Poder Judiciário tem legitimidade para invalidar normas produzidas pelo Poder Legislativo, mais facilmente pode se afirmar que é igualmente legítimo para agir diante da inércia dos demais poderes, quando essa inércia implicar um óbice ao funcionamento regular da vida democrática. Vale dizer: a concretização judicial de direitos sociais fundamentais, independentemente de mediação legislativa, é um minus em relação ao controle de constitucionalidade"


É invocável também a sabedoria de sempre do Ministro CELSO DE MELLO, do STF (ADPF nº 45 MC/DF, Relator Ministro Celso de Mello, DJU de 04 maio 2004), verbis:



"Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo.

É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado - e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado".

Assim, não se pode dizer que o ESTADO DE SÃO PAULO está provido de integral razão, diante da bem fundamentada decisão a qua que não tem foros de inconstitucionalidade.

Pelo exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.

É como voto.


Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO:10042
Nº de Série do Certificado: 172FB228704EFD
Data e Hora: 14/08/2015 15:53:22