Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 02/09/2015
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0000323-81.2011.4.03.6181/SP
2011.61.81.000323-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : CELESTE DAS GRACAS LEITE GUIMARAES CASSANIGA
: ROBERTO CASSANIGA
ADVOGADO : SP213058 SIDNEI LOURENÇO SILVA JÚNIOR
No. ORIG. : 00003238120114036181 3P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ARTIGO 168-A, § 1º, INCISO I, E ARTIGO 337-A, INCISO I, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. RECURSO PROVIDO.
1. Se a denúncia contém os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal - como é o caso dos autos - e existem prova da materialidade delitiva e indícios de autoria, não sendo ainda a hipótese de incidência do art. 395 da Lei Processual Penal, deve a exordial acusatória ser recebida, permitindo-se, assim, a deflagração da ação penal. Vigora nessa fase processual o princípio in dubio pro societate.
2. Recurso a que se dá provimento para receber a denúncia e determinar a remessa dos autos à primeira instância para o regular processamento do feito.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao presente recurso em sentido estrito e receber a denúncia, determinando a remessa dos autos à primeira instância para o regular processamento do feito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 24 de agosto de 2015.
MAURICIO KATO
Desembargador Federal


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0000323-81.2011.4.03.6181/SP
2011.61.81.000323-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : CELESTE DAS GRACAS LEITE GUIMARAES CASSANIGA
: ROBERTO CASSANIGA
ADVOGADO : SP213058 SIDNEI LOURENÇO SILVA JÚNIOR
No. ORIG. : 00003238120114036181 3P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL MAURICIO KATO: Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra a r. decisão de fls. 599/600 proferida pelo MM. Juiz Federal Substituto da 3ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP, Dr. Luiz Renato Pacheco Chaves de Oliveira, que rejeitou a denúncia oferecida em face de Celeste das Graças Leite Guimarães Cassaniga e Roberto Cassaniga, relativamente aos delitos previstos no artigo 168-A, § 1º, inciso I, e artigo 337-A, inciso I, combinados com o artigo 71, todos do Código Penal.


Nas razões recursais (fls. 602/611), o parquet federal pleiteia a reforma da decisão, alegando, em síntese, que nos crimes societários, é dispensável a descrição minuciosa e individualizada da conduta de cada denunciado, bastando que a denúncia narre a conduta delituosa de forma a possibilitar o exercício da ampla defesa. Sustenta que a materialidade delitiva restou comprovada, havendo indícios suficientes de autoria, conforme demonstrado pelo contrato social. Aduz, ainda, que foi dada oportunidade aos acusados de informar os responsáveis pela administração da empresa, mas a intimação foi devolvida com recebimento "recusado".


Às fls. 612 o MM. Juiz "a quo" manteve a decisão recorrida.


Contrarrazões acostadas às fls. 622/625.


A Procuradoria Regional da República, por sua ilustre representante, Dra. Samantha Chantal Dobrowolski, opinou, preliminarmente, pela declaração incidental da inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 168-A do Código Penal, procedendo-se na forma do art. 97 da Constituição Federal e art. 480 do Código de Processo Civil, com o consequente reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva em abstrato, exclusivamente quanto à imputação de cometimento do crime previsto no art. 168-A, § 1º, I, do Código Penal. No mérito, manifestou-se pelo parcial provimento do recurso interposto pela acusação, para que a denúncia seja recebida no que concerne à imputação de prática do delito previsto no art. 337-A, I, do Código Penal (fls. 627/632).


É o relatório.


Dispensada a revisão a teor do disposto no artigo 236 do Regimento Interno desta Corte.


MAURICIO KATO
Desembargador Federal Relator


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0000323-81.2011.4.03.6181/SP
2011.61.81.000323-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : CELESTE DAS GRACAS LEITE GUIMARAES CASSANIGA
: ROBERTO CASSANIGA
ADVOGADO : SP213058 SIDNEI LOURENÇO SILVA JÚNIOR
No. ORIG. : 00003238120114036181 3P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL MAURICIO KATO: Celeste das Graças Leite Guimarães Cassaniga e Roberto Cassaniga foram denunciados pela suposta prática dos crimes tipificados no artigo 168-A, § 1º, inciso I, e artigo 337-A, inciso I, combinados com o artigo 71, todos do Código Penal.


Consta da denúncia que:


"Fato n. 1 - Do não recolhimento de contribuições previdenciárias
1. Os denunciados CELESTE e ROBERTO, na qualidade de administradores do INSTITUTO DE EDUCAÇÃO E ESPORTES HIGIENÓPOLIS SC LTDA (COLÉGIO PIRATININGA) (fls. 39/45), estabelecido na Av. Angélica, 381, Santa Cecília, CEP: 01227-000, São Paulo/SP, deixaram de recolher, no prazo legal, as contribuições devidas à Seguridade Social descontadas de pagamentos efetuados a seus segurados, cujo valor total foi de R$ 58.167,95 (cinquenta e oito mil, cento e sessenta e sete reais e noventa e cinco centavos).
2. As condutas caracterizadoras do delito previsto no art. 168-A, § 1º, inciso I, do Código Penal, foram adotadas, naquela empresa, em relação a contribuições previdenciárias relativas ao período de janeiro de 1999 a fevereiro de 2003 (inclusive em relação aos décimos terceiros salários referentes ao mesmo período).
3. A materialidade delitiva está evidenciada: (i) na NFLD nº 35.634.257-3, (fls. 46 a 91); (ii) nas cópias de folhas de pagamento (fls. 92 a 121); (iii) Ofício nº 524/2005 do Comitê Gestor do Programa de Recuperação Fiscal - REFIS, do Ministério da Fazenda (fl. 288); (iv) Ofício nº 16176/2005 da Procuradoria Federal INSS (fl. 289), bem como pelo (v) Ofício nº 345/2010 da Procuradoria da Fazenda Nacional (fls. 417 a 423).
4. O valor do crédito tributário constituído pela NFLD acima referida alcançou o montante de R$ 58.167,95 (cinquenta e oito mil, cento e sessenta e sete reais e noventa e cinco centavos), consolidado em R$ 96.508,97 (noventa e seis mil, quinhentos e oito reais e noventa e sete centavos), segundo informações da Procuradoria da Fazenda Nacional (fl. 417).
5. Não há notícia de pagamento ou parcelamento do crédito tributário lançado (fls. 288/289 e 417 a 423).
Fato n. 2 - Da sonegação de contribuição previdenciária
6. Os denunciados CELESTE e ROBERTO, na qualidade de administradores do INSTITUTO DE EDUCAÇÃO E ESPORTES HIGIENÓPOLIS SC LTDA (COLÉGIO PIRATININGA) (conforme alteração contratual de fls. 41/45) suprimiram contribuição previdenciária mediante a omissão na GFIPS (Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia e Informações à Previdência Social), documento de informações previsto pela legislação previdenciária, de remunerações pagas ou creditadas aos segurados contribuintes individuais que lhe prestaram serviços.
7. A prática do delito previsto no art. 337-A, inciso I, do Código Penal, está caracterizada pelas condutas adotadas, naquela empresa, em relação às contribuições previdenciárias relativas aos períodos de janeiro de 1999 a dezembro de 2002, estando a materialidade delitiva comprovada pelas NFLD n. 35.634.258-1 (fls. 122 a 215), cópias dos Autos de Infração nº 35.634.244-1, 35.634.246-8 e 35.634.256-5 (fls. 216 a 260), pelo ofício nº 524/2005 do Comitê Gestor do Programa de Recuperação Fiscal - REFIS, do Ministério da Fazenda (fl. 288); pelo ofício nº 16176/2005 da Procuradoria Federal INSS (fl. 289), bem como pelo ofício nº 345/2010 da Procuradoria da Fazenda Nacional (fls. 417 a 423).
8. O valor do crédito tributário constituído pela NFLD acima referida alcançou o montante de R$ 200.849,87 (duzentos mil, oitocentos e quarenta e nove reais e oitenta e sete centavos). Após ajuizado, o débito alcançou o valor consolidado de R$ 339.090,07 (trezentos e trinta e nove mil, noventa reais e sete centavos), segundo informações da Procuradoria da Fazenda Nacional (fl. 417).
9. Não há notícia de pagamento ou parcelamento em vigor do crédito tributário a que se refere a presente acusação (fls. 288/289 e 417 a 423)."

O magistrado de primeiro grau rejeitou a denúncia, nos seguintes termos (fls. 599/600):


"A denúncia não atende aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, de forma que atenta contra o princípio constitucional da ampla defesa, insculpido no inciso LV do art. 5o da Carta Magna.
Não há, ao contrário do que determina o art. 41 do Código de Processo Penal, exposição do fato criminoso, com descrição das condutas de cada um dos denunciados.
Consta dos autos apenas cópias do contrato social da empresa e posteriores alterações contratuais até o ano de 1998 (fls. 24/51). Não há, porém, como saber quem eram os administradores da empresa na época dos fatos (período de 01/1999 a 02/2003), informação esta, aliás, que o próprio Ministério Público Federal tentou obter, por considerá-la necessária para formação de sua opinio delicti (fls. 271/272 e 358/359).
Não consta que os denunciados tenham prestado declarações no decorrer das investigações.
A simples condição de sócio mencionada em contrato social não autoriza a persecução penal, pois a responsabilidade penal, em nosso ordenamento é sempre subjetiva.
(...)
É certo que a jurisprudência vem, decidindo (acertadamente, diga-se) no sentido de atenuar o rigor do dispositivo legal mencionado no caso de crimes societários, possibilitando seja feita prova da participação de cada um dos sócios durante o curso da instrução criminal.
Entretanto, tais decisões têm o escopo de permitir o exercício da ação penal em casos em que é inviável a determinação da autoria de plano, a fim de evitar que autores de delitos utilizem-se de pessoas jurídicas constituídas com a finalidade de servirem de escudo protetor, permitindo a consecução de atividades ilícitas sem a punição adequada.
Não é possível utilizar-se de tal expediente para deixar de investigar fatos típicos com a cautela necessária, mormente quando a autoria pode ser facilmente apurada, no mais das vezes, com a simples oitiva dos sócios."

O presente recurso merece ser provido.


A materialidade do delito está demonstrada nos autos pelos seguintes documentos: NFLD nº 35.634.257-3, (fls. 52/90); cópias de folhas de pagamento (fls. 98/127); NFLD n. 35.634.258-1 (fls. 128/191), cópias dos Autos de Infração nº 35.634.244-1, 35.634.246-8 e 35.634.256-5 (fls. 213/232), Ofício nº 524/2005 do Comitê Gestor do Programa de Recuperação Fiscal - REFIS, do Ministério da Fazenda (fl. 296); Ofício nº 16176/2005 da Procuradoria Federal INSS (fl. 297), bem como pelo Ofício nº 345/2010 da Procuradoria da Fazenda Nacional (fls. 428/434).


Há ainda indícios suficientes de autoria no acervo probatório, tendo em vista o contrato social e suas alterações, nas quais consta Celeste das Graças Leite Guimarães Cassaniga e Roberto Cassaniga como únicos sócios do INSTITUTO DE EDUCAÇÃO E ESPORTES HIGIENÓPOLIS SC LTDA (fls. 24/51).


Ademais, na hipótese dos autos, tratando-se de crime de autoria coletiva, não se afigura necessária a individualização minuciosa das condutas atribuídas a cada um dos agentes.


De fato, "nos chamados crimes societários, embora a vestibular acusatória não possa ser de todo genérica, é válida quando, apesar de não descrever minuciosamente as atuações individuais dos acusados, demonstra um liame entre o seu agir e a suposta prática delituosa, estabelecendo a plausibilidade da imputação e possibilitando o exercício da ampla defesa, caso em que se consideram preenchidos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal" (RHC 51.501/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 03/12/2014).


In casu, a denúncia descreve de forma clara e circunstanciada o fato delituoso, imputando-o aos recorridos, sendo apta para a deflagração da ação penal, lembrando que nessa fase processual vige o princípio in dubio pro societate, devendo a comprovação cabal do delito ser efetuada no desenrolar da instrução criminal, numa análise exauriente dos fatos.


Destarte, se a denúncia contém os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal - como é o caso dos autos - e existem prova da materialidade delitiva e indícios de autoria, não sendo ainda a hipótese de incidência do art. 395 da Lei Processual Penal, deve a exordial acusatória ser recebida.


Saliento, por fim, que não assiste razão à Procuradoria Regional da República que se manifestou, preliminarmente, pela declaração incidental da inconstitucionalidade do preceito secundário do artigo 168-A do Código Penal e consequente redimensionamento da pena com relação à sanção prevista no artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90.


Entendo que o preceito secundário do crime de apropriação indébita previdenciária não é inconstitucional em razão de estabelecer tratamento mais severo para a mesma conduta prevista no artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90.


Trata-se de tipos penais distintos que preveem sanções penais distintas. Ademais, referido dispositivo do Código Penal não foi objeto de ação de inconstitucionalidade.


A propósito, o aresto que destaco:


"PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA E SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ARTs. 168-A E 337-A DO CÓDIGO PENAL. CONSTITUCIONALIDADE DO PRECEITO SECUNDÁRIO DO ART. 168-A DO CP NÃO VERIFICADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DO CORRÉU COMPROVADOS. PRESCRIÇÃO PARCIAL RECONHECIDA. DOSIMETRIA DA PENA: RIGOR EXCESSIVO CONSTATADO. APELAÇÃO PROVIDA PARCIALMENTE.
1. Não há inconstitucionalidade no preceito secundário do artigo 168-A, do Código Penal, ainda que sua pena seja mais rigorosa do que aquela prevista no art. 2, inciso II, da lei 8.137/90. Isso porque, diante de condutas distintas, aquela com maior reprovabilidade recebeu do legislador pena mais gravosa.
(...)
7. Apelação da defesa provida parcialmente. Apelação do Ministério Público Federal não provida."
(TRF 3ª REGIÃO - Processo: 2003.61.05.003557-7 - Segunda Turma, Data da decisão: 25/11/2014, DE 05/12/2014 - Relator Desembargador Federal Cotrim Guimarães)

Por esses fundamentos, com fulcro na Súmula nº 709 do Supremo Tribunal Federal, dou provimento ao presente recurso em sentido estrito e recebo a denúncia, determinando a remessa dos autos à primeira instância para o regular processamento do feito.


É o voto.


MAURICIO KATO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): MAURICIO YUKIKAZU KATO:10061
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Data e Hora: 31/07/2015 17:40:57