D.E. Publicado em 02/12/2015 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO MINISTERIAL E DAR PROVIMENTO PARCIAL À APELAÇÃO DEFENSIVA, mantendo a condenação em sua integralidade, com exceção à revisão no que se refere à pena de multa cominada juntamente com a privação de liberdade, modificando-a, no caso, para o total de 20 (vinte) dias-multa, para cada um dos sentenciados, no piso unitário legal, de 1/30 do salário mínimo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de APELAÇÕES CRIMINAIS interpostas pela JUSTIÇA PÚBLICA e pelos réus EUNICE DE MENEZES e AGNALDO SORIANO contra sentença proferida pelo MM. Juízo da 2ª Vara Federal de Ribeirão Preto/SP, que condenou estes últimos, cada qual, à pena privativa de liberdade de 04 (quatro) anos de detenção, em regime inicial aberto, além do pagamento de multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e perdimento de equipamentos e demais bens apreendidos nos autos. As respectivas penas corporais foram substituídas por 02 penas restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade ou entidades carentes e pagamento de prestação pecuniária de valor total de 20 (vinte) salários mínimos, também para cada um dos sentenciados, conforme definição futura no Processo de Execução Penal.
É o teor da denúncia de fls. 82/84-v. o seguinte:
O recebimento da denúncia se deu em 08.09.2010 (fl. 85).
Apresentada defesa prévia (fls.106/109). Réus interrogados (fls. 294/297).
Foram ouvidas as testemunhas de acusação às fls. 196/198. Não foram arroladas testemunhas de defesa.
Em alegações finais, a acusação pediu a condenação dos réus (fls. 298/307-v), enquanto a defesa requereu a absolvição, com base na alegação de atipicidade da conduta e, subsidiariamente, pela aplicação do princípio da insignificância (fls. 342/347-v).
A sentença condenatória foi proferida às fls. 351/356-v e publicada em 11 de julho de 2014 (fl. 357), tendo sido os acusados condenados pela prática dos fatos delituosos previstos no tipo penal do artigo 183 c.c. art. 184, § único, ambos da Lei 9.472/97, em concurso material, por duas vezes, cada um.
Irresignado, o Ministério Público apela (fls. 359/364-v), somente pela majoração da pena-base de ambos os sentenciados. A defesa, por sua vez, às fls. 373/395, pugna, essencialmente, pela absolvição dos sentenciados, por entender serem os fatos narrados na exordial atípicos, bem como por ter ocorrido, em tese, erro de tipo, além de, subsidiariamente - em caso de se entender pela tipicidade dos fatos - ocorrer hipótese de incidência do princípio da insignificância. Também requer, em sendo mantida a condenação, que seja reconhecida a continuidade delitiva e que a multa de R$ 10.000,00, prevista no tipo penal em referência, é inconstitucional, devendo ser, pois, afastada.
Contrarrazões às fls. 406/412.
Subiram os autos a esta E. Corte, tendo o Exmo. Procurador Regional da República, Dr. Marcelo Moscogliato, opinado pelo desprovimento do apelo defensivo e pelo provimento do recurso ministerial (fls. 415/420).
Dispensada a revisão, na forma regimental.
VOTO
Da capitulação jurídica dos fatos. Caracterizadas, in casu, condutas delitivas previstas no art. 183, da Lei 9.472/97.
Analisando os diplomas legislativos aludidos, verifico que, no presente caso, a conduta desenvolvida pelo agente se amolda ao tipo penal previsto no artigo 183 da Lei 9.472/97, sendo, portanto, típica. Nesta senda, de salientar ainda que o citado diploma legal já se encontrava em vigor na época dos fatos, aplicando-se, pois, o princípio geral do tempus regit actum. Assim, não há que se falar em fato atípico, como pretende por ora a defesa.
Aliás, registro que a Lei 9.472/97 caracteriza-se, notadamente, como lei posterior mais gravosa, se comparada ao regime jurídico penal previsto na Lei 4.117/62, pois, como se pode inferir do simples cotejo entre as referidas leis, houve sensível aumento da repressão estatal com a entrada em vigor da Lei 9.472/97, estabelecendo o legislador pátrio um aumento da pena mínima de 01 (um) para 02 (dois) anos de detenção para a conduta aqui mencionada.
De fato, a Lei 4.117/62 não se encontra mais em vigor no que diz respeito ao crime de atividade ilegal de radiodifusão, a despeito do que entendem alguns, com esteio no inciso I do artigo 215 da Lei 9.472/97, que estabelece:
Sobre o assunto, penso que, apesar de os artigos 70 da Lei 4.117/62 e 183 da Lei 9.472/97 possuírem redação legislativa distinta, tratam eles da repressão estatal de uma mesma conduta penalmente relevante, qual seja, a prática de atividade ilegal de telecomunicações, aí se encontrando, indiscutivelmente, a radiodifusão.
Após o advento da Lei 9.472/97, a atividade ilegal de radiodifusão deve ser submetida ao artigo 183 deste diploma legislativo, e não mais ao artigo 70 da Lei 4.117/62, restando a este último, aplicabilidade apenas no que se refere aos fatos cometidos anteriormente à vigência da Lei 9.472/97.
Ainda, a meu juízo, de se frisar que a interpretação mais equilibrada do inciso I do artigo 215 da Lei 9.472/97 aponta no sentido de que não houve revogação da Lei 4.117/62 no que se refere aos dispositivos penais que não foram disciplinados pela nova lei, o que, à evidência, não é a hipótese dos autos, eis que, como acima ressaltei, a conduta anteriormente disciplinada pelo artigo 70 da Lei 4.117/62 foi inequivocamente substituída pelo regramento firmado pelo artigo 183 da Lei 9.472/97, que, inclusive, estabeleceu uma majoração da pena mínima abstratamente cominada ao delito, tendo em vista a necessidade de uma maior repressão estatal ao exercício irregular do direito de antena em solo nacional.
No mesmo sentido, transcrevo precedente desta Egrégia Turma, da relatoria do Eminente Desembargador Federal André Nabarrete:
Portanto, é diante de cada caso concreto, levando-se em conta o princípio do tempus regit actum, que o intérprete buscará qual a norma que deve ser aplicada, o artigo 70 da Lei 4.117/62 ou o artigo 183 da Lei 9.472/97. No caso em tela, aplicável o artigo 183 da Lei 9.472/97.
Ainda, por fim, quanto a este tópico, ressalto que, tendo em vista não ter havido qualquer irresignação recursal quanto à autoria e a materialidade delitiva, bem como que estas restam incontroversas, devidamente comprovadas nos autos, mantenho a condenação exarada pelo MM. Juízo de piso, desprovendo, quanto a tal requerimento, o recurso defensivo ora em tela.
Da inocorrência do erro de tipo.
O segundo argumento recursal defensivo, quanto à ocorrência, in casu, de erro de tipo, tampouco se sustenta. Com efeito, do compulsar dos autos, em especial dos documentos referenciados pela defesa, às fls. 117/118, nota-se, muito pelo contrário, que os denunciados, desde o início dos fatos ora objeto de análise, detinham pleno conhecimento da ilicitude de sua conduta de manter em funcionamento clandestino estação de rádio, em inobservância às normas de direito administrativo atinentes ao tema. Afinal, uma vez que protocolizaram requerimento de interesse, perante o Ministério das Comunicações, quanto à prestação de serviço público de radiodifusão comunitária, conclui-se claramente que sabiam os réus ser o ato administrativo autorizativo pressuposto da referida atividade, não se podendo admitir, por ora, desconhecimento de tal elemento do tipo penal em tela.
O mesmo argumento evidencia a presença do dolo dos sentenciados, em manter atividade de radiodifusão, sem a devida permissão do poder público. E, em sendo o delito em tela crime formal por natureza, inadmissível esperar por qualquer efeito material no meio social para que se reconheça a sua consumação, estando, pois, de modo a se reconhecer, por conseguinte, a procedência da ação penal em questão.
Rejeitada tal tese, mais uma vez pela manutenção da sentença condenatória.
Da inaplicabilidade, in casu, do princípio da insignificância.
Ainda requerem EUNICE e AGNALDO suas respectivas absolvições, a partir da aplicação do princípio da insignificância.
É evidente que cabe exclusivamente ao Estado regular e disciplinar a instalação e funcionamento de quaisquer rádios, pois a ele cabe zelar pela utilização racional do espaço eletromagnético nacional, a fim de evitar a ocorrência das conhecidas interferências de transmissão, que tanto põem em risco o normal desempenho de diversas atividades essenciais à sociedade, como o controle de aeronaves e as comunicações travadas pelos órgãos de segurança pública, especialmente as viaturas policiais.
Os laudos periciais e pareceres técnicos elaborados, constantes dos autos, constataram que os equipamentos apreendidos em ambos os episódios descritos na exordial acusatória apresentam componentes internos capazes de ocasionar interferências no sistema de telecomunicações local. Este dado - aliado à efetiva verificação do funcionamento da rádio nos momentos das duas diligências de fiscalização e apreensão - é o suficiente para demonstrar que não se trata de conduta dotada de menor potencial ofensivo.
E há relevantes justificativas para a configuração de crime nos casos de funcionamento de emissoras de rádios clandestinas, tornando incabível a aplicação o princípio da insignificância, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
A agravar ainda mais a situação dos réus ora apelantes, de se notar desde logo que também de se afastar a aplicação, in casu, do princípio da insignificância, o fato de ter o delito se repetido no decurso do tempo, de modo a porventura se caracterizar reiteração criminosa, o que, de per si, mesmo que não se considerasse todo o anteriormente explanado, já seria o suficiente para manter, pois, mais uma vez, a tipicidade, e, portanto, a condenação, conforme exarada pelo MM. Juízo de origem.
Da inexistência, in casu, do crime continuado. Do concurso material.
Também se insurgiram os réus contra a aplicação, por parte do Juízo de piso, da regra do concurso material, em consideração aos fatos narrados na exordial. Tal pretensão defensiva tampouco deve prosperar.
Com efeito, o cálculo da pena por meio da aplicação da teoria do crime continuado consiste em benefício ao réu (favor rei), em vez de uma autêntica causa de aumento de pena. Segundo GUILHERME NUCCI:
"Assim, trata-se de causa de aumento imprópria, pois não eleva em verdade a pena, ao contrário, o crime continuado favorece o agente, causando a diminuição real da sanção penal." (Individualização da pena, 6ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 250)
Considerada a configuração do crime continuado como benefício ao réu, esta hipótese deve ser interpretada restritivamente, sob pena de ampliação indevida das hipóteses de punição mais branda aos acusados em processo penal.
Quanto à sua caracterização, conforme PAULO JOSÉ DA COSTA JR., "a unidade do crime deflui dos elementos exteriores da homogeneidade: os crimes da mesma espécie, praticados em tais condições de tempo (ex eodem tempore), lugar (ex eodem loco) e maneira de execução que os subsequentes, são havidos como continuação dos precedentes. O jus positum pátrio eliminou do conceito de crime continuado a unidade de ideação, contentando-se com a unidade exterior da conduta, deduzida das condições retromencionadas" (Curso de Direito Penal, 8ª edição, São Paulo: DPJ, 2005, p. 199).
Com fulcro nesse parâmetro, verifica-se que, no caso em tela, a situação prevista no art. 71, do Código Penal não se encontra caracterizada, sendo, portanto, hipótese de concurso material, nos termos do artigo 69 do referido Codex.
De fato, verifica-se que EUNICE e AGNALDO praticaram dois fatos delituosos distintos, tendo seus equipamentos de radiodifusão indevidamente utilizados por duas vezes lacrados e apreendidos, sendo patente, pois, a repetição delitiva dos ora condenados.
Outrossim, não há proximidade temporal entre as ações autônomas que praticaram, vez que entre o intervalo entre os dois flagrantes fora longo, de mais de três meses. Demais disso, houve duas diligências estatais de fiscalização e apreensão de equipamentos clandestinos de radiodifusão, ficando claramente demonstrado e comprovado que se tratam de duas ações totalmente distintas e caracterizáveis, cada qual, por si próprias.
Assim, sua pena deve ser tratada à luz do art. 69, do Código Penal, ao invés do molde permitido pelo art. 71, do estatuto repressivo. Mantida a sentença a quo também quanto a tal aspecto.
Do recurso do Ministério Público Federal pelo agravamento da pena-base.
Pugna o Ministério Público pelo agravamento das penas-base, por meio de consideração de existência de inquéritos policiais e de ações penais em curso contra um dos réus. Desprovejo.
Leciona a Súmula nº 444, do Superior Tribunal de Justiça, a qual ora se cita, verbis:
"É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base."
Assim sendo, não há que se considerar outras ações ou inquéritos policiais ainda em processamento, para majoração da reprimenda, no caso concreto, sob pena de flagrante violação do princípio constitucional da presunção de inocência, declarado no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. Demais disso, tal medida é por demasiado desproporcional e fora do razoável, e provocaria verdadeiro justiciamento - o que é absolutamente incompatível com o Estado Democrático de Direito e seu pressuposto axiológico de Justiça.
Não havendo qualquer outro fundamento concreto apontado, que demonstre extraordinária gravidade ao regularmente verificado na espécie delitiva em análise, bem como já considerado o concurso material, para ambos os réus, mais uma vez de se manter a condenação de piso, nos seus termos.
Das penas de multa previstas no tipo do art. 183, da Lei 9.472/97.
Quanto à pena de multa, tenho que a dosimetria deve ser feita pelos critérios previstos no Código Penal, já que sua fixação em valor fixo de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para cada ação, viola o princípio constitucional de individualização da pena, conforme já decidiu esta E. Corte Regional, in verbis:
Assim, devem ser revistas as penas de multa aplicadas aos réus para, fixando-as de modo proporcional ao cálculo realizado na r. sentença de primeiro grau, para a determinação da pena privativa de liberdade, em 10 (dez) dias-multa por réu, por conduta, mantido o valor unitário do dia-multa no mínimo legal, à míngua de outros elementos nos autos que permitam sua majoração.
Assim sendo, tendo em vista a existência do concurso material supramencionado, reviso as penas de multa aplicadas a EUNICE e AGNALDO, reformando quanto a isso o r. decisum a quo, para fixa-las, para cada um, o montante total de 20 (vinte) dias-multa, cada qual no valor de 1/30 do salário mínimo, nos termos legais.
Dispositivo.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO MINISTERIAL E DOU PROVIMENTO PARCIAL À APELAÇÃO DE EUNICE DE MENEZES E DE AGNALDO SORIANO, mantendo a condenação, em sua integralidade, alterando o r. decisum de origem apenas para revisar a pena de multa cominada juntamente com a privação de liberdade, no caso, para 20 (vinte) dias-multa, para cada um dos sentenciados, no piso unitário legal, de 1/30 do salário mínimo, nos termos deste relatório e voto.
É COMO VOTO.
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