Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 02/12/2015
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001202-04.2011.4.03.6112/SP
2011.61.12.001202-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : WAGNER DE CARVALHO
ADVOGADO : SP270746B ELISÂNGELA APARECIDA DOS SANTOS e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00012020420114036112 3 Vr PRESIDENTE PRUDENTE/SP

EMENTA

PENAL - ART. 273, § 1º-B, INC. I, DO CÓDIGO PENAL - IMPORTAÇÃO DE REMÉDIOS PROIBIDOS SEM REGISTRO NA ANVISA - INCONSTITUCIONALIDDE DO PRECEITO SECUNDÁRIO DA NORMA - AFASTAMENTO - MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO - COMPROVAÇÃO - ERRO DE PROIBIÇÃO, ERRO DE ILICITUDE E EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - AFASTAMENTO - IMPROVIMENTO DO RECURSO DO OUTRO RÉU.
1. No que diz com a alegação de inconstitucionalidade veiculada no recurso, observa-se que esta E. Quinta Turma suscitou arguição de inconstitucionalidade nos autos da ação penal nº 0000793-60.2009.4.03.6124, com fulcro no artigo 97, da Constituição Federal e artigo 11, parágrafo único, "g", c/c artigos 173 e 174, do Regimento Interno desta C. Corte, em razão de eventual transgressão do princípio da razoabilidade quanto à pena mínima cominada ao tipo penal do artigo 273, §1º-B, do Código Penal. Contudo, em sessão realizada em 14 de agosto de 2013, o C. Órgão Especial desta Corte Regional rejeitou a referida arguição de inconstitucionalidade, em processo de relatoria do Excelentíssimo Desembargador Federal Márcio Moraes, por entender que o rigor da pena justifica-se pela própria natureza do bem jurídico tutelado, qual seja, a saúde pública, além da elevada potencialidade lesiva da conduta tipificada, as quais foram devidamente sopesadas pelo legislador.
2. A materialidade delitiva está comprovada nos autos, diante do Auto de Apresentação e Apreensão e Laudo de Exame de Produto Farmacêutico.
3.O laudo indica que os medicamentos apreendidos e submetidos a exame são de origem paraguaia consignando que nenhum dos medicamentos analisados possui registro junto à Anvisa, sendo proibida a sua comercialização no Brasil e o seu uso em todo o território nacional.
4. A autoria delitiva é incontroversa, já que o acusado transportava os medicamentos sem registro no órgão de vigilância sanitária, conforme depoimentos dos policiais federais que realizaram revista nos pertences transportados pelo réu.
5. Não prevalecem as excludentes lançadas na defesa, porquanto as provas bem demonstram a ciência por parte do réu acerca do transporte do medicamento de introdução proibida no território nacional, não havendo falar-se em ausência de dolo, mesmo porque não foi a primeira vez que o acusado realizou o transporte proibido de mercadorias via travessia de fronteira, segundo confessou.
6. A dosimetria da pena não merece reparo.
7. Não se aplica no caso o princípio da insignificância, uma vez reconhecida a finalidade comercial da mercadoria, considerando-se o bem jurídico protegido pela norma.
8.Improvimento do recurso.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 24 de novembro de 2015.
RENATO TONIASSO
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001202-04.2011.4.03.6112/SP
2011.61.12.001202-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : WAGNER DE CARVALHO
ADVOGADO : SP270746B ELISÂNGELA APARECIDA DOS SANTOS e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00012020420114036112 3 Vr PRESIDENTE PRUDENTE/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta por Wagner de Carvalho contra a r. sentença (fls. 220/225) que, julgando procedente a denúncia, o condenou ao cumprimento das penas de 1 ano e 8 meses de reclusão, em regime aberto, como incurso no art.334, do Código Penal.

A pena privativa de liberdade foi substituída por perda de bens e valores (valor de R$2.000,00 de fiança prestada) e prestação de serviços à comunidade ou à entidades públicas pelo prazo de duração da pena corporal, a ser designada pelo MMº Juízo das Execuções.

Narra a denúncia que, "no dia 24 de fevereiro de 2011, na Rodovia Assis Chateaubriand - SP 425, em Presidente Prudente/SP, policiais militares, em fiscalização desencadeada pela denominada "Operação Divisa", realizaram a abordagem do veículo Fiat/Tempra, placas CKZ-4090, constatando que Wagner, agindo com consciência e vontade, adquiriu, recebeu, importou de modo clandestino, com finalidade comercial, 200 (duzentos) comprimidos do medicamento denominado "Pramil", conforme Auto de Apresentação e Apreensão de fl.06.

Apurou-se que Wagner de Carvalho deslocou-se até o Paraguai, onde efetuou a aquisição do medicamento Pramil apreendido, tendo ainda procedido a importação clandestina deste, o qual não possui registro no órgão de vigilância sanitária, não podendo ser importado e comercializado no território nacional, nos termos dos arts. 2, 10 e 12 da Lei 6.360/76.

O medicamento denominado Pramil, que tem o mesmo princípio ativo do Viagra, o sildenafil, é produzido pelo laboratório Paraguai Novophar, o qual não tem registro na ANVISA, e por esta razão, a Resolução RE 766, de 06 de maio de 2002 e Resolução RE nº 2997/2006, determinaram a apreensão do produto em território nacional, não podendo ser internado ou comercializado no país.

Deste modo, bem caracterizado que Wagner de Carvalho importou o medicamento Pramil, o qual não possui registro no órgão de vigilância sanitária, o que sempre é exigível quando presente finalidade comercial, o que resulta claro na hipótese dos autos, em face de grande quantidade, aliada ao relato das testemunhas que afirmaram que os medicamentos seriam revendidos em Franca, conforme versão apresentada pelo denunciado.

Ante o exposto, o Ministério Público Federal denuncia a esse Juízo Wagner de Carvalho como incurso nos arts. 273, §1º-B, inc. I, do Código Penal (...)".


O Laudo de Exame de Produtos Farmacêuticos atestou que os medicamentos analisados não são registrados na ANVISA, de forma que sua comercialização e distribuição ao uso são proibidas (fls. 73/77).

A denúncia foi recebida em 26 de abril de 2011 (fl.68).

Sobreveio a sentença condenatória que aplicou a emendatio libelli em relação à conduta, reclassificando-a para o crime imputado ao réu somente aquele descrito no art. 344, do Código Penal.

Consignou o magistrado que as penas do art. 273 devem ser reservadas somente para aquelas graves condutas em que a falsificação, adulteração e alteração de remédios/medicamentos/produtos/substâncias coloquem em risco concreto a saúde das pessoas, por conta de ineficácia terapêutica, o que não é o caso dos autos, já que o laudo pericial não apontou qualquer tipo de ineficácia terapêutica da medicação apreendida.

Da sentença condenatória apela o réu, conforme razões de fls. 256/263, com os seguintes argumentos:

1. Não está comprovado o dolo da conduta;

2. O acusado não tinha intenção de lesar a coletividade, já que não visava ao comércio, exigência do tipo penal;

3. Ausência do elemento do tipo que gera a atipicidade da denúncia incidindo o erro de proibição, ausente a ciência do caráter ilícito da conduta;

4. No presente caso deve ser observado o princípio da irrelevância penal do fato, devendo ser absolvido;

Contrarrazões de apelação pelo Ministério Público Federal (fls. 277/280) propugnam pelo improvimento do recurso.

Parecer do Ministério Público Federal opina pelo desprovimento do recurso (fls. 282/284).

É o relatório.

Feito sujeito à revisão.


RENATO TONIASSO
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001202-04.2011.4.03.6112/SP
2011.61.12.001202-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : WAGNER DE CARVALHO
ADVOGADO : SP270746B ELISÂNGELA APARECIDA DOS SANTOS e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00012020420114036112 3 Vr PRESIDENTE PRUDENTE/SP

VOTO

A denúncia imputou ao réu a prática da conduta prevista no art. 273 §1º e §1-B, incisos I e V, do Código Penal:


"Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais:

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.

§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.

§ 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico.

§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:

I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;

II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior;

III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização;

IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade;

V - de procedência ignorada;

VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente."


Trata-se de crime formal, já que prescinde da efetiva ocorrência do dano a alguém. O objeto material do crime é o produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais.

É crime do tipo misto alternativo na medida em que a prática de uma ou mais condutas, desde que inseridas no mesmo contexto, implica sempre num delito único.

Por primeiro, sobre a inconstitucionalidade do preceito secundário da norma em apreço, o qual foi ventilado nos autos, desde logo, consigno que a 5ª Turma deste Tribunal se deparou com o assunto, quando do julgamento da apelação criminal nº 2009.61.24.000793-5, de relatoria da eminente Desembargadora Federal Ramza Tartuce, cujo acórdão veio ementado nos termos do voto-vista do eminente Desembargador Federal Antonio Cedenho, assim expresso:


"PENAL. FALSIFICAÇÃO, CORRUPÇÃO, ADULTERAÇÃO OU ALTERAÇÃO DE PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS. ART. 273, § 1º-B, I, DO CÓDIGO PENAL. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEITO SECUNDÁRIO DO TIPO PENAL. DESPROPORCIONALIDADE. JULGAMENTO SUSPENSO.

1. Verifica-se, no presente caso, a necessidade de se suspender o julgamento para submeter à apreciação desta E. Turma a arguição de inconstitucionalidade da Lei nº 9.677/98, no que tange a inovação legislativa do §1º-B, I, do artigo 273 do Código Penal, em seu preceito secundário, aduzida pela defesa do apelante em suas razões recursais.

2. O Ministério Público Federal manifestou-se, opinando pela não incidência da alegada inconstitucionalidade, por considerar não haver qualquer desproporcionalidade nas penas cominadas ao tipo penal ora em comento. Restou, assim, atendido o disposto no artigo 172 do Regimento Interno desta E. Corte.

3. Portanto, submeto à apreciação deste E. Quinta Turma a referida questão, nos termos da norma contida no artigo 173 do Regimento Interno, que deve ser acolhida e, posteriormente, submetida ao Órgão Especial para análise e julgamento.

4. Defendemos uma latente ausência de proporcionalidade entre as penas cominadas e as condutas descritas no tipo penal previsto no artigo 273 do Código Penal. Não resta dúvida de que tais condutas possuem razoável gravidade e são merecedoras de punição pelo Direito Penal, porém, ainda que legalmente definidas como crime hediondo, são punidas com rigor excessivo - pena mínima de 10 (dez) anos, não se mostrando razoável a proporção de pena em cotejo às penas cominadas a crimes de igual ou até maior potencial lesivo, como, por exemplo, os de homicídio, tráfico ilícito de drogas, tortura e estupro.

5. Da mesma forma, pune com o mesmo rigor àquele que falsifica, corrompe, adultera ou altera produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput, CP) e aquele que importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente (art. 273. §1º-B, I, CP), não fazendo a lei distinção se o medicamento, cosmético ou saneante, sem registro, traz consequências calamitosas ou benéficas à saúde pública.

6. É evidente que a pena mínima cominada no tipo penal ora em comento, traduz em grave ofensa ao princípio constitucional da razoabilidade, motivo pelo qual deve ser afastada do sistema jurídico.

7. Deve ser afastada a aplicação do preceito secundário expresso no tipo penal do artigo 273, §1º-B, I, do Código Penal, no que tange a pena mínima cominada ao delito, ante a sua inconstitucionalidade por transgressão ao princípio constitucional da razoabilidade, devendo ser aplicada analogicamente a pena privativa de liberdade mínima prevista no crime de tráfico de drogas - 05 (cinco) anos - previsto no artigo 33 da Lei nº 11.343/2006.

8. Tal medida é a que se impõe, pois ambos os crimes trazem semelhança dos bens jurídicos tutelados - saúde pública, idêntica classificação como crimes de perigo abstrato e são definidos legalmente como hediondos, além de ter o mesmo sujeito passivo, qual seja, a coletividade. E, assim sendo, a utilização da Lei de Drogas como parâmetro nos termos explanados atende ao princípio da razoabilidade, admitindo-se a aplicação da analogia in bonan partem, por se tratar de interpretação mais benéfica ao réu, de modo a reforçar a proteção contra o arbítrio do Estado de maneira mais justa e equânime.

9. Tendo em vista que a inconstitucionalidade de lei não pode ser declarada por órgão fracionário do Tribunal, nos termos da cláusula de reserva de plenário expressa no artigo 97 da Constituição Federal e da Súmula Vinculante nº 10 do STF, proponho a apreciação desta questão pelo Órgão Especial desta E. Corte, com base no artigo 11, parágrafo único, alínea "g", c.c. artigos 173 e 174 e seu parágrafo único, todos do Regimento Interno do TRF/3º Região, ficando suspenso o julgamento concernente a este tema.

10. Julgamento suspenso e determinada a remessa do feito ao Órgão Especial para análise e julgamento da arguição de inconstitucionalidade (sessão realizada em 27/8/2012), na qual se suscitou arguição de inconstitucionalidade, versando a respeito do pretenso descompasso da pena mínima do preceito secundário do § 1º-B, do art. 273 do Código Penal, na redação da Lei nº 9.677/98 com a Constituição Federal".


Nos termos do voto-vista, consignou o eminente Desembargador que se não reconhecida a inconstitucionalidade, mantinha a condenação do réus, mas às penas constantes do voto da eminente relatora Ramza Tartuce.

Naquela arguição de inconstitucionalidade sob nº 0000793-60.2009.4.03.6124/SP, o Ministério Público Federal, em Parecer ofertado em 14/5/2013 opinou pela rejeição do incidente, sob os seguintes argumentos:

a) a majoração do preceito secundário do artigo 273 do Código Penal, na redação da Lei nº 9.677/98, não se revela inconstitucional, na medida em que refletiu os anseios sociais como resposta estatal adequada e suficiente à conduta ilícita tipificada como crime;

b) a criação de novos tipos com a previsão de sanções rigorosas aos delitos envolvendo falsificação e adulteração de medicamentos é plenamente justificável diante do seu alto potencial lesivo, não se vislumbrando qualquer desproporcionalidade entre as penas abstratamente estipuladas, à vista da incontestável gravidade da conduta, capaz de lesar a saúde de grande número de pessoas;

c) eventual afastamento do preceito secundário do artigo 273 do Código Penal, com a aplicação da pena de outro delito, acarretaria a violação aos princípios da separação dos poderes e da legalidade, na medida em que haveria a criação de uma nova norma, com o Poder Judiciário assumindo a função de verdadeiro legislador positivo, usurpando função que não lhe pertence, devendo eventual alteração das penas cominadas ser realizada pelas vias constitucionalmente previstas;

d) o ordenamento constitucional não permite a combinação de leis penais, para criar uma terceira norma mais benéfica ao réu. Por fim, requereu a suspensão do andamento deste feito até o deslinde de idêntica arguição agilizada no âmbito do c. STJ, nos autos do HC nº 239.363/PR.

A arguição de inconstitucionalidade foi julgada pelo Órgão Especial desta Corte, que, por maioria, a rejeitou, em sessão datada de 14/8/2013, nos termos do voto condutor da eminente Desembargadora Federal Diva Malerbi, cujo acórdão veio assim ementado:


"DIREITO PENAL. ARTIGO 273, § 1º-B, DO CÓDIGO PENAL. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE COMINADA EM ABSTRATO (PRECEITO SECUNDÁRIO DA NORMA). INCIDENTE DE ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À PROPORCIONALIDADE E À RAZOABILIDADE. INEXISTÊNCIA. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE REJEITADA.

- Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade criminal suscitado pela Quinta Turma deste Tribunal em sede de apelação criminal (proc. nº 0000793-60.2009.4.03.6124/SP), versando sobre a desarmonia do preceito secundário do art. 273, § 1º-B, do Código Penal com a Constituição Federal, por ausência de proporcionalidade e razoabilidade.

- Inexistente o aventado vício de inconstitucionalidade da pena fixada em abstrato pela norma secundária do art. 273, § 1º-B, do Estatuto Repressivo, pois o seu rigor decorre da própria natureza do bem jurídico tutelado, qual seja, a saúde pública, e da elevada potencialidade lesiva da conduta tipificada, devidamente sopesadas pelo legislador.

- Inadmissível a aplicação analógica de penas previstas para outros delitos, preconizada em razão das pretensas desproporcionalidade e ausência de razoabilidade, eis que atentatória aos princípios da separação dos poderes e da reserva legal, não cabendo ao julgador, no exercício da sua função jurisdicional, realizar o prévio juízo de proporcionalidade entre a pena abstratamente imposta no preceito secundário da norma com o bem jurídico valorado pelo legislador e alçado à condição de elemento do tipo penal, por se tratar de função típica do Poder Legislativo e opção política, não sujeita, portanto, ao controle judicial. Precedente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região sobre a mesma questão (ARGINC nº 47 - processo 201051014901540 -, Rel. Des. Federal Guilherme Couto de Castro, Plenário, j. 22.08.2011, E-DJF2R 08.09.2011.)

- O próprio Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, já reconheceu a impossibilidade de o Poder Judiciário, na ausência de lacuna da lei, se arrogar função legiferante e criar por via oblíqua, ao argumento da inadequação da sanção penal estabelecida pelo Legislativo, uma terceira norma, invadindo a esfera de atribuições do Poder competente (v.g., HC nº 109676/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe 14.08.2013; RE nº 443388/SP, Relª. Minª. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 11.09.2009). Precedentes, na mesma linha, do E. STJ.

- Habeas corpus a ser concedido de ofício que não se conhece, por se tratar de medida de competência da Turma julgadora da apelação criminal que deu origem ao incidente, eis que cabe àquele Órgão fracionário conhecer das questões de fato relativas ao caso concreto.

- Arguição de Inconstitucionalidade rejeitada. Habeas Corpus ex officio não conhecido".

(TRF 3ª Região, ORGÃO ESPECIAL, ARGINC 0000793-60.2009.4.03.6124, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MÁRCIO MORAES, julgado em 14/08/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/08/2013, Rel p/ Acórdão Desembargadora Federal Diva Malerbi).


No voto condutor, a eminente desembargadora consignou que:


"O próprio Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, também já reconheceu a impossibilidade de o Poder Judiciário, na ausência de lacuna da lei, se arrogar função legiferante e criar por via oblíqua, ao argumento da inadequação da sanção penal estabelecida pelo Legislativo, uma terceira norma, invadindo a esfera de atribuições do Poder competente.

Confira-se, a esse respeito:


"Ementa: HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. DIREITO CONSTITUCIONAL. CRIME DE INJÚRIA QUALIFICADA. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA PENA PREVISTA NO TIPO, POR OFENSA AO PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE, E PRETENSÃO DE VER ESTABELECIDO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NOVO PARÂMETRO PARA A SANÇÃO. CRIAÇÃO DE TERCEIRA LEI. IMPOSSIBILIDADE. SUPOSTA ATIPICIDADE DA CONDUTA E PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PARA INJÚRIA SIMPLES. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA NA VIA DO WRIT. IMPOSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS DENEGADO.

1. A Lei nº 9.459/97 acrescentou o § 3º ao artigo 140 do Código Penal, dispondo sobre o tipo qualificado de injúria, que tem como escopo a proteção do indivíduo contra a exposição a ofensas ou humilhações, pois não seria possível acolher a liberdade que fira direito alheio, mormente a honra subjetiva.

2. O legislador ordinário atentou para a necessidade de assegurar a prevalência dos princípios da igualdade, da inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas para, considerados os limites da liberdade de expressão, coibir qualquer manifestação preconceituosa e discriminatória que atinja valores da sociedade brasileira, como o da harmonia inter-racial, com repúdio ao discurso de ódio.

3. O writ veicula a arguição de inconstitucionalidade do § 3º do artigo 140 do Código Penal, que disciplina o crime de injúria qualificada, sob o argumento de que a sanção penal nele prevista - pena de um a três anos de reclusão - afronta o princípio da proporcionalidade, assentando-se a sugestão de ser estabelecida para o tipo sanção penal não superior a um ano de reclusão, considerando-se a distinção entre injúria qualificada e a prática de racismo a que se refere o artigo 5º, inciso XLII, da Constituição Federal. 3.1 - O impetrante alega inconstitucional a criminalização da conduta, porém sem demonstrar a inadequação ou a excessiva proibição do direito de liberdade de expressão e manifestação de pensamento em face da garantia de proteção à honra e de repulsa à prática de atos discriminatórios.

4. A pretensão de ser alterada por meio de provimento desta Corte a sanção penal prevista em lei para o tipo de injúria qualificada implicaria a formação de uma terceira lei, o que, via de regra, é vedado ao Judiciário. Precedentes: RE nº 196.590/AL, relator Ministro Moreira Alves, DJ de 14.11.96; ADI 1822/DF, relator Ministro Moreira Alves, DJ de 10.12.99; AI (Agr) 360.461/MG, relator Ministro Celso de Mello, DJe de 06.12.2005; RE (Agr) 493.234/RS, relator Ricardo Lewandowski, julgado em 27 de novembro de 2007. (...) 7. Ordem de habeas corpus denegada." (destaque nosso)

(HC nº 109676/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 11.06.2013, DJe 14.08.2013.).


"DIREITO PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 180, § 1°, CP. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. DOLO DIRETO E EVENTUAL. MÉTODOS E CRITÉRIOS DE INTERPRETAÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA PENAL. IMPROVIMENTO.

1. A questão de direito de que trata o recurso extraordinário diz respeito à alegada inconstitucionalidade do art. 180, § 1°, do Código Penal, relativamente ao seu preceito secundário (pena de reclusão de 3 a 8 anos), por suposta violação aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da individualização da pena.

2. Trata-se de aparente contradição que é resolvida pelos critérios e métodos de interpretação jurídica.

3. Não há dúvida acerca do objetivo da criação da figura típica da receptação qualificada que, inclusive, é crime próprio relacionado à pessoa do comerciante ou do industrial. A ideia é exatamente a de apenar mais severamente aquele que, em razão do exercício de sua atividade comercial ou industrial, pratica alguma das condutas descritas no referido § 1°, valendo-se de sua maior facilidade para tanto devido à infra-estrutura que lhe favorece.

4. A lei expressamente pretendeu também punir o agente que, ao praticar qualquer uma das ações típicas contempladas no § 1°, do art. 180, agiu com dolo eventual, mas tal medida não exclui, por óbvio, as hipóteses em que o agente agiu com dolo direto (e não apenas eventual). Trata-se de crime de receptação qualificada pela condição do agente que, por sua atividade profissional, deve ser mais severamente punido com base na maior reprovabilidade de sua conduta.

5. Não há proibição de, com base nos critérios e métodos interpretativos, ser alcançada a conclusão acerca da presença do elemento subjetivo representado pelo dolo direto no tipo do § 1°, do art. 180, do Código Penal, não havendo violação ao princípio da reserva absoluta de lei com a conclusão acima referida.

6. Inocorrência de violação aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da individualização da pena. Cuida-se de opção político-legislativa na apenação com maior severidade aos sujeitos ativos das condutas elencadas na norma penal incriminadora e, consequentemente, falece competência ao Poder Judiciário interferir nas escolhas feitas pelo Poder Legislativo na edição da referida norma.

7. Recurso extraordinário improvido."

(RE nº 443388/SP, Relª. Minª. Ellen Gracie, 2ª Turma, j. 18.08.2009, DJe 11.09.2009.)

Uma vez afastada a inconstitucionalidade da norma, passo ao exame do recurso.


Dos Fatos


Extrai-se da exordial acusatória que, no dia 24 de fevereiro de 2011, policiais abordaram o veículo no qual viajava o denunciado, logrando encontrar em seu poder 200 (duzentos) comprimidos de Pramil, os quais restaram apreendidos, conforme Boletim de Ocorrência e Auto de Exibição e Apreensão anexados aos autos.

O Laudo pericial realizado apontou que os medicamentos apreendidos são de origem estrangeira e não possuem registro da Anvisa.

Ouvido, Wagner de Carvalho admitiu ter adquirido o medicamento no Paraguai e que pretendia revendê-lo em Franca/SP, uma vez que pratica a venda de mercadorias estrangeiras adquiridas no Paraguai.

Diante desse contexto, o Ministério Público Federal denunciou o réu pela prática do delito art. 273, §1º e §1º-B, inciso I, do Código Penal.

A exordial foi recebida.

Apurou-se nos autos que o medicamento apreendido não possuía registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), sendo proibida a sua comercialização em território nacional.

Contudo, o D. Juiz sentenciante houve por bem condenar o réu como incurso no art. 334 do Código Penal, ao entendimento de que o princípio da proporcionalidade, que para parte da doutrina é conhecido também como princípio da proibição do excesso, implica, no âmbito penal, na exigência de que a aplicação da pena seja adequada e necessária ao tipo penal, de tal forma que a pena fixada seja proporcional à efetiva lesão ao bem jurídico penalmente tutelado.

(..)

De fato, a pena cominada é por tudo desproporcional, pois por simples importação de remédio sem registro no órgão sanitário, mesmo que este não tenha o menor potencial lesivo, o agente estaria sujeito a pena mínima de 10 anos, à qual é superior à pena de tráfico de drogas e à pena de homicídio.

(...)

Se o princípio ativo do remédio/medicamento/produto não é de comercialização proibida no varejo farmacêutico e, além disso, não houve falsificação, corrupção, adulteração ou alteração do remédio, de tal sorte que este mantém integralmente suas propriedades terapêuticas, não há sequer como enquadrar no tipo do art. 273 do Código Penal.

Com efeito, nesta hipótese a conduta continua abrangida no tipo de contrabando e descaminho, e sujeita às penas de 1 (um) a 5 (cinco) anos. Esta situação ocorre com frequência em casos de importação de remédios a base de sildefenil, como por exemplo o Pramil (conhecido popularmente como viagra paraguaio), de vitaminas diversas, de remédios não anabolizantes (a base de aminoácidos), para ganho de massa muscular normalmente utilizados por frequentadores de academias de ginástica)

De fato, nestas hipóteses diante do fato que a medicação mantém sua propriedade terapêutica e da baixa lesividade concreta à saúde pública, o caso é mesmo de enquadrar a conduta nas penas do crime de contrabando e descaminho".

A respeito da matéria, conforme consignou o Eminente Desembargador Federal Paulo Fontes em caso semelhante ao dos autos (Apelação Criminal nº 2011.60.02.002139/MS, julgada à unanimidade pela E.5ª Turma deste Tribunal em 10/08/2015), "é preciso levar em conta que a atual redação do art. 273 do Código Penal, e o endurecimento de suas penas, datam de 1998, época em que se verificou um escândalo público sobre o que ficou conhecido coloquialmente como "remédios B.O" (bom para otário), ensejando até mesmo a instalação de uma CPI. O espírito da lei, pois, é de combate à falsificação e adulteração dos medicamentos, condutas de extrema gravidade e que foram como tais a pena dada pela alteração legislativa, fixando-se a pena mínima em 10 (dez) anos de reclusão. A conduta em tela, apesar de também merecedora de reprimendas, não pode ser equiparada às demais descritas pelo tipo penal, recomendando-se parcimônia no enquadramento típico, sob pena de se cometer severa injustiça.

Por outro lado, o enquadramento típico do fato, em se tratando de importação irregular de Pramil, deve ser analisado, considerando as circunstâncias particulares do fato, especialmente quando a quantidade e a natureza do fármaco, ainda que sem registro no órgão de vigilância sanitária competente, não apresenta especial potencial lesivo à saúde pública, haja vista o uso corriqueiro daqueles medicamentos semelhantes já autorizados pela ANVISA".

Assim, a conduta do acusado é proscrita pelo artigo 334, do Código penal, com redação em vigor à época dos fatos, pois o PRAMIL é mercadoria proibida, de origem paraguaia, fabricado pelo laboratório La Química Farmacêutica S.A., cuja importação, uso e comercialização não é autorizada no território brasileiro, conforme artigo 1º da Resolução n.º 2997, de 12 de setembro de 2006, da ANVISA.

No mesmo sentido os seguintes precedentes:


"PENAL. PROCESSO PENAL. CONTRABANDO: CARACTERIZAÇÃO. MEDICAMENTOS PROVENIENTES DO PARAGUAI. PENALIDADE ADEQUADA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA SEMIABERTO. POSSIBILIDADE.

1. Em se tratando do medicamento pramil de origem paraguaia, de importação, uso e comercialização proibida em todo o território brasileiro, porém não de medicamento falsificado, corrompido, adulterado ou alterado, - tal como descrito pelo art. 273 , § 1º-B, I e VI do Código Penal, - responde o réu pelo crime de contrabando previsto no art. 334, § 1º, d, do CP.

2. Configura o delito de contrabando a conduta de importar para uso próprio medicamento sem registro na ANVISA.

3. Diante da insuficiência probatória para condenar o corréu, em relação ao crime do art. 18 da Lei 10.826/2003, mantem-se a sentença absolutória, no ponto.

4. O quantum das penas deve refletir a justa medida da reprovabilidade da conduta dos acusados, conforme preconizado nos arts. 59 e 68, ambos do CP, e 42 da Lei 11.343/2006, o que se verifica dos autos.

5. A fixação do regime inicial de cumprimento de pena não deve decorrer pura e simplesmente de imposição legal, uma vez que isso contrariaria o art. 59, III, c/c o art. 33, §2º, alínea b, do Código Penal, exigindo-se que se examine, concretamente, se o condenado preenche ou não os critérios estabelecidos na norma, tais como a primariedade, os bons antecedentes e o quantum da pena imposta, entre outros.

6. Deve-se evitar que o réu aguarde o trânsito em julgado da condenação em situação mais gravosa do que aquela estabelecida para o cumprimento da pena definitiva. Precedentes do STJ

7. Apelações dos réus e do Ministério Público Federal não providas.

8. Determinada, de ofício, a imediata expedição de alvará de soltura em favor do réu Ricardo de Queiroz Couto, se por outro motivo não estiver preso".

(ACR 60410920104013802, DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO, TRF1 - TERCEIRA TURMA, e-DJF1 DATA:21/11/2014 PAGINA:185).


"PENAL. IMPORTAÇÃO IRREGULAR DE MEDICAMENTO CONTROLADO PARA USO PRÓPRIO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. Na importação de pequena quantidade de medicamento de uso controlado incide a norma geral de punição à importação de produto proibido (contrabando), prevista no art. 334 do Código penal, admitindo-se a aplicação do princípio da insignificância quando comprovado que o medicamento se destinava ao uso próprio do agente, em face da ausência de potencial lesivo à saúde pública".

(RSE 00013022520094047106, MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, TRF4 - SÉTIMA TURMA, D.E. 18/11/2010.)


Da Materialidade


A materialidade do delito restou sobejamente comprovada.

O inquérito policial foi instaurado noticiando que o réu foi abordado no interior do veículo, em um patrulhamento realizado por policiais em face de diligência tomada no âmbito da "Operação Divisa", portando dez cartelas com 20 comprimidos cada do medicamento Pramil, de origem paraguaia e comércio proibido no Brasil.

O Auto de Apresentação e Apreensão (fl.6) aponta que foram encontrados em poder do acusado os comprimidos do medicamento objeto de exame pericial que resultou no Laudo de Exame de Produto Farmacêutico nº 1137/2011 (fls.73/77).

Destaco o seguinte trecho do referido laudo:


O produto PRAMIL (sildenafil 50mg) fabricado pela empresa NOVOPHAR - División De La Química Farmacêutica S.A. não possui registro junto à AVISA, sendo proibido sua importação, comércio e uso em todo o território nacional.

Por conseguinte, resta evidenciada a irregularidade da importação dos medicamentos com a legislação sanitária vigente, porquanto qualquer medicamento importado precisa possuir registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA e deve ser fabricado por estabelecimento regular, além de passar sob o crivo de apreciação pelo Ministério da Saúde.

Nesse passo, aqueles que não cumprem esses requisitos são, consequentemente, de importação proibida.

Segundo o Laudo, verifica-se que os medicamentos apreendidos não possuem permissão no órgão competente (ANVISA) para sua comercialização e importação em território nacional, tampouco houve registro no Ministério da Saúde.

Comprovada, portanto, a materialidade.


Da Autoria


A autoria delitiva é incontroversa.

A apreensão dos medicamentos decorreu de procedimento de fiscalização promovida no interior do veículo, onde foi encontrado o medicamento no porta-luvas do automóvel.

Em Juízo (fl.188), o réu disse que foi a primeira vez que adquiriu o medicamento que era para uso próprio. Porém, os depoimentos dos policiais militares Franklin de Castro Alves de Oliveira e Braz Antonio Modaeli afirmaram que na ocasião da apreensão, o réu lhes disse que venderia em Franca/SP, a evidenciar o destino à comercialização, versões compatíveis com o alegado pelo acusado na repartição policial.

A prova pericial bem esclarece a proibição da conduta e sobre ela não paira qualquer necessidade de reiteração em fase judicial, nada havendo nos autos que a invalide, mesmo porque a oitiva dos peritos não foi pleiteada pela defesa no momento oportuno.

Comprovada, portanto a autoria, na medida em que restou evidenciado que o réu foi o responsável pela introdução irregular dos medicamentos encontrados em seu automóvel.


Do erro de proibição


Aduz a defesa do apelante que o réu não agiu de forma dolosa, por desconhecer a proibição da conduta perpetrada.

Porém, ao invés do alegado, os dados probatórios demonstram que o réu agiu de forma livre e consciente no cometimento do crime narrado na denúncia.

A argumentação de que não sabia que estava cometendo um delito não tem o condão de ilidir a conduta criminosa. Isso porque o erro de proibição inevitável somente se verifica quando o agente não tem possibilidade de saber que o fato é proibido.

E, na hipótese, o réu admitiu no interrogatório que praticava as mesmas condutas anteriormente aos fatos aqui tratados, incidindo novamente na ilicitude.

Acertadamente, o MM. Juiz de primeiro grau houve por bem afastar as alegações defensivas no sentido do desconhecimento da ilicitude da conduta.

Desse modo, não há que prosperar a tese defensiva de que haveria apenas culpa.

Ao contrário, desponta à evidência nos autos a presença de dolo, haja vista que os remédios estavam separados em cartelas, prática comum para facilitar o transporte da mercadoria e dificultar a fiscalização, não havendo razão para que o acusado separasse as caixas das cartelas se desconhecesse o caráter ilícito ou irregular da conduta.

Com isso, não se pode cogitar da aplicação do princípio da insignificância, como postula a defesa, pois o referido princípio não encontra guarida no caso dos autos em que o réu tinha consciência da ilicitude e pretendia comercializar a mercadoria como confessou que o faria, tratando-se de vendedor de mercadorias proibidas internadas no território nacional.

Frise-se ser inaplicável o princípio da insignificância ao presente caso, tendo em vista que o bem jurídico tutelado na espécie é a saúde pública, posta em risco pela conduta delitiva em comento.

Acerca da impossibilidade de aplicação da insignificância na espécie, veja-se o seguinte julgado:

9. O aborto é conduta tipificada como crime, à exceção das hipóteses previstas no artigo 128 do Código Penal. A importação do referido medicamento, de forma irregular, implica em possibilitar à pessoas não habilitadas a prática de conduta tida como ilícito penal. Assim, presente a periculosidade social da ação e sendo elevado o grau de reprovabilidade da conduta, não é cabível a aplicação do princípio da insignificância" .

(ACR 00151972920124039999, JUIZ CONVOCADO MÁRCIO MESQUITA, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/07/2014 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)


O desconhecimento da ilicitude da conduta não é escusável no caso em tela, nos termos do que define o art. 21 do Código Penal.

Por fim, a dosimetria da pena não foi objeto de insurgência por parte do réu, devendo ser mantida.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da defesa.

É o voto.


RENATO TONIASSO
Juiz Federal Convocado


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