Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000917-93.2011.4.03.6117/SP
2011.61.17.000917-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : W D L
ADVOGADO : SP214301 FABIO CHAMATI DA SILVA (Int.Pessoal)
APELANTE : D S M
ADVOGADO : SP256716 GLAUBER GUILHERME BELARMINO
APELANTE : A P G M
ADVOGADO : SP269946 PERLA SAVANA DANIEL (Int.Pessoal)
APELANTE : D T
ADVOGADO : SP076259 WLADEMIR VARLEI CAGNIN
APELADO(A) : J P
No. ORIG. : 00009179320114036117 1 Vr JAU/SP

EMENTA

PENAL. APELAÇÕES DA DEFESA. ILICITUDE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS: INOCORRÊNCIA. POSSIBILIDADE DE A MEDIDA SER DEFERIDA NA FASE PROCESSUAL. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONTRAVENÇÃO DE JOGO DE AZAR: INFRAÇÃO QUE NÃO É OBJETO DO PRESENTE FEITO. OFENSA DIRETA A INTERESSE DA UNIÃO PELA PRÁTICA DE CONTRABANDO. INTELECÇÃO DO ARTIGO 109, IV, CF. OFENSA À IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ: INOCORRÊNCIA. EXCEPCIONALIDADE DO ARTIGO 132 DO CPC. OFENSA À PARIDADE DE MEIOS: NÃO VERIFICADA. CONSUNÇÃO DO CRIME DE CONTRABANDO PELA CONTRAVENÇÃO DE JOGO DE AZAR: DESCABIMENTO. ARTIGO 334 DO CP. MÁQUINAS CAÇA-NÍQUEIS. CONTRABANDO. QUADRILHA. MATERIALIDADE DO CRIME DE CONTRABANDO NÃO COMPROVADA EM RELAÇÃO À CONDUTA IMPUTADA À RÉ ANA PAULA. MATERIALIDADE DO CRIME DE CONTRABANDO COMPROVADA EM RELAÇÃO AOS RÉUS WILLIAM, DAVI E DANILO. CRIME DE QUADRILHA: DEMONSTRADO. DOSIMETRIA DA PENA. REJEIÇÃO DA AGRAVANTE DO ARTIGO 62, IV, CP. APELAÇÃO DA RÉ ANA PAULA PROVIDA. APELAÇÕES DOS RÉUS WILLIAM, DAVI E DANILO PARCIALMENTE PROVIDAS.
1. Apelações da Defesa contra a sentença que condenou os réus William de Lima, Davi Santos Martins, e Danilo Tomasella como incursos no artigo 334, §1º, 'c' e 'd', e artigo 288, todos do Código Penal e Ana Paula Guimarães Maurício como incursa no artigo 334, §1º, 'c' e 'd', do Código Penal.
2. A interceptação telefônica, prevista constitucional e legalmente, foi determinada por ordem judicial, obedecendo aos trâmites da Lei nº 9.296/96, sendo meio de prova que não pode, pois, ser descartado do nosso ordenamento jurídico, ainda mais quando, in casu, o monitoramento telefônico conduziu à produção de outros elementos de prova ou fizeram referência a eventos ocorridos e demonstrados nos autos, não restando insulada no acervo probatório.
3. Interceptação telefônica: o artigo 3º da Lei 9.296/96 dispõe que a interceptação telefônica poderá ser determinada pelo juiz no curso da investigação criminal (fase extraprocessual) e/ou durante a instrução processual penal (fase processual).
4. Alegação de atipicidade da contravenção do jogo de azar: a tese apresentada é desconexa com a controvérsia descortinada na presente ação, pois a denúncia sequer foi recebida em relação à contravenção de jogo de azar, tendo em vista que o Juízo a quo declinou da competência para o processamento e julgamento de referida infração penal em favor do Juízo estadual.
5. Os crimes de contrabando e formação de quadrilha para a prática de contrabando são de competência da Justiça Federal exatamente porque praticados em detrimento de bens e interesse da União, de regulamentar a internação de mercadorias, com a proibição de algumas delas, em consonância com o artigo 109, IV, Constituição Federal.
6. A excepcionalidade da regra do artigo 399, §2º do CPP é admitida pela jurisprudência, como na hipótese narrada pela Defesa no presente feito, de afastamento do Juiz da Vara onde colheu a prova, aplicando-se a sistemática do artigo 132 do CPC, por analogia. Precedentes do Colendo Superior Tribunal de Justiça e deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
7. Rejeitada a alegação de ausência de equivalência de meios de prova ou paridade de armas, pois para cada fato criminoso, segundo jurisprudência pacífica, é possível arrolar até oito testemunhas, sendo esta a melhor interpretação do artigo 401 CPP. Precedentes deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região e do Colendo Superior Tribunal de Justiça.
8. As infrações penais de contrabando e contravenção de jogo de azar, embora estejam relacionadas pela maneira da prática do contrabando, com a internação de componente eletrônico estrangeiro de máquina caça-níquel, utilizada para a exploração do jogo de azar, violam bens jurídicos diversos, comportando assim, repressão estatal autônoma.
9. Incabível a absorção da infração penal mais grave - contrabando - pela menos grave - contravenção de jogo de azar.
10. Materialidade do crime de contrabando em relação à ré Ana Paula: da individualização da conduta imputada à Ana Paula na denúncia - gerente e/ou dona de ponto de exploração de máquina caça níquel -, e posterior édito condenatório de primeiro grau, vislumbra-se a atribuição de comportamento específico a ela, consistente em ostentar em estabelecimento máquina(s) caça níquel, com a exploração rentável do jogo de azar, incidindo, assim, no tipo penal do contrabando no exercício de atividade comercial. Para a demonstração da materialidade, a sentença indica a ocorrência de inúmeras apreensões de máquinas caça níquel, sem especificar qual ou quais delas era utilizada no estabelecimento da ré.
11. A fundamentação esposada na sentença é insuficiente para a condenação da ré Ana Paula, porquanto qualquer das inúmeras apreensões de máquina caça níquel em Jaú e região foi vinculada à atuação da ré Ana Paula, de explorar o jogo de azar, com referidos equipamentos compostos de item estrangeiro.
12. Materialidade do crime de contrabando em relação aos réus William, Davi e Danilo: a ação repressiva estatal à prática do contrabando e de jogos de azar culminou em inúmeras apreensões de máquinas caça-níquel em diversos estabelecimentos comerciais na cidade de Jaú e região, destacando-se especialmente o arquivo digital intitulado "2007.61.17.002322-5-APENSOS" - "200761170023225-Apenso18", constante da mídia de fls. 03, compilando diversos Autos de Infração e Temo de Apreensão de Guarda Fiscal lavrados, a demonstrar as apreensões dos equipamentos.
13. Digna de nota a apreensão realizada na cidade de Jaú em 13.08.2007, constando como autuado Peterson José Russo Catto, de 155 (cento e cinquenta e cinco) máquinas caça níquel (mídia de fls. 03 - arquivo "2007.61.17.002322-5-APENSOS" - fls. 145/155 do "200761170023225-Apenso18").
14. O laudo de exame merceológico nº 1471/2009 (fls. 2339/2340 - 9º volume - mídia de fls. 03) atesta a origem estrangeira das 155 (cento e cinquenta e cinco) máquinas apreendidas em poder de Peterson José Russo Catto.
15. O laudo nº 4296/08 atesta a origem estrangeira de duas máquinas eletrônicas programáveis (caça níqueis) (apenso 11 - mídia de fls. 03).
16. Afastada a alegação de insignificância para o crime de contrabando: irrelevância para o caso concreto da ausência de avaliação das máquinas caça-níqueis, a fim de aferir-se o valor das peças importadas, porque não se discute neste feito a ilusão de tributos, mas a manutenção em depósito e utilização de mercadoria de procedência estrangeira cuja internação é proibida. Precedentes do Tribunal Regional Federal da 3ª Região pela não incidência do princípio da insignificância ao crime de contrabando, caracterizado pela importação proibida de peças componentes de máquinas caça-níqueis.
17. Autorias imputadas aos réus William, Davi e Danilo encontram-se demonstradas pelo conjunto probatório, destacando-se a prova oral, a prova documental e a prova colhida em interceptação telefônica.
18. Decreto condenatório por crime de quadrilha: conforme princípio do livre convencimento motivado ou persuasão racional e amparado no artigo 385 do CPP, está o juiz autorizado a proferir sentença condenatória ainda que o órgão acusatório tenha requerido a absolvição do réu, pautando-se no conjunto probatório coligido e mediante devida fundamentação.
19. Os diálogos captados em interceptações telefônicas revelam o engajamento dos réus William, Davi e Danilo no grupo criminoso, demonstram ainda a estrutura da quadrilha, com funções delimitadas.
20. As datas das interceptações telefônicas e dos documentos apreendidos, demonstrativos de pagamento de remuneração dos réus por trabalho realizado para o grupo criminoso, comprovam a duração da quadrilha por tempo juridicamente relevante, a evidenciar estabilidade, manifestando o vínculo associativo duradouro, para a prática de contrabando.
21. Dosimetria da pena: utilização de elemento negativo na valoração da pena-base - conduta social- também na segunda fase da dosimetria da pena, a ensejar a modificação da sanção como medida de justiça.
22. Inadequado o cômputo da agravante "mediante paga ou promessa de recompensa" dado que o móvel da trama ilícita é, inevitavelmente, a busca do "dinheiro fácil", do "esquema rentável", sendo incompatível agravar a pena por motivo ínsito ao negócio ilícito.
23. Apelação da ré Ana Paula provida. Apelações dos réus William, Davi e Danilo parcialmente providas.




ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da ré Ana Paula Guimarães Maurício para absolvê-la da imputação do crime tipificado no artigo 334, §1º, 'c', do CP, com fundamento no artigo 386, VII, do CPP; rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, dar parcial provimento à apelação do réu William de Lima para afastar a agravante do artigo 62, IV, do CP, resultando definitiva a pena do crime de quadrilha em 1 ano e 6 meses de reclusão e a pena do crime de contrabando em 2 anos e 3 meses de reclusão; e por concurso material, resulta a pena total de 3 anos e 9 meses de reclusão, em regime semiaberto; dar parcial provimento à apelação do réu Danilo Tomasella para afastar a agravante do artigo 62, IV, do CP, resultando definitiva a pena do crime de quadrilha em 2 anos de reclusão e a pena do crime de contrabando em 3 anos de reclusão; e por concurso material, resulta a pena total de 5 anos de reclusão, em regime semiaberto e dar parcial provimento à apelação do réu Davi Santos Martins para afastar a agravante do artigo 62, IV, do CP, resultando definitiva a pena do crime de quadrilha em 2 anos de reclusão e a pena do crime de contrabando em 3 anos de reclusão; e por concurso material, resulta a pena total de 5 anos de reclusão, em regime semiaberto, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte do presente julgado.


São Paulo, 29 de março de 2016.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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