D.E. Publicado em 18/12/2015 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento aos embargos infringentes para que prevaleça o voto proferido pelo eminente Desembargador Federal Luiz Stefanini, no sentido de negar provimento à apelação do Ministério Público Federal, mantendo a absolvição dos réus, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES (Relator): Trata-se de embargos infringentes opostos por Ivandro Carlos de Mattos, Wilson Alfredo Perpétuo, César Valdemar dos Santos Dias e Antônio Sérgio de Oliveira Cravo, em face de Acórdão proferido pela colenda Quinta Turma, que, em sessão de julgamento realizada em 21/10/2013, nos termos do voto médio do Desembargador Federal Antonio Cedenho, deu parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal para condenar os réus pelo crime do artigo 312, 2ª parte, do Código Penal, fixando as penas: do acusado Wilson Alfredo Perpétuo em 4 (quatro) anos e 26 (vinte e seis) dias-multa, no valor unitário de ½ (metade) do salário-mínimo, a ser cumprida no regime inicial semiaberto; César Valdemar dos Santos Dias em 4 (quatro) anos e 26 (vinte e seis) dias-multa, no valor unitário de ½ (metade) do salário mínimo, a ser cumprida no regime inicial semiaberto; Antonio Sérgio de Oliveira Cravo em 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, e 18 (dezoito) dias-multa, no valor unitário de ½ (metade) do salário-mínimo, a ser cumprida no regime inicial aberto; e Ivandro Carlos de Matos em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 20 (vinte) dias-multa, no valor unitário de ¼ (um quatro) do salário-mínimo, a ser cumprida no regime inicial aberto, sendo que o Desembargador Federal André Nekatschalow dava parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal para condenar Wilson Alfredo Perpétuo e César Valdemar dos Santos Dias à pena de 7 (sete) anos de reclusão e 35 (trinta e cinco) dias-multa, Antônio Sérgio de Oliveira Cravo e Ivandro Carlos de Matos à pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de reclusão e 29 (vinte e nove) dias-multa pela prática do crime do art. 312, caput, 2ª parte, c. c. o art. 29 e 71, todos do Código Penal e o Desembargador Federal Luiz Stefanini negava provimento ao recurso ministerial e mantinha a r. sentença absolutória de primeira instância. Prosseguindo o julgamento, a Turma, por maioria, decretou a perda dos cargos públicos exercidos pelos réus Wilson Alfredo Perpétuo, César Valdemar dos Santos Dias e Antônio Sérgio de Oliveira Cravo, com fundamento no artigo 92, inciso I, do Código Penal, nos termos do voto do relator, acompanhado pelo Desembargador Federal Antonio Cedenho.
Aduz o embargante Ivandro (fls. 996/1031), em síntese, que o voto vencido deve prevalecer, já que "encontrou elementos de prova mais que suficientes para manter a improcedência da ação penal". Destacou, então, alguns pontos do voto proferido pelo Desembargador Federal Luiz Stefanini: a) a desorganização administrativa na sede da Polícia Federal de Ribeirão Preto acerca dos procedimentos para emissão de guias de transporte de armamento; b) a inexistência de um padrão estabelecido para a emissão dessas guias; c) a inexistência de provas de que a empresa Suporte tenha sido favorecida; d) a inexistência de provas de dolo na conduta dos acusados. Ademais, argumentou que o devido processo legal teria sido violado, já que o laudo pericial utilizado como elemento probatório "não tem valor legal como elemento de prova acerca de suposto crime que tenha como causa eficiente o não pagamento de tributos", bem como porque se utilizou como elemento probatório informações decorrentes de escutas telefônicas autorizadas pela Justiça em outro processo criminal deflagrado contra os réus.
Já o embargante Wilson defende (fls. 1032/1045) ser necessário fazer prevalecer o voto vencido, pois não haveria provas a sustentar o decreto condenatório. Resumidamente, aduz também que a norma na qual se baseou o Ministério Público Federal em sua denúncia prevê que "o comprovante do recolhimento bancário deve ser anexada (sic) ao requerimento, que poderá conter várias armas e destinos, não entrando em detalhes quanto ao número de armas ou destinos do pedido". Inclusive a recente Portaria nº. 30.569/2013 confirmou a tese de que "num único pedido pode haver várias armas, munições, origem e destinos diferentes com o recolhimento de uma única taxa". Ao fim, sustenta inexistir tipicidade penal, já que não teria havido desvio de recursos.
Os embargantes César e Antônio (fls. 1046/1060) argumentam, resumidamente, que há uma "manifesta perseguição contra os embargantes, objetivando a condenação a qualquer custo". No mérito, afirmam que o ponto central da questão sob julgamento é o fato de o Parquet "reputa necessária uma guia bancária para cada um dos destinos das armas, ao passo que ficou comprovado que não era assim". Afirmam que existia "imensa confusão normativa no âmbito do DPF", e que a conduta dos embargantes era nada mais que execução normal, lícita e legítima de um serviço afeto ao DPF. Diante disso, postulam a absolvição. Subsidiariamente, afirmam que não haveria crime de peculato, e sim de prevaricação, e que daí o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva seria a medida adequada.
Apresentou o Ministério Público Federal resposta aos recursos (fls. 1094/1103), manifestando-se pelo desprovimento dos embargos infringentes e, consequentemente, pela manutenção da decisão condenatória.
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
O Exmo. Sr. Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES (Relator): Pela complexidade do tema, entendo pertinente breve apanhado do teor da acusação e dos argumentos dispostos pelo magistrado singular, em primeira instância, bem como pelos Desembargadores federais que em sede de apelação analisaram a questão.
Os embargantes foram acusados da prática do crime previsto no art. 312, caput, 2ª parte, por 54 vezes, c. c. o arts. 29 e 69, todos do Código Penal (Wilson), art. 312, caput, 2ª parte, por 54 vezes, c. c. arts. 29 e 69, todos do Código Penal (Antônio), art. 312, caput, 2ª parte, por 54 vezes, c. c. arts. 29 e art. 69, e art. 297, § 1º, por 8 vezes, c. c. os arts. 29 e 69, todos do Código Penal (César) e pelos delitos do art. 312, caput, 2ª parte, por 54 vezes, c. c. os arts. 29 e 69, e art. 297, § 1º, por oito vezes, c. c. arts. 29 e 69, todos do Código Penal (Ivandro).
Na exordial acusatória, o Parquet afirmou (em resumo) que "no período de 24.10.2000 a 31.01.2003, PERPÉTUO, CÉSAR e CRAVO, com a participação do denunciado IVANDRO, todos com unidade de desígnios, desviaram, em proveito próprio e alheio, valores públicos que aqueles tinham a posse em razão do cargo." Isso porque, atuando "na Comissão de Vistoria e Vigilância (CJV) na Delegacia de Polícia Federal em Ribeirão Preto no período acima mencionado (...) eram incumbidos de proceder à expedição de autorizações para que empresas de segurança privada transportassem armas e munições entre suas filiais e para outras localidades. Para tanto, era essencial o pagamento de uma taxa, que deveria ser recolhida aos cofres públicos da União."; porém, "constatou-se que foram emitidas 53 (cinqüenta e três) Autorizações para Trânsito Intermunicipal de Armas, Munições e Petrechos para Recarga para a empresa SUPORTE SERVIÇOS DE SEGURANÇA LTDA., sem que houvesse ocorrido o recolhimento da respectiva taxa...". "Houve, assim, desvio dos cofres públicos da quantia total de R$5.639,73 (cinco mil, seiscentos e trinta e nove reais e setenta e três centavos). Das 53 autorizações concedidas irregularmente, 23 foram emitidas por PERPÉTUO, 24 por CÉSAR e 6 por CRAVO. Deve-se destacar que IVANDRO, mesmo sendo particular, estava conluiado com os demais denunciados para o não recolhimento das taxas e, assim, desviar o dinheiro em detrimento da União (...)."
Na referida denúncia, há ainda a descrição de fatos relacionados à imputação de falsidade de documento público. Contudo, tal tema não é objeto dos presentes embargos.
Em primeira instância, os acusados foram absolvidos da acusação. De maneira geral, o magistrado motivou a improcedência da denúncia com os argumentos (fls. 840/841) de que "na Comissão de Vistoria de Ribeirão Preto ficou claro que o recolhimento da taxa de autorização de trânsito era feito em razão do requerimento, ou seja, para cada pedido encaminhado pela empresa era recolhida uma única taxa, podendo ser expedida uma única guia de autorização ou, de acordo com o trajeto e os destinos das armas, ser desmembrada esta autorização em várias guias, inclusive com a repetição da numeração, procedimento este que se adequava, evidentemente, à legislação vigente;" e "o certo é que não havia e não há hordiernamente a obrigatoriedade de se recolher uma taxa de autorização de transito para cada arma, de modo que se a empresa encaminha um pedido para transporte de cem armas estará sujeita ao recolhimento de uma taxa apenas. Sendo assim é indiferente para o erário público, assim como para a Administração, se um pedido de autorização de transporte de armas, que pela lei, está sujeito ao recolhimento de uma taxa de autorização, seja para contemplar uma, ou dezenas de armas, será autorizado por meio de uma, ou de dezenas de guias, seja com o mesmo número ou com numeração sequencial."
Interposta a apelação do Parquet, o Desembargador Federal André Nekatschalow reformou a decisão do Juízo a quo e condenou os acusados pelo delito de peculato-desvio. Isso porque entendeu, em suma, que os embargantes emitiram irregularmente 53 (cinquenta e três) autorizações para movimentação de armas em favor da empresa Suporte, sem o pagamento das respectivas taxas; que os "agentes públicos detinham a disponibilidade jurídica do numerário referente às taxas, cujos valores desviados causou aos cofres públicos o prejuízo de R$ 5.639,73 (cinco mil, seiscentos e trinta e nove mil reais e setenta e três centavos)", e que "o dolo da prática exsurge das circunstâncias fáticas, que evidenciaram o descaso dos envolvidos com a regularidade da emissão das guias de transporte". Outrossim, pois "há expressa previsão legal a determinar a juntada da guia de recolhimento DARF ao requerimento de autorização para o transporte de armas e do regramento se infere que o pagamento da taxa deveria fazer referência a pedido certo e não genérico, de modo a abarcar o manejo de armas para destinos distintos, englobados em um mesmo pedido."
Já o Desembargador Federal Luiz Stefanini votou (e nisto foi vencido) pela manutenção da absolvição. De maneira geral, justificou seu voto ao afirmar que "os depoimentos testemunhais colhidos dão conta de que havia evidente desorganização administrativa, não existindo procedimento padronizado adotado para o serviço de recolhimento das taxas e expedição de guias. Tanto o é que as testemunhas disseram que atualmente tais procedimentos possuem métodos de rotina realizados na internet. No caso dos autos, a acusação teve por lastro a autorização por parte dos réus, três deles membros da Comissão de Vistoria e Vigilância da Delegacia de Polícia Federal de Ribeirão Preto/SP, em conluio com o acusado Ivandro, representante da empresa Suporte Serviços de Segurança Ltda, de expedição em favor da empresa de trânsito de armas e munições, sem o recolhimento da taxa de serviços prevista no art. 17 da Lei nº 9.017/95. A legislação, contudo, não disciplinou a forma como deveria ser expedida a autorização. A portaria nº 387/2006 - DG/DPF estabeleceu em seu art. 90." Ademais, consignou que "ao me deter sobre o conteúdo das interceptações telefônicas transcritas na denúncia não constatei qualquer elemento que pudesse servir de conclusão segura sobre o crime imputado a réus. As conversas dizem respeito a vagas referências favoráveis à empresa de Vigilância SUPORTE que, contudo, estão longe de evidenciar de maneira segura a intenção da prática delitiva. Também os depoimentos testemunhais não passam de informações genéricas quanto ao desenvolvimento das atribuições dos acusados que não foram apuradas na esfera administrativa através de processo disciplinar a servir, ao menos, de lampejo de convencimento em torno da improbidade dos atos praticados, delinear a caracterização das condutas e arrimar, como subsídio, uma condenação." Por fim, salientando a falta de prova quanto ao dolo, dispôs: "o crime de peculato, de natureza pluriofensiva, destinado à tutela do patrimônio público e da moralidade administrativa é de amplitude maior do que a não observância de normas regulamentares, portarias ou regras administrativas causadas por imperfeições decorrentes do próprio sistema não uniforme e precário adotado pela administração, de modo que a responsabilidade do servidor somente pode ser aferida não apenas em razão de mero descaso para com a regularidade do serviço prestado, mas também pela intensidade do dolo de cometer ilícito em proveito próprio ou alheio. Assim, não basta o deslize, o retardamento de atos, a imperfeição, a desobediência da regulamentação do setor para que se tenha pela comprovada a atuação delitiva. É preciso a subsunção integral ao tipo que lhe caracteriza, não bastando a mera irregularidade para perfazer o crime."
Saiu vencedor o entendimento pela reforma da r. sentença absolutória, uma vez que o Desembargador Federal Antonio Cedenho entendeu comprovadas a materialidade e autoria delitivas. Afirmou, em suma, ser "muito claro que a necessidade de expedição das Guias competentes de forma alguma poderia ser negligenciada, a princípio porque é desse pagamento que se sustenta a própria manutenção do serviço público, como é de conhecimento até do público em geral e que estão explicitamente consignados no artigo 112 da Portaria 992/95. (...) Veja-se que o argumento da defesa sempre foi que a desorganização administrativa levava à emissão de autorizações de sem o devido recolhimento das taxas. Esse argumento, porém, é evidentemente contrastado pelo depoimento da testemunha Elisangela, que era secretária da Comissão de Vistoria e deixou bem claro que a ausência do recolhimento só poderia ser suprida pelo presidente da Comissão. É importante ressaltar a veemente negativa da depoente em relação à possibilidade de, por equívoco, que houvesse autorização sem o respectivo pagamento da taxa. Tenha-se em vista o depoimento da então auxiliar administrativa da comissão, Eliane Lopes Alves: '(...) Defesa: Mas o usual era haver um requerimento com a relação das armas e munições e os destinos, e ele era instruído com uma guia só? Depoente: Por uma guia. Defesa: Uma guia? Depoente: Somente uma guia. Defesa: Sempre foi assim? Depoente: Sempre foi assim. Desde que eu entrei lá, sempre foi assim. Já tinha... Sempre foi assim, era um padrão... Sempre foi assim.' Mais uma vez, uma contratada da comissão traz uma afirmação que assegura um certo regramento da emissão das guias, que deveriam ser emitidas para cada requerimento expedido."
Saliento que os três votos supracitados foram mais extensos e aprofundados do que o relatado acima. Os trechos aqui destacados, portanto, foram apenas uma síntese da motivação expressa em tais votos, que de modo algum esgota o teor integral do entendimento expresso pelos nobres membros que julgaram o caso pela Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
Para a leitura integral dos votos, peço vênia para me reportar a fls. 965/974v, 975/981 e 982/990.
Segundo o dispositivo legal que regia a matéria, cada requerimento deveria vir acompanhado do recolhimento de uma taxa. Com efeito, o art. 36 da Portaria 992, de 1995, alterada pela Portaria 277/98, dispunha:
Ou seja, a lei não determina uma quantidade de armas limite em cada requerimento, mas tão somente fixa que cada requerimento deve vir acompanhado de documento de arrecadação já autenticado.
Assim é que a referida Portaria disciplina a relação entre requerimento e o recolhimento da taxa, ainda que não tenha sido expressa em relação à expedição da respectiva autorização.
Diante disso, o magistrado singular entendeu que "o recolhimento da taxa de autorização de trânsito era feito em razão do requerimento, ou seja, para cada pedido encaminhado pela empresa era recolhida uma única taxa, podendo ser expedida uma única guia de autorização ou, de acordo com o trajeto e os destinos das armas, ser desmembrada esta autorização em várias guias, inclusive com a repetição da numeração, procedimento este que se adequava, evidentemente, à legislação vigente."
Segundo tal entendimento, o fato de haver autorizações expedidas sem o respectivo recolhimento não necessariamente supõe a prática de um ilícito, haja vista que um único pedido poderia implicar a expedição de mais de uma autorização.
Se assim o é, o laudo pericial que concluiu, dentre outros, que "... há somente o pagamento de uma única 'Autorização' da empresa Suporte Serviços de Segurança Ltda., para um total de 40 (quarenta) concessões emitidas para ela" (fls. 272); e "em face da existência de 31 (trinta e uma) 'Autorizações' emitidas em 24/01/2000 para a empresa 'Suporte Serviços de Segurança Ltda.', não há como especificar sobre qual destas 'Autorizações foi efetuado o único recolhimento existente para esta data. Sendo assim, há 30 (trinta) concessões sem respectivo pagamento para a referida data", não é peça hábil a demonstrar a materialidade delitiva.
Em outras palavras, tal laudo apenas constata que mais de uma autorização foi emitida a partir de um único recolhimento, quando, consoante entendimento do juízo a quo, só haveria ilícito se o pedido do qual decorreram as autorizações fosse desprovido de pagamento.
É preciso ressaltar, noutro giro, que a prova testemunhal indica que o modus operandi praticado pela Polícia Federal, em Ribeirão Preto, era o de que para cada pedido deveria ser emitida uma única autorização, muito embora não houvesse formalmente um procedimento padrão a ser adotado.
Em seu depoimento (fls. 275/276), Elisangela ressaltou que "para cada autorização de trânsito era necessário que a empresa requerente apresentasse o recolhimento respectivo de uma taxa"; "que para cada guia, independentemente do número de armas, deveria haver o recolhimento de uma taxa"; "que havendo destinos diferentes, a rotina da CV impunha que o interessado apresentasse requerimentos diferentes com recolhimentos distintos" e "que nunca teve conhecimento de expedição de mais de uma autorização para um mesmo recolhimento".
Geraldo de Alvarenga, agente da polícia federal, declarou (fls. 215/218) que "usualmente seria necessária a expedição de apenas uma guia para um mesmo pedido, entretanto, esclarece que não há até a presente data por parte da Coordenação Geral de Segurança Privada - GCSP, em BRASILIA-DF, órgão este normativo e regulador da matéria, procedimento padrão a ser adotado (...)". Noutro ponto, afirmou: "certamente deveria haver sim a comprovação do pagamento da taxa correspondente (à emissão de autorização de trânsito)", acrescentando que quem era responsável pela recepção dos documentos da empresa era Elisangela.
A fls. 666/670, em juízo, afirmou que "normalmente a guia era expedida pelo pedido, não se define o número de armas, pode ser uma, dez, cem, mil armas. A guia não se discrimina quantas armas, e nem a situação, se ela vai para x ou para y. Expede-se uma guia de trânsito, como expedia, expede atualmente, de acordo com o pedido." (sic). Quando perguntado quantas guias seriam expedidas caso uma empresa solicitasse autorização para o trânsito de várias armas e cartuchos, respondeu que somente uma guia contemplando essas armas todas, acrescentando "uma guia diante de um único requerimento". Esclareceu, mais à frente, que o comprovante de recolhimento da taxa não acompanha as guias, permanecendo acostado ao requerimento, o qual, por sua vez, não sai da Polícia Federal.
Paulo Roberto Reis Morais (fls. 686) também confirmou a necessidade de recolhimento de taxa para cada requerimento, com a consequente expedição da autorização.
E também Eliane, então auxiliar administrativa da comissão, declarou:
Não é ponto relevante do presente caso perquirir se em cada autorização constava uma ou mais armas ou munição, tampouco se bastava uma única autorização para mais de um destino.
O ponto de partida para a solução da questão é perquirir se houve autorização de trânsito sem o respectivo pagamento, uma vez que cada requerimento deveria dar origem somente a uma autorização.
Como visto, isso foi comprovado, eis que o laudo pericial constatou a existência de diversas autorizações sem o respectivo recolhimento.
A prova da irregularidade é certa, portanto.
Inobstante, não vislumbro o dolo necessário à configuração do peculato.
A defesa dos acusados argumenta que a confusão normativa foi a causadora do imbróglio, e a prova dos autos parece sustentar a tese defensiva.
Com efeito, corroborando com a linha seguida pelo Desembargador Federal Luiz Stefanini, entendo que os elementos probatórios dão conta da existência de evidente desorganização administrativa, a qual era intensificada pela ausência de procedimento formal padronizado para recolhimento das taxas e expedição de guias.
Em paralelo, ainda que se pudesse atestar a existência de dolo por parte dos acusados - o que não faço -, mesmo assim não vislumbraria o delito de peculato, mas de prevaricação (desde que presente o dolo descrito no respectivo dispositivo).
Explico.
Não há nos autos qualquer prova no sentido de que os acusados se apropriaram de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tinham a posse em razão do cargo, ou desviaram-no, em proveito próprio ou alheio.
Os acusados nunca tiveram a posse dos valores devidos a título de taxa, nem há prova de que tenham feito desviar qualquer dos valores referidos nos autos.
Como esclarecido pelas testemunhas, notadamente por Elisangela: tinha uma guia que era juntada, que o pessoal da empresa pagava no banco e nós juntávamos ao processo, que vinha um requerimento pedindo a autorização. MP: uma guia autenticada de recolhimento feita no banco? DEPOENTE: Feito no banco. Não era feito com a gente, era feito diretamente no banco.
Em suma, os acusados jamais auferiam os valores diretamente, mas somente recebiam o requerimento e o comprovante de pagamento a ele acostado - pagamento que era efetivado diretamente na instituição financeira.
Assim é que também não encontro na prova dos autos a "posse" de valores por parte dos embargantes e o seu posterior "desvio", em proveito próprio ou alheio.
Em todo o caso, ainda que se pudesse falar em prevaricação - o que não reputo possível haja vista a ausência de demonstração de dolo, além da insuficiente descrição dos fatos na exordial acusatória para configuração desta conduta - observo que a pena máxima prevista em lei para o crime de prevaricação é de 1 (um) ano.
Segundo artigo 109, inciso V, do Código Penal, o respectivo prazo prescricional é de 04 (quatro) anos e, diante disso, haveria de se reconhecer a prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, eis que entre a data dos fatos (31.01.2003) e o recebimento da denúncia (11.12.2009) já teria transcorrido o aludido prazo.
A despeito das considerações acerca do delito de prevaricação, entendo que o voto vencido que concluiu pela absolvição bem concluiu a questão ao referir-se à prova somente de irregularidades administrativas:
E é por isso que também absolvo os acusados do crime previsto no artigo 312 do Código Penal.
Diante do exposto, dou provimento aos embargos infringentes para que prevaleça o voto proferido pelo eminente Desembargador Federal Luiz Stefanini, no sentido de negar provimento à apelação do Ministério Público Federal, mantendo a absolvição dos réus.
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 07/12/2015 16:28:35 |