D.E. Publicado em 02/03/2016 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, decidiu dar parcial provimento ao recurso da acusada Samantha, reduzir a pena-base e fazer incidir a atenuante da confissão no patamar de 1/6, fixando a pena definitiva de 06 anos, 09 meses e 20 dias de reclusão, além de 680 dias-multa, em regime inicial fechado e negar provimento ao recurso do acusado Jeffrey, reduzindo, de ofício, a pena de multa para 583 dias-multa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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VOTO CONDUTOR
O SENHOR JUIZ FEDERAL CONVOCADO VALDECI DOS SANTOS:
Dispõe a Lei nº 11.343/2006, no seu artigo 33, § 4º, que os crimes definidos no caput e no § 1º da referida norma legal, poderão ter as respectivas penas reduzidas de um sexto a dois terços desde que o agente: a) seja réu primário; b) tenha bons antecedentes; c) não se dedique a atividades criminosas; e d) não integre organização criminosa.
Portanto, trata-se de regra minorante cuja aplicação é descabida, conforme assevera o E. Ministro Teori Zavascki (HC 124022/SP), somente se restar demonstrada pelo juízo sentenciante a existência de um conjunto probatório apto a afastar pelo menos um dos critérios, que são autônomos, descritos no preceito legal.
Assim sendo, presentes todos os requisitos, deve o juiz aplicar a redução da pena dentro dos parâmetros legais (um sexto a dois terços), pois não se trata de radicar a questão no âmbito da discricionariedade do magistrado, conquanto, em face do preenchimento dos requisitos, nasce para o réu direito subjetivo inafastável à redução da pena.
Com efeito, como bem anotado pelo E. Ministro Gilmar Mendes (HC 108388/SP), "tudo indica que a intenção do legislador, ao inserir a redação contida no § 4º do artigo 33, foi distinguir o traficante contumaz e profissional daquele iniciante na vida criminosa, bem como do que se aventura na vida da traficância por motivos que, por vezes, confundem-se com a sua própria sobrevivência e/ou de sua família".
Concluindo o eminente Ministro: "Daí, acredito essencial, para legitimar o afastamento do redutor, fundamentação corroborada em elementos capazes de afastar um dos requisitos legais, sob pena de desrespeito ao princípio da individualização da pena e de fundamentação das decisões judiciais".
A questão é, pois, de cotejo das provas carreadas aos autos com o conteúdo prescritivo dos requisitos previstos na norma legal.
No caso dos autos, verifico da prova carreada aos autos que a expressiva quantidade de droga transportada - 4.085g de cocaína -, somada ao ajuste prévio havido entre os acusados para o cometimento do crime de tráfico de drogas, denota a dedicação dos agentes às atividades criminosas, o que afasta a aplicação da causa de diminuição inserta no §4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/06.
No tocante à reprimenda pecuniária aplicada ao acusado Jeffrey, tem-se que deve guardar proporcionalidade com a pena privativa de liberdade, segundo o entendimento desta e. Primeira Turma (ACR 2003.61.19.000959-9, Rel. Luiz Stefanini).
Nessa esteira, dou parcial provimento ao recurso de Samantha para reduzir a pena-base e fazer incidir a atenuante da confissão no patamar de 1/6, (um sexto) fixando a pena definitiva de 06 (seis) anos, 09 ( nove) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, além do pagamento de 680 ( seiscentos e oitenta) dias-multa, em regime inicial fechado, e nego provimento ao recurso de Jeffrey e, de ofício, reduzo a pena de multa para 583 dias-multa.
É o voto.
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RELATÓRIO
O Juiz Federal Convocado WILSON ZAUHY (Relator): O Ministério Público Federal, em 09/06/2011, denunciou SAMANTHA PIEKAN, holandesa, qualificada nos autos, nascida em 01/05/1989, e JEFFREY VERHEEZEN, holandês, qualificado nos autos, nascido em 09/10/1990, como incursos no artigo 33 c/c o artigo 40, I, ambos da Lei 11.343/2006. Consta da denúncia (fls. 63/64):
SÍNTESE DA DENÚNCIA
Em 10 de maio de 2011, no aeroporto internacional de São Paulo, em Guarulhos, SAMANTHA PIEKAN e JEFFREY VERHEEZEN foram surpreendidos já embarcados no voo TP 109, da companhia aérea TAP, para Lisboa/Portugal, com destino final em Bruxelas/Bélgica, trazendo consigo, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros no exterior, 4.085g (quatro mil e oitenta e cinco gramas - massa líquida) de cocaína, substância entorpecente que determina dependência química e/ou psíquica, sem autorização legal ou regulamentar.
HISTÓRICO DOS FATOS RELEVANTES
Na data dos fatos, o Agente de Polícia Federal MARCO AURÉLIO LINS DE OLIVEIRA desempenhava suas funções na Delegacia de Polícia Federal no aeroporto internacional de Guarulhos, quando foi acionado pelo funcionário responsável pelo setor de raio-x de porão da cia. Aérea TAP. Ao chegar ao local, submeteu quatro malas identificadas com o nome SAMANTHA PIEKA ao raio-x, que detectou a presença de material orgânico. Em seguida, indagou aos funcionários da coordenação do check-in da empresa aérea TAP se havia alguém feito o check-in em companhia da denunciada, recebendo a informação de que ela viajava em companhia de JEFFREY VERHEEZEN.
Os denunciados foram localizados no interior da aeronave da empresa TAP e encaminhados a uma sala da Policia Federal, onde reconheceram as malas detectadas pelo raio-x como suas. Ato continuo, o APF fez um furo nas quatro bagagens, na presença da testemunha JORGE CLAUDIO VIANA, ocasião em que saiu de duas delas, sendo uma de cada denunciado, uma substância em pó branca. Na delegacia da Polícia Federal, ao abrir as duas malas, foi encontrada, em fundos falsos, substância em pó branca que, submetida a exame preliminar de constatação, foi identificada como cocaína (fls.11).
Os acusados fizeram uso do direito constitucional de permanecerem em silêncio (fl. 05 e 07).
Além da droga, foram apreendidos com os denunciados diversos objetos, conforme dispõe o auto de apresentação e apreensão (fls. 12-13).
A materialidade do delito restou configurada pelo laudo de constatação preliminar (fl. 11), que apontou positivo para cocaína, totalizando 4.085g (quatro mil e oitenta e cinco gramas-massa liquida) da droga.
Do mesmo modo, irrefutáveis os indícios de autoria, uma vez que os denunciados foram presos em flagrante delito quando traziam a droga oculta em suas bagagens. Inconteste a internacionalidade do tráfico, tendo em vista que os denunciados foram flagrados quando tentavam embarcar em voo internacional.
Dessume-se da narrativa acima que os denunciados incorreram no tipo previsto no artigo 33 c/c o artigo 40, I, da Lei 11.343/06, uma vez que traziam em suas bagagens substância entorpecente que seria transportada para Bruxelas/Bélgica.
A denúncia foi recebida em 13/06/2011.
Processado o feito, sobreveio a sentença da lavra do MM. Juiz Federal Substituto Tiago Bologna Dias, julgando procedente a imputação inicial para:
- Condenar SAMANTHA PIEKAN, holandesa, portadora do passaporte comum da União Européia - Reino da Holanda, nº NS21D0485, nascida aos 01/05/1989, filha de Fina Firoza, à pena privativa de liberdade de 07 anos, 11 meses e 20 dias de reclusão, a ser cumprida no regime inicial fechado, acrescida do pagamento de 733 dias-multa, no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à data do fato, valor corrigido monetariamente, como incursa nas penas do artigo 33 "caput" c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/06.
- Condenar JEFFREY VERHEEZEN, holandês, portador do passaporte comum da União Européia - Reino da Holanda nº NP1R3D3HO, nascido aos 09/10/1990, filho de Ceysty Verheezen e Angélica Verheezen, à pena privativa de liberdade de 05 anos e 10 meses de reclusão, a ser cumprida no regime inicial fechado, acrescida do pagamento de 650 dias-multa, no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à data do fato, valor corrigido monetariamente, como incurso nas penas do artigo 33 "caput" c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/06.
O regime inicial estabelecido para ambos foi o fechado, nos termos do artigo 2º, §1º, da Lei 8.072/90, com redação dada pela Lei 11.464/07.
Apela SAMANTHA PIEKAN. Alega inexigibilidade de conduta diversa, tendo em vista sua precária situação financeira, tornando-se evidente a incidência do estado de necessidade exculpante. Subsidiariamente, requer a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no artigo 24, §2º, do Código Penal, ou ainda a atenuante genérica do artigo 65, III, "a" do CP. Requer a fixação da pena-base no mínimo legal, pois não há acentuada culpabilidade em razão da quantidade da droga e porque a pena-base não pode ser elevada somente com fundamento na natureza da droga apreendida. Alega também que o fato de praticar um único crime ou de tentar obter lucro fácil também não pode fazer presumir má personalidade. Quanto aos motivos do crime, alega dever ser considerado o estado de necessidade. Afirma que a viagem anterior da ré não significa que trabalhou para o tráfico. Requer que a atenuante de confissão seja aplicada em 1/6. Que seja afastada a causa de aumento da internacionalidade, pois consta do caput do artigo 33 da Lei 11.343/06 a palavra "exportar". Requer a aplicação do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/06 no patamar máximo. Requer seja afastada a pena de multa, pois as "mulas" do tráfico não têm condições de pagá-la, e o não pagamento impediria a expulsão dela do país, devendo ao menos constar da decisão que o não-pagamento da multa não impedirá a expulsão. Requer a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Requer que o regime inicial do cumprimento da pena seja o semi-aberto ou aberto.
Apela também JEFFREY VERHEEZEN. Sustenta que não podia ter agido de modo diverso tendo em vista as graves ameaças que sofreu em seu país e que o obrigaram a realizar o tráfico. Ao menos requer seja considerada a circunstância atenuante do artigo 65, III, "c" do Código Penal. Requer a fixação da pena-base no mínimo legal, pois aumentá-la em 1 ano e 6 meses com base exclusivamente na qualidade e quantidade da droga é desproporcional. Requer que seja considerada a coação moral irresistível para reduzir a pena-base. Requer seja a atenuante de confissão e menoridade aplicada em maior valor. Requer a aplicação do §4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006 em seu patamar máximo. Sustenta a inaplicabilidade do artigo 40, I, da Lei 11.343/06. Requer a não-aplicação da pena de multa pois as "mulas" do tráfico não têm condições de pagá-la, e o não pagamento impediria a expulsão dela do país, devendo ao menos constar da decisão que o não-pagamento da multa não impedirá a expulsão. Requer a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Requer que o regime inicial do cumprimento da pena seja o semi-aberto ou aberto.
Contrarrazões do Ministério Público Federal às fls. 385.
Em 07/08/2012 foi deferida em parte a ordem nos autos do habeas corpus 2012.03.00.018646-6 para determinar ao impetrado que proferisse nova decisão a respeito do regime prisional inicial, desta feita à vista do artigo 33, caput e §§ 1º a 3º, do Código Penal, tendo em vista que a maioria do Pleno do Supremo Tribunal Federal declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei n.º 8.072/1990, com a redação dada pela Lei n.º 11.464/2007 no julgamento do habeas corpus nº 111840.
Nova decisão quanto a essa questão foi proferida às fls. 467. Manteve o Juiz o regime prisional fechado tendo em vista a culpabilidade acentuada dos réus em razão do envolvimento com organização criminosa e do transporte de drogas em concurso de agentes, bem como em relação à ré sua conduta social reprovável e sua personalidade voltada para o crime, sendo insuficiente o semi-aberto dado o risco concreto de que voltem a delinquir.
SAMANTHA PIEKAN apelou dessa nova decisão. Alega que a elevada culpabilidade já foi considerada na primeira fase, constituindo bis in idem, além de se tratar de pessoa vulnerável. Alega ainda que não se pode considerar que a ré integra organização criminosa em função de ser "mula".
JEFFREY VERHEEZEN também apelou. Alega que o crime não pode ser considerado hediondo. Requer seja reconhecida a inconstitucionalidade do §1º do artigo 2º da Lei 8.072/90.
Contrarrazões do MPF às fls. 571.
A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da Dra. Rose Santa Rosa, opinou pelo desprovimento dos recursos da defesa.
É o relatório.
Ao MM. Revisor.
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VOTO
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL CONVOCADO WILSON ZAUHY (Relator):
Consta da denúncia que em 10 de maio de 2011, no aeroporto internacional de São Paulo, em Guarulhos, SAMANTHA PIEKAN e JEFFREY VERHEEZEN foram surpreendidos já embarcados no voo TP 109, da companhia aérea TAP, para Lisboa/Portugal, com destino final em Bruxelas/Bélgica, trazendo consigo, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros no exterior, 4.085g (quatro mil e oitenta e cinco gramas - massa líquida) de cocaína, substância entorpecente que determina dependência química e/ou psíquica, sem autorização legal ou regulamentar.
Processado o feito, sobreveio a sentença da lavra do MM. Juiz Federal Substituto Tiago Bologna Dias, julgando procedente a imputação inicial para:
- Condenar SAMANTHA PIEKAN, holandesa, portadora do passaporte comum da União Européia - Reino da Holanda, nº NS21D0485, nascida aos 01/05/1989, filha de Fina Firoza, à pena privativa de liberdade de 07 anos, 11 meses e 20 dias de reclusão, a ser cumprida no regime inicial fechado, acrescida do pagamento de 733 dias-multa, no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à data do fato, valor corrigido monetariamente, como incursa nas penas do artigo 33 "caput" c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/06.
- Condenar JEFFREY VERHEEZEN, holandês, portador do passaporte comum da União Européia - Reino da Holanda nº NP1R3D3HO, nascido aos 09/10/1990, filho de Ceysty Verheezen e Angélica Verheezen, à pena privativa de liberdade de 05 anos e 10 meses de reclusão, a ser cumprida no regime inicial fechado, acrescida do pagamento de 650 dias-multa, no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à data do fato, valor corrigido monetariamente, como incurso nas penas do artigo 33 "caput" c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/06.
O regime inicial estabelecido para ambos foi o fechado.
Apelam os réus.
MATERIALIDADE
Conforme destacou o Juiz, o laudo preliminar de constatação (fls. 11) e o laudo definitivo (fls. 110/113) atestaram ser cocaína o material encontrado em poder dos acusados.
De fato, conforme comprovam os laudos mencionados, a substância orgânica encontrada em poder dos réus, na quantidade, em peso líquido, de 4.085g (quatro mil e oitenta e cinco decigramas), trata-se de cocaína, a qual está incluída na Lista de Substâncias Proscritas F/F-1, da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998, republicada no DOU em 01/02/1999, e na Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 88, de 18/12/2007, que atualiza as listas de substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA.
O requerimento da defesa para que fosse realizada perícia na totalidade da droga apreendida foi afastada por meio da decisão de fls. 137/141 e, ademais, o fato de o exame pericial definitivo ter sido realizado com base em 0,2 g não acarreta nenhuma dúvida quanto à comprovação da materialidade do delito, pois as perícias de um modo geral são realizadas com base em amostras, de modo que eventuais divergências deveriam ter sido demonstradas pela defesa e não apenas alegadas. Inequívoca a presença da materialidade
AUTORIA
Bem realizado pelo Juiz o exame da autoria.
A testemunha Marco Aurélio Lins de Oliveira, em síntese, mencionou que foi identificada substância orgânica em raio-X de porão, em duas de quatro malas despachadas em nome da ré. Foram abordados no check in e disseram que estavam juntos. Disseram que duas malas eram do réu e duas da ré. As malas foram abertas com suas chaves, encontrando-se drogas em uma mala de cada um deles, contida num pacote preto em um fundo falso. Ressaltou que os pacotes eram parecidos. Ele disse que eram namorados, ela negou. Os passaportes (fls. 121/122) e os tickets de passagens (fls. 16/17) revelam o intuito dos réus de viajarem para Bruxelas, com escala em Lisboa/Portugal.
Os acusados confessaram a prática do delito em concurso, embora um tenha atribuído ao outro a condução da empreitada, em versões repletas de contradições, mas que em nada afastam a confissão quanto ao cometimento do crime.
Conforme mídia gravada em arquivo digital, nos termos da atual redação do Código de Processo Penal, a acusada Samantha disse que é verdadeira a acusação e que ambos sabiam que levavam drogas. Disse que o fez por precisar de dinheiro, trabalhava como prostituta e não tinha condições econômicas de estudar, comer, comprar móveis para sua residência etc.
Aqui analiso alegação constante da apelação de SAMANTHA PIEKAN.
A defesa alega, na apelação, inexigibilidade de conduta diversa, tendo em vista sua precária situação financeira, tornando-se evidente a incidência do estado de necessidade exculpante.
O estado de necessidade exculpante, causa supralegal de exclusão de culpabilidade, é baseado na inexigibilidade de conduta diversa. Em juízo de culpabilidade, de conformidade com o perfil subjetivo do acusado, se não lhe era de se exigir outro comportamento, exclui-se a culpabilidade, com esteio no estado de necessidade exculpante. Se, todavia, era de se lhe exigir outro comportamento, subsiste o delito, podendo a pena ser reduzida, com base no §1º, do art. 24 do Código Penal.
Para absolvição ou redução da pena com esteio na exculpante e nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal, é de rigor a comprovação por elementos concretos de que as severas dificuldades alegadas eram intransponíveis a demonstrar a inexigibilidade de conduta diversa, o que não se extrai da prova coligida aos autos, não bastando mera assertiva do acusado.
Sobre o tema, confira-se:
Prossigo na análise da autoria.
Uma amiga em Roterdã, chamada Fenla, teria dito que o corréu se encontrava na Argentina e que traficava drogas, podendo ajudá-la. Assim, ligou para ele e acertaram tudo pelo telefone, ele providenciou tudo e lhe pagaria 4.000,00 euros. Aceitou a proposta e foi até a Argentina, lá se encontrou com ele e vieram a São Paulo, onde lhes foi entregue a droga. Estavam num hotel, ele saiu trouxe duas malas, ela ficou no quarto. No dia seguinte foram presos. Confirmou que foi à Argentina em fevereiro do mesmo ano, veio em férias com um rapaz, pagando as próprias despesas, na época tinha emprego.
O corréu Jeffrey, por seu turno, confessou que ambos sabiam que levavam drogas e estavam juntos. Disse que foi coagido a participar do delito, que foi seqüestrado e como não tinha dinheiro um amigo ofereceu que fosse buscar drogas no Brasil, por 10.000,00 euros. Os seqüestradores bateram nele, então esse amigo, Michael, disse que ele teria que traficar cocaína para que recebesse o dinheiro para pagar os bandidos. Os seqüestradores o liberaram e foram presos, mas teria que pagar mesmo assim, pois mora numa cidade pequena e pode ser localizado. A Holanda é pequena, seria encontrado ainda que mudasse de domicílio. Sua família sabe do ocorrido, mas não tinha como conseguir o dinheiro, nem pensaram em se mudar. Assim, aceitou a proposta de Michael, que juntamente com a corré, o teria levado ao aeroporto. Foi primeiro à Argentina, ela veio bem depois. Os criminosos disseram a ele que teria que concluir o trabalho com uma pessoa que viria para encontrá-lo, pois não confiavam nele, achavam que fugiria, pois antes dele haviam enviado um casal que sumiu. Então ela chegou, para vigiá-lo, conhecia pessoas na Argentina, pois três semanas antes ela esteve em Buenos Aires. Então ambos foram juntos a um restaurante receber as malas.
Nesse contexto, os acusados confessaram que voluntariamente realizariam a distribuição de entorpecentes entre Países, com plena consciência do caráter ilícito de suas condutas, assumindo o risco de levar drogas à Bruxelas, qualquer que fosse sua natureza e quantidade, em concurso de pessoas. Assim, é certo que se conheciam, ao menos nesta oportunidade foram aliciados pela mesma organização criminosa, agiram juntos e sob o mesmo modus operandi, participando um no transporte de drogas do outro, sendo certo dizer que ambos, em unidade de desígnios, trouxeram ao todo quatro quilos de cocaína consigo.
A fim de afastar sua culpabilidade, alegou o réu ter praticado o crime contra sua vontade, em razão de coação moral irresistível, visto que teria que pagar sequestradores, sob pena ofensa às suas vidas e de suas famílias.
Aqui analiso alegação constante da apelação do réu JEFFREY VERHEEZEN.
Alega a defesa, na apelação, que não podia ter agido de modo diverso tendo em vista as graves ameaças que sofreu em seu país e que o obrigaram a realizar o tráfico.
Entretanto, como bem destacado pelo Juiz, caberia ao acusado comprovar o teor de suas alegações, nos termos do art. 156, do CPP, o que não fez. Ainda que houvesse qualquer prova de coação, não poderia se qualificá-la como irresistível, a justificar a exclusão de culpabilidade, haja vista o fato de o réu ter tido inúmeras oportunidades para relatar o caso para as autoridades competentes de seu país, o que retira a necessária inevitabilidade da ameaça. O réu foi solto pelos sequestradores, que foram presos, o que afasta o rico de ameaça séria e provável, evidentemente não atual. Nessa esteira, teve todas as oportunidades possíveis de buscar sua própria segurança, tanto que deixou seu país sem empecilhos.
Sob outro viés, é inverossímil que pessoa sem condições financeiras seja alvo de extorsão em caráter permanente que leve à exigência, a qualquer custo, de valores além de suas capacidades, sob tal obsessão a ponto de manter a coação mesmo depois da prisão dos meliantes, que poderiam procurar vítima mais abastada e com recursos de imediato disponíveis, salvo se a ameaça tem respaldo em motivação diversa, alguma espécie de dívida ou rixa, o que não foi aventado pelo réu.
Ademais, não teria sido coagido a traficar drogas, mas sim a pagar quantia, tendo buscado o meio ilícito por sua livre vontade. Assim, não há nexo causal entre o suposto sequestro e o tráfico de drogas.
Em verdade, o acolhimento dessa excludente de culpabilidade pressupõe a existência de elementos concretos no sentido da irresistibilidade, inevitabilidade e insuperabilidade da coação, o que não existe nos autos.
Nesse sentido:
Assim, dadas as contradições e a falta de prova, não há que se falar em coação resistível ou irresistível.
TRANSNACIONALIDADE
Considerando-se que todas as provas dos autos indicam que a droga transportada pelos réus tinha como destino o exterior, verifica-se a transnacionalidade do tráfico.
A demonstração, de forma inequívoca, da intenção de remeter a droga para o exterior é suficiente para o reconhecimento da causa de aumento atinente a transnacionalidade (ou internacionalidade) do tráfico, não sendo necessária a efetiva remessa ao exterior.
Assim, a prática de qualquer das condutas do art. 33 da Lei n. 11.343/06 com dolo de exportar ou importar configura a hipótese do art. 40, I, da mesma lei.
TIPICIDADE
Desse modo, ficaram comprovados os fatos e a autoria do crime do artigo 33 c.c artigo 40, inciso I, da Lei 11.343/06.
DOSIMETRIA
SAMANTHA PIEKAN
PRIMEIRA FASE
O Juiz fixou a pena-base em 7 anos e 4 meses de reclusão.
O Juiz verificou não ter a ré maus antecedentes.
1.
Considerou o Juiz:
- que a culpabilidade da ré é acentuada visto que agiu em concurso de agentes o que possibilitou o transporte de quantidade excessiva de droga.
A apelante requer:
- a fixação da pena-base no mínimo legal, pois não há acentuada culpabilidade em razão da quantidade da droga.
Observo o seguinte:
Em relação à quantidade verifico que ela é de fato elevada (4.085g), o que deve elevar a pena-base em 1 ano.
2.
Considerou o Juiz:
- que a ré tem conduta social reprovável e que a personalidade é voltada para o crime porque ela já esteve no Brasil em 2008 e na Argentina no mesmo ano em que foi presa e possui apontamento criminal em seu país por violação à lei de drogas.
A apelante alega:
- que o fato de praticar um único crime ou de tentar obter lucro fácil não pode fazer presumir má personalidade. Afirma que a viagem anterior da ré não significa que trabalhou para o tráfico.
Observo o seguinte:
- o fato de a ré ter viajado ao Brasil em 2008 e para a Argentina no ano em que foi presa, não serve para concluir que sua personalidade e sua conduta social são reprováveis.
- sobre o apontamento não há maiores informações, de modo que não pode ser subsídio também para concluir que a ré tem conduta social e personalidade reprováveis.
3.
Considerou o Juiz:
- que as consequências do crime em função da natureza da droga (cocaína) são de significativa reprovabilidade.
A apelante alega:
- que a pena-base não pode ser elevada somente com fundamento na natureza da droga apreendida.
Observo o seguinte:
- que a natureza da droga (cocaína) é de elevada reprovabilidade, o que deve elevar a pena-base em 1 ano.
4.
A apelante alega:
- quanto aos motivos do crime, alega dever ser considerado o estado de necessidade.
Observo que:
- os motivos do crime não foram considerados pelo Juiz para aumento da pena-base, de modo que não conheço dessa parte do apelo.
5.
As circunstâncias do crime, o comportamento da vítima e as consequências não são relevantes para afetar a pena-base.
Assim, reduzo a pena-base fixada pelo Juiz. Fixo-a em 7 anos.
SEGUNDA FASE
Verificou o Juiz a ausência de circunstâncias agravantes.
O Juiz fez incidir a atenuante da confissão, porém em patamar inferior a 1/6, em razão de considerá-la pouco relevante para efeito de prova.
A defesa requer a aplicação dessa atenuante no patamar de 1/6.
Observo que, conforme artigo 65, III, d, do Código Penal:
Assim, entendo cabível a aplicação da redução de 1/6, resultando na pena de 5 anos e 10 meses de reclusão.
Requer a defesa, em razão da precária situação financeira da ré, a aplicação da atenuante genérica do artigo 65, III, "a" do CP:
Entretanto, não há nos autos prova de que o crime teria sido cometido por motivo de relevante valor social ou moral.
TERCEIRA FASE
O Juiz entendeu que não deveria incidir a causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006, por entender que a ré integra organização criminosa.
Quanto à legislação especial, o §4, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que "Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa."
Extrai-se dos autos que a ré é primária, não ostenta maus antecedentes e não há prova de que se dedique a atividades criminosas.
Ainda, diante das provas coligidas aos autos, infere-se que a conduta da ré se ajusta à figura que se convencionou chamar de "mula".
Sob este aspecto, as mulas funcionam como agentes ocasionais de transporte de drogas, não integram os quadros das organizações criminosas, mas asseguram a funcionalidade do sistema e têm plena consciência de que estão a serviço de grupo organizado e estruturado para a prática de crime.
Confira-se, neste sentido, entendimento do Des. Fed. Nelton dos Santos:
Corolário lógico, faz jus a acusada à incidência da causa de diminuição de pena estampada no §4º, do art. 33, da Lei 11.343/06, no patamar mínimo de 1/6.
Diante disso, no caso concreto, de rigor a redução da pena à razão de 1/6, o que resulta na pena de 4 anos, 10 meses e 10 dias.
Fez o Juiz incidir a causa de aumento decorrente da internacionalidade
Pede a defesa que seja afastada a causa de aumento da internacionalidade, pois consta do caput do artigo 33 da Lei 11.343/06 a palavra "exportar".
A despeito do alegado pela defesa, não há que se falar em "bis in idem" entre a causa de aumento pela transnacionalidade e a conduta de "exportar", constante do "caput" do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006.
Trata-se de crime de ação múltipla ou de conteúdo variado que se consuma, dentre outras ações, com a simples conduta de "trazer consigo".
Verifica-se, assim, a transnacionalidade do crime, a resultar na aplicação do artigo 40, I, da lei 11.343/2006, com acréscimo de 1/6, passando a pena para 5 anos, 8 meses e 1 dia.
Requereu a defesa a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no artigo 24, §2º, do Código Penal.
Entretanto, a mera afirmação da existência de dificuldades financeiras não se presta a demonstrar o alegado estado de necessidade, já que não se fez prova efetiva da inevitabilidade da conduta delituosa.
Assim, fixo a pena definitiva em 5 anos, 8 meses e 1 dia.
Obedecendo aos parâmetros dos artigos 59 do CP c/c 43 da Lei 11.343/2006, passo a fixar a pena de multa.
A defesa sustenta seja afastada a pena de multa, pois as "mulas" do tráfico não têm condições de pagá-la, e o não pagamento impediria a expulsão dela do país, devendo ao menos constar da decisão que o não-pagamento da multa não impedirá a expulsão.
Quanto à pena de multa, observo que é sanção legalmente prevista, de forma cumulativa à pena privativa de liberdade, devendo ser, portanto, aplicada. Questões envolvendo eventual decreto de expulsão e alegada impossibilidade de pagamento da multa devem ser veiculadas, oportunamente, pela via adequada.
A pena-base, proporcionalmente, deve ser fixada acima do mínimo legal em 700 dias-multa.
Reduzindo-se 1/6 da confissão, 1/6 do §4, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, acrescentando-se 1/6 da transnacionalidade, chega-se a pena de multa de 567 dias-multa.
Fixo o dia-multa em 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, devidamente corrigido.
Diante disso, no caso concreto, aplico a pena definitiva de 5 anos, 8 meses e 1 dia de reclusão e pagamento de 567 dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, corrigido monetariamente.
REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA
Requer a defesa que o regime inicial do cumprimento da pena seja o semi-aberto ou aberto.
Dispõe o art. 33, do Código Penal:
Todavia, no caso de tráfico, as circunstâncias judiciais desfavoráveis aconselham o início do cumprimento da pena em regime fechado, nos termos do art. 33, caput e §§2º e 3º c. c. o art. 59, caput, III, ambos do Código Penal e art. 42, da Lei n. 11.343/06.
Confira-se a jurisprudência:
O agente tinha por objeto o transporte de quantidade elevada de cocaína, substância com potencial de causar consequências gravíssimas à saúde e à vida de número indeterminado de pessoas, sendo, destarte, desfavoráveis as circunstâncias judiciais, indicando que a fixação do regime inicial de cumprimento de pena fechado seja o mais adequado.
Aliás, as circunstâncias judiciais desfavoráveis foram levadas em consideração para elevação da pena base na primeira fase da dosimetria da pena (art. 42 da Lei 11.343/06) o que não destoa da fixação do regime inicial de cumprimento de pena fechado, com base no artigo 33, § 3º, do Código Penal.
Requer a defesa a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Inaplicável a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, pois a pena aplicada é superior a 4 anos:
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:
I- aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo
(destaquei)
JEFFREY VERHEEZEN
PRIMEIRA FASE
O Juiz fixou a pena-base em 6 anos e 6 meses de reclusão.
O Juiz verificou que o réu não apesenta maus antecedentes.
1.
Considerou o Juiz:
- que a culpabilidade do réu é acentuada visto que agiu em concurso de agentes o que possibilitou o transporte de quantidade excessiva de droga.
O apelante requer:
- a fixação da pena-base no mínimo legal, pois não há acentuada culpabilidade em razão da quantidade da droga.
Observo o seguinte:
Em relação à quantidade verifico que ela é de fato elevada (4.085g), o que autorizaria elevar a pena-base em 1 ano.
2.
Considerou o Juiz:
- que as consequências do crime em função da natureza da droga (cocaína) são de significativa reprovabilidade.
A apelante alega:
- que a pena-base não pode ser elevada somente com fundamento na natureza da droga apreendida.
Observo o seguinte:
- que a natureza da droga (cocaína) é de elevada reprovabilidade, o que autorizaria elevar a pena-base em 1 ano.
3.
As circunstâncias do crime, o comportamento da vítima e as consequências não são relevantes para afetar a pena-base.
Requereu a defesa que seja considerada a coação moral irresistível para reduzir a pena-base do réu, entretanto, conforme analisado no tópico da autoria, não há prova da mencionada coação, além de a história contada pelo réu ser contraditória.
Assim, por falta de recurso do Ministério Público Federal, mantenho a pena-base fixada na sentença, qual seja, 6 anos e 6 meses de reclusão.
SEGUNDA FASE
Verificou o Juiz a inexistência de circunstâncias agravantes.
Quanto às atenuantes, verificou o Juiz a menoridade do réu, o qual tinha menos de 21 anos à data do fato.
Verificou o Juiz, também, ter havido confissão espontânea.
Assim, o Juiz reduziu a pena-base de volta ao mínimo legal, ou seja, 5 anos.
Requer a defesa seja considerada a circunstância atenuante do artigo 65, III, "c" do Código Penal, entretanto, conforme analisado no tópico da autoria, não há prova da mencionada coação, além de a história contada pelo réu ser contraditória.
A defesa requer seja a atenuante de confissão e menoridade aplicada em maior valor.
Ocorre que a pena já foi reduzida nessa etapa ao mínimo legal, sendo inviável reduzi-la a patamar inferior (Súmula 231 do STJ).
TERCEIRA FASE
O Juiz entendeu que não deveria incidir a causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006, por entender que o réu integra organização criminosa.
Quanto à legislação especial, o §4, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que "Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa."
Extrai-se dos autos que a ré é primária, não ostenta maus antecedentes e não há prova de que se dedique a atividades criminosas.
Ainda, diante das provas coligidas aos autos, infere-se que a conduta da ré se ajusta à figura que se convencionou chamar de "mula".
Sob este aspecto, as mulas funcionam como agentes ocasionais de transporte de drogas, não integram os quadros das organizações criminosas, mas asseguram a funcionalidade do sistema e têm plena consciência de que estão a serviço de grupo organizado e estruturado para a prática de crime.
Confira-se, neste sentido, entendimento do Des. Fed. Nelton dos Santos:
Corolário lógico, faz jus a acusada à incidência da causa de diminuição de pena estampada no §4º, do art. 33, da Lei 11.343/06, no patamar mínimo de 1/6.
Diante disso, no caso concreto, de rigor a redução da pena à razão de 1/6, o que resulta na pena de 4 anos e 2 meses.
Fez o Juiz incidir a causa de aumento decorrente da internacionalidade
Pede a defesa que seja afastada a causa de aumento da internacionalidade, pois consta do caput do artigo 33 da Lei 11.343/06 a palavra "exportar".
A despeito do alegado pela defesa, não há que se falar em "bis in idem" entre a causa de aumento pela transnacionalidade e a conduta de "exportar", constante do "caput" do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006.
Trata-se de crime de ação múltipla ou de conteúdo variado que se consuma, dentre outras ações, com a simples conduta de "trazer consigo".
Verifica-se, assim, a transnacionalidade do crime, a resultar na aplicação do artigo 40, I, da lei 11.343/2006, com acréscimo de 1/6, passando a pena 4 anos e 10 meses.
Assim, fixo a pena definitiva em 4 anos e 10 meses de reclusão.
Obedecendo aos parâmetros dos artigos 59 do CP c/c 43 da Lei 11.343/2006, passo a fixar a pena de multa.
A defesa sustenta seja afastada a pena de multa, pois as "mulas" do tráfico não têm condições de pagá-la, e o não pagamento impediria a expulsão dela do país, devendo ao menos constar da decisão que o não-pagamento da multa não impedirá a expulsão.
Quanto à pena de multa, observo que é sanção legalmente prevista, de forma cumulativa à pena privativa de liberdade, devendo ser, portanto, aplicada. Questões envolvendo eventual decreto de expulsão e alegada impossibilidade de pagamento da multa devem ser veiculadas, oportunamente, pela via adequada.
A pena-base, proporcionalmente, deve ser fixada acima do mínimo legal em 650 dias-multa.
Reduzindo-se as atenuantes, 1/6 do §4, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, acrescentando-se 1/6 da transnacionalidade, chega-se a pena de multa de 486 dias-multa.
Fixo o dia-multa em 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, devidamente corrigido.
Diante disso, no caso concreto, aplico a pena definitiva de 4 anos e 10 meses de reclusão e pagamento de 486 dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, corrigido monetariamente.
REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA
Requer a defesa que o regime inicial do cumprimento da pena seja o semi-aberto ou aberto.
Dispõe o art. 33, do Código Penal:
Todavia, no caso de tráfico, as circunstâncias judiciais desfavoráveis aconselham o início do cumprimento da pena em regime fechado, nos termos do art. 33, caput e §§2º e 3º c. c. o art. 59, caput, III, ambos do Código Penal e art. 42, da Lei n. 11.343/06.
Confira-se a jurisprudência:
O agente tinha por objeto o transporte de quantidade elevada de cocaína, substância com potencial de causar consequências gravíssimas à saúde e à vida de número indeterminado de pessoas, sendo, destarte, desfavoráveis as circunstâncias judiciais, indicando que a fixação do regime inicial de cumprimento de pena fechado seja o mais adequado.
Aliás, as circunstâncias judiciais desfavoráveis foram levadas em consideração para elevação da pena base na primeira fase da dosimetria da pena (art. 42 da Lei 11.343/06) o que não destoa da fixação do regime inicial de cumprimento de pena fechado, com base no artigo 33, § 3º, do Código Penal.
Requer a defesa a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Inaplicável a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, pois a pena aplicada é superior a 4 anos:
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:
I- aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo
(destaquei)
Por derradeiro, para fins do art. 387, §2º, do Código de Processo Penal, de rigor seja comunicado prontamente o Juízo da Execução Penal, com cópias do v. acórdão.
Ante o exposto, concluo:
- Em relação à ré SAMANTHA PIEKAN, não conheço de parte do apelo em relação à alegação sobre os motivos do crime, e, na parte conhecida, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação para retirar a circunstância referente à personalidade e conduta social, reduzindo a pena-base, fazer incidir a atenuante da confissão no patamar de 1/6, e fazer incidir a causa de diminuição do §4º do artigo 33 da Lei 11.343/06 de 1/6;
- Em relação ao réu JEFFREY VERHEEZEN, DOU PARCIAL PROVIMENTO para fazer incidir a causa de diminuição do §4º do artigo 33 da Lei 11.343/06 de 1/6.
Oficie-se à Vara de Execuções Criminais e ao Ministério da Justiça, encaminhando-se cópia do acórdão.
É o voto.
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