Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 04/09/2015
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0011963-91.2005.4.03.6181/SP
2005.61.81.011963-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : HUMBERTO LUZ
ADVOGADO : KAROLINE DA CUNHA ANTUNES (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00119639120054036181 5P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO PARA AMBAS AS PARTES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. Pena aplicada: 2 (dois) anos de detenção. Prescrição em 4 (quatro) anos. Artigos 110 e 109, inciso V, do Código Penal.
2. Prescrição da pretensão executória.
3. Divergência jurisprudencial quanto ao termo inicial da pretensão executória.
4. Supremo Tribunal Federal, interpretando o alcance do princípio constitucional da presunção da inocência, vedou toda e qualquer execução provisória. Ministério Público impedido de pleitear a execução da pena enquanto o feito não transitar em julgado para ambas as partes. Seria um contrassenso reconhecer a prescrição da pretensão executória pelo transcurso de um lapso temporal durante o qual o Estado-acusação não pode agir e que escoa em benefício exclusivo das postulações recursais da defesa.
5. Pensamento contrário enseja impunidade e dá ao artigo 112, inciso I, interpretação que não subsiste, por adequar-se apenas ao contexto legislativo anterior.
6. Justiça Pública só pode pretender que se iniciasse a execução da sanção penal cominada ao acusado em 26/03/2014. Prazo prescricional de 4 (quatro) anos não se ultimou até a presente data.
7. Prescrição não verificada. Recurso conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal, para cassar a sentença de fls. 355/355v, a fim de que tenha regular prosseguimento a presente ação penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 24 de agosto de 2015.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0011963-91.2005.4.03.6181/SP
2005.61.81.011963-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : HUMBERTO LUZ
ADVOGADO : KAROLINE DA CUNHA ANTUNES (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00119639120054036181 5P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de RECURSO EM SENTIDO ESTRITO interposto pela JUSTIÇA PÚBLICA contra decisão de fls. 355/355v, proferida pelo MM. Juiz Federal Substituto da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP, que julgou extinta a punibilidade do réu HUMBERTO LUZ, condenado pela prática do delito previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472/97, em razão da ocorrência da prescrição da pretensão executória.


Consta dos autos que o réu, ora recorrido, foi denunciado pela suposta prática do delito previsto no artigo 70 da Lei n.º 4.117/62 (fls. 02/04).


A denúncia foi recebida em 27/08/2008 (fl. 188).


A sentença de fls. 291/292v, com base no artigo 383 do Código de Processo Penal, deu aos fatos definição jurídica diversa da que constou da denúncia, entendendo que o delito praticado seria o do artigo 183 da Lei n.º 9.472/97, condenando o réu HUMBERTO LUZ a 2 (dois) anos de detenção e multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo. Decisão publicada em 13/04/2010 (fl. 293).


A sentença transitou em julgado para a acusação em 19/04/2010, conforme certificado à fl. 343.


O acusado apelou (fls. 298/301). Contrarrazões às fls. 306/310. Parecer ministerial às fls. 315/316v.


Esta E. Corte Regional conheceu do recurso e, no mérito, deu parcial provimento, tão-somente para afastar a pena de multa imposta pelo juízo de primeiro grau, fixando-a em 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo legal (fls. 335/338v). Julgamento proferido em 10/02/2014 (fl. 332).


O acórdão transitou em julgado para as partes em 26/03/2014 (fl. 342).


Remetidos os autos à Vara de origem, o Ministério Público Federal manifestou-se pela não ocorrência da prescrição da pretensão executória, requerendo o prosseguimento do feito (fls. 345/352).


O MM. Juiz Federal Substituto da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP declarou extinta a punibilidade do réu HUMBERTO LUZ, por entender que ocorreu a prescrição da pretensão executória, contada a partir do trânsito em julgado para a acusação em 19/04/2010 (fls. 355/355v).


Irresignado, o Ministério Público Federal interpôs o presente recurso em sentido estrito (fls. 357 e 360/366), requerendo a cassação da decisão que declarou extinta a punibilidade, para que possa ter início do cumprimento das penas.


Alega o órgão ministerial, em síntese, que o termo inicial para a contagem da prescrição da pretensão executória deve ser considerado o último trânsito em julgado da condenação, que ocorreu com o julgamento da apelação por esta Corte Regional, com o trânsito em julgado para ambas as partes em 26/03/2014.


Em sede de contrarrazões, a Defensoria Pública da União, nomeada para atuar no feito, pugnou pela manutenção da decisão recorrida (fls. 379/385).


Nesta Corte, o Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso (fls. 388/391).


É O RELATÓRIO.


Dispensada a revisão, na forma regimental.


VOTO

O recurso comporta provimento.


Para proceder ao cálculo prescricional no presente caso, primeiramente é necessário registrar que, com o trânsito em julgado para a acusação, a prescrição regula-se pela pena aplicada de 2 (dois) anos de detenção, a teor do disposto no artigo 110 do Código Penal (prescrição retroativa). Logo, conforme artigo 109, inciso V, do Código Penal, a prescrição verifica-se em 4 (quatro) anos.


No presente caso, o questionamento se fixa acerca do termo inicial da contagem do prazo prescricional, uma vez que se trata da pretensão executória.


A decisão recorrida sustenta que a prescrição da pretensão executória tem início a partir do trânsito em julgado para a acusação, conforme literal interpretação dos artigos 112, inciso I, e 110, § 1º, ambos do Código Penal.


Reconhecida a divergência jurisprudencial quanto ao termo inicial da pretensão executória, temos que a expressão "trânsito em julgado para a acusação" ou para a defesa deve ser utilizada cum grano salis. Com efeito, não se pode entender, por exemplo, que a decisão transitou em julgado para a acusação porque ela deixou de recorrer da sentença condenatória, até porque não podia fazê-lo por falta de interesse. Não há aí propriamente trânsito em julgado, pois se a apelação defensiva tiver provimento, reabrem-se para a acusação as vias recursais.


A expressão tornou-se comum, porém, em matéria de prescrição retroativa. Aqui, fala-se em "trânsito em julgado para a acusação", não num sentido absoluto, mas naquele de que, havendo recurso exclusivo da defesa, não será possível o agravamento da pena em sede recursal, em razão do princípio non reformatio in pejus. Contudo, como se vê, tal raciocínio é restrito à aferição da definitividade da pena in concreto, para fins de reconhecimento da prescrição retroativa, não havendo sentido em aplicá-lo à pretensão executória.


A menção do artigo 112, inciso I, do Código Penal só fazia sentido quando se admitia a execução provisória da pena, o que, aliás, era a regra no Código de Processo Penal, na sua redação original. Com efeito, o artigo 597 dispõe que:


"A apelação de sentença condenatória terá efeito suspensivo, salvo o disposto no artigo 393 (...)."

O artigo 393, na sua redação original, por sua vez, dispunha:


"São efeitos da sentença condenatória recorrível:
I - Ser o réu preso ou conservado na prisão (...)
II - Ser o nome do réu lançado no rol dos culpados."

A chamada Lei Fleury (Lei n.º 5.941/73), que alterou o artigo 594 do CPP, reafirma essa regra originária da execução provisória, ao tempo em que cria uma primeira exceção, quando se tratar de réu primário e de bons antecedentes.


Vê-se, assim, que a sentença condenatória era desde logo executável, razão pela qual a prescrição da pretensão executória começava de logo a correr, caso o Ministério Público não interpusesse recurso, na forma do citado artigo 112, inciso I, do CP.


Contudo, hoje, o Supremo Tribunal Federal, interpretando o alcance do princípio constitucional da presunção da inocência, vedou toda e qualquer execução provisória (HC 84.078/MG, rel. Min. Eros Grau, 05.02.2009, Informativo STF nº 534), estando o Ministério Público impedido de pleitear a execução da pena enquanto o feito não transitar em julgado para ambas as partes. Seria um contrassenso reconhecer a prescrição da pretensão executória pelo transcurso de um lapso temporal durante o qual o Estado-acusação não pode agir e que escoa em benefício exclusivo das postulações recursais da defesa.


Com a devida vênia, o pensamento em contrário parece-nos ensejar impunidade e pecar por dar ao artigo 112, inciso I, já referido, interpretação que não subsiste, por adequar-se apenas ao contexto legislativo anterior. Assim, porque a Justiça Pública ainda não podia pretender que se iniciasse a execução da sanção penal cominada ao acusado, o que só passou a ser possível a partir de 26/03/2014, quando a condenação e a sanção penal restaram confirmadas por decisão transitada em julgado. Não se pode, portanto, concluir que houve a prescrição da pretensão executória do Estado, uma vez que o prazo prescricional de 4 (quatro) anos não se ultimou até a presente data.


A corroborar o entendimento adotado, trago à colação recente decisão proferida pela Colenda Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, cuja ementa possui o seguinte teor, in verbis:


"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. SÚMULA 699/STF. AGR AVO INTEMPESTIVO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. INOCORRÊNCIA.
1. O prazo para a interposição de agravo contra decisão denegatória de seguimento de recurso extraordinário em matéria criminal é de cinco dias (Súmula 69 9/STF).
2. Manejado o agravo após o quinquídio legal, consideradas as datas de publicação do juízo negativo de admissibilidade do recurso extraordinário e do protocolo da petição respectiva, manifesta sua intempestividade.
3. Não ocorre a prescrição da pretensão punitiva estatal nos casos em que o trânsito em julgado da condenação se consuma em data anterior ao manejo de recurso intempestivo. Recurso a destempo não previne o trânsito em julgado.
4. A pretensão executória surge somente com trânsito em julgado da condenação criminal, conforme precedente do Plenário desta Suprema Corte no HC 84.078 ( Rel. Min. Eros Grau, Pleno do Supremo Tribunal Federal, por maioria, j. 05.02.2 009), não se iniciando o prazo prescricional respectivo antes deste termo, consoante princípio da actio nata.
5. Agravo regimental conhecido e não provido."
(STF - RE 682013 AgR/SP - 1ª Turma - rel. Min. ROSA WEBER, j. 11/12/2012, v.u., DJe-025 DIVULG 05-02-2013 PUBLIC 06-02-2013)

Cumpre destacar o seguinte excerto das razões de decidir adotadas no voto proferido pela Eminente Ministra Rosa Weber naquele julgamento, in verbis:


"Quanto à pretensão executória, estando condicionada ao trânsito em julgado da condenação criminal, conforme precedente do Plenário desta Suprema Corte no HC 84.078 (Rel. Min. Eros Grau, Pleno do Supremo Tribunal Federal, por maioria, j. 05.02.2009), o prazo iniciou o seu curso, pelo princípio da actio nata, somente em abril de 2011. Vedada a execução provisória da pena não é suficiente, para o início do prazo da pretensão executória, o trânsito em julgado para a Acusação. É necessário reinterpretar o artigo 112, I, do Código Penal, à luz do entendimento do Supremo Tribunal Federal, adotado no HC 84.078, em relação ao princípio constitucional da presunção de inocência.(...)"

Nesse mesmo sentido vem se posicionando o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, conforme se depreende da leitura dos seguintes precedentes:


"HABEAS CORPUS. ARTIGO 1º, P. ÚNICO, C/C ARTIGO 11, AMBOS DA LEI Nº 8.137/90. PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. MARCO INTERRUPTIVO. EFETIVO INÍCIO DO CUMPRIMENTO DA PENA. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO PARA AMBAS AS PARTES. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
(...)
4. O termo inicial da contagem do prazo prescricional da pretensão executória é o trânsito em julgado para ambas as partes, porquanto somente neste momento é que surge o título penal passível de ser executado pelo Estado. Desta forma, não há como se falar em início da prescrição a partir do trânsito em julgado para a acusação, tendo em vista a impossibilidade de se dar início à execução da pena, já que ainda não haveria uma condenação definitiva, em respeito ao disposto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. (...)." - Grifei.
(STJ - HC 127266/SP - 5ª Turma - rel. Min. JORGE MUSSI, j. 26/10/2010, v.u., DJe 13/12/2010)
"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. PACIENTE CONDENADO A 2 ANOS E 4 MESES DE DETENÇÃO, POR DUPLO HOMICÍDIO CULPOSO PRATICADO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR (2 ANOS PELO CRIME, ACRESCIDOS DE 4 MESES PELO CONCURSO FORMAL). NÃO OCORRÊNCIA DA prescrição DA PRETENSÃO executória. MARCO INICIAL: TRÂNSITO EM JULGADO, PARA A ACUSAÇÃO (E, NO CASO EM EXAME, TAMBÉM PARA A DEFESA), DA SENTENÇA CONDENATÓRIA, OCORRIDO EM 25.06.07. ARTIGO 112, I DO CPB. prescrição EM 4 ANOS (ARTIGO 109, V DO CPB). PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO.
1. Infere-se do acórdão objurgado que a sentença, publicada em 30.07.2003, transitou em julgado para ambas as partes em 25.06.2007, quando, então, o direito de punir do Estado transmudou-se em direito de impor concretamente a sanção restritiva de liberdade. (...)" - Grifei
(STJ - RHC 25918/RS - 5ª Turma - rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, j. 28/09/2010, v.u., DJe 03/11/2010)

Assim sendo, considerando que o trânsito em julgado para ambas as partes deu-se em 26/03/2014, conforme fundamentado supra com respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conclui-se que os fatos delituosos em tela não foram atingidos pelo fenômeno da prescrição executória, subsistindo, em favor do Estado, o direito de executar a pena cominada ao ora recorrido.


Por todo o exposto, dou provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal, para cassar a sentença de fls. 355/355v, a fim de que tenha regular prosseguimento a presente ação penal em desfavor de HUMBERTO LUZ.


É COMO VOTO.


PAULO FONTES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): Paulo Gustavo Guedes Fontes:10067
Nº de Série do Certificado: 55DD429704881053FA1DF33F8C7D3FAA
Data e Hora: 27/08/2015 16:18:12