Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 10/09/2015
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0002811-83.2015.4.03.0000/MS
2015.03.00.002811-4/MS
RELATORA : Desembargadora Federal MARLI FERREIRA
AGRAVANTE : MUNICIPIO DE DOURADOS
ADVOGADO : MS008924 ISAU DE OLIVEIRA
AGRAVADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : MARCO ANTONIO DELFINO DE ALMEIDA
PARTE RÉ : MUNICIPIO DE ITAPORA
ORIGEM : JUIZO FEDERAL DA 1 VARA DE DOURADOS > 2ªSSJ > MS
No. ORIG. : 00039539520144036002 1 Vr DOURADOS/MS

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MANUTENÇÃO DAS VIAS INTERNAS DE RESERVA INDÍGENAS. TEMPESTIVIDADE DO RECURSO. JUNTADA DE MANDADO DE INTIMAÇÃO. PRODUTORES RURAIS.
Diante da determinação de intimação por Oficial de Justiça (carta precatória), deve ser reconhecida a tempestividade do recurso, visto que o início do prazo recursal se deu com a juntada do mandado cumprido.
Ausência de relevância na fundamentação, uma vez que com relação aos serviços prestados pela municipalidade é de rigor o reconhecimento de condições de igualdade entre os produtores rurais e os indígenas, visto que estes últimos também devem ser considerados como produtores rurais.
A invocação da impossibilidade de obtenção do cascalho, por falta de autorização do órgão ambiental, não se sustenta, eis que negligentemente os Municípios deixaram de apresentar os pontos de GPS necessários para identificação das jazidas no projeto de extração apresentado.
É uma afronta à dignidade da pessoa humana, submeter os indígenas a condições tão inóspitas, dificultando o acesso à rede de saúde regular, à escola para crianças da comunidade e ao escoamento de sua produção agrícola.
Agravo de instrumento a que se nega provimento.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 19 de agosto de 2015.
MARLI FERREIRA
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0002811-83.2015.4.03.0000/MS
2015.03.00.002811-4/MS
RELATORA : Desembargadora Federal MARLI FERREIRA
AGRAVANTE : MUNICIPIO DE DOURADOS
ADVOGADO : MS008924 ISAU DE OLIVEIRA
AGRAVADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : MARCO ANTONIO DELFINO DE ALMEIDA
PARTE RÉ : MUNICIPIO DE ITAPORA
ORIGEM : JUIZO FEDERAL DA 1 VARA DE DOURADOS > 2ªSSJ > MS
No. ORIG. : 00039539520144036002 1 Vr DOURADOS/MS

RELATÓRIO


Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Município de Dourados contra decisão que, em ação civil pública, deferiu a liminar pleiteada para determinar aos Municípios de Dourados e Itaporã a realizarem obras de manutenção nas vias internas da Reserva Indígena de Dourados em condição de igualdade para com os serviços prestados a bem das demais comunidades rurais presentes nos entes requeridos, excetuando-se, por consequência, o nivelamento para escoamento da água das chuvas também na referidas vias, de modo a aplicar corretamente as verbas oriundas da União e do FUNDERSUL, sob pena de multa no valor de R$ 50.000,00 por dia de descumprimento (fls. 177/183).


O agravante, em suas razões recursais, alega que a decisão agravada impôs carga impossível, visto que a obrigação deve ser realizada em terras indígenas, área que não possui jurisdição.


Afirma que qualquer realização de obras nas áreas indígenas depende de prévia análise da FUNAI, que detém competência para analisar as providências determinadas na decisão recorrida.


Assevera que compete exclusivamente à FUNAI as medidas preparatórias e imprescindíveis à garantia dos direitos indígenas, em especial aquelas que dizem respeito à conservação do solo e suas riquezas.


Pondera que a decisão recorrida determinou a realização de serviços em terras indígenas, esquecendo que para tal fim será necessária a retirada de cascalho das terras da própria aldeia, o que depende de licença ambiental, junto ao IBAMA.


Argumenta que não possui competência para solicitar a licença ambiental, tendo em vista que a Portaria nº 1.733/PRES, de 27.12.2012, determinar que somente a FUNAI poderá requerê-la.


Expõe que, contrariamente ao alegado pelo Procurador Federal, os recursos que recebeu e empregou nas estradas rurais do Município de Dourados não incluem a realização de obras e benfeitorias nas aldeias indígenas, competindo ao órgão responsável pela comunidade indígena - FUNAI - buscar recursos, requerer e apresentar licença ambiental para a extração do cascalho, bem como providenciar todas as demais condições necessárias e imprescindíveis à realização das obras determinadas pelo juízo a quo.


Registra que a jurisprudência tem entendimento unânime acerca da obrigação e competência da FUNAI, juntamente com a União Federal, na realização de obras em terras indígenas, por seu sua a competência territorial.


Desse modo, atesta que a Procuradoria, ora agravada, deveria ter incluído no polo passivo da ação originária a FUNAI e a UNIÃO FEDERAL, tendo em vista que a primeira é a responsável por todas as providências quanto à conservação, realização de obras e conservação das terras indígenas e a segunda, é a responsável pelo repasse das verbas necessárias à realização das pretendidas obras.


Declara que é parte ilegítima para figurar no polo passivo da ação, porquanto, embora as terras indígenas se localizem no seu limite territorial, não possui legitimidade sobre elas.


Cientifica que tem a obrigação legal em manter a conservação das estradas rurais do seu território, não podendo empregar recursos destinados à essa finalidade, em terras indígenas, por não possuir competência territorial sobre as aldeias indígenas apontadas na inicial.


Argumenta que não se pode confundir sua obrigação legal de manter conservadas e cuidadas as estradas rurais do seu território, com a situação posta, sob apreciação do Judiciário, qual seja, manter o mesmo serviço em estradas das aldeias indígenas dentro do seu território.


Dispõe que não pode dispender de recursos próprios para investir em terras indígenas, sob pena de afronta aos princípios que regem a Administração Pública, previstos no artigo 37, da CF.


Conclui que para realização da obrigação de fazer determinada na decisão agravada é necessária a autorização do IBAMA, da UNIÃO FEDERAL, que detém jurisdição sobre terras indígenas, bem como a aquiescência da FUNAI, tudo precedido de autorização para extração da matéria-prima (cascalho) das próprias terras indígenas, eis que nenhum prejuízo causará ao povo indígena e suas terras.


Às fls. 215/217, foi indeferido o pedido de efeito suspensivo.


Na contraminuta, o MPF alega, preliminarmente, que o referido recurso é intempestivo, visto que não se aplica ao procuradores municipais a regra da intimação pessoal. No mérito, requer que o recurso seja desprovido.


Dispensada a revisão, na forma regimental.


É o relatório.


VOTO

Inicialmente, passo a apreciar a alegação de intempestividade do presente recurso levantada pelo ora agravado, Ministério Público Federal.


Embora reconheça que assiste razão ao agravado quanto à questão de que não se aplica a regra da intimação pessoal aos procuradores municipais, tenho que, no presente caso, diante da determinação de intimação por Oficial de Justiça (carta precatória), é de rigor a aplicação do entendimento de que o prazo para recorrer inicia-se com a juntada do mandado cumprido.


Nesse sentido, aliás já se posicionou o e. STJ, conforme se verifica do julgado que passo a transcrever:


"PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. EQUÍVOCO QUANTO À DATA DE INÍCIO DO PRAZO RECURSAL. INTIMAÇÃO PESSOAL DO PROCURADOR DO MUNÍCIPIO. DETERMINAÇÃO DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. PRAZO RECURSAL QUE SE INICIA COM A JUNTADA DO MANDADO AOS AUTOS. TEMPESTIVIDADE.
1. A Procuradoria do Município não goza da prerrogativa de intimação pessoal, sua intimação ocorre por publicação no órgão oficial.
2. Na hipótese dos autos, a intimação pessoal do procurador do Município foi determinada pelo Juízo de primeiro grau, diante das peculiaridades do caso concreto.
3. O prazo para interposição da apelação, quando a intimação for por oficial de justiça, inicia-se com a juntada do mandado cumprido aos autos.
4. A apelação é tida como extemporânea quando a interposta antes do julgamento dos embargos de declaração, sem ratificação no prazo de quinze dias.
5. Apelação interposta após a intimação pessoal, mas antes da juntada aos autos, deve ser tido como tempestiva.
6. Recurso especial conhecido e provido."
(STJ, REsp1225108/RS, relatora Ministra ELIANA CALMON, DJe 20.05.2013)

Verifica-se que, proferida a decisão recorrida, foi expedido mandado de citação e intimação nº 001/2015 - SM01/LSA para que o Município de Dourados fosse cientificado acerca do teor da decisão ora insurgida (fls. 185).


A certidão do Sr. Oficial de Justiça informa que o município-agravante foi citado em 16.12.2014 (fls. 189).


Observo que às fls. 188 há carimbo aposto pela Justiça Federal de Dourados da juntada dos documentos de fls. 143/144 dos autos originários, dentre eles, a referida certidão.


Entretanto, o mandado de citação e intimação foi efetivamente juntado aos autos em 22.01.2015, de acordo com o carimbo aposto às fls. 145 dos autos originários e fls. 190 destes.


Assim, tendo em vista o entendimento do e. STJ, deve ser reconhecida a tempestividade do presente recurso, visto que o prazo de início para sua interposição deverá ser contado da juntada do mandado.


No mérito, destaco que o Ministério Público Federal aforou ação civil pública em face dos Municípios de Dourados e Itaporã, objetivando, liminarmente, compelir os administradores das referidas Prefeituras a realizarem obras de manutenção nas vias internas da Reserva Indígena de Dourados em condições de igualdade para com os serviços prestados a bem das demais comunidades rurais presentes nos entes requeridos, excetuando-se, por consequência, o nivelamento, cascalhamento, limpeza e construção de caixas de retenção e valetas para o escoamento da água das chuvas também naquelas vias, assegurando-se assim, além da correta aplicação das verbas oriundas da União Federal e do FUNDERSUL, a trafegabilidade das estradas e o mínimo existencial na fruição dos direitos fundamentais à saúde, educação, segurança, liberdade de tráfego e acesso à Justiça.


O parquet federal alega que os Municípios referidos recebem verbas da União Federal para o fim específico de recuperar as estradas.


Ressalta que, inclusive, no convênio 798795/2013, no qual foi repassado pela União Federal, no valor de R$ 487.500,00, foi apontada a seguinte justificativa (fls. 30):


"...
Justificativa: As políticas públicas implementadas nas últimas décadas para promoção do desenvolvimento rural no Brasil não foram suficientes. A maior evidência é o aumento da pobreza e a persistência das desigualdades regionais, setoriais, sociais e econômicas. Mesmo com avanços em espaços conquistados pelos movimentos sociais, os resultados ainda estão muito aquém das necessidades. Alguns poucos resultados ainda podem ser considerados restritos a determinadas regiões ou setores. As assimetrias quanto às oportunidades de desenvolvimento ainda produzem no meio rural, o maior contingente de pobres e de excluídos. Para enfrentar as assimetrias que persistem nos níveis de desenvolvimento de vastas camadas sociais e de diversas regiões brasileiras, mudanças substanciais deverão ocorrer no escopo e na forma de encarar o desafio de resgatar da pobreza e do abandono à vasta população que atualmente enfrenta os velhos problemas que sempre assolaram o meio rural brasileiro, principalmente, nas comunidades indígenas. Mudanças essenciais deverão ser assumidas pelos formuladores e operadores das políticas públicas, o que significa, fundamentalmente, reconhecer a importância da agricultura familiar e do acesso à terra como dois elementos capazes de enfrentar a raiz da pobreza e da exclusão social no campo, mas também de compreender que uma nova ruralidade está se formando a partir das múltiplas articulações Intersetoriais que ocorrem no meio rural, garantindo a produção de alimentos, a integridade territorial, a preservação da biodiversidade, a conservação dos recursos naturais, a valorização da cultura e a multiplicação de oportunidades de inclusão. O desenvolvimento local sustentado com ênfase nas dinâmicas territoriais tem sido uma estratégica postulada por muitos como requisito para dinamizar e articular diferentes processos locais de forma permanente e adequada à realidade local, em contraposição à estratégica de desenvolvimento com ênfase na supremacia da dimensão econômica e, por conseguinte, do processo de globalização em curso e suas consequências. Esta opção está fundamentada no entendimento de que o território é importante condição de poder, o que significa dizer que a territorialidade pode ser entendida como uma estratégia para influenciar ações por intermédio do controle, não só do espaço, mas também do tempo, isto é, do espaço-tempo. Seu adensamento num espaço próprio e controlado, somado à aceleração de sua mobilidade nas áreas de fronteiras resulta num aprendizado social que se manifesta em novas formas de resistência orgânica, acentuadamente nas reservas indígenas do estado. Considerando que a política nacional de desenvolvimento territorial já vem sendo complementada desde o ano de 2003 e que um grande número de territórios rurais já vem se estruturando e constituindo colegiados atuantes, representativos e organizados faz-se necessário dar continuidade aos processos de mobilização e articulação de agentes de desenvolvimento territorial, os quais possam estar habilitados a discutir e encaminhar ações considerando as diversas temáticas que constituem a dinâmica territorial. Assim sendo, este projeto prevê o momento da produção agropecuária de pequeno porte (agricultura familiar) com a aquisição de equipamentos agrícolas para o atendimento das aldeias indígenas, quilombolas, assentamentos e produtores tradicionais do município de Dourados/MS.
..."

Na inicial, o MPF relata que a União repassou, para o fim específico de aquisição de equipamentos destinados à conservação das estradas vicinais do Município de Dourados o montante de R$ 2.241.250,00 (dois milhões, duzentos e quarenta e um mil, duzentos e cinquenta reais).


Sustenta que, ao não destinar parte do referido repasse às estradas das aldeias indígenas, o Município está tratando de maneira desigual os indígenas.


Explica que o Município de Dourados lançou um programa de recuperação de vias rurais para promover a recuperação de 1.800 km de estradas vicinais, com o consequente nivelamento, cascalhamento, limpeza e construção de caixas de retenção e valetas para o escoamento da água das chuvas.


Acrescenta que, na execução do referido programa, foi noticiada a realização de obras em todos os distritos do município, além da construção de 06 pontes de concreto (verbas provenientes do Convênio n. 769220/2012, por meio do qual a União repassou ao município o montante de R$ 3.189.478,76).


Assevera que, nos termos do artigo 5º, caput, inciso I, da Carta Política declara que todos os poderes devem conferir tratamento isonômico aos indivíduos na lei e perante a lei.


Repiso que é de ser mantida a decisão.


Mais uma vez, pondero que a invocação da impossibilidade de obtenção do cascalho, por falta de autorização do órgão ambiental, não se sustenta, eis que negligentemente os Municípios deixaram de apresentar os pontos de GPS necessários para identificação das jazidas no projeto de extração apresentado.


Ora, os indígenas das comunidades pertencentes à área dos Municípios também são produtores rurais, e recolhem os impostos, como vg., o ICMS Ecológico.


É uma afronta à dignidade da pessoa humana, submeter os indígenas a condições tão inóspitas, dificultando o acesso à rede de saúde regular, à escola para crianças da comunidade e ao escoamento de sua produção agrícola.


Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.


É como voto.


MARLI FERREIRA
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): MARLI MARQUES FERREIRA:10024
Nº de Série do Certificado: 491DB93E50DCBF1B
Data e Hora: 27/08/2015 18:31:01