D.E. Publicado em 07/10/2015 |
|
|
|
|
|
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, decidiu conhecer da apelação, nos termos do voto do Desembargador Federal André Nabarrete (relator), e, por maioria, decidiu negar provimento ao agravo retido e dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial, tida por interposta, para fixar a indenização pela ocorrência do dano ambiental no importe de R$158.489,32, com base nos critérios da proposta de critério para valoração monetária de danos causados por derrames de petróleo ou de seus derivados no ambiente marinho da CETESB, acrescido de juros moratórios e correção monetária a contar da data do evento danoso, abatido o valor depositado em juízo, atualizado, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | ANDRE NABARRETE NETO:10023 |
Nº de Série do Certificado: | 581F94C33111A9E0F4D844669D64D3CB |
Data e Hora: | 01/10/2015 16:31:02 |
|
|
|
|
|
RELATÓRIO
Ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO contra FLUMAR TRANSPORTES DE QUÍMICOS E GASES LTDA. e TRANSCHEM AGÊNCIA MARÍTIMA LTDA., em 12/03/2004, com o objetivo de obter reparação pela ocorrência de dano ambiental, decorrente de derramamento de óleo, nas águas do estuário de Santos (Pier III, Alemoa). Foram formulados os seguintes pedidos no bojo da exordial:
a) condenação das rés ao pagamento de indenização pecuniária pelo dano causado ao meio ambiente pelo lançamento do produto químico ao mar, acrescida de custas, honorários e demais despesas processuais, com incidência dos índices legais de correção monetária, aplicáveis até a data do efetivo depósito;
b) fixação do quantum indenizatório por arbitramento, mediante nomeação de especialista do Departamento de Tecnologia de Proteção e Recuperação Ambiental da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental - CETESB, a ser revertido ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados (Lei nº 7.347/1985 e Decreto nº 92.302/1986) ou ao Fundo de Direitos Difusos (Decreto nº 407/1991).
Atribuído à causa o valor de R$10.000,00 (fevereiro/2004).
Narraram os autores que, em 18/09/2003, houve vazamento de óleo nas águas do estuário santista, oriundo do navio LGP/Como JATAÍ, de bandeira brasileira, consignado e operado pelas rés, quando estava atracado no Pier III do Terminal da Alemoa.
No âmbito do Ministério Público Federal, gerou a Representação nº 075/2003 (1.34.012.000281/2003-89), em razão do encaminhamento de Comunicação Inicial de Incidente pela CODESP.
Consoante o Relatório de Inspeção de Ocorrências da CODESP, o fiscal em ronda constatou movimentação anormal da tripulação da citada embarcação e, ao se aproximar, notou escoamento de óleo de uma das bocas de descarga da embarcação, alheta boreste, o qual atingiu o mar. O comandante do navio assumiu a responsabilidade pelo fato e confirmou terem sido vertidos cerca de 10 a 15 litros de óleo por uma válvula de alívio dos tanques de lastro no momento da transferência do produto.
Foram acionados a CETESB, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente - SEMAM, o IBAMA e a Capitania dos Portos e foi iniciado processo de contenção e remoção da substância mediante auxílio da Petrobrás. Não foi possível, todavia, a coleta de todo o produto, pois, em que pese terem sido recolhidos os resíduos, o óleo permaneceu nas águas do estuário, uma vez "a película ser muito fina".
Apesar de não ter sido constatada mortandade de organismos, alegaram os autores daí ter resultado dano ambiental irreversível, dada a nocividade de tal substância sobre a fauna e flora marinhas e população portuária, pelo qual devem as requeridas responder objetivamente, na qualidade de proprietárias e operadoras da embarcação.
Intimada a União a se manifestar sobre sua eventual integração à lide, informou não ter interesse em intervir no feito (fls. 64, 66, 107).
Devidamente citadas, as requeridas apresentaram contestação (fls. 77/86), na qual pugnaram fosse a demanda julgada integralmente improcedente, ao argumento da inexistência do dano e, sucessivamente, já ter havido a reparação ambiental. Arguiram que:
a) não há qualquer dano ambiental, pois:
a.1) houve árduo esforço da tripulação e da CODESP para conter o vazamento e foi derramada, nas águas do estuário, ínfima quantia de "resíduo oleoso" sem potencial poluidor, consistente, na verdade, em "mais água do que óleo", o qual acabou sendo totalmente removido ao final da operação;
a.2) a maior parte do resíduo ficou retida no convés do navio, situação cabalmente demonstrada nos autos, por meio, e.g., do Ofício da CETESB de fls. 21/22, do Auto de Inspeção de fl. 24, do Relatório de Inspeção da CODESP e respectivo Relatório Complementar de fls. 41/44;
a.3) em razão da eficiência no procedimento de contenção e da quantidade insignificante do resíduo escoado, não houve contaminação de qualquer área sensível, situação confirmada pelo órgão ambiental, o que revela a inexistência de degradação ambiental;
a.4) os autores não lograram comprovar, dimensionar ou delimitar o alegado dano, circunstância que corrobora o argumento da inexistência de destruição ecológica, e era necessária a efetiva comprovação do prejuízo ao meio ambiente, sem o qual não se pode falar em responsabilidade civil;
b) acaso superado o argumento da inexistência do dano, ainda assim não procederia o pleito indenizatório, porquanto:
b.1) tão logo constatado o acidente, houve imediata reparação do dano pela própria tripulação da embarcação, ou seja, as rés já procederam espontaneamente à recuperação ambiental, assumiram todo o custo que poderia ser imposto em relação à limpeza da área e se comprometeram a arcar com todas as despesas;
b.2) a pretensão à condenação pecuniária desmotiva aquele que investe em medidas de contingência e não resolve a questão relativa ao prejuízo ambiental, razão pela qual devem ser prestigiadas as medidas protetivas;
b.3) somente a persistência do produto na água tem potencial poluidor, de modo que, como foi rapidamente retirado, não se desencadeou qualquer efeito danoso;
b.4) o estuário já se encontra poluído em decorrência de inúmeros outros vazamentos de média e larga escalas preexistentes, inclusive por produtos muito mais tóxicos.
Réplica do Ministério Público Federal às fls. 95/99, ratificada e aditada pelo Ministério Público Estadual (fls. 126/129).
Instadas as partes à especificação de provas, requereu o Ministério Público Federal a expedição de ofícios (Capitania dos Portos, CODESP, Petrobrás/Transpetro, CETESB) e a elaboração de parecer técnico por perito do Departamento de Tecnologia de Proteção e Recuperação Ambiental da CETESB (fls. 109/110); o Ministério Público Estadual pugnou pela realização de prova pericial, testemunhal e documental, esta consistente na exibição dos livros de bordo da embarcação de propriedade das rés e na elaboração de informação pela Gerência de Vistorias, Inspeções e Perícias Técnicas (GEVI) da Diretoria de Portos e Costas da Marinha do Brasil, bem como pela expedição de ofícios (fls. 126/129, 210/213). Foi postergada a análise do requerimento quanto às provas pericial e testemunhal, deferidas as demais (fls. 112 e 214).
Vieram aos autos as respostas aos ofícios expedidos e os documentos solicitados, bem como apresentadas pelas rés cópias dos Diários de Bordo, de Máquinas e Livro de Registro de Óleo, além de diagrama de recebimento de óleo combustível, funcionamento de sistema de lastro e de recolhimento de óleos residuais (fls. 282/298, 302/305).
Reiterado o pleito para realização de prova pericial pelo Parquet Federal e requerida produção de prova documental complementar pelas rés (fls. 307, 310).
Inicialmente nomeada perita, veio a ser destituída, a pedido, e nomeado novo expert, além de facultada às partes a indicação de assistentes técnicos e oferecimento de quesitos (fls. 311, 342/343). Autores e rés apresentaram seus quesitos; o Ministério Público do Estado de São Paulo e as requeridas procederam, também, à indicação de assistente técnico (fls. 314/315, 327/328, 372/377).
O profissional informou a estimativa do valor de seus honorários e a metodologia do trabalho (fls. 361/363), com os quais anuíram os autores; já as rés, ao argumento de que o método de estudo apontado seria "polêmico, ultrapassado, arbitrário, exponencial" e repudiado pela própria CETESB, requereram a substituição dele (fls. 383/389).
O Juízo a quo reviu o posicionamento anterior e entendeu desnecessária a realização da prova técnica, porque a questão controvertida estava adstrita ao quantum indenizatório (fl. 492), de forma que declarou prejudicado o pedido, cuja decisão foi desafiada pela interposição de agravo retido pelo Ministério Público Estadual (fls. 504/513), devidamente contrarrazoado (fls. 544/548).
Alegações finais do Ministério Público Federal às fls. 551/559, do Ministério Público do Estado de São Paulo às fls. 567/579 e das rés às fls. 588/592.
Conclusos os autos, foi prolatada sentença de parcial procedência da ação (artigo 269, I, do CPC), com condenação das requeridas ao pagamento da indenização pecuniária fixada em R$15.000,00, a ser revertida ao Fundo para a Reconstituição de Bens Lesados (Lei nº 7.347/1985) e aplicada integralmente em medidas para o controle e restabelecimento do ecossistema aquático na área do estuário e adjacências. Sem condenação aos honorários, consoante o entendimento firmado pelo C. STJ. Custas a cargo das rés. Sentença não submetida ao duplo grau obrigatório (fls. 594/599).
As requeridas procederam ao depósito do valor de R$15.152,18, consoante petição e guia de fls. 603/605, sobre o qual se manifestou o Parquet Federal às fls. 614/615, para apontar sua insuficiência, ante a incorreção na forma de aplicação dos juros e da correção monetária.
Apelação do Ministério Público do Estado de São Paulo às fls. 627/643, recebida no efeito devolutivo (fl. 654), de cujas razões se extrai:
a) reiteração do agravo retido, interposto em razão do indeferimento da realização da prova pericial, inicialmente deferida, para ser anulado o decisum recorrido, porquanto:
a.1) o requerimento formulado pela ré, anterior à decisão agravada, para "substituição do perito nomeado", em verdade configurou arguição de suspeição do expert por já ter atuado como "assessor ad hoc para assuntos ambientais do Ministério Público Federal de São Paulo" e não foi posta nos termos do artigo 138, § 1º, do CPC; além disso, a substituição requerida também se baseou na informação de que o perito utilizaria, como critério para valoração do dano, os parâmetros propostos pela CETESB (1992), arguição que não encontra supedâneo nas hipóteses dos artigos 134, 135 e 424 do CPC;
a.2) a decisão recorrida, ao rever posicionamento anterior para indeferir a produção de prova pericial, não o fez por ter acolhido a arguição das rés, mas com fundamento nos artigos 131, 364 e 390 e seguintes do CPC, ou seja, porque entendeu dispensável em casos como o sub judice, uma vez que o derramamento do produto químico, ocorrido em 2003, permitia somente o "exame indireto" das consequências nocivas ao meio ambiente, e, in casu, a controvérsia repousa apenas na fixação do quantum indenizatório;
a.3) há necessidade da realização de perícia, não somente para valorar o dano, como também para ser estabelecida a correlação entre as informações obtidas por meio da prova documental e os parâmetros técnicos a serem observados em tal ponderação, ainda que o montante venha a ser fixado pelo Juízo com base na proporcionalidade e razoabilidade (artigos 131 e 436 do CPC);
a.4) a ausência da prova pericial pode levar o julgador a não compreender com exatidão a extensão dos danos e acarretar equivocada condenação. Imperiosa sua realização, ainda que de modo indireto, para avaliação real e justa, com vista a desestimular novas transgressões;
a.5) mesmo com a aplicação dos critérios da CETESB, fixados em 1992, os valores indenizatórios não têm impedido a degradação ambiental, pois o número de incidentes de derramamento de óleo no estuário de Santos vem aumentando a cada ano;
b) pedido sucessivo de provimento ao apelo, para o escopo de ser reformada a sentença, porque:
b.1) consoante aduzido em seu memorial, o valor da indenização não poderia ser inferior a US$39.810,70, para o fim de se coibir a negligência e a constante ocorrência de eventos de derramamento de óleo;
b.2) deve ser adotado como critério de valoração e fixação do quantum indenizatório a Proposta de Critério para Valoração Monetária de Danos Causados por Derrames de Petróleo e seus derivados no Ambiente Marinho, elaborada pela CETESB em 1992, a qual equaciona todos os fatores hábeis a influir na justa ponderação da indenização;
b.3.) o estuário de Santos está debilitado, submetido a "estresse crônico", devido à presença permanente de óleo em suas águas, fator impeditivo da recuperação do local, donde qualquer mínimo derramamento implica manutenção da degradação ambiental;
b.4.) as rés deixaram de trazer aos autos o documento que comprovave o volume total de óleo existente no tanque do qual foi originado o vazamento, de porte obrigatório (Regra 20, do Anexo I, da Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição Causada por Navios, de 1973, seu Protocolo, de 1978, Emendas de 1984 e Anexos Opcionais III, IV e V, promulgados pelo Decreto nº 2.508/1998);
b.5) o acidente é inescusável, dado que se trata de navio destinado ao transporte de gás liquefeito de petróleo e similares, de propriedade de empresa igualmente especializada, cuja tripulação deveria estar preparada não só para conter, mas para evitar esse tipo de acidente (artigo 3º, "a", Convenção Internacional sobre Preparo, Resposta e Cooperação em caso de Poluição por Óleo, de 30/11/1990, internalizada pelo Decreto nº 2.870/1998); ademais, o grau de culpa não influi na fixação do montante indenizatório, pois a responsabilização é objetiva (Enunciado nº 46 do CJF);
b.6) o valor da condenação não atende ao "viés educativo" mencionado pelo magistrado sentenciante, se se considerar o capital social das rés (corré Flumar, capital social de R$112.059.223,00, subsidiária da multinacional norueguesa Odfjell, líder do mercado global no ramo) e o fato de que o importe de R$15.000,00 não representa metade da diária de estadia de um navio no Porto de Santos;
b.7) o valor depositado pelas rés é insuficiente, devido ao cômputo equivocado de juros e correção monetária;
b.8) impõe-se a condenação das rés ao pagamento de honorários advocatícios, consoante atual entendimento do C. STJ e com base nas Teorias da Compensação e do Poluidor-Pagador, cujo montante deve ser revertido ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos Lesados (artigos 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981 e 225, § 3º, da CF/88).
Contrarrazões das corrés às fls. 658/662, nas quais reiteram os termos já invocados em sua contestação, pugnam pela manutenção in totum do provimento recorrido e alegam:
a) ter sido ínfimo o derramamento de resíduo oleoso;
b) a eficiência da atuação da tripulação na contenção do vazamento e limpeza da área afetada ter evitado qualquer impacto negativo no meio ambiente;
c) o valor da indenização não poder ser fixado em razão do porte ou capital social da empresa. Devem-se ter por base o dano efetivamente gerado e os primados da proporcionalidade e razoabilidade, consoante a Lei Maior, para se evitar o enriquecimento sem causa (artigo 72 da Lei nº 9.605/1998);
d) o próprio Ministério Público Federal ter anuído com o montante arbitrado, posto não ter recorrido da sentença, o que revela ser justo e razoável.
Subiram os autos a este tribunal regional e aberta vista ao Parquet Federal, o qual opinou fosse desprovido o agravo retido e provida a apelação, bem como fosse explicitado o termo inicial da incidência dos juros de mora.
É o relatório.
À revisão.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | ANDRE NABARRETE NETO:10023 |
Nº de Série do Certificado: | 581F94C33111A9E0F4D844669D64D3CB |
Data e Hora: | 26/08/2015 18:25:48 |
|
|
|
|
|
VOTO
Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra Flumar Transportes de Químicos e Gases Ltda. e Transchem Agência Marítima Ltda., com o objetivo de obter reparação pela ocorrência de dano ambiental, decorrente de derramamento de óleo nas águas do estuário de Santos.
1. DO REEXAME NECESSÁRIO
O decisum deve ser submetido ao reexame necessário, à semelhança do que se verifica no manejo da ação popular, e aplicada por analogia a Lei nº 4.717/65, em razão da interpretação sistemática e teleológica do microssistema de tutela dos interesses coletivos e difusos, nos termos de seu artigo 19, verbis:
Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
In casu, verifica-se ter havido parcial sucumbência do Ministério Público, pois o provimento recorrido não contemplou o pleito atinente à forma de fixação do quantum indenizatório, qual seja, mediante liquidação por artigos, com nomeação de especialista da CETESB.
Assim, far-se-á o reexame necessário da sentença.
2. DA LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM
É plenamente cabível o litisconsórcio ativo entre o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado de São Paulo, não só em virtude do disposto no artigo 127, § 1º, c/c artigo 129, III, ambos da CF/88, como em razão de autorização expressa da própria LACP, a qual estabelece em seu artigo 5º, § 5º, verbis:
Além disso, a realidade fática dá supedâneo ao litisconsórcio em comento, dada a legitimidade ativa do Parquet em ambas as esferas, uma vez que o alegado dano ambiental ocorreu em bem de propriedade da União e dentro dos limites geográficos do Estado de São Paulo, situação a legitimar a atuação tanto do MPF quanto do MP/SP.
É nesse sentido o novel entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
O mesmo entendimento é sufragado por este Tribunal Regional, inclusive por esta Quarta Turma, consoante se ilustra pela colação da ementa a seguir, atinente à apreciação de apelações interpostas tanto pelo Ministério Público Federal quanto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em caso análogo:
3. DO AGRAVO RETIDO
Em sua apelação, o Ministério Público do Estado de São Paulo reiterou o agravo retido de fls. 504/513, interposto contra a decisão de fl. 492, a qual indeferiu a realização da prova pericial, apesar de ter havido seu inicial deferimento, ao fundamento de ser dispensável no caso dos autos, porque apenas autorizaria o exame indireto das consequências nocivas ao meio ambiente e o ponto controvertido estaria adstrito ao quantum indenizatório.
Dos argumentos expendidos pelo Parquet não comportam análise os relacionados à manifestação das rés, colacionada às fls. 383/389, atrelados à arguição de "suspeição" do perito e da metodologia de trabalho apontada (artigos 134, 135 e 138, § 1º, e 424 do CPC), porquanto não constituem fundamento da decisão agravada, a qual, ademais, declarou prejudicado o pedido para substituição do expert, apresentado pelas requeridas.
Quanto aos demais, não merecem a pretendida acolhida.
O Ministério Público Estadual afirmou ser necessária a realização da prova pericial para que todas as circunstâncias pudessem ser sopesadas, ou seja, "estabelecida correlação" entre os elementos dos autos e os parâmetros técnicos para, dessa forma, ser o quantum indenizatório fixado de forma justa, proporcional e razoável, inclusive para o fim de desestimular novas transgressões. Acaso assim não se procedesse, o julgador poderia ser levado a não compreender com exatidão a extensão dos danos e proferir equivocada condenação. Ressaltou o Parquet, também, que mesmo adotado o critério da CETESB para fixação da indenização, o número de incidentes na região do estuário santista tem aumentado a cada ano.
O juiz é o destinatário da prova e a ele compete decidir sobre sua necessidade e pertinência, de modo a formar sua convicção para julgar fundamentadamente a lide, sopesado o conjunto probatório, inclusive sem estar adstrito a eventual laudo técnico (artigos 131 e 436 do CPC, artigo 93, IX, da CF/88).
Os documentos colacionados aos autos, ainda que tenham natureza pública (artigo 364 do CPC), devem ser devidamente cotejados com os demais elementos probatórios, o que não significa retirar-lhes a validade ou a eles atribuir falsidade (artigos 390 e seguintes do CPC).
Além disso, para deferimento ou não da realização da prova pericial, deve ser considerado o pedido apresentado na exordial, além do conjunto das provas já produzidas, para aferir se de fato é imprescindível à elucidação dos fatos.
São incontroversas nos autos a ocorrência do vazamento de óleo e sua origem, navio LGP/Como JATAÍ. Cinge-se o objeto de debate à "efetiva" existência do dano, sua extensão e, também, aos critérios a serem adotados para fins de fixação do montante da indenização pecuniária a ser suportada pelas rés.
O vazamento do óleo no estuário foi confirmado por ambas as partes e por prova documental, o que revela a existência do dano ambiental, mesmo que se considere "ínfima" a quantidade de litros de óleo vertido ao mar. Ademais, há notícia nos autos de que o produto foi encaminhado para incineração e não foi realizada a análise à época dos fatos (fls. 21/26, 38/39, 190), donde não se afigura possível ser agora realizada, mais de dez anos após o incidente. Tampouco teria utilidade o exame indireto do ambiente atingido, pois, à evidência, não guarda as mesmas características da época dos fatos.
No tocante ao quantum indenizatório e adoção dos critérios da CETESB, optaram os autores, em seu exórdio, por requerer sua fixação mediante liquidação por arbitramento. Assim, não seria de se perquirir da perícia, a priori, para fixação do montante na fase de conhecimento, pois suficiente o mero apontamento dos parâmetros pelo julgador, à vista da natureza do pedido constante da peça inaugural, verbis (fl. 5): "requerem, ainda, que o quantum da indenização devida seja fixado por arbitramento, cuja feitura requer, desde já, recaia em especialista do Departamento de Tecnologia de Proteção e Recuperação Ambiental da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental - CETESB (...)". Esta circunstância, em razão do trâmite processual, será adiante amiúde examinada.
Diante do exposto, nego provimento ao agravo retido.
4. DOS FATOS
Em 18/09/2003, houve vazamento de óleo oriundo do navio LGP/Como JATAÍ, de bandeira brasileira e operado pelas rés, quando estava atracado no Pier III do Terminal da Alemoa no Porto de Santos (Auto de Inspeção da CETESB nº 995925, fl. 24; Relatório de Inspeção da Autoridade Portuária nº 3.159 e respectivo Relatório Complementar, fls. 41/46). Resultou da operação de tomada de lastro, com transbordamento do produto pelo suspiro do tanque de borra, alheta boreste, cuja maior parte ficou contida no tombadilho da embarcação e pôde ser removida (fls. 21/22). Apesar da imediata atuação para contenção do vazamento, cerca de 10 litros de óleo, vertidos pela válvula de alívio dos tanques de lastro no momento da transferência do produto, atingiram as águas do estuário (fotografias colacionadas a fl. 36).
Consta do Ofício nº 1615/DPC-MB da Diretoria de Portos e Costas da Marinha do Brasil (fls. 234/237) ter sido a provável causa do vazamento "falha operacional (válvula de escorva mantida aberta após a partida da bomba e falta de monitoramento)".
Foram acionados a CETESB, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente - SEMAM, o IBAMA e a Capitania dos Portos, além de iniciado o processo de contenção e recolhimento da substância com auxílio da Petrobrás.
O Ofício 1.346/2003-CBx-S da Gerência da Agência Ambiental da CETESB em Santos (fls. 21/22) noticia o vazamento estimado em 10 litros, a retirada de resíduos (óleo + absorventes), bem como não ter sido constatada a mortandade de organismos ou a presença do óleo nos mangues ou praias. A informação foi complementada pela Capitania dos Portos por meio do Ofício nº 1166/CPSP (fls. 28/29), de cujo teor se extrai que, em razão da rapidez e eficiência no acionamento do Plano de Emergência, mediante a utilização de barreiras de contenção e mantas absorventes, foram todos os resíduos recolhidos. Quanto ao óleo, todavia, não houve condições de ser realizada sua coleta, uma vez que a película era muito fina, a qual permaneceu nas águas do estuário.
O produto retirado foi inicialmente armazenado em tambores metálicos e depositados no Galpão "A" do Terminal da Alemoa para posterior e adequada destinação, porém não foram, naquele momento, recolhidas amostras para análise quanto à toxicidade e persistência da substância (fls. 38/39). O transporte do óleo e dos resíduos foi, posteriormente, realizado pela empresa Orion Operadora Marítima Ltda., que os levou à Silcon Ambiental Ltda. para incineração (fls. 21/22, 25/26, 228).
O vazamento gerou a lavratura do Auto de Infração nº 002, Notificação nº 01049/2003, datado de 24/09/2003, por violação ao artigo 17, caput, da Lei nº 9.966/2000, c.c. o artigo 36 do Decreto nº 4.136/2002, de cujo teor se extrai a confirmação do volume de cerca de 10 litros de óleo (fl. 30). A Capitania dos Portos informou, por meio do Ofício nº 1011/2005-CPSP, e após o devido procedimento administrativo, ter sido aplicada multa às requeridas, no importe de R$1.000,00, valor pago em 19/01/2004 (fls. 150/155, 161/169).
Foi elaborado, ainda, o Registro de Reclamação da População (RPP) nº 18000525 pela CETESB, com a informação de que o produto vertido ao mar consistia em óleo tipo bunker ("banker", fls. 144/145).
Nos termos do Relatório Complementar ao RI-3159 (fl. 44), o produto não chegou a atingir as áreas ecologicamente sensíveis, como os manguezais.
A ré colacionou aos autos os Diários de Bordo, de Máquinas e o Livro de Registro de Óleo, dos quais se destaca, ipsis litteris: "às 1310horas ocorrência de pequeno vazamento de óleo e água de lastro pelo suspiro do TQ21, prontamente combatido e parado, porém com leve derrame sobre o mar. Autoridades portuárias acionadas" (fl. 280).
A Petrobrás informou não ter sido efetuado qualquer pagamento pelas requeridas, relativamente aos encargos devidos em função do apoio prestado para remoção dos resíduos derivados do vazamento, cujo importe originário remontaria a R$8.694,00 (Ofício nº 2453/2005-DT/AMA/SANTOS, fl. 172; Ofício nº 791/2007-SEC02, fl. 254, Ofício nº 7152/2007-DT-TAQ/SANTOS, fls. 271/272).
Outro ponto destacado é a questão do armazenamento e destinação final do produto. A empresa Orion ficou incumbida de proceder à remoção dos resíduos vertidos ao estuário, pois era detentora do CADRI para a consecução de tal encargo. Diante disso, seria "inaceitável" a Informação DP-GD/270.2003 (fls. 38/39) de que não seria possível realizar a análise do óleo, pois "para que o CADRI seja aprovado, faz-se necessária a caracterização dos produtos segundo as normas técnicas da ABNT (10.004, 10.010), incluindo metodologia e os resultados das análises destinadas à caracterização dos resíduos" (fl. 211).
Tal situação foi no item anterior analisada, mas é pertinente frisar que o conjunto dos elementos dos autos aponta, de fato, não ter sido realizada perícia e encaminhado o produto para incineração, situação devidamente documentada por meio de informações técnicas e ofícios encaminhados pelas autoridades administrativas e ambientais (fls. 21/26, 38/39, 190, 228).
De se registar, também, consoante a Informação Técnica nº 115/2007/CAS (fls. 227/230), que os resíduos gerados na limpeza do convés do navio Jataí e no recolhimento de parte das águas do estuário de Santos "foram compostos por panos, trapos e barreiras de absorção, as quais, contaminadas com derivados de hidrocarbonetos, são considerados resíduos Classe 1, os quais devem ser processados em unidades de incineração".
Não consta dos autos a destinação final adequada do produto e o Ministério Público chegou a apontar que teria havido tão somente a mera "transferência de poluição de um ambiente para outro", donde não se falaria em mitigação de danos ao meio ambiente.
5. DA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE
A proteção ao meio ambiente tem status constitucional, nos termos do artigo 225 da Lei Maior. Os agentes infratores, pessoas físicas ou jurídicas, estão sujeitos a sanções civis, penais e administrativas, cuja incidência pode ser cumulativa, ante sua autonomia:
A norma constitucional recepcionou a proteção anteriormente existente na esfera da legislação ordinária. Vale destacar a Lei nº 6.938/1981, relativa à Política Nacional do Meio Ambiente, e suas posteriores alterações, da qual se extrai a abrangência do conceito de poluição e agente poluidor, para fins da tutela ambiental, conforme a seguir transcrito:
Especificamente no tocante à poluição da água, as alterações ambientais se configuram, via de regra, a partir do lançamento de substâncias por descarga ou emissão, seja qual for seu estado químico, e é relevante a verificação do comprometimento direto ou indireto das propriedades naturais do ambiente atingido.
Aplica-se à tutela ambiental a responsabilidade objetiva, consoante determinação expressa do artigo 4º, inciso VII, c/c artigo 14, § 1º, ambos da citada Lei nº 6.938/1981, verbis:
Em consequência, a obrigatoriedade de o agente causador do dano ambiental reparar ou indenizar pelos prejuízos provocados independentemente de culpa, suficientes a comprovação de ação ou omissão do poluidor, a ocorrência do dano e o nexo causal entre ambos. Despiciendo perquirir a respeito da licitude da atividade desenvolvida, porquanto incide na espécie a teoria do risco integral, a fim de coibir a atividade nociva do poluidor.
A quaestio foi objeto de apreciação pela Superior Corte por ocasião do julgamento do REsp 1.114.398, submetido à sistemática do artigo 543-C do CPC, de relatoria do Ministro Sidnei Beneti, cuja ementa segue transcrita:
Também o Código Civil de 2002, no que se refere à responsabilidade civil, não mais exige o elemento subjetivo do agente, suficiente a objetividade do fato, consoante dispõe o parágrafo único do artigo 927:
Assim, aquele que desenvolve atividade que gere risco ou perigo a terceiros deve responder pelos danos daí resultantes.
Registre-se o teor do Enunciado nº 46 do CJF quanto à impossibilidade de redução equitativa do valor da indenização (artigo 944 do Código Civil) nas hipóteses de responsabilidade objetiva:
Anote-se, também, a importância e abrangência de tal direito impor solução materialmente apropriada, inclusive mediante imposição de obrigações de fazer ou não fazer, tutela específica ou resultado prático equivalente, não apenas indenização pecuniária, pois esta deve ficar adstrita aos casos de efetiva irreversibilidade fática ou perda peremptória do objeto pleiteado, quando as tutelas administrativa e judicial não puderem socorrer o direito supraindividual em tempo de preservá-lo in natura.
6. DA RESPONSABILIDADE CIVIL DAS RÉS
São incontroversos nos autos a conduta das rés e o derramamento do óleo, bem como o nexo entre eles, ou seja, o transbordamento de cerca de 10 litros da substância, decorrente de erro de manobra por parte da tripulação da embarcação de propriedade das requeridas (e.g., fl. 33). O fato foi, ainda, devidamente registrado pelas autoridades competentes, consoante a documentação colacionada e supramencionada. Destaque-se, ademais, que à vista de não ter a parte requerida recorrido da sentença, os argumentos a esse respeito não podem ser conhecidos.
Ressalte-se não ter havido a total recuperação do óleo vertido ao mar. Os elementos probatórios evidenciam o recolhimento apenas parcial do produto derramado e, consequentemente, confirmam a ocorrência de dano ambiental.
Como já consignado, a Gerência da Agência Ambiental da CETESB em Santos (Ofício 1.346/2003-CBx-S, fls. 21/22) informou ter sido realizada a retirada de resíduos e não ter sido constatada a mortandade de organismos ou a presença de óleo tão somente nos mangues e praias. A Capitania dos Portos, a seu turno, em complemento, reportou que não foi possível a coleta de todo o óleo vertido ao mar, porque a película era muito fina e ali permaneceu.
Ainda que não tenha sido de grande escala o derramamento, subsiste a obrigação de indenizar, porque a quantidade há de interferir, tão somente, quanto ao montante indenizatório a ser arbitrado. A se permitir raciocínio diverso, estar-se-ia a autorizar a poluição do ambiente em pequenas doses, situação inadmissível. O poluente é veneno que se acumula e destrói paulatinamente o meio ambiente, na grande parte das vezes de modo irreversível. A proteção ambiental está norteada pelo princípio da precaução, entre outros, e é obrigação de todos evitar a própria ocorrência do dano ambiental, não apenas revertê-lo, de modo a assegurar condições ecológicas adequadas para o presente e futuro. Se o estuário de Santos hoje se encontra deteriorado, é porque houve "grandes" vazamentos e a somatória de "pequenos" incidentes.
Tampouco descaracteriza o dano ou atenua a responsabilização das corrés o fato de se tratar de área já anteriormente degradada. Como já se disse: "Até porque se se pudesse falar em 'anterioridade', ela deveria beneficiar a boa qualidade do meio ambiente, que sem dúvida precedeu toda a instalação fonte de danos e agressões ambientais, sendo de todo inadmissível pretender que a existência e a repetição de emissões poluentes em certo local, mesmo ao longo de seguidos anos, determine a sorte de toda uma região e comprometa indefinidamente, para o futuro, o destino do meio ambiente e da qualidade de vida da população." (MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação Civil Pública e Reparação do Dano ao Meio Ambiente. São Paulo. Ed. Juarez de Oliveira, 2004, p. 116).
Há de se coibir, pois, todo e qualquer tipo de poluição e dispensar a cada ocorrência, dentro de suas peculiaridades, a devida medida protetiva e repressiva, no balizamento norteado pela efetividade, proporcionalidade e razoabilidade.
A efetiva proteção ao meio ambiente se dá por meio da prevenção e precaução e não pela reparação, de modo que esse tipo de incidente deve ser evitado e não remediado (artigo 3º, "a", Convenção Internacional sobre Preparo, Resposta e Cooperação em caso de Poluição por Óleo, de 30/11/1990, internalizada pelo Decreto nº 2.870/1998).
Assim, comprovada a atividade das empresas, bem como estabelecido o nexo de causalidade entre suas condutas e o resultado lesivo, imperiosa a responsabilização das corrés FLUMAR TRANSPORTES DE QUÍMICOS E GASES LTDA. e TRANSCHEM AGÊNCIA MARÍTIMA LTDA. pelo dano ambiental praticado.
7. DOS CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO
O dano ambiental assume proporções que atingem toda a coletividade. Assim, deve sua restauração dar-se, prioritariamente, mediante reparação in natura, em razão da amplitude e importância do direito tutelado. Todavia, na impossibilidade de assim se proceder, abre-se a via da reparação pecuniária, a qual tem a finalidade de dar uma resposta econômica pelos prejuízos causados à sociedade, para inibir ou desestimular transgressões semelhantes às normas ambientais. Nesse sentido, a lição de Édis Milaré:
Ainda consoante o magistério do citado jurista, a indenização em pecúnia "cumpre dois objetivos principais: dar uma resposta econômica aos danos sofridos pela vítima (o indivíduo e a sociedade) e dissuadir comportamentos semelhantes do poluidor ou de terceiros" (in Direito do Ambiente - A Gestão Ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. São Paulo. RT, 2007, p. 818).
In casu, não é possível a recuperação do local onde ocorrido o vazamento, com reparação in natura, ante a dispersão do óleo e persistência de "película fina" nas águas, apesar de terem sido tomadas as medidas pertinentes à época dos fatos, inclusive pela própria Petrobrás (setembro/2003). Assim, devem as requeridas ser condenadas ao pagamento de indenização pecuniária como forma de reparação pela degradação ambiental causada.
Na medida em que a lei não oferece parâmetros para a fixação do montante da indenização por dano ambiental, deve ser aplicada, na presente situação, a metodologia da CETESB para a valoração monetária relativa ao dano ambiental causado pelo óleo combustível, qual seja, a Proposta de Critério para Valoração Monetária de Danos Causados por Derrames de Petróleo ou de seus Derivados no Ambiente Marinho (fls. 515/539). Ela atende às particularidades do caso sub judice e observa os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, porquanto permite a fixação indenizatória em importe justo, de modo a não ensejar, também, enriquecimento sem causa (fl. 660).
Apesar das críticas feitas a tal metodologia, esta se revela instrumento técnico adequado para estimar o quantum indenizatório, ainda mais se considerado seu viés científico. Seus parâmetros podem, por certo, ser aperfeiçoados; no entanto, não se caracteriza nos autos indicação de que sua fórmula matemática apresente resultado inconsistente.
O argumento de que a indenização poderá ser elevada a nível desproporcional e exagerado não subsiste, pois tal método prima pela ponderação e combinação de uma gama de pertinentes circunstâncias, para fins de composição do valor indenizatório, a saber: a) volume de óleo combustível derramado no mar; b) grau de vulnerabilidade da área atingida; c) toxicidade do produto; d) persistência do produto no meio ambiente; e) mortalidade de organismos.
Se há certa subjetividade em algumas das variáveis, pode ser mitigada por meio de criterioso cotejo entre cada uma deles e os elementos fáticos.
A adoção de tais parâmetros evita a imposição aleatória de um quantum, pois há um padrão matemático, atrelado a dados científicos, dividido em níveis, aos quais são atribuídos pesos correspondentes à severidade do risco ou dano gerado, com variação de 0 a 0,5, graduação ajustável às peculiaridades de cada caso. Nesse sentido, cito ementa desta corte regional:
Vale referir, em complemento, outros julgados que confirmaram sua aplicação: AC 0002183-09.2001.4.03.6104, 3ª Turma, Rel. Des. Federal Nery Júnior, v.u., DJe 12/04/2013; APELREEX 0206469-90.1994.4.03.6104, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Consuelo Yoshida, v.u., DJe 10.11.2011; AC 96.03.044817-6, 5ª Turma, Rel. Des. Federal André Nekatschalow, v.u., DJe 06/11/2009.
Adotado tal critério, não se impõe a ponderação dos demais elementos suscitados pelo apelante e pelas apeladas, quais sejam, o fato de não haver comprovação de volume total de óleo existente no tanque do qual foi originado o vazamento (Regra 20, do Anexo I, da Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição Causada por Navios, de 1973, e seu Protocolo, de 1978), ou mesmo a influência do porte e do capital social das empresas requeridas na fixação da indenização.
Quanto à insuficiência do depósito, deverá ser examinada por ocasião da execução de julgado, a partir do valor indenizatório final, consoante a delimitação pecuniária a ser feita.
Pelos mesmos fundamentos, não pode ser atendido o requerimento do Parquet quanto ao patamar mínimo indenizatório, US$39.810,70, já que tal importe deverá ser apurado consoante as balizas da citada proposta.
No tocante à incidência da Lei nº 9.605/1998 (artigo 72), suscitada em sede das contrarrazões, trata das sanções penais e administrativas e, precipuamente, dos crimes praticados contra o meio ambiente. Assim, e inclusive consideradas a independência entre as esferas civil, penal e administrativa (STJ, RHC 24927, EDREsp 1116964), não se impõe sua aplicação.
8. DO QUANTUM INDENIZATÓRIO
O pedido formulado pelos autores objetiva a condenação das requeridas ao pagamento de indenização pecuniária e apuração de seu montante em liquidação por arbitramento mediante designação de especialista da CETESB. O requerimento, no entanto, deve ser indeferido. Extrai-se dos elementos dos autos não ter sido realizada a análise do produto removido no momento do incidente, o qual foi encaminhado pela empresa Orion para incineração. Assim, não se afigura possível a realização do exame técnico em razão de tal impedimento fático.
A solução da lide, nas ações que objetivam a proteção dos direitos difusos e coletivos, deve buscar a tutela do bem sub judice em máxima amplitude e alcance. Em outras palavras, o pedido deve ser interpretado de forma a revelar a maior proteção jurídica possível e a máxima efetividade do provimento exarado. Consoante o entendimento assente do C. STJ: "O pedido deve ser extraído da interpretação lógico-sistemática da petição inicial, a partir da análise de todo o seu conteúdo (AgRg no Ag 784.710/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 06.10.2010. No mesmo sentido: REsp 1.159.409/AC, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 21.05.2010; e AgRg no Ag 1.175.802/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 15.03.2010). Conforme se ressaltou no julgamento do REsp 1.107.219/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 23.09.2010, 'os pedidos devem ser interpretados como manifestações de vontade, de forma a tornar o processo efetivo, o acesso à justiça amplo e justa a composição da lide'. Vale menção, ainda, a ressalva feita no julgamento do AgRg no REsp 737.069/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 24.11.2009, de que 'não viola os arts. 128 e 460 do CPC a decisão que interpreta de forma ampla o pedido formulado pelas partes, pois o pedido é o que se pretende com a instauração da demanda'. Os precedentes acima denotam a posição consolidada do STJ quanto à necessidade de se conferir ao pedido uma exegese sistêmica, que guarde consonância com o inteiro teor da petição inicial, de maneira a conceder à parte o que foi efetivamente requerido, sem que isso implique decisão extra ou ultra petita" (STJ, REsp 1162643, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, v.u., DJe 17/08/2012).
Fundado nessa orientação jurisprudencial, tem-se que a fixação do quantum, nesta oportunidade, ainda na fase de conhecimento, não se revela extra ou ultra petita. Ao revés, atende à melhor e adequada tutela do bem jurídico, conforme os contornos fáticos da demanda e, ainda, honra o primado da efetividade do processo.
Vale anotar que o valor já pago à Capitania dos Portos (fls. 136/138) traduz ressarcimento administrativo, o qual não se confunde com a sanção civil postulada na presente ação, dada a independência das esferas civil e administrativa, já citada, bem como ante a plena possibilidade de cumulação das penalidades.
Passa-se ao detalhamento e demonstração de cada um dos cinco parâmetros considerados pela citada Proposta da CETESB, para o escopo de obtenção do valor indenizatório, a saber: a) volume de petróleo ou de seus derivados derramado; b) grau de vulnerabilidade da área atingida; c) toxicidade do produto; d) persistência do produto no meio ambiente; e) mortalidade de organismos.
Ressalve-se que, não obstante o método se apresente em dólares, a fixação do valor deve ser em moeda corrente nacional, ou seja, em reais, como dispõe a legislação pátria (artigo 1º da Lei nº 10.192/01, artigo 315 do Código Civil e artigos 1º e 2º do Decreto-Lei nº 857/69).
A equação totalizadora da valoração monetária decorrente da metodologia CETESB é (fls. 515/539):
Valor (R$) = 10 ^ (4,5 + x)
Parte-se de um índice mínimo arbitrado (potência 4,5), estabelecido com o intuito de coibir a negligência daqueles que operam com petróleo e seus derivados, ao qual se acresce "x", que corresponde à somatória dos diversos pesos relativos cada um dos aspectos considerados, conforme se demonstrará a seguir:
a) volume de óleo combustível derramado no mar
As autoridades portuárias e ambientais informaram, em sede do procedimento administrativo nº 075/2003 (1.34.012.000281/2003-89), terem sido vertidos ao mar cerca de 10 a 15 litros de óleo, com predomínio em tais documentos do apontamento de aproximadamente 10 litros, nos termos do Ofício nº 1346/2003-CBx-S, de 29/09/2003, da CETESB (fls. 21/22), Auto de Inspeção nº 995925, de 18/08/2003 (fls. 24, 35), Auto de Infração nº 02, de 24/09/2003, lavrado pela Capitania dos Portos (fls. 30, 152/155), e Informação de fls. 158/159 (Atendimento ao Registro de Reclamação da População nº 18000525),
A citada quantidade foi confirmada inclusive pelas rés em suas manifestações, tanto na esfera administrativa como na judicial (fls. 33, 78, 82, 161/169).
Assim, aferido o vazamento de volume de produto inferior a 1m3, deverá ser atribuído o peso 0,1, nos termos do critério da CETESB (fl. 527).
b) grau de vulnerabilidade da área atingida
Em resposta a ofício do Juízo, a CETESB enviou a Informação Técnica nº 133/2006/CAS (fl. 190), em que aponta quanto à vulnerabilidade da área:
"O Estuário não representa um único ambiente, mas sim uma conjunção de vários ecossistemas como manguezais, águas abrigadas, praias de areia e lodo, etc. Não foi registrada mortandade de peixes e aves, entre outros organismos nos laudos."
Pelo critério da CETESB, as regiões entre costas rochosas abrigadas (estuários) se caracterizam por: "Áreas com reduzida ação de ondas. O óleo pode permanecer por vários anos. Não se recomenda limpeza, a não ser que o acúmulo de óleo seja muito grande. Peso 0,40."
Considerado que o vazamento não atingiu outras áreas, manguezais ou praias, sem dano à flora ou a fauna, é o caso de conferir peso 0,40 a tal variável, conforme a tabela de níveis de contaminação da metodologia (fl. 529).
c) toxicidade do produto
Extrai-se do teor da Informação Técnica nº 133/2006/CAS (fl. 190) sobre a toxicidade do produto, verbis:
"Com relação à toxicidade, não há informações de que testes laboratoriais com amostras de óleo da embarcação de água contaminada na sua imediação, tenham sido realizadas em função desse derramamento."
A metodologia CETESB, para efeito da atribuição de peso quanto ao nível de gravidade da toxicidade do produto envolvido, estabeleceu dois critérios: a) baseado na classificação da toxicidade aguda da fração hidrossolúvel (FHS) do petróleo derramado a organismos marinhos (preparado segundo procedimento descrito em ANDERSON et alii (1974); b) na impossibilidade de se realizar o ensaio mencionado, deverão ser coletadas amostras de água do corpo hídrico receptor para realização de testes de toxicidade, de acordo com norma CETESB (fl. 530).
Em que pese não ter sido realizada perícia técnica, afere-se do Registro de Reclamação da População (RPP) nº 18000525 a informação de que o produto vertido ao mar consistia em óleo tipo bunker ("banker", fls. 144/145), o qual estava misturado aos materiais absorventes utilizados para estancar o vazamento (fl. 228).
Consoante o Sistema de Classificação contido na Norma ABNT-NBR 14725-2:2009 - versão corrigida 2:2010, Sistema Globalmente Harmonizado para a Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos - ONU, o óleo bunker tem a seguinte identificação (escala de 0 a 5, sendo 0 nenhuma toxicidade e 5 a máxima toxicidade):
(fontes: Ficha de Informação de Segurança de Produto Químico - FISPQ Óleo Combustível Marítimo Bunker C, de 13/08/2014; www.iq.usp.br; www.br.com.br).
Devem ser sopesadas as seguintes circunstâncias: o efeito deletério e a toxicidade na categoria 3, de nível médio; o poluente não ter atingido praias e manguezais; o produto vertido ao mar ser resíduo oleoso, mistura de óleo e água com absorventes ("panos, trapos e barreiras de absorção, as quais, contaminadas com derivados de hidrocarbonetos, são considerados resíduos Classe 1, os quais devem ser processados em unidades de incineração", fl. 228).
Disto resulta dever ser atribuído o peso 0,1 a essa variável.
d) persistência do produto no meio ambiente
Em sua metodologia, para fins de classificação do produto derramado em relação à sua persistência no meio ambiente, de acordo com suas propriedades físicas, a CETESB considerou que quanto menor for a gravidade específica de uma substância, menor será sua persistência no ambiente. Assim produtos com API (American Petroleum Institute) > 35 serão considerados não persistentes, ao passo que produtos com API < =="" 35="" serão="" persistentes="" (fl.="">
Estabeleceu a seguinte pontuação:
Produto persistente: peso 0,5
Produto não persistente: peso 0,0
Consoante o Sistema de Classificação contido na Norma ABNT-NBR 14725-2:2009 - versão corrigida 2:2010, citado no item "c" anterior, o óleo bunker é líquido viscoso e escuro, com odor e limite de odor característico de hidrocarbonetos, cujo percentual volátil é desprezível, ou seja, tem baixa miscibilidade na água.
Aplicado o critério estabelecido pela CETESB, deveria a priori ser atribuído a esse parâmetro peso 0,5.
Embora a metodologia CETESB não ofereça uma escala intermediária entre 0,0 e 0,5 para o parâmetro da persistência do produto no meio ambiente, considerados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, atribuo ao presente caso peso 0,1, mais condizente com os fatos relatados, porquanto a quantidade de óleo derramado ao mar não é de grande monta e não chegou a atingir praia ou manguezal, como comprovado nos autos.
e) mortalidade
As autoridades administrativas e portuárias informaram não ter sido detectada a mortandade de espécies vidas, portanto nenhum peso deve ser atribuído a esta variável.
f) cálculo do importe indenizatório
Observados os parâmetros estabelecidos pela CETESB, com a adequação do peso relativo a cada um deles, tem-se:
a) volume (10 litros): peso 0,1
b) vulnerabilidade da área: peso 0,40
c) toxicidade do produto: peso 0,1
d) persistência do produto: 0,1
e) mortalidade de organismos (não detectada): peso 0,0
somatória: 0,7
fórmula:
valor (R$) = 10 ^ (4,5 + 0,70) = 10 ^ 5,20 = R$ 158.489,32
Dessa forma, nos termos do artigo 225, § 3º, da Carta Magna, e do artigo 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, comprovado o nexo causal entre a conduta dos poluidores e a poluição causada, a indenização pecuniária, consoante demonstrado, deve ser fixada em R$158.489,32 (cento e cinquenta e oito mil, quatrocentos e oitenta e nove reais e trinta e dois), de cujo valor deverá ser abatida a quantia de R$15.152,18 (quinze mil, cento e cinquenta e dois reais e dezoito centavos), depositada em Juízo pelas rés (fls. 603/605), devidamente atualizada (Resolução nº 267/2013 do CJF), reformada neste ponto, portanto, a sentença.
O valor deverá ser revertido ao Fundo para Reconstituição de Bens Lesados (Lei nº 7.347/1985 e Decreto nº 92.302/1986) e aplicado em medidas para restauração do ecossistema atingido.
9. DOS CONSECTÁRIOS LEGAIS
A delimitação da forma de incidência dos juros moratórios e da correção monetária é matéria de ordem pública, a ser examinada ex officio, podendo ocorrer inclusive quando do cumprimento de sentença, na esteira dos precedentes da Superior Corte: "A matéria relativa aos juros de mora e à correção monetária é de ordem pública." (STJ, AGAREsp 455281, Rel. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Terceira Turma, v.u., DJe 25/06/2014). Assim, nada obsta sejam tais parâmetros fixados nesta instância, circunstância inclusive suscitada no bojo do parecer ministerial (fl. 670v).
O valor fixado a título de indenização deverá ser acrescido de juros moratórios, no patamar de 1% ao mês, a contar da data do evento danoso (Súmula 54 do STJ), ex vi dos artigos 406 do CC e 161, §1º, do CTN, que, nos moldes de precedentes do Superior Tribunal de Justiça, corresponde à taxa SELIC, a qual contempla, de igual modo, a correção monetária.
10. DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS
A questão da verba honorária sucumbencial deve ser examinada consoante o preceito contido no artigo 18 da Lei nº 7.347/85, pois "na ação civil pública, a questão da verba honorária foge inteiramente das regras do CPC, sendo disciplinada pelas normas próprias da Lei 7.347/85, com a redação dada ao art. 17 pela Lei 8.078/90" (STJ, REsp 493823).
Nesse passo, a novel jurisprudência da Superior Corte, por sua Primeira Seção, firmou o entendimento no sentido de que deve ser o tema tratado à luz da interpretação sistemática do ordenamento jurídico pátrio, em observância à absoluta simetria de tratamento entre as partes. Assim, se não podem os legitimados ativos ser condenados aos honorários em sede de ação civil pública, igualmente não poderão de tal verba se beneficiar, ainda que o valor seja vertido ao fundo do artigo 13 da LACP.
A título ilustrativo, colaciona-se as ementas a seguir:
A interpretação declinada está em consonância à jurisprudência da Superior Corte, aos primados norteadores da quaestio, aos regramentos regentes do tema e não significa terem sido afastadas as teorias da compensação e do poluidor-pagador, as quais, em verdade, regem a fixação do montante principal, a indenização pecuniária pela ocorrência do dano ambiental.
11. DO DISPOSITIVO
Ante o exposto, nego provimento ao agravo retido e dou parcial provimento à apelação do Ministério Público Estadual para reformar a sentença, inclusive como consequência do reexame necessário, e fixar a indenização pela ocorrência do dano ambiental no importe de R$158.489,32, com base nos critérios da Proposta de Critério para Valoração Monetária de Danos Causados por Derrames de Petróleo ou de seus Derivados no Ambiente Marinho da CETESB, acrescido de juros moratórios e correção monetária, abatido o valor depositado em Juízo, atualizado, na forma explicitada. Mantidos os demais termos do decisum.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | ANDRE NABARRETE NETO:10023 |
Nº de Série do Certificado: | 581F94C33111A9E0F4D844669D64D3CB |
Data e Hora: | 01/10/2015 16:30:58 |