Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 11/04/2016
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000770-72.2008.4.03.6117/SP
2008.61.17.000770-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : FRANCO CARLOS DE MORAIS
ADVOGADO : MG093404 DANIEL APARECIDO AMORIM (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00007707220084036117 1 Vr JAU/SP

EMENTA

PENAL - ART. 273, § 1º-B, INC. I, V, DO CÓDIGO PENAL - IMPORTAÇÃO DE REMÉDIOS PROIBIDOS SEM REGISTRO NA ANVISA - INCONSTITUCIONALIDDE DO PRECEITO SECUNDÁRIO DA NORMA - AFASTAMENTO - MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO - COMPROVAÇÃO - ERRO DE PROIBIÇÃO, ORDEM HIERÁRQUICA E ERRO DE ILICITUDE E EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE - AFASTAMENTO - IMPROVIMENTO DO RECURSO DO OUTRO RÉU.
1. No que diz com a alegação de inconstitucionalidade veiculada no recurso, observa-se que a E. Quinta Turma suscitou arguição de inconstitucionalidade nos autos da ação penal nº 0000793-60.2009.4.03.6124, com fulcro no artigo 97, da Constituição Federal e artigo 11, parágrafo único, "g", c/c artigos 173 e 174, do Regimento Interno desta C. Corte, em razão de eventual transgressão do princípio da razoabilidade quanto à pena mínima cominada ao tipo penal do artigo 273, §1º-B, do Código Penal.Contudo, em sessão realizada em 14 de agosto de 2013, o C. Órgão Especial desta Corte Regional rejeitou a referida arguição de inconstitucionalidade, em processo de relatoria do Excelentíssimo Desembargador Federal Márcio Moraes, por entender que o rigor da pena justifica-se pela própria natureza do bem jurídico tutelado, qual seja, a saúde pública, além da elevada potencialidade lesiva da conduta tipificada, as quais foram devidamente sopesadas pelo legislador.
2. A materialidade delitiva está comprovada nos autos, diante do Auto de Apresentação e Apreensão e Laudo de Exame de Produto Farmacêutico.
3.O laudo indica que os medicamentos apreendidos e submetidos a exame são de origem paraguaia consignando que nenhum dos medicamentos analisados possui registro junto à Anvisa, sendo proibida a sua comercialização no Brasil e o seu uso em todo o território nacional.
4. A autoria delitiva é incontroversa, já que o acusado transportava os medicamentos sem registro no órgão de vigilância sanitária. Foram encontrados os medicamentos no interior do bagageiro do ônibus, conforme depoimentos dos policiais rodoviários federais que realizaram revista nos pertences transportados e relacionaram a bagagem pertencente ao réu.
5. Não prevalecem as excludentes lançadas na defesa, porquanto as provas bem demonstram a ciência por parte do réu acerca do transporte do medicamento de introdução proibida no território nacional, não havendo falar-se em obediência hierárquica entre o réu e o indivíduo que teria proposto o transporte da mercadoria, bem como ausência de dolo, mesmo porque não foi a primeira vez que o acusado realizou o transporte proibido de mercadorias via travessia de fronteira.
6. A dosimetria da pena não merece reparo.
7. Improvimento do recurso.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 29 de março de 2016.
VALDECI DOS SANTOS


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000770-72.2008.4.03.6117/SP
2008.61.17.000770-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : FRANCO CARLOS DE MORAIS
ADVOGADO : MG093404 DANIEL APARECIDO AMORIM (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00007707220084036117 1 Vr JAU/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta por Francisco Carlos de Morais contra a r. sentença (fls. 286/289) que, julgando procedente a denúncia, o condenou ao cumprimento das penas de 1 ano, 9 meses e 20 dias de reclusão, em regime inicial fechado e 10 dias-multa, à razão unitária de 1/30 do salário mínimo, como incurso no art.273, §1º, I e IV, do Código Penal.

A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos: prestação de serviços à comunidade, para entidade apontada pelo MMº Juízo da Execução, e prestação pecuniária, no valor de cinco salários mínimos, em favor da União.

Narra a denúncia que, em 19 de julho de 2007, na Rodovia SP 255, km.147, em Jaú, SP, policiais rodoviários estaduais, em fiscalização de rotina, abordaram o ônibus interestadual proveniente de Foz do Iguaçu/PR e surpreenderam o réu transportando do Paraguai, para revender em Pratápolis, MG, 50 (cinquenta) blisteres do medicamento "Potent Ciem", com 10 (dez) comprimidos cada, em desacordo com as normas de vigilância sanitária.

O Laudo de Exame de Produtos Farmacêuticos atestou que os medicamentos analisados não são registrados na ANVISA, de forma que sua comercialização e distribuição ao uso são proibidas.

A denúncia foi recebida em 14 de maio de 2010 (fl. 82).

Sobrevinda sentença condenatória, apela o réu, conforme razões de fls. 307/313, com os seguintes argumentos:

1.O exame pericial não foi confirmado em Juízo, devendo a prova ser desconsiderada para o fim de condenação;

2.Não sabia o que carregava e simplesmente atendeu às ordens de um homem que lhe contratou para que levasse a mochila onde foram encontrados os medicamentos;

3.As testemunhas de acusação nada puderam esclarecer sobre os fatos:

4.O acusado incidiu em erro sobre a ilicitude do fato e obediência hierárquica, devendo ser absolvido;

5.Subsidiariamente, deve ser reconhecida a modalidade culposa do delito e correlata diminuição da pena em cinco vezes;

6. O acusado incidiu em erro sobre elemento do tipo que exclui o dolo e o crime;

7. Não há nos autos prova de que o medicamento seria apreendido vendido; tampouco da ciência, por parte do acusado, de que transportava o referido medicamento.

Contrarrazões de apelação pelo Ministério Público Federal (fls. 316/320) propugnam pelo improvimento do recurso.

Parecer do Ministério Público Federal, pela suspensão do feito até efetivo julgamento da arguição de inconstitucionalidade do preceito secundário do artigo 273 e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 322/326).

É o relatório.

Feito sujeito à revisão.


RENATO TONIASSO
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000770-72.2008.4.03.6117/SP
2008.61.17.000770-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : FRANCO CARLOS DE MORAIS
ADVOGADO : MG093404 DANIEL APARECIDO AMORIM (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00007707220084036117 1 Vr JAU/SP

VOTO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS:


Imputa-se ao réu a prática da conduta prevista no art. 273 §1º e §1-B, incisos I e V, do Código Penal, "in verbis":


"Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais:
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.
§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.
§ 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico.
§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:
I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;
II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior;
III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização;
IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade;
V - de procedência ignorada;
VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente."

Trata-se de crime formal, já que prescinde da efetiva ocorrência do dano a alguém. O objeto material do crime é o produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais.

É crime do tipo misto alternativo na medida em que a prática de uma ou mais condutas, desde que inseridas no mesmo contexto, implica sempre num delito único.

Sobre a inconstitucionalidade do preceito secundário da norma em apreço, o qual foi ventilado no Parecer ministerial, desde logo, consigno que a Egrégia 5ª Turma deste Tribunal se deparou com o assunto, quando do julgamento da apelação criminal nº 2009.61.24.000793-5, de relatoria da eminente Desembargadora Federal Ramza Tartuce, cujo acórdão veio ementado nos termos do voto-vista do eminente Desembargador Federal Antonio Cedenho, assim expresso:


"PENAL. FALSIFICAÇÃO, CORRUPÇÃO, ADULTERAÇÃO OU ALTERAÇÃO DE PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS. ART. 273, § 1º-B, I, DO CÓDIGO PENAL. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEITO SECUNDÁRIO DO TIPO PENAL. DESPROPORCIONALIDADE. JULGAMENTO SUSPENSO.
1. Verifica-se, no presente caso, a necessidade de se suspender o julgamento para submeter à apreciação desta E. Turma a arguição de inconstitucionalidade da Lei nº 9.677/98, no que tange a inovação legislativa do §1º-B, I, do artigo 273 do Código Penal, em seu preceito secundário, aduzida pela defesa do apelante em suas razões recursais.
2. O Ministério Público Federal manifestou-se, opinando pela não incidência da alegada inconstitucionalidade, por considerar não haver qualquer desproporcionalidade nas penas cominadas ao tipo penal ora em comento. Restou, assim, atendido o disposto no artigo 172 do Regimento Interno desta E. Corte.
3. Portanto, submeto à apreciação deste E. Quinta Turma a referida questão, nos termos da norma contida no artigo 173 do Regimento Interno, que deve ser acolhida e, posteriormente, submetida ao Órgão Especial para análise e julgamento.
4. Defendemos uma latente ausência de proporcionalidade entre as penas cominadas e as condutas descritas no tipo penal previsto no artigo 273 do Código Penal. Não resta dúvida de que tais condutas possuem razoável gravidade e são merecedoras de punição pelo Direito Penal, porém, ainda que legalmente definidas como crime hediondo, são punidas com rigor excessivo - pena mínima de 10 (dez) anos, não se mostrando razoável a proporção de pena em cotejo às penas cominadas a crimes de igual ou até maior potencial lesivo, como, por exemplo, os de homicídio, tráfico ilícito de drogas, tortura e estupro.
5. Da mesma forma, pune com o mesmo rigor àquele que falsifica, corrompe, adultera ou altera produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput, CP) e aquele que importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente (art. 273. §1º-B, I, CP), não fazendo a lei distinção se o medicamento, cosmético ou saneante, sem registro, traz consequências calamitosas ou benéficas à saúde pública.
6. É evidente que a pena mínima cominada no tipo penal ora em comento, traduz em grave ofensa ao princípio constitucional da razoabilidade, motivo pelo qual deve ser afastada do sistema jurídico.
7. Deve ser afastada a aplicação do preceito secundário expresso no tipo penal do artigo 273, §1º-B, I, do Código Penal, no que tange a pena mínima cominada ao delito, ante a sua inconstitucionalidade por transgressão ao princípio constitucional da razoabilidade, devendo ser aplicada analogicamente a pena privativa de liberdade mínima prevista no crime de tráfico de drogas - 05 (cinco) anos - previsto no artigo 33 da Lei nº 11.343/2006.
8. Tal medida é a que se impõe, pois ambos os crimes trazem semelhança dos bens jurídicos tutelados - saúde pública, idêntica classificação como crimes de perigo abstrato e são definidos legalmente como hediondos, além de ter o mesmo sujeito passivo, qual seja, a coletividade. E, assim sendo, a utilização da Lei de Drogas como parâmetro nos termos explanados atende ao princípio da razoabilidade, admitindo-se a aplicação da analogia in bonan partem, por se tratar de interpretação mais benéfica ao réu, de modo a reforçar a proteção contra o arbítrio do Estado de maneira mais justa e equânime.
9. Tendo em vista que a inconstitucionalidade de lei não pode ser declarada por órgão fracionário do Tribunal, nos termos da cláusula de reserva de plenário expressa no artigo 97 da Constituição Federal e da Súmula Vinculante nº 10 do STF, proponho a apreciação desta questão pelo Órgão Especial desta E. Corte, com base no artigo 11, parágrafo único, alínea "g", c.c. artigos 173 e 174 e seu parágrafo único, todos do Regimento Interno do TRF/3º Região, ficando suspenso o julgamento concernente a este tema.
10. Julgamento suspenso e determinada a remessa do feito ao Órgão Especial para análise e julgamento da arguição de inconstitucionalidade (sessão realizada em 27/8/2012), na qual se suscitou arguição de inconstitucionalidade, versando a respeito do pretenso descompasso da pena mínima do preceito secundário do § 1º-B, do art. 273 do Código Penal, na redação da Lei nº 9.677/98 com a Constituição Federal".

Nos termos do voto-vista, consignou o eminente Desembargador que se não reconhecida a inconstitucionalidade, mantinha a condenação do réus, mas às penas constantes do voto da eminente relatora Ramza Tartuce.

Naquela arguição de inconstitucionalidade sob nº 0000793-60.2009.4.03.6124/SP, o Ministério Público Federal, em Parecer ofertado em 14/5/2013 opinou pela rejeição do incidente, sob os seguintes argumentos:

a) a majoração do preceito secundário do artigo 273 do Código Penal, na redação da Lei nº 9.677/98, não se revela inconstitucional, na medida em que refletiu os anseios sociais como resposta estatal adequada e suficiente à conduta ilícita tipificada como crime;

b) a criação de novos tipos com a previsão de sanções rigorosas aos delitos envolvendo falsificação e adulteração de medicamentos é plenamente justificável diante do seu alto potencial lesivo, não se vislumbrando qualquer desproporcionalidade entre as penas abstratamente estipuladas, à vista da incontestável gravidade da conduta, capaz de lesar a saúde de grande número de pessoas;

c) eventual afastamento do preceito secundário do artigo 273 do Código Penal, com a aplicação da pena de outro delito, acarretaria a violação aos princípios da separação dos poderes e da legalidade, na medida em que haveria a criação de uma nova norma, com o Poder Judiciário assumindo a função de verdadeiro legislador positivo, usurpando função que não lhe pertence, devendo eventual alteração das penas cominadas ser realizada pelas vias constitucionalmente previstas;

d) o ordenamento constitucional não permite a combinação de leis penais, para criar uma terceira norma mais benéfica ao réu. Por fim, requereu a suspensão do andamento deste feito até o deslinde de idêntica arguição agilizada no âmbito do c. STJ, nos autos do HC nº 239.363/PR.

A arguição de inconstitucionalidade foi julgada pelo Órgão Especial desta Corte, que, por maioria, a rejeitou, em sessão datada de 14/8/2013, nos termos do voto condutor da eminente Desembargadora Federal Diva Malerbi, cujo acórdão veio assim ementado:


"DIREITO PENAL. ARTIGO 273, § 1º-B, DO CÓDIGO PENAL. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE COMINADA EM ABSTRATO (PRECEITO SECUNDÁRIO DA NORMA). INCIDENTE DE ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À PROPORCIONALIDADE E À RAZOABILIDADE. INEXISTÊNCIA. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE REJEITADA.
- Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade criminal suscitado pela Quinta Turma deste Tribunal em sede de apelação criminal (proc. nº 0000793-60.2009.4.03.6124/SP), versando sobre a desarmonia do preceito secundário do art. 273, § 1º-B, do Código Penal com a Constituição Federal, por ausência de proporcionalidade e razoabilidade.
- Inexistente o aventado vício de inconstitucionalidade da pena fixada em abstrato pela norma secundária do art. 273, § 1º-B, do Estatuto Repressivo, pois o seu rigor decorre da própria natureza do bem jurídico tutelado, qual seja, a saúde pública, e da elevada potencialidade lesiva da conduta tipificada, devidamente sopesadas pelo legislador.
- Inadmissível a aplicação analógica de penas previstas para outros delitos, preconizada em razão das pretensas desproporcionalidade e ausência de razoabilidade, eis que atentatória aos princípios da separação dos poderes e da reserva legal, não cabendo ao julgador, no exercício da sua função jurisdicional, realizar o prévio juízo de proporcionalidade entre a pena abstratamente imposta no preceito secundário da norma com o bem jurídico valorado pelo legislador e alçado à condição de elemento do tipo penal, por se tratar de função típica do Poder Legislativo e opção política, não sujeita, portanto, ao controle judicial. Precedente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região sobre a mesma questão (ARGINC nº 47 - processo 201051014901540 -, Rel. Des. Federal Guilherme Couto de Castro, Plenário, j. 22.08.2011, E-DJF2R 08.09.2011.)
- O próprio Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, já reconheceu a impossibilidade de o Poder Judiciário, na ausência de lacuna da lei, se arrogar função legiferante e criar por via oblíqua, ao argumento da inadequação da sanção penal estabelecida pelo Legislativo, uma terceira norma, invadindo a esfera de atribuições do Poder competente (v.g., HC nº 109676/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe 14.08.2013; RE nº 443388/SP, Relª. Minª. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 11.09.2009). Precedentes, na mesma linha, do E. STJ.
- Habeas corpus a ser concedido de ofício que não se conhece, por se tratar de medida de competência da Turma julgadora da apelação criminal que deu origem ao incidente, eis que cabe àquele Órgão fracionário conhecer das questões de fato relativas ao caso concreto.
- Arguição de Inconstitucionalidade rejeitada. Habeas Corpus ex officio não conhecido".
(TRF 3ª Região, ORGÃO ESPECIAL, ARGINC 0000793-60.2009.4.03.6124, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MÁRCIO MORAES, julgado em 14/08/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/08/2013, Rel p/ Acórdão Desembargadora Federal Diva Malerbi).

No voto condutor, a eminente Desembargadora consignou que, "in verbis":


"O próprio Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, também já reconheceu a impossibilidade de o Poder Judiciário, na ausência de lacuna da lei, se arrogar função legiferante e criar por via oblíqua, ao argumento da inadequação da sanção penal estabelecida pelo Legislativo, uma terceira norma, invadindo a esfera de atribuições do Poder competente.

Confira-se, a esse respeito:

"Ementa: HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. DIREITO CONSTITUCIONAL. CRIME DE INJÚRIA QUALIFICADA. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA PENA PREVISTA NO TIPO, POR OFENSA AO PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE, E PRETENSÃO DE VER ESTABELECIDO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NOVO PARÂMETRO PARA A SANÇÃO. CRIAÇÃO DE TERCEIRA LEI. IMPOSSIBILIDADE. SUPOSTA ATIPICIDADE DA CONDUTA E PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PARA INJÚRIA SIMPLES. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA NA VIA DO WRIT. IMPOSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS DENEGADO.
1. A Lei nº 9.459/97 acrescentou o § 3º ao artigo 140 do Código Penal, dispondo sobre o tipo qualificado de injúria, que tem como escopo a proteção do indivíduo contra a exposição a ofensas ou humilhações, pois não seria possível acolher a liberdade que fira direito alheio, mormente a honra subjetiva.
2. O legislador ordinário atentou para a necessidade de assegurar a prevalência dos princípios da igualdade, da inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas para, considerados os limites da liberdade de expressão, coibir qualquer manifestação preconceituosa e discriminatória que atinja valores da sociedade brasileira, como o da harmonia inter-racial, com repúdio ao discurso de ódio.
3. O writ veicula a arguição de inconstitucionalidade do § 3º do artigo 140 do Código Penal, que disciplina o crime de injúria qualificada, sob o argumento de que a sanção penal nele prevista - pena de um a três anos de reclusão - afronta o princípio da proporcionalidade, assentando-se a sugestão de ser estabelecida para o tipo sanção penal não superior a um ano de reclusão, considerando-se a distinção entre injúria qualificada e a prática de racismo a que se refere o artigo 5º, inciso XLII, da Constituição Federal. 3.1 - O impetrante alega inconstitucional a criminalização da conduta, porém sem demonstrar a inadequação ou a excessiva proibição do direito de liberdade de expressão e manifestação de pensamento em face da garantia de proteção à honra e de repulsa à prática de atos discriminatórios.
4. A pretensão de ser alterada por meio de provimento desta Corte a sanção penal prevista em lei para o tipo de injúria qualificada implicaria a formação de uma terceira lei, o que, via de regra, é vedado ao Judiciário. Precedentes: RE nº 196.590/AL, relator Ministro Moreira Alves, DJ de 14.11.96; ADI 1822/DF, relator Ministro Moreira Alves, DJ de 10.12.99; AI (Agr) 360.461/MG, relator Ministro Celso de Mello, DJe de 06.12.2005; RE (Agr) 493.234/RS, relator Ricardo Lewandowski, julgado em 27 de novembro de 2007. (...) 7. Ordem de habeas corpus denegada." (destaque nosso)
(HC nº 109676/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 11.06.2013, DJe 14.08.2013.).
"DIREITO PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 180, § 1°, CP. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. DOLO DIRETO E EVENTUAL. MÉTODOS E CRITÉRIOS DE INTERPRETAÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA PENAL. IMPROVIMENTO.
1. A questão de direito de que trata o recurso extraordinário diz respeito à alegada inconstitucionalidade do art. 180, § 1°, do Código Penal, relativamente ao seu preceito secundário (pena de reclusão de 3 a 8 anos), por suposta violação aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da individualização da pena.
2. Trata-se de aparente contradição que é resolvida pelos critérios e métodos de interpretação jurídica.
3. Não há dúvida acerca do objetivo da criação da figura típica da receptação qualificada que, inclusive, é crime próprio relacionado à pessoa do comerciante ou do industrial. A ideia é exatamente a de apenar mais severamente aquele que, em razão do exercício de sua atividade comercial ou industrial, pratica alguma das condutas descritas no referido § 1°, valendo-se de sua maior facilidade para tanto devido à infra-estrutura que lhe favorece.
4. A lei expressamente pretendeu também punir o agente que, ao praticar qualquer uma das ações típicas contempladas no § 1°, do art. 180, agiu com dolo eventual, mas tal medida não exclui, por óbvio, as hipóteses em que o agente agiu com dolo direto (e não apenas eventual). Trata-se de crime de receptação qualificada pela condição do agente que, por sua atividade profissional, deve ser mais severamente punido com base na maior reprovabilidade de sua conduta.
5. Não há proibição de, com base nos critérios e métodos interpretativos, ser alcançada a conclusão acerca da presença do elemento subjetivo representado pelo dolo direto no tipo do § 1°, do art. 180, do Código Penal, não havendo violação ao princípio da reserva absoluta de lei com a conclusão acima referida.
6. Inocorrência de violação aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da individualização da pena. Cuida-se de opção político-legislativa na apenação com maior severidade aos sujeitos ativos das condutas elencadas na norma penal incriminadora e, consequentemente, falece competência ao Poder Judiciário interferir nas escolhas feitas pelo Poder Legislativo na edição da referida norma.
7. Recurso extraordinário improvido."
(RE nº 443388/SP, Relª. Minª. Ellen Gracie, 2ª Turma, j. 18.08.2009, DJe 11.09.2009.)

Uma vez afastada a inconstitucionalidade da norma, passo ao exame do recurso.


Dos Fatos


Extrai-se da exordial acusatória que, no dia 19 de julho de 2007, policiais militares rodoviários abordaram o ônibus da empresa Nacional Expresso, linha Foz do Iguaçu/PR - Araguari/MG no qual viajava o denunciado, logrando encontrar em sua mochila, de cor preta, guardada no bagageiro externo do ônibus, 50 (cinquenta) blisteres do medicamento "Potent Ciem", com 10 (dez) comprimidos cada, totalizando 500 (quinhentos) comprimidos, os quais restaram apreendidos, conforme Boletim de Ocorrência e Auto de Exibição e Apreensão anexados aos autos.

O Laudo pericial realizado apontou que os medicamentos apreendidos são de origem estrangeira e não possuem registro da ANVISA.

Ouvido, o indiciado admitiu ter adquirido o medicamento no Paraguai e que pretendia revendê-lo no Município de Pratápolis/MG.

Diante desse contexto, o Ministério Público Federal denunciou o réu pela prática do delito art. 273, §1º e §1º-B, incisos I e V do Código Penal.

A exordial foi recebida em 20 de maio de 2010 (fl.61).

Apurou-se nos autos que o medicamento apreendido não possuía registro na ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), sendo proibida a sua comercialização em território nacional.


Da Materialidade


A materialidade do delito restou sobejamente comprovada.

O inquérito policial foi instaurado através de Portaria constante dos autos noticiando que o réu foi abordado no interior do ônibus, em um patrulhamento de rotina realizado por policiais rodoviários, portando em sua mochila o medicamento "Potent Ciem" de origem paraguaia e comércio proibido no Brasil.

O Auto de Apresentação e Apreensão (fls.6/7) aponta que foram encontrados em poder do acusado os comprimidos do medicamento objeto de exame pericial que resultou no Laudo de Exame de Produto Farmacêutico nº 1.086/2008 (fls. 21/25).

Os comprimidos apreendidos estavam divididos em 50 (cinquenta) blisteres, totalizando 500 (quinhentos) comprimidos do medicamento. Destaco o seguinte trecho do referido laudo:

"Conforme orientações emanadas do Instituto Nacional de Criminalística, o produto analisado é de origem estrangeira. O medicamento sanalisa (Potent Ciem) não possui registro na ANVISA. Adicionalmente este SETEC não dispõe de padrão autêntico do referido medicamento para a verificação de adulterações. O produto analisado apresentava o princípio ativo (Sildenafil) discriminado em seu blister.
Cabe ressaltar que a Resolução nº 3847/2006 da ANVISA determinou a suspensão, em todo o território nacional, da importação, distribuição, comércio e uso do medicamento, por não possuir registro concedido por esta Agência Nacional de Vigilância Sanitária (fl.10).
Por conseguinte, resta evidenciada a irregularidade da importação dos medicamentos com a legislação sanitária vigente, porquanto qualquer medicamento importado precisa possuir registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA e deve ser fabricado por estabelecimento regular, além de passar sob o crivo de apreciação pelo Ministério da Saúde.
Nesse passo, aqueles que não cumprem esses requisitos são, consequentemente, de importação proibida.

Segundo o Laudo, verifica-se que os medicamentos apreendidos não possuem permissão no órgão competente (ANVISA) para sua comercialização e importação em território nacional, tampouco houve registro no Ministério da Saúde.

Comprovada, portanto, a materialidade, sendo despicienda a repetição da prova pericial em sede de juízo, de modo que esclarece satisfatoriamente a materialidade delitiva encerrada no quanto atestado nos autos.

Com efeito, a prova pericial bem aponta a proibição da conduta e sobre ela não paira qualquer necessidade de reiteração em fase judicial, nada havendo nos autos que a invalide, mesmo porque a oitiva dos peritos não foi pleiteada pela defesa no momento oportuno.



Da Autoria


A autoria delitiva é incontroversa.

A apreensão dos medicamentos decorreu de procedimento de fiscalização de rotina promovida no interior do ônibus, onde foi encontrado o medicamento na bagagem do réu.

As etiquetas da bagagem possuíam a numeração correspondente aos pertences do passageiro, proveniente da viagem, a evidenciar a autoria delitiva.

Assim é que Luiz Antonio Moreira, policial militar rodoviário que realizou as diligências, disse que em fiscalização de rotina fez a abordagem do ônibus da empresa Nacional Expresso, linha Foz do Iguaçu/PR-Araguari/MG e que no bagageiro externo do ônibus foi localizado dentro de uma bolsa de cor preta e cinza, de lona, 500 comprimidos "Potenticiem", 100mg, 500DVDs, títulos diversos e 75 CDs títulos diversos, tendo sido confrontada a etiqueta que estava em referida bolsa, nº 7613, com as passagens, chegou-se a pessoa de Franco Carlos de Moraes, que assumiu a propriedade do material (fl.32 e 69/70).

Os fatos relacionados à apreensão e sua ligação com o acusado foram corroborados também pelo testemunho de Sandro Roberto Venarusso (fls. 67/68).

A testemunha Wagner de Oliveira informou que à época dos fatos elaborou o Boletim de Ocorrência constante dos autos, baseado no que lhe foi narrado pelos policiais rodoviários.

Inquirido na fase policial, disse o réu que em data que não se recorda saiu com destino ao Paraguai; lá chegando encontrou diversos ambulantes os quais lhe venderam diversos CDs e DVDs e medicamentos para impotência sexual, não tendo recebido a nota fiscal dos produtos. Afirmou que pagou R$6 (seis) reais por cartela de medicamento e que pretendia vendê-lo na cidade de Pratápolis/MG por R$15 (quinze) reais a cartela; que no momento em que estava passando pela cidade de Jaú/SP, foi abordado por policiais e apreendida a mercadoria. Acrescentou que não foi a primeira vez que esteve no Paraguai e que já foi aproximadamente umas dez vezes; Esclareceu que não possuía qualquer autorização para ingresso da mercadoria no território nacional e que a mesma era transportada pelo rio, onde ultrapassava-se a fronteira nacional (Paraguai-Brasil) e recolhia a mesma com o auxílio de um ônibus de circulação urbana, levando-a até a rodoviária, onde pegaria um ônibus até a cidade de Ribeirão/SP e posteriormente até Pratápolis/MG (fls. 54/55 e 60).

Em Juízo, o acusado admitiu que fazia travessia de mercadoria via Foz do Iguaçu para outras cidades da região e que ganhava R$100,00 por trabalho, sendo esse o seu meio de vida.Negou, porém, ter ciência do que levava na sacola, admitindo inclusive que quando da apreensão realizada tinha por atividade comprar CDs e DVDs no Paraguai para revendê-los no Brasil.

As testemunhas ouvidas pouco souberam esclarecer sobre os fatos, porém, caracterizou-se a ciência por parte do acusado quanto ao transporte dos medicamentos, diante do conjunto probatório dos autos e as circunstâncias da apreensão.

Comprovada, portanto a autoria, na medida em que restou evidenciado que o réu foi o responsável pela introdução irregular dos medicamentos encontrados em sua bagagem.


Do erro de proibição


Aduz a defesa do apelante que o réu não agiu de forma dolosa, por desconhecer a ilicitude da conduta perpetrada.

Ao revés do alegado, os dados probatórios demonstram que o réu agiu de forma livre e consciente no cometimento do crime narrado na denúncia.

A alegação de que não sabia que estava cometendo um delito não tem o condão de ilidir a conduta criminosa. Isso porque o erro de proibição inevitável somente se verifica quando o agente não tem possibilidade de saber que o fato é proibido.

E, na hipótese, o réu admitiu no interrogatório que praticava o delito anteriormente aos fatos aqui tratados, incidindo novamente na conduta proibida.

Acertadamente, o MM. Juiz de primeiro grau houve por bem afastar as alegações defensivas no sentido do desconhecimento da ilicitude da conduta

Desse modo, não há que prosperar a tese defensiva de que haveria a incidência de conduta apenas com culpa.

Ao contrário, desponta à evidência nos autos a presença de dolo, haja vista que os remédios estavam separados em cartelas, prática comum para facilitar o transporte da mercadoria e dificultar a fiscalização, não havendo razão para que o acusado separasse as caixas das cartelas se desconhecesse o caráter ilícito ou irregular da conduta.

Também não há que merecer guarida a suposta obediência hierárquica alegada devidamente afastada na sentença, ainda porque se mando houvesse por parte de alguém para a prática delitiva ainda assim a conduta seria ilegal.De todo modo, não se vê qualquer hierarquia entre o réu e a pessoa denominada "Passarinho" ou Ronaldo, quem teria proposto o transporte do medicamento mediante paga.

Mantenho, pois, a condenação do réu pelo delito previsto no art. 273, do Código Penal classificado na denúncia.

No que diz com a pena imposta que não foi objeto de recurso, nenhum reparo há de ser feito, porquanto em conformidade com os fins da pena e proporcional ao delito em comento.

Anoto que o Juízo "a quo" aplicou o preceito secundário do art. 33 da Lei nº 11.343/06 , apenas no que tange à pena privativa de liberdade, não se admitindo modificação neste ponto, pena de reformatio in pejus.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso.

É o voto.


VALDECI DOS SANTOS
Desembargador Federal


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