Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 12/04/2016
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000518-70.2001.4.03.6002/MS
2001.60.02.000518-3/MS
RELATOR : Juiz Federal Convocado WILSON ZAUHY
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : JOSE ANTONIO PEREIRA CARDOSO
: ANDRE LAERTE MARCIANO
: DELVAIR BACCHIEGAS
: OSVALDO CARDOGNA
ADVOGADO : MS003488 LUCILIO DEL GRANDI e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
ABSOLVIDO(A) : ELENICE FERREIRA
No. ORIG. : 00005187020014036002 1 Vr DOURADOS/MS

EMENTA

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE DE EX-PREFEITO. APROPRIAÇÃO DE CESTAS BÁSICAS ORIUNDAS DE PROGRAMA SOCIAL DO GOVERNO FEDERAL PARA DISTRIBUIÇÃO ENTRE POPULAÇÃO CARENTE COM OBJETIVO DE ANGARIAR VOTOS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. AUSÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO PARA ACUSAÇÃO. CONTAGEM PELA PENA MÁXIMA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE MANTIDA. INCIDÊNCIA DE AGRAVANTES. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. PERDA DO CARGO E INABILITAÇÃO POR CINCO ANOS. ART. 1º, §2º DO DECRETO-LEI Nº 201/1967.
1. Os réus foram denunciados por terem supostamente se apropriado, em proveito próprio, de bens da União oriundos do Programa de Distribuição de Alimentos com intuito de angariar votos de eleitores em situação de carência econômica.
2. É de competência da Justiça Federal o processamento e julgamento de delito federal ainda que haja indícios da prática de crime eleitoral. Precedentes do C. STJ.
3. Ausente o trânsito em julgado para acusação, a contagem do prazo prescricional dá-se pela pena máxima prevista abstratamente nos termos do artigo 110 do Código Penal, e não pela pena em concreto.
4. Devidamente comprovadas a materialidade e a autoria do delito atribuído aos réus.
5. Manutenção do decreto condenatório pela prática do delito previsto pelo art. 1º, I do Decreto-Lei nº 201/1967.
6. Dosimetria da pena. A existência de processos penais e inquéritos em curso não é suficiente para atestar personalidade do réu voltada para o crime e, dessa forma, não pode ser computada como motivação para exasperação da pena-base. Contudo, da análise das demais circunstâncias judiciais previstas pelo artigo 59 do Código Penal, verifica-se a intensa culpabilidade e a grave conduta social dos réus, as circunstâncias e consequências do delito, que importou em desvio de alimentos destinados à população carente, em prejuízo de programa social do governo federal, o que por si é suficiente para justificar a fixação da pena-base acima do mínimo legal nos termos da r. sentença, que se mostra adequada e suficiente, razão pela qual deve ser mantida.
7. As agravantes reconhecidas pelo Magistrado devem ser mantidas.
8. Para fins de aferição da possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, devem ser avaliados os requisitos objetivos do art. 44, incisos I e II, do Código Penal e os requisitos subjetivos do art. 44, III, do Código Penal. Os quesitos subjetivos reportam às circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, por conseguinte, na hipótese de o magistrado considerar a existência de diversas condições desfavoráveis, há de ser afastada a substituição de pena, com a reforma da r. sentença neste tocante.
9. Em relação ao réu ex-prefeito, mantenho o regime inicial semiaberto para cumprimento da pena, em observância ao art. 33, §2º, b do Código Penal. No que tange aos demais réus, à míngua de recurso da acusação, mantenho o regime inicial de cumprimento da pena aberto.
10. De rigor a manutenção da perda dos cargos e da inabilitação pelo prazo de cinco anos para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação em relação a todos os réus.
11. Apelação da defesa desprovida. Apelação da acusação parcialmente provida.



ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, negar provimento à apelação dos réus e dar parcial provimento à apelação do Parquet Federal, apenas para afastar a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito e, de ofício, corrijo o erro material na sentença referente às penas definitivas, mantendo a condenação de JOSÉ ANTONIO CARDOSO pela prática do delito constante no art. 1º, I do Decreto-Lei nº 201/1967 à pena de 05 anos de reclusão, no regime semiaberto, perda de cargo e inabilitação pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, com fundamento no § 2º, do artigo 1º, do Decreto 201/67; de ANDRÉ LAERTE MARCIANO, pela prática do delito constante no art. 1º, I do Decreto-Lei nº 201/1967 à pena de 03 anos, 06 meses e 20 dias de reclusão, no regime aberto, perda de cargo e inabilitação pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, com fundamento no § 2º, do artigo 1º, do Decreto 201/67, de DELVAIR BACCHIEGAS pela prática do delito constante no art. 1º, I do Decreto-Lei nº 201/1967 à pena de 03 anos, 06 meses e 20 dias de reclusão, no regime aberto, perda de cargo e inabilitação pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, com fundamento no § 2º, do artigo 1º, do Decreto 201/67 e de OSVALDO CARDOGNA pela prática do delito constante no art. 1º, I do Decreto-Lei nº 201/1967 à pena de 03 anos, 01 mês e 10 dias de reclusão, no regime aberto, perda de cargo e inabilitação pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, com fundamento no § 2º, do artigo 1º, do Decreto 201/67, nos termos do voto do relator, acompanhado pelo Des. Fed. Hélio Nogueira, vencido o Juiz Fed. Conv. Renato Toniasso que dava provimento ao apelo defensivo, com a absolvição do acusado e julgava prejudicado o apelo ministerial. Determinada a expedição de mandado de prisão aos acusados.


São Paulo, 29 de março de 2016.
WILSON ZAUHY
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000518-70.2001.4.03.6002/MS
2001.60.02.000518-3/MS
RELATOR : Juiz Convocado WILSON ZAUHY
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : JOSE ANTONIO PEREIRA CARDOSO
ADVOGADO : MS003488 LUCILIO DEL GRANDI e outro(a)
: MS012336 STEVAO MARTINS LOPES
: PR048004 GABRIELE MARTINS UTUMI
: SP243893 ELAINE RENO DE SOUZA OLIVEIRA
APELANTE : ANDRE LAERTE MARCIANO
: DELVAIR BACCHIEGAS
: OSVALDO CARDOGNA
ADVOGADO : MS003488 LUCILIO DEL GRANDI e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
ABSOLVIDO(A) : ELENICE FERREIRA
No. ORIG. : 00005187020014036002 1 Vr DOURADOS/MS

VOTO-VISTA

O SENHOR JUIZ FEDERAL CONVOCADO RENATO TONIASSO:


Trata-se de pedido de vista dos autos, após o voto do e. relator, proferido em sede de análise recursal, no Feito especificado à epígrafe, em que os acusados JOSÉ ANTÔNIO PEREIRA CARDOSO, ANDRÉ LAERTE MARCIANO, DELVAIR BACCHIEGAS e OSVALDO CARDOGNA foram condenados em 1ª. Instância como incursos nas penas do artigo 1º, inciso I, do Decreto-lei nº. 201/1967, por, no entender do MM. Juízo singular, terem se apropriado, em proveito próprio, de bens da União, com o intuito de angariar votos de eleitores em situação de carência econômica.


Há recursos da acusação e da defesa, inclusive com a arguição, por esta, de preliminar de incompetência da Justiça Federal, para conhecer do Feito, conforme bem pontuou, em seu relatório, o e. relator, que, em seu voto, após afastar referida questão processual, nega provimento à apelação dos réus e dá parcial provimento à apelação do MPF, nos termos em que indica.


Pois bem.


Ouvi, atentamente, o r. voto de Sua Excelência, o e. relator, e, por conta de inquietação de espírito, acerca de questão pontual que será tratada mais adiante, resolvi pedir vista dos autos, para melhor estudar o assunto.


E, procedidos os estudos que se fizeram necessários, volto, agora, a essa Egrégia Turma, para proferir o meu voto.


Quanto à questão preliminar, de incompetência da Justiça Federal, por ausência de provas de apropriação de alimentos oriundos de Programa de Distribuição de Alimentos do Governo Federal - PRODEA, que, em 2000, época dos fatos, era executado, a nível local, pelo Município de Ivinhema, MS, acompanho integralmente o voto do e. relator, pois os elementos dos autos, em especial, o depoimento de Jandira Kochinski (fls. 197 e 604/605), ali referido, e, bem assim, o auto de apreensão de fls. 24-26 e o laudo de exame merceológico de fls. 125-128, com os documentos de fls. 129-140, dão conta de que certa quantidade de arroz e de feijão (os dados são um pouco confusos a respeito dessas quantidades, embora, adiante, enfrentarei melhor esse assunto), foi apropriada pelos acusados, a partir de sobras do aludido programa de assistência governamental, e usada, juntamente com outros produtos alimentícios adquiridos no comércio local, para a confecção de cestas básicas que seriam distribuídas a pessoas necessitadas, no Bairro Triguenã, naquela cidade.


Assim, considerando que, em tese, essa conduta se amolda ao tipo penal previsto pelo artigo 1º., inciso I, do Decreto-lei nº. 201/1967, tenho como perfeitamente legal o ato de recebimento da denúncia, fixando-se, com ele, a competência da Justiça Federal, para conhecer da ação penal que se iniciava, sendo ainda de se ressaltar, quanto ao substrato fático-jurídico da acusação, que nessa fase processual, eventual dúvida se resolve em favor da sociedade - in dúbio pro societate, bastando, para o início da persecução criminal, prova da materialidade e indícios da autoria, em relação aos acusados - o que existia nos autos, ao passo que a analise exauriente, quanto ao mérito da acusação, em primeira, e, agora, nesta 2ª instância, há que ser feita sobre as provas disponíveis nos autos, possibilitados o contraditório e a ampla defesa, de sorte a se aquilatar se os mesmos incidiram em conduta culpável, em princípio, naquela que lhes foi imputada na denúncia, resguardada a exegese de que aqui a dúvida milita em favor do réu - in dubio pro reo.


O tipo penal em questão está assim redigido:


Art. 1º. São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal (sic), sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores (sic):
I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio;
(...).

Conforme se percebe, os núcleos desse tipo penal são: 1) "apropriar-se de bens ou rendas públicas"; ou, 2) "desviá-los em proveito próprio ou alheio".


No presente caso, tem-se que os acusados, em coautoria, teriam se apropriado de sobras de arroz e feijão, do programa federal de distribuição de alimentos a pessoas carentes - PRODEA, em execução, pela administração local, no Município de Ivinhema, MS, e, distribuído esses produtos, como componentes parciais de cestas básicas, a pessoas carentes, no período eleitoral das eleições municipais de 2000, em que o acusado JOSÉ ANTÔNIO PEREIRA CARDOSO concorria à reeleição, como prefeito municipal, naquela unidade federativa. Segundo o MPF, por conta da utilização dessas sobras, José Antônio, auxiliado pelos demais acusados, "apropriou-se de bens públicos da UNIÃO FEDERAL e deles se utilizou indevidamente, em proveito próprio, para fins eleitoreiros" (fl.2).


A conduta dos acusados, nesse sentido, restou perfeitamente delineada nos autos, e dela não tenho dúvidas; tanto que, a esse respeito, valho-me dos fundamentos lançados na sentença, e, em especial, no voto do e. relator, onde este, ao rechaçar a alegação de incompetência da Justiça Federal, reconheceu a ocorrência de tais fatos, estribando-se nas provas ali referidas. Apenas discordo de Sua Excelência quanto à conclusão de que a conduta dos acusados "se enquadra no tipo descrito pelo artigo 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/1967". Grifei.


Para mim, a conduta dos acusados divide-se em dois segmentos básicos, para o fim de exame de antijuridicidade nesta ação penal: 1) lançar mão de sobras de arroz e feijão, do programa PRODEA; e, 2) incorporar esses produtos, juntamente com outros gêneros alimentícios (óleo de soja, macarrão e farinha de mandioca/fls. 129-140), em cestas básicas que foram distribuídas no Bairro Triguenã, em Ivinhema, MS, durante o referido período eleitoral (de 2000).


Entendo que apenas o primeiro desses segmentos poderia, em tese, configurar infringência ao tipo penal em questão, pois nele se lançou mão de bens públicos, na modalidade de gêneros alimentícios, dando-lhes destinação, em princípio, atípica, que será analisada mais adiante, uma vez que no segundo, além de se incorporar às cestas básicas, outros produtos alimentícios adquiridos pela Administração municipal, a ação teria conotação, também em tese, de crime eleitoral, hipótese sob a qual os acusados, segundo noticiam, já foram processados e absolvidos.


Centrado nesses fatos, desde já consigno que os autos são pobres em informações sobre o volume das mercadorias do PRODEA utilizadas pelos acusados para a confecção das cestas básicas de que se trata. A denúncia fala em 110 Kg de feijão (fl. 10), mas não quantifica o arroz, e os acusados não se insurgiram quanto a isso. Por outro lado, o laudo de exame de mercadorias apreendidas, de fls. 125-128, noticia que foram examinados 300 Kg de arroz da marca MOTERREI, sem afirmar que todo esse produto é derivado do referido programa governamental (pode parte dele ter sido comprada no comércio local, conforme se deu em relação a outros produtos que compunham as cestas básicas, pois, enquanto, em relação ao feijão, tem-se a marca "Evita", que indica a origem do PRODEA, no que se refere ao arroz, não há qualquer indicativo nesse sentido). E tem-se o depoimento de Delvair Bacchiegas, às fls. 432-434, onde esse acusado, que, a época dos fatos, era o responsável pela distribuição de alimentos do PRODEA no município de Ivinhema, afirma que, depois de uma conversa com o acusado ANDRÉ LAERTE MARCIANO, a respeito da cessão das sobras do PRODEA, para a confecção de cestas básicas a serem utilizadas na campanha eleitoral do então Prefeito, o também acusado JOSÉ ANTÔNIO PEREIRA CARDOSO, teria se negado a tal prática, mas informado que o acesso ao local onde os produtos se encontravam não precisava de chave, tendo, depois, dado pela falta de "cem quilos de arroz e cem quilos de feijão oriundos da CONAB".


Portanto, para o fim de estimar o valor das mercadorias do PRODEA, usadas pelos acusados, e, a partir dele, tecer considerações, em termos de eventual repercussão econômica no patrimônio dos acusados e/ou de terceiros por eles beneficiados, para aquilatar acerca da subsunção dos fatos, aos núcleos do tipo penal em questão, considero que foram usadas sobras de 110 Kg de feijão e de 100 Kg de arroz, o que, pelos preços médios da época dos fatos (ano de 2000), segundo o site ciagri.sp.gov.br (feijão: R$ 36,73/saca de 60 kg; e arroz: R$ 36,94/saca de 60 kg), implica no montante total de R$ 128,89, e, pelos parâmetros atuais (feijão: R$ 195,15/saca de 60 kg, e arroz: R$ 67,91/fardo de 30 kg), importa em R$ 584,13.


O MPF alega que a distribuição desses produtos se deu "em proveito próprio, para fins eleitorais". Como se tratava de "bens da União", restaria configurado a infringência do tipo penal de que se trata.


Entendo que o verbo "apropriar-se", referindo-se a bens ou rendas públicas, não se aplica ao caso, pois o seu sentido teleológico, na norma de regência, implica em obtenção de vantagem material direta, a partir do bem ou da renda pública de que se valeu o autor da ação, e os acusados não se utilizaram do arroz e do feijão do PRODEA para consumo próprio ou para venda.


Antônio Tito Costa, em sua obra Responsabilidade de Prefeitos e Vereadores, Editora RT, 1979, pg. 20, apud Alberto Silva Franco et alii, em LEIS PENAIS ESPECIAIS E SUA INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL, Editora RT, 2001, Vol. 2, pg. 2.694, assim se expressa a respeito:


"Apropriar-se quer dizer tornar próprio, fazer seu, apossar-se, tomar para si";

A acepção vernacular do termo, expressa nos dicionários da língua portuguesa, é, também, nesse sentido.


Assim, voltando ao caso concreto, considero evidente que os acusados não se apossaram para si das sobras de arroz e feijão do programa PRODEA.

Resta agora analisar-se a conduta dos mesmos, sob o núcleo de tipo "desviá-los em proveito próprio ou alheio", no que se refere aos bens públicos considerados, uma vez que tais sobras foram distribuídas, como componentes de cestas básicas, a pessoas necessitadas, no Bairro Triguenã, da cidade de Ivinhema, MS.


A mesma fonte doutrinária, anteriormente referida, assim conceitua o termo desviar, no contexto do tipo penal em exame:


"... desviar significa tirar do caminho, afastar, desencaminhar, alterar a direção ou o destino dos bens ou das rendas".

No mesmo sentido, a definição vernacular.


Pois os acusados lançaram mão de sobras de arroz e feijão do PRODEA, para compor cestas básicas que foram distribuídas a pessoas necessitadas no Bairro Triguenã, no Município de Ivinhema, MS.


Segundo a denúncia, o acusado JOSÉ ANTÔNIO PEREIRA CARDOSO, candidato à reeleição ao cargo de Prefeito Municipal, enfrentava rejeição naquele bairro e, por isso, designou a funcionária municipal ANNI JACQUELINE MEURER para fazer uma pesquisa no bairro, a fim de levantar os motivos da sua rejeição e quais as principais necessidades das pessoas que ali residiam. A sondagem foi feita, chegando-se à conclusão de que "a privação mais sentida pelos moradores era justamente a mais elementar: a de alimentos" (fl. 04).


O objetivo do PRODEA era distribuir alimentos às pessoas em situação de carência alimentar, e, no Município de Ivinhema, a sua execução cabia à Administração Municipal; tanto que, nos termos da própria denúncia, o acusado DELVAIR BACCHIEGAS, que era quem coordenava essa distribuição, ocupava o cargo de Presidente da Comissão Municipal de Distribuição de Cestas Básicas (fl. 04).


Assim, deixando de lado a conotação eleitoral da conduta dos acusados, uma vez que sobre ela já teria havido manifestação na seara própria (Justiça Eleitoral), é de se perguntar para quem foram distribuídos os 110 Kg de feijão e 100 Kg de arroz que representavam sobras do PRODEA no Município?


Exatamente para pessoas em situação de carência alimentar do Bairro Triguenã, e que certamente eram cadastradas no Programa ou, se não eram, deveriam ter sido, dada a notória situação de miserabilidade indicada pelo levantamento feito pela Administração Municipal e pelas provas dos autos, em especial, visualizável pelas fotografias de fls. 129-140, além de ser reconhecida pela própria acusação.


Sobre o fato de essa distribuição ter ocorrido em período eleitoral, observo que a testemunha OGERSO LOPES DA PIEDADE, Oficial de Justiça da Comarca de Ivinhema, informa que: "na época as cestas federais eram distribuídas até quatro vezes ao ano e isso ocorreu próximo ao pleito eleitoral" (fls. 607-608). Também a testemunha CLAUDENI NOGUEIRA DOS SANTOS disse: "que houve entrega de cestas do Governo Federal no período que antecedeu à eleição" (fl. 684).


Então é de se perguntar: se os produtos alimentícios do PRODEA eram destinados às pessoas carentes do Município de Ivinhema; se essas distribuições eram feitas pela Administração Municipal, com periodicidade definida, inclusive no período que antecedeu às eleições de 2000; se ocorreram sobras da última distribuição ordinária e se havia pessoas carentes precisando desses alimentos (havia fome a ser saciada); a distribuição dessas sobras, exatamente a essas pessoas carentes, que precisavam de tais alimentos, configura o núcleo de tipo "desviar" esses alimentos em proveito próprio ou alheio?


Com toda a vênia de quem pensa de modo diverso, parece-me que não.


Não nos esqueçamos de que a conceituação doutrinária, anteriormente colacionada, definiu a ação explicitada por esse verbo como "alterar a direção ou o destino" dos bens públicos desviados.


No caso, o destino das mercadorias do PRODEA não foi alterado. Ao contrario, foi confirmado, uma vez que as sobras de arroz e feijão foram distribuídas às pessoas necessitadas do Bairro Triguenã.


E nem se diga que o possível benefício eleitoral que os acusados tiraram dessa conduta configura "proveito próprio", referido no tipo penal em questão.


Além desse proveito eleitoral, se existente, implicar em competência da Justiça Eleitoral, quanto à análise da sua legalidade, é de se ter que não houve desvio de finalidade das mercadorias usadas pelos acusados.


Ademais, certa dose de proveito eleitoral, em situações da espécie, é tolerada e até induzida pelo nosso sistema eleitoral, ao nele se permitir a reeleição para cargos majoritários, pois, com isso, os candidatos à reeleição, por continuarem no exercício das funções do cargo, durante o período eleitoral, não têm como paralisar a máquina administrativa durante esse período, mormente em se tratando de programas de alimentação de pessoas necessitadas, como o PRODEA, colhendo, assim, os dividendos políticos, benéficos ou não, conforme o desempenho apresentado.


Pois, sob essa ótica, no presente caso, como se incriminar a conduta de um prefeito municipal que, no exercício do cargo, mas em campanha de reeleição, lança mão de modestas sobras de um programa de distribuição alimentar que se encontra sob a sua responsabilidade, que tem periodicidade definida e que se acha em perfeita vigência naquele momento, e as distribui aos seus efetivos destinatários, que são os moradores carentes do Bairro Triguenã, no seu município?


Anoto ainda que se trata de produtos perecíveis, com prazos de validade, e que, por isso, se não distribuídos a tempo, certamente iriam se perder, sendo que a fome era patente entre os que foram os seus destinatários.


Assim, em tese, caso tais produtos se perdessem, por inércia das pessoas encarregadas de distribuí-os, poder-se-ia, inclusive, falar-se em conduta contra legem, omissiva e até de improbidade.


Por fim, colaciono julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça, no qual se faz referência a julgado do Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª. Região, no sentido de que, onde os fins de programa/contrato oficial foram alcançados, não há se falar em "desvios de verbas públicas" e, consequentemente, de infringência do artigo 1º, inciso I, do Decreto-lei n. 201/67:


PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE DE PREFEITO DENÚNCIA REJEITADA POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. PRETENDIDO RECEBIMENTO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
Recurso especial a que se nega seguimento.
DECISÃO:
Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público Federal, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, proferido na Ação Penal n. 188-RN (2007.84.00.005152-1)(fls. 130/155):
PENAL E PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. CRIME PRATICADO POR PREFEITO EM COAUTORIA. ARTIGO 89 DA LEI Nº 8.666/93 C/C ARTIGO 298 DO CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL PELA PENA EM ABSTRATO. CRIME PREVISTO NO ARTIGO 1º, INCISO I, DO DECRETO-LEI Nº 201/67. NÃO CARACTERIZAÇÃO. ENTREGA DA OBRA AVENÇADA. AUSÊNCIA DE PROVA CONCRETA DO DESVIO/APROPRIAÇÃO (RECURSOS REPASSADOS COM BOA E REGULAR APLICAÇÃO). IMPOSSIBILIDADE DO DESVIO OU APROPRIAÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS TER HAVIDO COMO CONSEQUÊNCIA DE OUTROS DELITOS QUE FORAM CONSIDERADOS PRESCRITOS (PRECEDENTE DO STJ). DENÚNCIA REJEITADA NESSA PARTE. FATOS: 1. (...). DO CRIME TIPIFICADO NO ARTIGO 1º, INCISO I, DO DECRETO-LEI Nº 201/67 (Imputado ao Prefeito de Barcelona/RN). 13. Ausência de demonstração concreta da ocorrência de desvio de verbas públicas federais, sobretudo quando se tem a prova da entrega da obra avençada, da boa e regular aplicação dos recursos repassados e da prestação de contas. 14. O Colendo Superior Tribunal de Justiça entende pela impossibilidade de se considerar o delito de apropriação/desvio (por Prefeito) como subproduto da infração à Lei de Licitação ou da falta de prestação de contas no tempo devido (precedentes: Resp 1199887/PI. Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 26/06/2012, DJe 06/08/2012. (Resp 1.490.462/RN. Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR. DjE DE 04/05/2005).

Tenho que não houve desvio de bens públicos no presente caso.


Esses são os fundamentos específicos quanto a não subsunção dos fatos ao tipo penal mediante o qual os acusados foram denunciados.


Porém, em arremate, observo que conheço a orientação jurisprudencial no sentido de que a chamada "teoria da bagatela" ou da insignificância jurídica não se aplica aos casos da espécie e reitero que os fundamentos deste voto estribam-se na ausência de materialidade, pela não subsunção dos fatos, ao tipo penal sob o qual os acusados foram denunciados. Mas lembro que os acusados estão sendo processados nestes autos desde 07 de maio de 2004 e que foram condenados a penas que chegam a 5 (cinco) anos de reclusão, no caso de JOSÉ ANTÔNIO PEREIRA CARDOSO, porque lançaram mão de 110 Kg de feijão e 100 Kg de arroz, em mercadorias que eram sobras em um programa oficial de distribuição de alimentos a pessoas em situação de carência alimentar, e distribuíram essas mercadorias a pessoas que naturalmente eram as suas destinatárias, sendo que essas mercadorias valiam, estimativamente, R$ 128,89, à época dos fatos, e R$ 584,13, nos dias atuais.


O sofrimento moral e as consequências danosas de um processo criminal são de conhecimento público e notório, e o Direito, para se legitimar, não pode perder a concepção de razoabilidade.


Pedindo vênia ao e. Relator, voto pelo provimento do apelo defensivo, com a absolvição dos acusado; prejudicado o apelo acusatório.


É como voto.




RENATO TONIASSO
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): RENATO TONIASSO:10137
Nº de Série do Certificado: 7CFBFDD13480A2E6154F7A615D54D3A3
Data e Hora: 07/04/2016 16:36:13



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000518-70.2001.4.03.6002/MS
2001.60.02.000518-3/MS
RELATOR : Juiz Federal Convocado WILSON ZAUHY
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : JOSE ANTONIO PEREIRA CARDOSO
: ANDRE LAERTE MARCIANO
: DELVAIR BACCHIEGAS
: OSVALDO CARDOGNA
ADVOGADO : MS003488 LUCILIO DEL GRANDI e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
ABSOLVIDO(A) : ELENICE FERREIRA
No. ORIG. : 00005187020014036002 1 Vr DOURADOS/MS

RELATÓRIO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL CONVOCADO WILSON ZAUHY (Relator): O Ministério Público Federal denunciou, em 05.05.2004, JOSÉ ANTONIO PEREIRA CARDOSO, qualificado nos autos, nascido aos 05/12/1963, ANNI JACQUELINE MEURER, qualificada nos autos, nascida aos 01.03.1969, ANDRÉ LAERTE MARCIANO, qualificado nos autos, nascido aos 26/01/1974, DELVAIR BACCHIEGAS, qualificado nos autos, nascido aos 02.12.1964, OSVALDO CARDOGNA, qualificado nos autos, nascido aos 15.06.1962 e ELENICE FERREIRA, qualificado nos autos, nascida aos 03.09.1974, dando-os como incursos no artigo 1º, incisos I e II do Decreto-Lei nº 201/1967 combinado com artigo 29 do Código Penal. Consta da denúncia:

"O denunciado JOSÉ ANTONIO PEREIRA CARDOSO, por ocasião da campanha das eleições municipais ocorridas no ano 2000, valendo-se de sua condição de então Prefeito Municipal, da cidade de Ivinhema-MS e contando com a colaboração dos demais denunciados, pessoas cujas atividades dirigiu, apropriou-se de bens públicos da UNIÃO FEDERAL e deles se utilizou indevidamente, em proveito próprio, para fins eleitores.
Tem-se que JOSÉ ANTONIO concorria à reeleição para o cargo de Prefeito Municipal no sufrágio supradito. Conhecedor da rejeição que sofria junto ao eleitorado, JOSÉ ANTONIO ordenou a sua funcionária ANNI JACQUELINE MEURER que fosse ao bairro Triguenã, habitado por pessoas extremamente empobrecidas, a fim de verificar de que forma poderia melhor conquistar os votos de seus moradores.
(...)
Realizada a averiguação mencionada, a constatação foi de que a privação mais sentida pelos moradores era justamente a mais elementar: a de alimentos.
Tão logo os resultados da "pesquisa" foram apresentados a JOSÉ ANTONIO, este chamou o seu assessor ANDRÉ MARCIANO ao gabinete e, ainda na presença de ANNI JACQUELINE, determinou que ele providenciasse gêneros alimentícios para serem distribuídos aos eleitores, com o objetivo de influir na vontade destes.
Ato contínuo, ANDRÉ MARCIANO telefonou para DELVAIR BACCHIEGAS (à época presidente da COMISSÃO MUNICIPAL DE DISTRIBUIÇÃO DE CESTAS BÁSICAS EM IVINHEMA) e o chamou para o local onde estavam. Quando DELVAIR chegou ao gabinete, ANDRÉ MARCIANO (na presença de ANNI JACQUELINE e de JOSÉ ANTONIO) perguntou-lhe se havia sobrado alimentos do PRODEA (Programa de Distribuição de Alimentos). Como respostas, obteve de DELVAIR a informação de que havia sobrado arroz e feijão.
Em seguida, ANDRÉ LAERTE MARCIANO mandou que DELVAIR BACCHIEGAS providenciasse para que os alimentos referidos, provenientes do PRODEA, fossem entregues na casa de ANNI JACQUELINE MEURER, onde deveriam ser preparados para posterior "distribuição" no bairro Triguenã.
Dessarte, DELVAIR agiu conforme ANDRÉ MARCIANO, sob a aquiescência do Prefeito, lhe determinara: fez com que os alimentos oriundos do PRODEA chegassem até a residência de ANNI JACQUELINE. Nesse lugar, acondicionados em sacos plásticos misturados com outras mercadorias adquiridas no comércio local e com material de propaganda eleitoral de JOSÉ ANTONIO, os alimentos tornavam-se "cestas básicas" e de lá seguiam para o bairro de Tirbuenã.
Cumpre mencionar que o PRODEA pertencia ao PROGRAMA COMUNIDADE SOLIDÁRIA. Seu funcionamento dava-se, em síntese, da seguinte forma: o GOVERNO FEDERAL enviava alimentos para um dos depósitos da CONAB (COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO) e esta os repassava às comissões municipais de alimentação de cada cidade. Essas comissões, por sua vez, deviam distribuir os alimentos às pessoas carentes previamente selecionadas e identificadas em base de dados cadastral.
(...)
Conhecedor dos fatos de que as cestas estavam sendo entregues por JOSÉ ANTONIO e por seus cabos eleitorais e de que havia previsão de saída de nova remessa para ser entregue na madrugada do dia 15 de setembro de 2000, aquele Órgão Ministerial requereu ao Juízo da 27ª Vara Zona Eleitoral a abertura de Investigação Judicial (artigo 22 da Lei Complementar 64/90) e a expedição de busca e apreensão a ser cumprido na casa de ANNI JACQUELINE (fls. 07-08/IPL).
(...)
O mandado foi emitido e seu cumprimento, cujo início deu-se já nas primeiras horas daquela data (15 de setembro de 2000), resultou na apreensão de diversos produtos alimentícios, dentre os quais vários daqueles desviados do PRODEA, conforme se verifica no Auto de Busca, Apreensão e Arrombamento de fls. 09-10/IPL.
A partir dessa apreensão, a Delegacia de Polícia Civil de Ivinhema passou a investigar os fatos e, na data de 17 de setembro de 2000, apreendeu vários dos alimentos que haviam sido "ofertados" a três dos eleitores que JOSÉ ANTONIO buscou corromper (Auto de Apreensão às fls. 11/IPL).".

A denúncia foi recebida em 24.06.2005, em relação a JOSÉ ANTONIO PEREIRA CARDOSO, ANDRÉ LAERTE MARCIANO, DELVAIR BACCHIEGAS, OSVALDO CARDOGNA e ELENICE FERREIRA, tendo os autos sido desmembrados no tocante à denunciada ANNI JACQUELINE MEURER (fl. 318).

Processado o feito, sobreveio sentença, da lavra do MM. Juiz Federal José Luiz Paludetto e publicada em 17.05.2012 (fls.800/810 verso 811), que acolheu o pedido do Parquet Federal de exclusão da tipificação descrita no inciso II do artigo 1º do Decreto-Lei nº 261/1967, bem como, absolveu a ré ELENICE FERREIRA, nos termos do art. 386, III do CPP, em razão da atipicidade de conduta, tendo, por fim, condenado JOSÉ ANTONIO PEREIRA CARDOSO à pena de 05 anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, como incurso no art. 1º, I do Decreto-Lei nº 201/1967, ANDRÉ LAERTE MARCIANO à pena de 03 anos e 04 meses de reclusão em regime inicial aberto, como incurso no art. 1º, I do Decreto-Lei nº 201/1967, DELVAIR BACCHIEGAS à pena de 03 anos e 04 meses de reclusão em regime inicial aberto, como incurso no art. 1º, I do Decreto-Lei nº 201/1967 e OSVALDO CARDOGNA à pena de 03 anos de reclusão em regime inicial aberto, como incurso no art. 1º, I do Decreto-Lei nº 201/1967.

As penas privativas de liberdade impostas a ANDRÉ LAERTE MARCIANO, DELVAIR BACCHIEGAS e OSVALDO CARDOGNA foram substituídas por duas penas restritivas de direitos, sendo uma de prestação de serviços à comunidade ou a entidade públicas e a outra de prestação pecuniária, ambas a serem definidas pelo Juízo da Execução.

Foram condenados os réus à perda de cargo e inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação em consonância com o disposto no art. 1º, §2º do Decreto-Lei nº 201/1967.

Apela o Ministério Público Federal (fls. 812 e 825/829 verso), pugnando pela majoração da pena aplicada aos réus JOSÉ ANTÔNIO PEREIRA CARDOSO, ANDRÉ LAERTE MARCIANO, DELVAIR BACCHIEGAS e OSVALDO CARDOGNA, tendo em vista a existência de outros processos criminais em curso em face dos réus, bem como a gravidade do delito. Aduz ainda a impossibilidade de se efetuar a substituição de pena por restritiva de direitos no tocante aos réus ANDRÉ LAERTE MARCIANO, DELVAIR BACCHIEGAS e OSVALDO CARDOGNA, não só ante ao alto grau de culpabilidade dos réus, como também, ante a necessidade de se estabelecer um "exemplo" para a sociedade, em observância à previsão do art. 44, III do Código Penal.

Os réus JOSÉ ANTONIO, ANDRÉ, DELVAIR e OSVALDO CARDOGNA manejam recurso de apelação (fls. 815/816 e 831/840), suscitando, em preliminar a incompetência da Justiça Federal, em razão de ter ocorrido o possível cometimento somente de crime eleitoral, pois não houve a apropriação de alimentos de origem federal para distribuição a moradores do Bairro de Triguenã em Ivinhema/MS. Sustentam a vinculação profissional de ANNI JACQUELINE MEURER ao vereador José Cleto Gonçalves, candidato à reeleição à época dos fatos e que ela teria atuado somente em benefício do então vereador sem conhecimento dos ora apelantes. Alegam também a ocorrência da prescrição intercorrente.

Contrarrazões ministeriais às fls. 842/846 verso pelo desprovimento do recurso dos réus. Contrarrazões dos réus às fls. 859/862, pelo desprovimento do recurso da acusação.

Em parecer, a Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso dos réus e pelo provimento da apelação do Parquet Federal (fls. 867/872).


É o relatório.


À Douta Revisão.



WILSON ZAUHY
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): WILSON ZAUHY FILHO:10067
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Data e Hora: 06/10/2015 17:39:17



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000518-70.2001.4.03.6002/MS
2001.60.02.000518-3/MS
RELATOR : Juiz Federal Convocado WILSON ZAUHY
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : JOSE ANTONIO PEREIRA CARDOSO
: ANDRE LAERTE MARCIANO
: DELVAIR BACCHIEGAS
: OSVALDO CARDOGNA
ADVOGADO : MS003488 LUCILIO DEL GRANDI e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
ABSOLVIDO(A) : ELENICE FERREIRA
No. ORIG. : 00005187020014036002 1 Vr DOURADOS/MS

VOTO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL CONVOCADO WILSON ZAUHY (Relator): JOSÉ ANTONIO PEREIRA CARDOSO, ANDRÉ LAERTE MARCIANO, DELVAIR BACCHIEGAS e OSVALDO CARDOGNA foram denunciados por terem supostamente se apropriado, em proveito próprio, de bens da União oriundos do Programa de Distribuição de Alimentos com intuito de angariar votos de eleitores em situação de carência econômica.

Por r. sentença, o Juízo de primeiro grau condenou JOSÉ ANTONIO PEREIRA CARDOSO à pena definitiva de 05 anos de reclusão no regime inicial semiaberto como incurso no artigo 1º, I do Decreto-Lei nº 201/1967; ANDRÉ LAERTE MARCIANO à pena definitiva de 03 anos e 04 meses de reclusão no regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, uma de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e outra de prestação pecuniária; DELVAIR BACCHIEGAS à pena definitiva de 03 anos e 04 meses de reclusão no regime inicial semiaberto, substituída por duas restritivas de direitos, uma de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e a outra de prestação pecuniária; OSVALDO CARDOGNA à pena definitiva de 03 anos de reclusão, substituída por duas penas restritivas de direitos, uma de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e outra de prestação pecuniária. Foram condenados ainda os réus à perda dos cargos e inabilitação pelo prazo de cinco anos para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, nos termos do art. 1º, §2º do Decreto-Lei nº 201/1967.

Apelam os réus (fls. 831/840), pugnando pelo reconhecimento da preliminar de incompetência da Justiça Federal, tendo em vista a ausência de provas de apropriação de alimentos oriundos do programa do Governo Federal. Aduzem a) o desconhecimento dos réus em relação à conduta de ANNI JACQUELINE MEURER, que era secretária do Vereado José Cleto Gonçalves e agiu somente em seu favor, b) a ocorrência da prescrição intercorrente, considerando a data do recebimento da denúncia e a pena aplicada pela sentença condenatória.

Apela o Ministério Público Federal (fls. 825/829), objetivando: a) majoração da pena-base; b) afastamento da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.


INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL


No tocante à incompetência da Justiça Federal, asseveram os réus não estar comprovada a apropriação de bens da União no caso dos autos, eis que não há evidência de alimentos originários do programa assistencial do governo federal nas cestas básicas apreendidas na casa de ANNI JACQUELINE MEURER.

Contudo, consoante o Auto de Apreensão de fl. 26, foram encontrados nas residências de moradores do bairro Triguenã diversos pacotes de feijão da marca Evita, marca adquirida e repassada pelo Governo Federal ao município de Ivinhema/MS, conforme informação constante do Ofício da CONAB - Companhia Nacional de Abastecimento (fls. 90/98). Destaque-se ainda o depoimento da testemunha Jandira Kochinski da Silva (fl. 197 e fls. 604/605), moradora do bairro carente alvo da distribuição de cestas básicas, tanto perante a autoridade policial quanto perante o Juízo, cujo teor transcrevo a seguir:

"QUE também reconhece nas fotos de fls. 123, 124 e 125 os alimentos que foram entregues em sua casa; (...) QUE embora seja cadastrada no Programa de Distribuição de Cestas Básicas do Governo Federal, afirma com certeza que os alimentos apreendidos em sua residência não foram recebidos nas distribuições que eram realizadas no Ginásio de Esportes desta cidade;"
"Na época recebeu uma cesta básica do Chico da skol (já falecido) e do Osvaldo Cardogna, na verdade eram dois carros entregando cestas básicas na época da campanha. Não lembra mais quem estava no carro de trás. O Osvaldo disse que era uma cesta pequena mas era entregue de coração pelo prefeito José Antonio que não havia nenhum papel na cesta. Confirma seu depoimento prestado na polícia, o qual lhe foi lido nesta oportunidade. Reconhece sua assinatura no depoimento. O produto foi prendido pela polícia na casa da depoente. Alguns itens tinha escrito na embalagem "venda proibida". Por três meses antes da política não estavam mais recebendo as cestas básicas doadas pelo poder público. Os alimentos que recebeu na política eram muitos semelhantes aos quer eram repassados pelo governo antes da política." - fl. 604.

Com efeito, as fotografias reconhecidas pela depoente como de sua residência retratam o recebimento de pacotes de feijão da marca Evita (fls. 126/128). Outrossim, em diligência promovida pela Polícia Federal de Naviraí junto aos donos de supermercados do município de Ivinhema/MS, referida marca nunca foi comercializada por tais estabelecimentos (fls. 111/113), evidenciando a apropriação e o desvio de alimentos oriundos do PRODEA, conduta esta que se enquadra no tipo descrito pelo artigo 1º, I do Decreto-Lei nº 201/1967, crime de competência da Justiça Federal.

Apenas a título ilustrativo, colaciono julgado do C. STJ fixando a competência da Justiça Federal para processamento e julgamento de delito federal ainda que haja indícios da prática de crime eleitoral, confira-se:

"CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. FRAUDE NA OBTENÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO JUNTO AO INSS. CONDUTA QUE SE AMOLDA AO ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. POSSÍVEL OCORRÊNCIA DE CRIME ELEITORAL. APURAÇÃO EM SEDE PRÓPRIA. IMPOSSIBILIDADE DE JULGAMENTO CONJUNTO NA JUSTIÇA ESPECIALIZADA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM FEDERAL FIXADA NA CONSTITUIÇÃO. NÃO APLICAÇÃO DO CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE. 1. Constatada a existência inequívoca da prática do crime previsto no art. 171, § 3º, do Código Penal, consistente no emprego de fraude para a obtenção de benefício previdenciário junto ao INSS, a competência para processar e julgar o delito é da Justiça Federal. 2. Na eventualidade de ficar caracterizado o crime do art. 299 do Código Eleitoral, este deverá ser processado e julgado na Justiça Eleitoral, sem interferir no andamento do processo relacionado ao crime de estelionato, porquanto a competência da Justiça Federal está expressamente fixada na Constituição Federal, não se aplicando, portanto, o critério da especialidade, previsto nos arts. 74, IV, do CPP e 35, II, do Código Eleitoral, circunstância que impede a reunião dos processos na Justiça especializada. Precedentes. 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 3ª Vara da Seção Judiciária do Mato Grosso, o suscitado, para processar e julgar o crime previsto no art. 171, § 3º, do Código Penal, sem prejuízo de ser apurado, em sede própria, eventual crime eleitoral conexo." (CC 200901785142, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, STJ - Terceira Seção, DJE de 31/10/2012).

Destarte, de se rejeitar a suscitação de incompetência da Justiça Federal.

PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE


Concernente à alegação de ocorrência da prescrição intercorrente considerando a pena em concreto, não assiste razão aos réus, pois não houve trânsito em julgado para acusação, dessa forma, a contagem do prazo prescricional dá-se pela pena máxima prevista abstratamente nos termos do art. 110 do Código Penal. In casu, a pena máxima preconizada pelo art. 1º, I do Decreto-Lei nº 201/1967 é de 12 anos, portanto, o prazo prescricional é de 16 anos.

Afastadas as preliminares, passo à análise do mérito recursal.


MATERIALIDADE E AUTORIA


A materialidade e a autoria delitiva dos réus restaram demonstradas pelo Ofício da CONAB (fls. 90/98), diligências realizadas pela Polícia Federal (fls. 111/113 e 126/128), bem assim pelo relato dos fatos nos interrogatórios judiciais e depoimentos testemunhais.

Dentre os interrogatórios, de se ressaltar as declarações do réu DELVAIR BACCHIEGAS às fls. 432/434 e de ELENICE FERREIRA (fls. 527/258):

"Que durante o período da campanha eleitoral, na mesma semana em que se deu a distribuição das cestas básicas da CONAB, foi procurado por Jacqueline que perguntou ao interrogando se teria sobrado algum produto daquela remessa. Que segundo Jacqueline teria sido André Marciano quem a teria mandado até o interrogando Que o interrogando respondeu que haveria sobra de arroz, feijão e fubá mas que não queria se envolver na questão. Que Jacqueline então teria dito que André Marciano queria falar com ele, e o levou até o gabinete do chefe de gabinete do prefeito. Que então André Marciano confirmou com o interrogando a existência da sobra (...) Que depois desta conversa o interrogando deu pela falta de cerca de cem quilos de arroz e cem quilos de feijão oriundos da CONAB." - fl. 433.
"No momento em que iniciou-se essa questão dos produtos, chegando na casa da Jaqueline, vinham do mercado, do supermercado, era até o rapaz quem fazia a entrega, o próprio prazpa do supermercado. Essa questão dos produtos que foram desviados, nós não tínhamos conhecimento de onde vinha esses produtos, eu propriamente não tinha. Se era, sei lá, de cesta básica, que vinha do Governo. Nós não tínhamos esse conhecimento. Tanto que era escrito no feijão: "Venda proibida", e nós não estávamos vendendo o feijão. Nós estávamos doando, entendeu?" - fl. 527

Quanto ao desconhecimento da conduta de Anni Jacqueline (fls. 204/207 e 261/264), afirmado pelos apelantes, tal alegação não se sustenta não só pelo seu depoimento como também de outras testemunhas, em especial Jandira Kochinski da Silva e Jocimara Leandro (fl. 645 mídia eletrônica). Destaco trecho relevante do depoimento de Anni Jacqueline:

"Sabendo que perdia no bairro Triguenã, o indiciado pediu a depoente, que trabalhava no local, que apurasse quais a s necessidades da população dali. A depoente consultou a população e informou o Prefeito sobre a necessidade de, entre outras coisas, alimento. O indiciado chamou o Secretário André Laerte Marciano determinando-lhe que providenciasse o que estivesse faltando nas cestas do Governo Federal reservadas e não distribuídas. O Sr. André comprometeu-se a verificar junto ao Sr. Devair Bachegas, um dos responsáveis pela recepção, conferência e distribuição das cestas básicas aos credenciados pela Prefeitura, no ginásio de esportes, o que faltava nas cestas indevidamente reservadas pelo indiciado. Nessas cestas havia arroz e feijão, sendo que a depoente incumbiu-se de ir ao Supermercado Jumpo (posteriormente Supermercado Fran), em frente à Câmara Municipal, para comprar o restante dos alimentos, No supermercado a depoente levava os alimentos, sendo a nota posteriormente enviada à Prefeitura, que fazia o pagamento. Os alimentos foram levados para a casa da depoente que chegou montar e, em 03 dias, de 400 a 500 cestas básicas, assim que chegaram o feijão e o arroz das cestas federais. Nas embalagens do feijão havia um carimbo constando "venda proibida", produto do Governo Federal. Com o arroz e o feijão, o indiciado mandou também embalagens plásticas lisas para que fosse colocado o arroz, trocando-se a embalagem. A embalagem do feijão não foi trocada. (...) A depoente não participava da distribuição que era feita por André Marciano, Osvaldo Cardogna, Roberto Fróes, Jair Ferro e Valdemar Angelo, todos da comitiva do Prefeito." - fl. 262

De fato, em seu depoimento, Jocimara Leandro afirma que o então prefeito JOSÉ ANTONIO PEREIRA CARDOSO chegou a frequentar a casa de ANNI JACQUELINE MEURER a fim de verificar a montagem das cestas básicas, denotando seu conhecimento da distribuição de alimentos oriundos do PRODEA em seu nome.

Portanto, comprovadas a autoria e a materialidade delitiva, é de ser mantida a condenação.


DOSIMETRIA DA PENA


Em relação ao réu JOSÉ ANTONIO PEREIRA CARDOSO, o Magistrado a quo considerou, na primeira fase, o elevado grau de reprovabilidade da conduta praticada, a existência de diversos processos criminais em curso em desfavor do réu (fls. 241/243, 451/453, 463, 468/469, 694, 703/708, 715/716 e 729/732), as consequências e circunstâncias do crime, assim, fixou a pena-base em 03 anos de reclusão, isto é, em ½ acima do mínimo. Na segunda fase, reconheceu a existência de circunstâncias agravantes em conformidade com o art. 61, II, letras b e g, do Código Penal, isto é, praticar ato com intuito de assegurar a execução de outro crime (art. 299 do Código Eleitoral), bem como, com abuso de poder e violação de dever inerente ao cargo; e art. 62, incisos I e II, do Código Penal, em razão de sua atuação como organizador das atividades dos demais agentes e pelo papel do réu em induzir as outras pessoas à execução do delito, culminando em aumento da pena-base em 2/3. Na terceira fase, não houve apuração de causas de aumento ou de diminuição, logo, a pena definitiva restou fixada em 05 anos, com regime inicial semiaberto, sem a possibilidade de substituição por pena restritiva de direito a teor do art. 44 do Código Penal.

No tocante aos réus ANDRÉ LAERTE MARCIANO, DELVAIR BACCHIEGAS e OSVALDO CARDOGNA, o Juízo a quo igualmente ponderou na primeira fase, o elevado grau de reprovabilidade da conduta praticada, a existência de diversos processos criminais em curso em desfavor dos réus (fls. 447, 464, 697, 712/713, 719 e 726; 449/450, 465, 695, 717 e 728; 443/444, 466, 696, 709/711, 718 e 727), as consequências e circunstâncias do crime, com a fixação da pena-base em 02 anos e 08 meses de reclusão, assim, em 1/3 acima do mínimo.

Na segunda fase, ponderou o Juízo a quo em relação ao réu ANDRÉ LAERTE MARCIANO, a existência de agravantes previstas no art. 61, II, b do Código Penal, a prática de ato objetivando a execução de outro crime (crime eleitoral do art. 299 do Código Eleitoral), e no art. 62, I do Código Penal, pelo papel do réu como chefe de gabinete do Prefeito Municipal. O aumento da pena foi fixado em 2/6, não havendo, na terceira fase, causas de aumento ou de diminuição, a pena definitiva quedou-se em 03 anos e 04 meses de reclusão. A pena foi substituída por duas restritivas de direito, prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e prestação pecuniária a serem determinadas pelo Juízo da Execução.

No tocante ao réu DELVAIR BACCHIEGAS, o magistrado a quo considerou a existência das agravantes descritas no art. 61, II, letras b e g, do Código Penal, quais sejam, praticar ato com intuito de assegurar a execução de outro crime (art. 299 do Código Eleitoral), bem como, com abuso de poder e violação de dever inerente ao cargo (Presidente da Comissão de Alimentação), resultando em aumento de 2/6. Não houve aplicação de causas de aumento e de diminuição, assim, a pena definitiva foi arbitrada em 03 anos e 04 meses de reclusão. A pena foi substituída por duas restritivas de direito, prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e prestação pecuniária a serem determinadas pelo Juízo da Execução.

Por fim, concernente ao réu OSVALDO CARDOGNA, o Juízo a quo reconheceu a incidência da agravante prevista pelo art. 61, II, b, do Código Penal, pois a atuação do réu teve como finalidade assegurar a prática de outro crime (art. 299 do Código Eleitoral), redundando em aumento de 1/6 da pena. Sem a constatação de existência de causas de aumento ou de diminuição na terceira fase da dosimetria, a pena definitiva foi fixada em 03 anos de reclusão. A pena foi substituída por duas restritivas de direito, prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e prestação pecuniária a serem determinadas pelo Juízo da Execução.


PRIMEIRA FASE


Da análise das circunstâncias judiciais em conformidade com o art. 59 do Código Penal, impende considerar que a existência de processos penais e inquéritos em curso não é suficiente para atestar personalidade do réu voltada para o crime e, dessa forma, não pode ser computada como motivação para exasperação da pena-base. Nesse sentido, o C. STJ já editou a Súmula nº 444, observe-se nos arestos transcritos a seguir:

DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. FURTO SIMPLES. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. VALOR SUPOSTAMENTE REDUZIDO DA RES FURTIVA (BICICLETA AVALIADA EM R$ 150,00). DOSIMETRIA DA PENA. FIXAÇÃO DA PENA BASE. FUNDAMENTAÇÃO ABSTRATA E GENÉRICA. ART. 59 DO CP. 1. Segundo a novel orientação desta Corte Superior, ratificada pela Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não se conhece de habeas corpus impetrado em substituição ao cabível recurso constitucional. 2. A inadequação da via eleita, todavia, não desobriga esta Corte Superior de fazer cessar manifesta ilegalidade que resulte no cerceamento do direito de ir e vir do paciente. 3. O denominado princípio da insignificância, como causa supralegal de exclusão da tipicidade, só tem aplicação quando preenchidos os seguintes requisitos: (i) mínima ofensividade da conduta perpetrada pelo agente; (ii) ausência de periculosidade social da ação; (iii) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 4. Na hipótese dos autos, não se pode afirmar sequer ser reduzido o valor da res furtiva (bem avaliados à época em R$ 150,00). 5. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que a afirmações como "a culpabilidade foi intensa", "a conduta social se apresenta indigna", "a personalidade do agente é voltada para o crime" ou "a circunstância é reprovável", quando desacompanhadas de maiores considerações, não se revelam suficientes a autorizar o aumento de pena realizado na primeira etapa da dosimetria, uma vez que se tratam de argumentos vagos, genéricos, desprovidos de qualquer elemento concreto que evidencie, de fato, a elevada reprovação social que o crime e o seu autor merecem pela conduta delituosa praticada. 6. De igual modo, o entendimento pacificado neste Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a existência de inquéritos ou ações penais em andamento não maculam o réu como portador má conduta social e nem de possuidor de personalidade voltada para a prática de delitos. Inteligência do enunciado sumular n.º 444/STJ: "É vedada a utilização de inquéritos policiais e de ações penais em curso para agravar a pena-base". 7. In casu, verificada a inadequação da análise das mencionadas circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, e considerando que, com exceção dos antecedentes criminais (por possuir o paciente, quando da data dos fatos delituosos, condenação já transitada em julgado por crime diverso e que não fora considerada para para configuração da reincidência) todas elas remanescem favoráveis ao paciente, merece ser reformada a sentença condenatória nesse ponto, reduzindo-se a pena-base do paciente a 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e 20 (vinte) dias-multa. 8. Writ não conhecido. Ordem de habeas corpus concedida de ofício, apenas para reduzir a pena-base imposta ao paciente, tornando sua reprimenda definitiva em 1 ano e 4 meses de reclusão e pagamento de 20 dias-multa. (HC 201102464947, Rel. Des. Convocada Alderita Ramos de Oliveira, STJ - Sexta Turma, DJE de 01/03/2013).
HABEAS CORPUS. GESTÃO TEMERÁRIA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO CONTRA OS CONTROLADORES DO BANCO LESADO BUSCANDO A REPARAÇÃO DOS PREJUÍZOS CAUSADOS. PACIENTE QUE NÃO FIGURAVA NO PÓLO PASSIVO DA DEMANDA. IRRELEVÂNCIA. OBJETO DISTINTO DA AÇÃO PENAL. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS CÍVEL E CRIMINAL. RESPONSABILIDADE PENAL RECONHECIDA PELO TRIBUNAL COMPETENTE. PRETENDIDA CONCLUSÃO PELA AUSÊNCIA DE DOLO. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE NA VIA ELEITA. COAÇÃO NÃO EVIDENCIADA. 1. Este Superior Tribunal tem entendimento consolidado no sentido da independência entre as esferas cível e criminal, somente mostrando-se relevante eventual absolvição no juízo penal diante do reconhecimento da não ocorrência do fato ou da negativa de autoria, inocorrentes na espécie. 2. O fato de o paciente não constar como réu de ação civil pública proposta pelo Ministério Público buscando a reparação dos prejuízos causados ao banco vítima do delito de gestão temerária em que foi condenado é irrelevante ao Direito Penal. 3. Tendo o juízo natural da causa reconhecido a responsabilidade criminal do paciente pelos atos de gestão temerária narrados na denúncia, conclusão diversa implicaria no reexame da prova coletada durante da instrução criminal na ação penal originária, providência inviável na via eleita. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CULPABILIDADE. CONSIDERAÇÃO NEGATIVA COM BASE EM ELEMENTAR DO TIPO. ILEGALIDADE. INQUÉRITOS POLICIAIS E AÇÕES PENAIS EM ANDAMENTO. SOPESAMENTO PARA A ELEVAÇÃO DA REPRIMENDA NA PRIMEIRA ETAPA DA DOSIMETRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 444 DESTE STJ. CONSEQUÊNCIAS DO DELITO. PREJUÍZO PARA A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. FUNDAMENTO IDÔNEO. CONSTRANGIMENTO EM PARTE DEMONSTRADO. SANÇÃO REDIMENSIONADA. 1. Somente pode ser sujeito ativo do crime de gestão temerária de instituição financeira a pessoa que pode geri-la, de modo que inviável considerar elevada a culpabilidade do agente somente por conta desse fator, já que ínsito ao tipo penal violado. 2. Consoante orientação já sedimentada nesta Corte Superior, inquéritos policiais ou ações penais em andamento, ou mesmo condenações ainda não transitadas em julgado, não podem ser levados à consideração de maus antecedentes, má conduta social ou personalidade desajustada para a elevação da pena-base, em obediência ao princípio da presunção de não-culpabilidade. Exegese da Súmula 444 deste STJ.
(...) (HC 201100222973, Rel. Min. Jorge Mussi, STJ - Quinta Turma, DJE de 01/03/2013).

Por outro lado, da análise das demais circunstâncias judiciais previstas pelo art. 59 do Código Penal, verifica-se a intensa culpabilidade e a grave conduta social dos réus JOSÉ ANTONIO PEREIRA CARDOSO, ANDRÉ LAERTE MARCIANO e DELVAIR BACCHIEGAS, que ao ocuparem cargo público de alta relevância, incidiram em conduta que caracteriza quebra de confiança da Administração, atentando contra princípios administrativos e deveres de honestidade, legalidade e lealdade às instituições. A conduta é especialmente grave quando praticada por agentes a quem o Estado e o eleitorado confiaram a administração da coisa pública e a defesa do interesse e patrimônio público. Ademais, ainda que se desconsidere os cargos públicos dos réus, militam contra eles e contra o réu OSVALDO CADOGNA as circunstâncias e consequências do delito, que importou em desvio de alimentos destinados à população carente, em prejuízo de programa social do governo federal, o que por si é suficiente para justificar a fixação da pena-base acima do mínimo legal nos termos da r. sentença, que se mostra adequada e suficiente, não havendo falar em sua majoração.

Portanto, mesmo desconsiderando-se inquéritos policiais ou ações penais, em andamento, as demais circunstâncias do artigo 59 do Código Penal autorizam a fixação da pena-base exasperada, que mantenho.


SEGUNDA FASE


A pena-base de JOSÉ ANTONIO PEREIRA CARDOSO sofreu aumento tendo em vista a incidência de quatro agravantes que devem ser mantidas:

1) art. 61, II, b do Código Penal: a conduta de se apropriar de alimentos oriundos de programa social do Governo Federal teve intuito de assegurar a prática do crime preconizado pelo art. 299 do Código Eleitoral, a compra de votos por meio da entrega de cestas básicas;

2) art. 61, II, g do Código Penal: o abuso de poder e violação de dever restaram caracterizados, visto que o réu valeu-se de sua posição de autoridade para a concretização do delito;

3) art. 62, I do Código Penal: o então Prefeito Municipal organizou e dirigiu a atividade dos demais réus na apropriação e desvio dos alimentos do PRODEA.

4) art. 62, II do Código Penal: o réu JOSÉ ANTONIO PEREIRA CARDOSO teve a iniciativa de apurar as necessidades da população, e, posteriormente, averiguar a existência de sobras das cestas básicas originárias do PRODEA para enviá-las aos moradores do bairro carente de Triguenã.

Destarte, mantenho o aumento da pena em 2/3, totalizando a pena em 05 anos.

No que tange a pena-base de ANDRÉ LAERTE MARCIANO, incidiram as agravantes:

1) Do art. 61, II, b do Código Penal: a conduta de se apropriar de alimentos oriundos de programa social do Governo Federal teve intuito de assegurar a prática do crime preconizado pelo art. 299 do Código Eleitoral, a compra de votos por meio da entrega de cestas básicas;

2) Do art. 62, I do Código Penal: como chefe de Gabinete do Prefeito Municipal, o réu teve participação ativa na organização do desvio dos alimentos.

Logo, mantido o aumento da pena em 2/6, totalizando em 3 anos, 06 meses e 20 dias, ao contrário do constante na r. sentença (3 anos e 4 meses) que incorreu em evidente erro material.

Em relação ao réu DELVAIR BACCHIEGAS, foram computadas as agravantes:

1) Do art. 61, II, b, do Código Penal: a conduta de se apropriar de alimentos oriundos de programa social do Governo Federal teve intuito de assegurar a prática do crime preconizado pelo art. 299 do Código Eleitoral, a compra de votos por meio da entrega de cestas básicas;

2) Do art. 61, II, g, do Código Penal: o abuso de poder e violação de dever restaram caracterizados, visto que o réu valeu-se de sua posição como Presidente da Comissão de Alimentos para a consumação do crime.

Portanto, de se manter o aumento da pena em 2/6, que equivale a 03 anos, 06 meses e 20 dias, e não 03 anos e 04 meses como fixou a r. sentença em claro erro material.

Por fim, concernente ao réu OSVALDO CARDOGNA, foi reconhecida a existência da agravante prevista pelo art. 61, II, b do Código Penal, que deve ser mantida eis que a apropriação e desvio dos alimentos objetivou a prática do delito do art. 299 do Código Eleitoral, assim, mantenho o aumento de 1/6 da pena, que resulta em pena de 03 anos, 01 mês e 10 dias, ao contrário do determinado pela r. sentença em evidente erro material (3 anos).


TERCEIRA FASE


Não há causas de aumento ou de diminuição a serem consideradas no caso em tela.

SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS


Para fins de aferição da possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, devem ser avaliados os requisitos objetivos do art. 44, incisos I e II, do Código Penal e os requisitos subjetivos do art. 44, III, do Código Penal. Os quesitos subjetivos reportam às circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, por conseguinte, na hipótese de o magistrado considerar a existência de diversas condições desfavoráveis, há de ser afastada a substituição de pena.

Nessa toada tem decidido o C. STF e esta E. Corte, observe-se:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 1º, II, DA LEI 8.137/90). CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. FIXAÇÃO DA PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. POSSIBILIDADE. DOSIMETRIA DA PENA. ANÁLISE NA VIA DO HABEAS CORPUS. IMPOSSIBILIDADE. APRECIAÇÃO DOS REQUISITOS DA CONTINUIDADE DELITIVA. VEDAÇÃO. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE IGUAL OU INFERIOR A 4 (QUATRO) ANOS. REGIME INICIAL ABERTO (ART. 33, § 2º, C, DO CP). CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. IMPOSIÇÃO DE REGIME MAIS GRAVOSO. POSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR OUTRA RESTRITIVA DE DIREITOS. VEDAÇÃO. ORDEM DENEGADA.
(...)
8. A valoração negativa das circunstâncias judiciais elencadas no artigo 59 do Código Penal obsta a substituição da pena privativa de liberdade por outra restritiva de direitos. Precedentes: RHC 118.405, Segunda Turma, Relator o Ministro Teori Zavascki, DJe de 27.02.14; HC 114.171, Segunda Turma, Relator o Ministro Teori Zavascki, DJe de 04.10.13; RHC 115.227, Primeira Turma, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe de 14.08.13; RHC 114.715, Primeira Turma, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe de 08.08.13. 9. Ordem denegada, prejudicado o pedido de reconsideração da decisão que indeferiu a medida liminar.(STF, HC 121548, Rel. Min. Luiz Fux)
HABEAS CORPUS. PENAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL (ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL). DOSIMETRIA DA PENA. AFERIÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ART. 59 DO CP. INVIABILIDADE. REPRIMENDA MAIOR DO QUE A FIXADA À CORRÉ. PARTICULARIDADES ENVOLVIDAS. INCIDÊNCIA DA AGRAVANTE DO ART. 62, I, DO CP. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. CONTINUIDADE DELITIVA. AUMENTO DE 2/3. FRAÇÃO FUNDAMENTADA NA DURAÇÃO DO PERÍODO DELITUOSO E NO NÚMERO DE CONDUTAS. POSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NEGATIVAS. NÃO CUMPRIMENTO DO REQUISITO SUBJETIVO PREVISTO NO ART. 44, III, DO CP. PRISÃO DOMICILIAR. QUESTÃO NÃO EXAMINADA NO ACÓRDÃO ATACADO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO (ART. 66, V, "G", DA LEP). ORDEM DENEGADA. 1. Não é viável, na via estreita do habeas corpus, o reexame dos elementos de convicção considerados pelo magistrado sentenciante na avaliação das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal. O que está autorizado é apenas o controle da legalidade dos critérios utilizados, com a correção de eventuais arbitrariedades. No caso, entretanto, não se constata qualquer vício apto a justificar o redimensionamento da pena-base. Precedentes. 2. As particularidades consideradas na dosimetria da pena do paciente justificam uma sanção maior do que a fixada à corré. 3. Incidência da agravante prevista no art. 62, I, do Código Penal devidamente motivada, circunstância que não se confunde, no caso, com os aspectos considerados para a exasperação da pena-base em razão da elevada culpabilidade do paciente (art. 59 do CP). 4. O período de duração e o número de condutas delituosas são circunstâncias que permitem um aumento na maior fração (2/3), decorrente da continuidade delitiva. Precedentes. 5. Não é viável proceder à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, pois, embora preenchido o requisito objetivo previsto no inciso I do art. 44 do Código Penal, as instâncias ordinárias concluíram, com observância das balizas fixadas no art. 44, III, do CP, que a substituição da pena privativa de liberdade não se revela adequada na espécie, mormente em face da existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis. Precedentes. 6. O mero receio de que o paciente será recolhido à cadeia pública por falta de estabelecimento prisional adequado ao regime aberto não lhe garante o recolhimento domiciliar, questão, aliás, não examinada no acórdão ora atacado, de modo que o seu conhecimento por esta Corte implicaria supressão de instância, o que não é admitido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Cabe ao juízo da execução a fiscalização do correto e adequado cumprimento da reprimenda imposta na sentença, nos termos do art. 66, V, "g", da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal), não sendo o caso de esta Corte antecipar-se ao juízo competente. 7. Ordem denegada.(STF, HC 117719, Rel. Min. Teori Zavascki).
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE. EX-PREFEITO MUNICIPAL. CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DO ARTIGO 1º, INCISO I, CUMULADO COM §§ 1º E 2º DO DECRETO-LEI 201/67 E ARTIGO 29 DO CÓDIGO PENAL. AUTORIA E CO-AUTORIA. MATERIALIDADE E DOLO. COMPROVADOS. ABSOLVIÇÃO DA PRÁTICA DOS DELITOS PREVISTOS NOS INCISOS II E II DO MESMO DISPOSITIVO LEGAL. POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. DOSIMETRIA DA PENA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. CULPABILIDADE E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. PENA-BASE MAJORADA EM 1/3. REGIME INICIAL SEMIABERTO. INABILITAÇÃO PELO PRAZO DE 5 ANOS PARA O EXERCÍCIO DE CARGO OU FUNÇÃO PÚBLICA, ELETIVO OU DE NOMEAÇÃO. EFEITO DA CONDENAÇÃO. APELAÇÃO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDA. I -Tratando-se de verbas oriundas de convênio com a União e, em consequência, sujeitas à prestação de contas perante órgão federal, a competência para o julgamento do feito é da Justiça Federal, nos termos da Súmula 208 do STJ. II - É admissível a co-autoria e a participação de terceiros nos crimes de responsabilidade de prefeitos e vereadores previstos no Decreto-lei 201/67. Precedentes do STJ. III - A extinção do mandato do Prefeito, segundo a jurisprudência mais recente do S.T.F., não é obstáculo à propositura de ação penal, por crime previsto no art. 201/67. Precedentes. IV - Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público Federal contra a sentença que julgou improcedente o pedido da denúncia para, com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, absolver Getúlio Ribas da acusação da prática dos delitos previstos no artigo 1º, incisos I, II e III, do Decreto-lei n.º 201/67, e Darlan Luiz da Silva da prática do delito previsto no artigo 1º, inciso I, do Decreto-lei n.º 201/67. V - A materialidade delitiva está comprovada em razão da inexecução do plano original do convênio n.º 4805/94, celebrado em 30.12.1994, entre a Prefeitura Municipal de Costa Rica/MS, na época administrada pelo ora apelado e então prefeito, Getúlio Ribas, e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, cujo objetivo era a ampliação e reforma de escolas municipais e a compra de equipamentos para as mesmas, pelo relatório de inspeção do MEC (fls. 398/411), tomada de Contas Especial do TCU (fls. 561/562) e Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul (fls. 557/560). VI - Autoria comprovada pelos interrogatórios judiciais dos acusados e depoimento das testemunhas, em juízo. VII - Não merece guarida a tese aventada pela defesa dos apelados, no sentido de que as obras, ainda que com atraso, foram concluídas. Isso porque só restou comprovada nos autos a conclusão da reforma da escola Joaquim Faustino Rosa, não existindo qualquer outra prova a respeito da conclusão das reformas e ampliações das demais escolas constantes do convênio n.º 4805/94. VIII - Ademais, para a configuração do tipo penal, basta que haja o emprego de recurso em desacordo com os fins a que se destinava, até porque se trata de crime que se consuma com a mera conduta prevista na lei. É que o bem jurídico tutelado, na espécie, é a regularidade da administração pública. A probidade administrativa é o mais importante conteúdo do princípio da moralidade pública. IX - No tocante à utilização indevida de verbas públicas decorrente da aquisição dos materiais de forma não prevista no convênio (inciso II, do art. 1º, do Decreto-Lei 201/67); bem como a aplicação indevida de rendas públicas, decorrente do desaparecimento de alguns dos bens adquiridos (inciso III, do art. 1º, do Decreto-Lei 201/67), delitos esses que sequer foram analisados pela sentença apelada, entendo não existirem provas produzidas em Juízo, suficientes para corroborar aquelas produzidas em sede administrativa, quais sejam: relatório de inspeção do MEC (fls. 398/411), tomada de Contas Especial do TCU (fls. 561/562) e Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul (fls. 557/560), vez que o apelado não foi indagado a esse respeito em seu interrogatório judicial e as testemunhas nada sabiam dizer a respeito da aquisição de tais materiais. Por tal razão, Getúlio Ribas deve ser absolvido dos delitos previstos no art.1º, incisos II e III, do Decreto-Lei 201/67, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal. X - Pena-base de ambos os acusados majoradas de 1/3 (um terço) em razão de duas circunstâncias judiciais desfavoráveis, previstas no art. 59 do Código Penal, quais sejam, culpabilidade e consequências do crime. XI - Deve ser fixado o regime inicial semiaberto para o cumprimento das penas, não obstante a quantidade da pena fixada aos acusados, nos termos do art. 33, § 2º, "c", do Código Penal, vez que existem duas circunstâncias judiciais desfavoráveis (culpabilidade e consequências do crime), nos termos do art. 59 do Código Penal, que autorizam a fixação de regime mais gravoso. XII - Da mesma forma, apesar de a pena definitiva ter sido fixada abaixo de quatro anos de reclusão, as circunstâncias judiciais desfavoráveis não autorizam a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, nos termos do art. 44, inciso III, do Código Penal. XIII - Considerando que o apelado Getúlio Ribas já foi cassado do cargo de prefeito, em 05 de dezembro de 2000, desnecessária a aplicação da pena acessória de perda do cargo. Entretanto, deve ser aplicada a ambos os acusados a pena de inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, com fundamento no § 2º, do artigo 1º, do Decreto 201/67 ACÓRDÃO(ACR 00007721520024036000, Rel. Des. Fed. José Lunardelli, TRF3 - Décima Primeira Turma, e-DJF3 Judicial 1 de 10/11/2014).

No caso em tela, as penas-base dos réus ANDRÉ LAERTE MARCIANO, DELVAIR BACCHIEGAS e OSVALDO CARDOGNA foram exasperadas porquanto a culpabilidade, as circunstâncias e consequências do crime foram consideradas graves, portanto, de se reformar a r. sentença condenatória neste tocante, a fim de afastar a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito.


REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA


Em relação ao réu JOSÉ ANTONIO PEREIRA CARDOSO, mantenho o regime inicial semiaberto para cumprimento da pena, em observância ao art. 33, §2º, b do Código Penal.

No que tange aos réus ANDRÉ LAERTE MARCIANO, DELVAIR BACCHIEGAS e OSVALDO CARDOGNA, à míngua de recurso da acusação, mantenho o regime inicial de cumprimento da pena aberto.


DA PERDA DO CARGO E INABILITAÇÃO POR CINCO ANOS - §2º, DO ART. 1º DO DECRETO-LEI Nº 201/1967


De rigor a manutenção da perda dos cargos e da inabilitação pelo prazo de cinco anos para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação em relação a todos os réus, ainda que o mandato do réu JOSÉ ANTONIO PEREIRA CARDOSO tenha sido cassado.


A propósito, colaciono julgado do C. Superior Tribunal de Justiça:


"PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE DE PREFEITO MUNICIPAL. ART. 1º, § 2º, DO DECRETO-LEI 201/67. PERDA DO CARGO E INABILITAÇÃO, PELO PRAZO DE CINCO ANOS, PARA O EXERCÍCIO DE CARGO OU FUNÇÃO PÚBLICA, ELETIVO OU DE NOMEAÇÃO. EFEITO DA CONDENAÇÃO. INAPLICABILIDADE DA LEI 7.209/84. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. A perda do cargo e a inabilitação, pelo prazo de 5 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, é efeito da condenação de prefeito municipal por crime de responsabilidade previsto no art. 1º do Decreto-Lei 201/67, sendo, portanto, de aplicação obrigatória.
2. "Em razão do princípio da especialidade, a incidência das normas do Decreto-Lei nº 201/67 não foi afetada pela edição da Lei nº 7.209/84 - que aboliu as penas acessórias -, a qual se aplica somente aos dispositivos do Código Penal" (REsp 239.187/SP, Rel. Min. GILSON DIPP, Quinta Turma, DJ 4/2/02). 3. Recurso provido." (Resp 200501062031 - Rel. Min. Arnando Esteves Lima DJ 07/02/2008).

Ante o exposto, nego provimento à apelação dos réus e dou parcial provimento à apelação do Parquet Federal, apenas para afastar a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito e, de ofício, corrijo o erro material na sentença referente às penas definitivas, mantendo a condenação de JOSÉ ANTONIO CARDOSO pela prática do delito constante no art. 1º, I do Decreto-Lei nº 201/1967 à pena de 05 anos de reclusão, no regime semiaberto, perda de cargo e inabilitação pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, com fundamento no § 2º, do artigo 1º, do Decreto 201/67; de ANDRÉ LAERTE MARCIANO, pela prática do delito constante no art. 1º, I do Decreto-Lei nº 201/1967 à pena de 03 anos, 06 meses e 20 dias de reclusão, no regime aberto, perda de cargo e inabilitação pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, com fundamento no § 2º, do artigo 1º, do Decreto 201/67, de DELVAIR BACCHIEGAS pela prática do delito constante no art. 1º, I do Decreto-Lei nº 201/1967 à pena de 03 anos, 06 meses e 20 dias de reclusão, no regime aberto, perda de cargo e inabilitação pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, com fundamento no § 2º, do artigo 1º, do Decreto 201/67 e de OSVALDO CARDOGNA pela prática do delito constante no art. 1º, I do Decreto-Lei nº 201/1967 à pena de 03 anos, 01 mês e 10 dias, no regime aberto, perda de cargo e inabilitação pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, com fundamento no § 2º, do artigo 1º, do Decreto 201/67.


É o voto.


WILSON ZAUHY
Juiz Federal Convocado


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