Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 02/09/2015
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004272-21.2008.4.03.6181/SP
2008.61.81.004272-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : ELIZETE NETO TAVARES PAES
ADVOGADO : SP238420 ASSUERO RODRIGUES NETO e outro
APELADO(A) : Justica Publica
CO-REU : MARCOS NETO MACCHIONE

EMENTA

PROCESSO PENAL. RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS. CONTAS BANCÁRIAS CONJUNTAS COM O RÉU. ART. 4º, LEI N.º 9.613/98. ART. 118, CPP. SENTENÇA QUE INDEFERIU PEDIDO DE RESTITUIÇÃO MANTIDA.
1. Consta dos autos que o filho da apelante foi denunciado como incurso na prática de crime contra o sistema financeiro e lavagem de capitais. Como a apelante possui contas bancárias conjuntas com o filho único, o bloqueio de bens e valores de propriedade de seu filho está lhe prejudicando, pois a ordem judicial levou ao bloqueio de suas contas.
2. As diversas doações realizadas pela requerente ao filho indicam que havia certa fruição comum dos patrimônios nas contas, sendo plausível que as contas bancárias fossem movimentadas por ambos, e que o filho utilizasse as contas bancárias conjuntas com sua genitora para dissimular a origem ilícita de capitais, pois os documentos juntados pela requerente não trazem todos os extratos desde 2004, data atribuída como marco inicial para os fatos criminosos.
3. Considerando que um dos titulares das contas bloqueadas é réu em processo criminal, o sequestro de bens é medida adequada que preserva os bens tidos como produto ou instrumento do crime, retirando-os da esfera de disponibilidade do suposto agente até que seja ultimada a pretensão acusatória. Os bens devem permanecer apreendidos até final apuração dos fatos em ação penal, para que se lhes possa dar a destinação legal.
4. Não comprovada a propriedade exclusiva da apelante em relação aos valores bloqueados, e havendo dúvidas quando à origem lícita dos fundos, não deve ser deferido o pedido de restituição de bens.
5. Recurso de apelação não provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 24 de agosto de 2015.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): Paulo Gustavo Guedes Fontes:10067
Nº de Série do Certificado: 55DD429704881053FA1DF33F8C7D3FAA
Data e Hora: 27/08/2015 16:18:29



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004272-21.2008.4.03.6181/SP
2008.61.81.004272-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : ELIZETE NETO TAVARES PAES
ADVOGADO : SP238420 ASSUERO RODRIGUES NETO e outro
APELADO(A) : Justica Publica
CO-REU : MARCOS NETO MACCHIONE

RELATÓRIO

Trata-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta por ELIZETE NETO TAVARES PAES contra a sentença de fl. 146, proferida pelo Juízo Federal da 2ª Vara Criminal desta Capital, que indeferiu o pedido de restituição de coisas apreendidas no bojo do Inquérito Policial n.º 2007.61.81.001278-5 (Operação Pirita), consistentes em valores depositados em cinco contas bancárias, identificadas a seguir (fl. 06): Banco Nossa Caixa S/A, Agência n.º 0601-7, Conta n.º 19.007211-1; Banco Bradesco S/A, Agência n.º 02370, Conta n.º 11399-9; Banco Itaú S/A, Agência n.º 050, Conta n.º 14.9108.29; Banco Safra S/A, Agência Faria Lima, Conta n.º 0222939; Banco HSBC S/A, Agência Urb. Morumbi, Conta n.º 0319-20627-64.


Em suas razões recursais (fls. 153/167), requer a apelante a liberação de referidas contas bancárias, aduzindo que os valores nelas contidos possuem origem lícita, fruto de seu trabalho, conforme demonstram os documentos trazidos aos autos. No que tange à relação financeira da apelante com seu filho Marcos Neto Macchione, réu na Ação Penal n.º 2008.61.81.008935-0, afirma que as contas bancárias são conjuntas desde o falecimento do genitor deste, para que seu filho tivesse acesso aos fundos na hipótese de alguma eventualidade, e que as doações feitas a Marcos são regulares e visaram ao auxílio financeiro do filho, recém-casado. No mais, apresentou o histórico dos valores bloqueados, sustentando serem de sua propriedade exclusiva, sendo de rigor a liberação de suas contas bancárias, por tratar-se de terceira de boa-fé.


Contrarrazões do Ministério Público Federal às fls. 180/184.


O Exmo. Procurador Regional da República, Dr. Márcio Domene Cabrini, manifestou-se em parecer pelo desprovimento do recurso (fls. 187/189).


É O RELATÓRIO.


Dispensada a revisão, nos termos regimentais.


VOTO

A apreensão de bens no processo penal é medida que preserva os bens tidos como produto ou instrumento do crime, retirando-os da esfera de disponibilidade do suposto agente até que seja ultimada a pretensão acusatória.


A previsão de medidas assecuratórias no bojo das ações visando a repressão aos delitos de lavagem de capitais encontra-se estabelecida no art. 4º, da Lei 9.613/98, in verbis:


"Art. 4o O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 1o Proceder-se-á à alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 2o O juiz determinará a liberação total ou parcial dos bens, direitos e valores quando comprovada a licitude de sua origem, mantendo-se a constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 3o Nenhum pedido de liberação será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa a que se refere o caput deste artigo, podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores, sem prejuízo do disposto no § 1o. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 4o Poderão ser decretadas medidas assecuratórias sobre bens, direitos ou valores para reparação do dano decorrente da infração penal antecedente ou da prevista nesta Lei ou para pagamento de prestação pecuniária, multa e custas. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)"

Conforme GUILHERME NUCCI, "não há novidade neste artigo. Sempre que houver a possibilidade de se assegurar futuro confisco do produto ou proveito do crime, eventual reparação de dano à pessoa ofendida, inclusive o Estado, bem como o pagamento de despesas processuais e custas, tornando indisponíveis os bens do suspeito ou acusado, nos termos dos arts. 125 e seguintes do CPP" (Leis Processuais e Processuais Penais Comentadas, vol. 2, 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 529).


In casu, pretende a apelante a liberação de cinco contas bancárias bloqueadas nos autos do Inquérito Policial n.º 2007.61.81.001278-5 (Operação Pirita), vinculado à Ação Penal n.º 2008.61.81.008935-0, em trâmite perante o Juízo da 2ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP, e onde se apura a prática de crimes contra o sistema financeiro e crimes de lavagem de capitais. Em consulta ao sítio eletrônico da Justiça Federal de São Paulo/SP, é possível verificar que houve desmembramento do processo, dando origem à Ação Penal n.º 2010.61.81.000697-8, na qual o filho da apelante é réu, e que até a presente data não foi sentenciada.


Consta dos autos que Marcos Neto Macchione, filho da apelante, foi denunciado como incurso na prática de crime contra o sistema financeiro e lavagem de capitais. Como a apelante possui contas bancárias conjuntas com o filho único, o bloqueio de bens e valores de propriedade de seu filho está lhe prejudicando, pois a ordem judicial levou ao bloqueio de suas contas.


O MM. Juiz de primeiro grau indeferiu o incidente de restituição de coisas apreendidas, tendo entendido que a requerente não conseguiu comprovar a origem lícita dos recursos e não elucidou satisfatoriamente as vultosas doações realizadas ao denunciado Marcos Neto Macchione.


A apelante alega, em síntese, que os fundos presentes nas contas bancárias bloqueadas possuem origem lícita e são de sua propriedade exclusiva, pois são fruto de seu trabalho, e as doações tiveram o intuito apenas de ajudar seu filho financeiramente, pois a apelante tem renda mensal de aproximadamente R$ 19.500,00 (dezenove mil e quinhentos reais) e possui condições de fazer doações de R$ 62.350,00, R$ 65.000,00 e R$ 115.000,00 ao seu filho, para que este, recém-casado, pudesse adquirir veículo automotor e imóvel, além de ter auxiliado no pagamento da lua-de-mel do filho.


Em que pesem as razões recursais, o pleito não merece ser provido.


Como bem salientado pela requerente, as contas são conjuntas, o que por si só autoriza o bloqueio ao interesse da ação penal, já que o acusado figura como segundo titular. Ademais, as diversas doações realizadas pela requerente ao filho indicam que havia certa fruição comum dos patrimônios nas contas, sendo plausível que as contas bancárias fossem movimentadas por ambos, e que Marcos Neto Macchione utilizasse as contas bancárias conjuntas com sua genitora para dissimular a origem ilícita de capitais, pois os documentos juntados pela requerente não trazem todos os extratos desde 2004, data atribuída como marco inicial para os fatos criminosos.


Neste ponto, valho-me do parecer do Exmo. Procurador Regional da República, Dr. Márcio Domene Cabrini:


"No caso dos autos, a prova da origem lícita dos valores bloqueados ainda não foi feita, razão pela qual os valores não podem ser restituídos, ao menos neste momento.
A recorrente alega que a apreensão do numerário não se justificaria, pois teria colacionado aos autos extratos de suas contas bancárias que comprovam a origem lícita dos recursos, evidenciando sua boa-fé e a licitude. Mas a análise dos elementos fornecidos não autoriza conclusão nesse sentido.
A apelante juntou extratos para comprovar a licitude e titularidade dos valores. Entretanto, os extratos juntados são recentes, relativos ao mês de fevereiro de 2008.
O inquérito policial apurou que as atividades ilícitas do investigado datam, ao menos, de 2004. Assim, há um grande lapso temporal dos extratos apresentados e o ilícito criminal. Nada impede que nesse tempo o investigado possa ter movimentado as contas correntes e as utilizado para fim criminoso.
Ao contrário do que alega a apelante, as declarações de imposto de renda da pessoa física não provam a inexistência de entrada de créditos ilícitos nas contas bancárias. Somente comprovam que não foram realizados depósitos ou doações em nome de Marcos Macchine.
Entretanto, o inquérito traz elementos concretos da participação do acusado em organização criminosa que fraudava investidores e lavava dinheiro. O filho da apelante era justamente responsável pela abertura de conta corrente no exterior, ludibriando agências reguladoras, além de articular operações financeiras internacionais para dissimular a origem do dinheiro.
Assim, é de se concluir que poderia facilmente o investigado realizar depósitos nas contas correntes através de simulações de rendimentos provenientes de dividendos ou prestações de serviços realizados pela genitora.
Suspeita essa que é corroborada pelas vultosas doações realizadas pela genitora à seu filho. Doações anais no valor de R$62.350,00 (2003), R$100,000 (2004), R$115,000 (2006) e R$65.000,00 (2007), conforme fls. 16/23, 33/39, 41/47 e 51/57.
Em seu apelo, a recorrente justiça as doações tendo em vista a sua situação financeira próspera o lhe permitiria ajudar seu filho em situações de necessidade, tais como o casamento e compra de imóvel.
Porém, não foi juntado aos autos nada que comprovasse o alegado, como comprovantes dos fastos com o casamento ou documentos relativos aos bens imóveis e móveis adquiridos, documentos estes que ajudariam a provar a verossimilhança do alegado quanto às doações. E ainda, como bem registrado nas contra-razões (fl. 183), os extratos bancários juntados mostram que a apelante possui consideráveis gastos mensais, referentes às próprias despesas, o que torna mais necessária a comprovação cabal das suas alegações, e isso não ocorreu.
Além disso, é difícil de se imaginar que o filho da apelante, aparentemente envolvido em um complicado e lucrativo sistema de fraude internacional, necessitasse de ajuda financeira de sua mãe." - fls. 188/188v

Considerando que um dos titulares das contas bloqueadas é réu em processo criminal, o sequestro de bens é medida adequada que preserva os bens tidos como produto ou instrumento do crime, retirando-os da esfera de disponibilidade do suposto agente até que seja ultimada a pretensão acusatória.


A perda desses bens, desde que sejam comprovadamente instrumentos ou produtos do crime, constitui um dos efeitos da condenação, nos termos do artigo 91 do Código Penal e do artigo 4º da Lei n.º 9.613/98, com redação determinada pela Lei n.º 12.683/2012.


Neste sentido, a jurisprudência:


RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. APREENSÃO DE VALORES. LICITUDE NÃO EVIDENCIADA. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO À RESTITUIÇÃO . NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. PERDA DE BENS EM FAVOR DA UNIÃO. EFEITO AUTOMÁTICO DA CONDENAÇÃO.
1. A ausência de certeza da licitude do dinheiro do ora Recorrente, que restou apreendido por ocasião de sua prisão em flagrante, pela prática do crime de tráfico de entorpecentes, afasta a configuração do seu direito líquido e certo, demandando, pois, necessariamente, dilação probatória, inadmissível no âmbito do remédio heróico.
2. A perda dos instrumentos e produtos do crime, em favor da União, é efeito automático da condenação (art. 91, II, do Código Penal), sendo dispensável sua expressa declaração na sentença condenatória.
3. Recurso desprovido.
(STJ - RMS 18.053/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 19.4.2005, DJ 16.5.2005, p. 369)

Assim, conforme estabelece o artigo 118, do Código de Processo Penal, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo:


PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NA PETIÇÃO. RESTITUIÇÃO DE BENS. ART. 118 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
I - Conforme estabelece o art. 118 do Código de Processo Penal "antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídos enquanto interessarem ao processo."
II - Na hipótese vertente, onde foram apreendido s dois veículos de propriedade dos agravantes - um marca Mercedes ML 320, placa JAU 4991 e um Mini Cooper S, placa EGK 1313 - pairam fortes indícios de serem estes objeto ou produto dos crimes em investigação.
Agravo regimental desprovido.
(STJ - AgRg na Pet 5.563/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, CORTE ESPECIAL, julgado em 05.9.2007, DJ 08/11/2007, p. 155)

Desta sorte, os bens devem permanecer apreendidos até final apuração dos fatos em ação penal, para que se lhes possa dar a destinação legal.


Assim, não comprovada a propriedade exclusiva da apelante em relação aos valores bloqueados, e havendo dúvidas quando à origem lícita dos fundos, não deve ser deferido o pedido de restituição de bens.


Ante o exposto, nego provimento à apelação.


É COMO VOTO.


PAULO FONTES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): Paulo Gustavo Guedes Fontes:10067
Nº de Série do Certificado: 55DD429704881053FA1DF33F8C7D3FAA
Data e Hora: 27/08/2015 16:18:33