Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 05/04/2016
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005113-48.2011.4.03.6104/SP
2011.61.04.005113-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : JORGE DOS SANTOS
ADVOGADO : SP156748 ANDRE LUIZ ROXO FERREIRA LIMA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00051134820114036104 5 Vr SANTOS/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. SONEGAÇÃO FISCAL. SIGILO BANCÁRIO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. QUEBRA. MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA. OMISSÃO DE RECEITA. TIPICIDADE.
1. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial Representativo de Controvérsia n. 1.134.665/SP, firmou o entendimento de que é lícito ao Fisco receber informações sobre a movimentação bancária dos contribuintes sem a necessidade de prévia autorização judicial, desde que seja resguardado o sigilo das informações, a teor do art. 1º, § 3º, VI, c. c. o art. 5º, caput, da Lei Complementar n. 105/01, c. c. o art. 11, §§ 2º e 3º, da Lei n. 9.311/96.
2. A controvérsia cinge-se ao emprego dessa prova para fins de instrução de processo-crime, pois há entendimento tanto no sentido de que para isso seria imprescindível decisão judicial para a quebra do sigilo bancário (STJ, HC n. 243.034, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 26.08.14, AGRESP n. 201300982789, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 19.08.14, RHC n. 201303405552, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 11.02.14), quanto no sentido de que, tendo sido a prova produzida validamente no âmbito administrativo, não há como invalidá-la posteriormente. Filio-me a esse entendimento, dado não se conceber nulidade a posteriori: a autoridade fiscal tem o dever jurídico (vinculado) de, ao concluir o lançamento de crédito constituído em decorrência de crime fiscal, proceder à respectiva comunicação ao Ministério Público para a propositura de ação penal. Não se compreende como, ao assim fazer, acabe por inviabilizar a persecutio criminis (STJ, HC n. 281.588, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 17.12.13; HC n. 48.059, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 12.06.06).
3. Resta confirmada a validade da aplicação imediata da Lei Complementar n. 105/01 em relação a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência, pois se trata de norma caráter procedimental (STJ, HC n. 118.849, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, j. 07.08.12).
4. Anoto que foi recentemente divulgado no Informativo do Supremo Tribunal Federal n. 814, de 29.02.16, pronunciamento do Plenário da Corte no RE n. 601.314, bem como nas ADIs n. 2390, 2859, 2397 e 2386 sobre a constitucionalidade do referido procedimento.
5. Evidencia-se que a Receita Federal somente procedeu à quebra do sigilo bancário, mediante envio da Requisição de Informações sobre Movimentação Financeira - RMF, em decorrência da inércia do fiscalizado em atender às intimações com esclarecimentos e documentos, considerados imprescindíveis ao prosseguimento da fiscalização.
6. A existência de valores creditados em conta corrente ou investimentos em instituição financeira sem a adequada comprovação de origem configura o delito de sonegação fiscal.
7. Retificada, ex officio, o valor do dia-multa, considerada a extinção do Bônus do Tesouro Nacional - BTN. Apelação do acusado Jorge dos Santos parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, retificar, ex officio, o valor do dia-multa, considerada a extinção do Bônus do Tesouro Nacional - BTN, e dar parcial provimento ao recurso de apelação da defesa do acusado Jorge dos Santos para reduzir a pena-base ao mínimo legal e condená-lo definitivamente a 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e a 13 (treze) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, pela prática do delito do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 28 de março de 2016.
Andre Nekatschalow
Relator para Acórdão


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005113-48.2011.4.03.6104/SP
2011.61.04.005113-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : JORGE DOS SANTOS
ADVOGADO : SP156748 ANDRE LUIZ ROXO FERREIRA LIMA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00051134820114036104 5 Vr SANTOS/SP

VOTO-VISTA

Inicialmente, cumpre registrar o respeito e admiração que nutro pelo Eminente Desembargador Federal Relator Mauricio Kato, salientando que o meu pedido de vista se assentou na necessidade de uma análise mais detida dos autos para formação de minha convicção.

Trata-se de apelação criminal interposta por Jorge dos Santos contra a sentença que o condenou a 4 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e a 20 (vinte) dias-multa, no valor de 50 (cinquenta) BTNs, pela prática do delito do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e na prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos, em favor de entidade pública, ambas por igual período, em conformidade com o definido pelo Juízo das Execuções Criminais (fls. 194/199).

A defesa recorre com os seguintes argumentos:

a) são ilícitas as provas colhidas no procedimento administrativo fiscal em razão da quebra do sigilo bancário pela Receita Federal sem prévia autorização judicial e da ausência de intimação do resultado da impugnação ao auto de infração;
b) há provas de que as contas bancárias fiscalizadas eram utilizadas para prestação de serviços de despachante, não constituindo a movimentação financeira detectada acréscimo patrimonial tributável;
c) o acusado não agiu com dolo;
d) é devida a redução da pena-base e a exclusão da causa de aumento do art. 12, I, da Lei n. 8.137/90;
e) reduzida a pena, requer-se a decretação da prescrição da pretensão punitiva, por ter transcorrido mais de 8 (oito) anos entre a constituição do crédito tributário e a denúncia (fls. 205/210).

Foram apresentadas contrarrazões de apelação (fls. 213/216).

A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Sônia Maria Curvello, manifestou-se pelo parcial provimento do recurso de apelação, com a exclusão da causa de aumento de pena do art. 12, I, da Lei n. 8.137/90 (fls. 220/232).

O Eminente Relator Desembargador Federal Mauricio Kato deu provimento ao recurso de apelação da defesa do acusado Jorge dos Santos para absolvê-lo da imputação relacionada à prática do delito do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90, por considerar imprestáveis as provas coligidas, na medida em que foram obtidas a partir da quebra do sigilo bancário realizada pela Receita Federal sem prévia autorização judicial.

Com a devida vênia, divirjo do Eminente Desembargador Federal Relator no tocante à ilicitude da prova que embasou a denúncia, sendo de rigor a manutenção da condenação do acusado Jorge dos Santos, à vista da comprovação satisfatória da materialidade, autoria e dolo, caracterizadores do delito do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90.

Imputação. Jorge dos Santos foi denunciado pela prática do delito do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90 porque omitiu às autoridades fazendárias renda movimentada em suas contas correntes, no montante de R$ 2.329.404,68 (dois milhões, trezentos e vinte e nove mil, quatrocentos e quatro reais e sessenta e oito centavos), no ano-calendário de 2000, suprimindo, com isso, tributos federais.

A denúncia informa a constituição definitiva do crédito tributário de R$ 2.661.751,30 (dois milhões, seiscentos e sessenta e um mil, setecentos e cinquenta e um reais e trinta centavos) em 19.02.09 (fls. 33/34).

Sigilo bancário. Processo administrativo. Quebra. Admissibilidade. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial Representativo de Controvérsia n. 1.134.665/SP, firmou o entendimento de que é lícito ao Fisco receber informações sobre a movimentação bancária dos contribuintes sem a necessidade de prévia autorização judicial, desde que seja resguardado o sigilo das informações, a teor do art. 1º, § 3º, VI, c. c. o art. 5º, caput, da Lei Complementar n. 105/01, c. c. o art. 11, §§ 2º e 3º, da Lei n. 9.311/96:


PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS REFERENTES A FATOS IMPONÍVEIS ANTERIORES À VIGÊNCIA DA LEI COMPLEMENTAR 105/2001. APLICAÇÃO IMEDIATA. ARTIGO 144, § 1º, DO CTN. EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE.
1. A quebra do sigilo bancário sem prévia autorização judicial, para fins de constituição de crédito tributário não extinto, é autorizada pela Lei 8.021/90 e pela Lei Complementar 105/2001, normas procedimentais, cuja aplicação é imediata, à luz do disposto no artigo 144, § 1º, do CTN.
2. O § 1º, do artigo 38, da Lei 4.595/64 (revogado pela Lei Complementar 105/2001), autorizava a quebra de sigilo bancário, desde que em virtude de determinação judicial, sendo certo que o acesso às informações e esclarecimentos, prestados pelo Banco Central ou pelas instituições financeiras, restringir-se-iam às partes legítimas na causa e para os fins nela delineados.
3. A Lei 8.021/90 (que dispôs sobre a identificação dos contribuintes para fins fiscais), em seu artigo 8º, estabeleceu que, iniciado o procedimento fiscal para o lançamento tributário de ofício (nos casos em que constatado sinal exterior de riqueza, vale dizer, gastos incompatíveis com a renda disponível do contribuinte), a autoridade fiscal poderia solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no artigo 38, da Lei 4.595/64.
4. O § 3º, do artigo 11, da Lei 9.311/96, com a redação dada pela Lei 10.174, de 9 de janeiro de 2001, determinou que a Secretaria da Receita Federal era obrigada a resguardar o sigilo das informações financeiras relativas à CPMF, facultando sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente.
5. A Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001, revogou o artigo 38, da Lei 4.595/64, e passou a regular o sigilo das operações de instituições financeiras, preceituando que não constitui violação do dever de sigilo a prestação de informações, à Secretaria da Receita Federal, sobre as operações financeiras efetuadas pelos usuários dos serviços (artigo 1º, § 3º, inciso VI, c/c o artigo 5º, caput, da aludida lei complementar, e 1º, do Decreto 4.489/2002).
6. As informações prestadas pelas instituições financeiras (ou equiparadas) restringem-se a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados (artigo 5º, § 2º, da Lei Complementar 105/2001).
7. O artigo 6º, da lei complementar em tela, determina que: "Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.
Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária." 8. O lançamento tributário, em regra, reporta-se à data da ocorrência do fato ensejador da tributação, regendo-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada (artigo 144, caput, do CTN).
9. O artigo 144, § 1º, do Codex Tributário, dispõe que se aplica imediatamente ao lançamento tributário a legislação que, após a ocorrência do fato imponível, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros.
10. Conseqüentemente, as leis tributárias procedimentais ou formais, conducentes à constituição do crédito tributário não alcançado pela decadência, são aplicáveis a fatos pretéritos, razão pela qual a Lei 8.021/90 e a Lei Complementar 105/2001, por envergarem essa natureza, legitimam a atuação fiscalizatória/investigativa da Administração Tributária, ainda que os fatos imponíveis a serem apurados lhes sejam anteriores (Precedentes da Primeira Seção: EREsp 806.753/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 22.08.2007, DJe 01.09.2008; EREsp 726.778/PR, Rel. Ministro Castro Meira, julgado em 14.02.2007, DJ 05.03.2007; e EREsp 608.053/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 09.08.2006, DJ 04.09.2006).
11. A razoabilidade restaria violada com a adoção de tese inversa conducente à conclusão de que Administração Tributária, ciente de possível sonegação fiscal, encontrar-se-ia impedida de apurá-la.
12. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 facultou à Administração Tributária, nos termos da lei, a criação de instrumentos/mecanismos que lhe possibilitassem identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, respeitados os direitos individuais, especialmente com o escopo de conferir efetividade aos princípios da pessoalidade e da capacidade contributiva (artigo 145, § 1º).
13. Destarte, o sigilo bancário, como cediço, não tem caráter absoluto, devendo ceder ao princípio da moralidade aplicável de forma absoluta às relações de direito público e privado, devendo ser mitigado nas hipóteses em que as transações bancárias são denotadoras de ilicitude, porquanto não pode o cidadão, sob o alegado manto de garantias fundamentais, cometer ilícitos. Isto porque, conquanto o sigilo bancário seja garantido pela Constituição Federal como direito fundamental, não o é para preservar a intimidade das pessoas no afã de encobrir ilícitos.
14. O suposto direito adquirido de obstar a fiscalização tributária não subsiste frente ao dever vinculativo de a autoridade fiscal proceder ao lançamento de crédito tributário não extinto.
15. In casu, a autoridade fiscal pretende utilizar-se de dados da CPMF para apuração do imposto de renda relativo ao ano de 1998, tendo sido instaurado procedimento administrativo, razão pela qual merece reforma o acórdão regional.
16. O Supremo Tribunal Federal, em 22.10.2009, reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário 601.314/SP, cujo thema iudicandum restou assim identificado: "Fornecimento de informações sobre movimentação bancária de contribuintes, pelas instituições financeiras, diretamente ao Fisco por meio de procedimento administrativo, sem a prévia autorização judicial. Art. 6º da Lei Complementar 105/2001." 17. O reconhecimento da repercussão geral pelo STF, com fulcro no artigo 543-B, do CPC, não tem o condão, em regra, de sobrestar o julgamento dos recursos especiais pertinentes.
18. Os artigos 543-A e 543-B, do CPC, asseguram o sobrestamento de eventual recurso extraordinário, interposto contra acórdão proferido pelo STJ ou por outros tribunais, que verse sobre a controvérsia de índole constitucional cuja repercussão geral tenha sido reconhecida pela Excelsa Corte (Precedentes do STJ: AgRg nos EREsp 863.702/RN, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 13.05.2009, DJe 27.05.2009; AgRg no Ag 1.087.650/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 18.08.2009, DJe 31.08.2009; AgRg no REsp 1.078.878/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 18.06.2009, DJe 06.08.2009; AgRg no REsp 1.084.194/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 05.02.2009, DJe 26.02.2009; EDcl no AgRg nos EDcl no AgRg no REsp 805.223/RS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 04.11.2008, DJe 24.11.2008; EDcl no AgRg no REsp 950.637/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 13.05.2008, DJe 21.05.2008; e AgRg nos EDcl no REsp 970.580/RN, Rel.
Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 05.06.2008, DJe 29.09.2008).
19. Destarte, o sobrestamento do feito, ante o reconhecimento da repercussão geral do thema iudicandum, configura questão a ser apreciada tão somente no momento do exame de admissibilidade do apelo dirigido ao Pretório Excelso.
20. Recurso especial da Fazenda Nacional provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.
(STJ, REsp n. 1134665, Rel. Min. Luiz Fux, j. 25.11.09, para fins do art. 543-C do CPC)

A controvérsia cinge-se ao emprego dessa prova para fins de instrução de processo-crime, pois há entendimento tanto no sentido de que para isso seria imprescindível decisão judicial para a quebra do sigilo bancário (STJ, HC n. 243.034, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 26.08.14, AGRESP n. 201300982789, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 19.08.14, RHC n. 201303405552, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 11.02.14), quanto no sentido de que, tendo sido a prova produzida validamente no âmbito administrativo, não há como invalidá-la posteriormente. Filio-me a esse entendimento, dado não se conceber nulidade a posteriori: a autoridade fiscal tem o dever jurídico (vinculado) de, ao concluir o lançamento de crédito constituído em decorrência de crime fiscal, proceder à respectiva comunicação ao Ministério Público para a propositura de ação penal. Não se compreende como, ao assim fazer, acabe por inviabilizar a persecutio criminis:


HABEAS CORPUS (...). QUADRILHA E CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ARTIGO 288 DO CÓDIGO PENAL E ARTIGO 1º, INCISOS I E II, DA LEI 8.137/1990). ALEGADA NULIDADE DA AÇÃO PENAL. PROCESSO CRIMINAL QUE TERIA SIDO DEFLAGRADO A PARTIR DE PROVAS ILÍCITAS. AVENTADA IMPOSSIBILIDADE DE QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. LEI COMPLEMENTAR 105/2001. PERMISSÃO DE FORNECIMENTO DE INFORMAÇÕES PELAS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS DIRETAMENTE À RECEITA FEDERAL. NORMA NÃO DECLARADA INCONSTITUCIONAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO.
1. O Supremo Tribunal, nos autos do RE 601.314/SP reconheceu a repercussão geral do tema referente à possibilidade de as instituições financeiras fornecerem, diretamente ao Fisco, informações sobre a movimentação bancária dos contribuintes.
2. Todavia, esta Corte Superior de Justiça firmou entendimento no sentido de que o reconhecimento de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal não enseja o sobrestamento dos recursos especiais e ações em trâmite neste Sodalício.
3. O trancamento de ação penal ou de inquérito policial em sede de habeas corpus é medida excepcional, só admitida quando restar provada, inequivocamente, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito.
4. A 1ª Seção desta Corte Superior de Justiça, no julgamento do REsp 1.134.655/SP, submetido ao rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil, consolidou o entendimento de que a quebra do sigilo bancário sem prévia autorização judicial, para fins de constituição de crédito tributário é autorizada pela Lei 8.021/1990 e pela Lei Complementar 105/2001, normas procedimentais cuja aplicação é imediata.
5. No caso dos autos, não se vislumbra qualquer ilegalidade no procedimento adotado pela autoridade fiscal que, com base nas normas legais vigentes, solicitou as informações que os investigados não prestaram diretamente às instituições financeiras, a despeito de terem sido para tanto intimados.
6. Habeas corpus não conhecido.
(STJ, HC n. 281.588, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 17.12.13)
CRIMINAL. HC. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. DENÚNCIA BASEADA EM PROVAS ILÍCITAS. INOCORRÊNCIA. LEI COMPLEMENTAR N.º 105/2001. RETROATIVIDADE. DADOS BANCÁRIOS COLHIDOS PELA AUTORIDADE FISCAL. UTILIZAÇÃO NA SEARA PENAL. POSSIBILIDADE. APRESENTAÇÃO DOS EXTRATOS PELO PRÓPRIO RÉU. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL NÃO EVIDENCIADA. LEI COMPLEMENTAR N.º 105/2001. INCONSTITUCIONALIDADE. QUESTÃO NÃO ANALISADA PELO TRIBUNAL A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E DENEGADA.
No campo tributário, esta Corte tem se orientado pela possibilidade de retroação do art. 6º da Lei Complementar n.º 105/2001 para atingir fatos geradores verificados anteriormente à sua vigência.
Precedentes da Primeira e Segunda Turmas.
Não havendo, a princípio, qualquer ilegalidade no procedimento adotado pelo fisco, nada impede que os resultados das diligências sejam encaminhados ao representante do Ministério Público Federal, o qual, visualizando possível incursão do paciente no tipo previsto no art. 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137/90, busque a melhor averiguação dos fatos.
Se a conduta do acusado, consolidada ainda entre os anos de 1997 e 2000, já constituída, à época, suposto crime, o conhecimento posterior desse fato pelo Parquet, em decorrência de atividade legalmente autorizada à fiscalização tributária, não pode ser considerado ilícito, a inquinar de nulidade todas as provas posteriores e inviabilizar a investigação policial.
Descabido o argumento de impossibilidade de os dados fiscais do indiciado serem encaminhados ao Ministério Público, pois resta evidenciado que o próprio acusado colaborou com as investigações fiscais, apresentando os extratos bancários que, posteriormente, serviram de motivação para a constituição de crédito tributário e para a denúncia.
Se o argumento referente à inconstitucionalidade do art. 6º da Lei Complementar n.º 105/2001 não foi objeto de debate e decisão por parte de órgão colegiado do Tribunal de origem, sobressai a flagrante incompetência desta Corte para a análise desta parte da irresignação, sob pena de indevida supressão de instância.
Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, denegada.
(STJ, HC n. 48.059, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 12.06.06)

Resta confirmada a validade da aplicação imediata da Lei Complementar n. 105/01 em relação a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência, pois se trata de norma caráter procedimental:

PENAL. TRIBUTÁRIO. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. 1. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INVIABILIDADE. MEDIDA EXCEPCIONAL. 2. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES OBTIDAS A PARTIR DA ARRECADAÇÃO DA CPMF PARA A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS. ARTS. 6º DA LC 105/2001 E 11, § 3º, DA LEI Nº 9.311/1996 NA REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 10.174/2001. NORMAS DE CARÁTER PROCEDIMENTAL. APLICAÇÃO RETROATIVA. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ART. 144, § 1º, DO CTN. 3. ORDEM DENEGADA.
(...)
2. A Lei Complementar nº 105/2001 revogou expressamente o art. 38 da Lei nº 4.595/1964, que autorizava a quebra de sigilo bancário apenas por meio de requerimento judicial.
3. Com o advento da Lei nº 9.311/1996, que instituiu a CPMF, determinou-se que as instituições financeiras responsáveis pela retenção dessa contribuição prestassem informações à Secretaria da Receita Federal, especificamente, sobre a identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações efetuadas, vedando, contudo, no seu § 3º a utilização desses dados para constituição do crédito relativo a outras contribuições ou impostos.
4. Todavia a Lei nº 10.174/2001 revogou o § 3º do art. 11 da Lei n.º 9.311/1991, permitindo a utilização das informações prestadas para a instauração de procedimento administrativo-fiscal a fim de possibilitar a cobrança de eventuais créditos tributários referentes a outros tributos.
5. O art. 144, § 1º, do CTN prevê que as normas tributárias procedimentais ou formais têm aplicação imediata, ao contrário daquelas de natureza material que somente alcançariam fatos geradores ocorridos durante a sua vigência.
6. Os dispositivos que autorizam a utilização de dados da CPMF pelo Fisco para apuração de eventuais créditos tributários referentes a outros tributos são normas procedimentais e, por essa razão, não se submetem ao princípio da irretroatividade das leis, ou seja, incidem de imediato, ainda que relativas a fato gerador ocorrido antes de sua entrada em vigor. Precedentes.
7. Habeas corpus denegado.
(STJ, HC n. 118.849, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, j. 07.08.12)

Do caso dos autos. O Eminente Relator Desembargador Federal Mauricio Kato entendeu que a prova dos fatos descritos na denúncia somente foi possível a partir da quebra de sigilo bancário sem autorização judicial, considerando-a imprestável, absolvendo o acusado.

Divirjo desse entendimento, contudo.

Considero válidas as provas obtidas mediante quebra do sigilo bancário, direta e justificadamente, pela Receita Federal, sem prévia autorização judicial, quando houver processo administrativo-fiscal instaurado, com fundamento no art. 6º da Lei Complementar n. 105, de 10.01.01.

Anoto que foi recentemente divulgado no Informativo do Supremo Tribunal Federal n. 814, de 29.02.16, pronunciamento do Plenário da Corte no RE n. 601.314, bem como nas ADIs n. 2390, 2859, 2397 e 2386 sobre a constitucionalidade do referido procedimento.

O Processo Administrativo-Fiscal n. 15983.000231/2005-97 foi instaurado com o objetivo de apurar a origem da movimentação financeira, sujeita à incidência de CPMF, que teria sido realizada pelo acusado nos anos-calendário 2000 a 2003.

A Receita Federal, no curso do mencionado processo administrativo-fiscal, obteve, diretamente, dos bancos Bradesco S/A, Banespa S/A, Itaú S/A, Schahin S/A e Nossa Caixa S/A informações sobre a movimentação financeira do acusado Jorge dos Santos do ano de 2000, que, à falta da comprovação da origem de parte dos créditos detectados, indicaram omissão de rendimentos, dando ensejo ao lançamento definitivo de crédito tributário.

O Termo de Verificação e Intimação Fiscal relatou que foi expedido Termo de Início de Fiscalização, via postal, recepcionado, tendo o acusado solicitado prorrogação de prazo para apresentação dos documentos requeridos pela fiscalização, consubstanciados em extratos das contas mantidas nos bancos Bradesco S/A, Banespa S/A, Itaú S/A, Schahin S/A e Nossa Caixa S/A e em indicativos idôneos da origem dos recursos internados nessas contas. Foram reiteradas as solicitações objeto do Termo de Início de Fiscalização por intermédio de Termo de Intimação, em que foi concedido novo prazo para atendimento, com o alerta de que a negativa injustificada de exibição dos documentos requeridos permitiria o acesso às informações junto às instituições financeiras.

Narra, em sequência, que face ao não atendimento das intimações, foram emitidas Requisições de Movimentação Financeira - RMF às referidas instituições financeiras, que encaminharam os extratos bancários do acusado.

Evidencia-se que a Receita Federal somente procedeu à quebra do sigilo bancário, mediante envio da Requisição de Informações sobre Movimentação Financeira - RMF, em decorrência da inércia do fiscalizado em atender às intimações com esclarecimentos e documentos, considerados imprescindíveis ao prosseguimento da fiscalização.

A Lei Complementar n. 105/2001 prevê que, recebidas as informações de ilícito fiscal, as autoridades fazendárias poderão requisitar às instituições financeiras, também consideradas como tais as administradoras de cartão de crédito (art. 1º, § 1º, VI), as informações e os documentos de que necessitar, sem prévia autorização judicial, e desde que haja processo administrativo-fiscal em curso (art. 5º, § 4º e art. 6º), daí decorrendo o dever jurídico (vinculado) de, ao concluir o lançamento de crédito constituído em decorrência de crime fiscal, proceder à respectiva comunicação ao Ministério Público.

Não se entrevê ilicitude na colheita das provas na fase administrativa, portanto.

Nesse mesmo sentido é o parecer da Ilustre Procuradora Regional da República (fls. 223/230).

Não procede a alegação defensiva de ausência de intimação do acusado do resultado da impugnação que apresentou ao auto de infração. Consta que a impugnação administrativa foi julgada improcedente com a prolação do Acórdão n. 01-11.749 da 2ª Turma da Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento de Belém (PA) e o acusado foi regularmente intimado, por via postal, com aviso de recebimento, sendo lavrado Termo de Perempção que atestou o decurso do prazo para recorrer à instância superior, o que culminou com a inscrição do crédito tributário em Dívida Ativa da União (fls. 93/105, 109, 111 e 114/117).

Em acréscimo, a Delegacia da Receita Federal em Santos (SP) informou que o contribuinte foi cientificado do julgamento da impugnação e o crédito tributário tornou-se definitivamente constituído pelo decurso do prazo legal sem apresentação de recurso voluntário, sendo o processo administrativo encaminhado para inscrição em Dívida Ativa da União em 14.11.08 (fl. 138).

Preliminar que se rejeita.

Movimentação financeira. Omissão de receita. Tipicidade. A existência de valores creditados em conta corrente ou investimentos instituição financeira, sem a adequada comprovação de origem configura o delito de sonegação fiscal:


PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - SONEGAÇÃO FISCAL (ART. 1º, I c.c. ART. 12 LEI 8.137/90,E ART. 71, CP) - DENÚNCIA REJEITADA - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - MATERIALIDADE EVIDENCIADA E EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA - REQUISITOS PARA INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL EVIDENCIADOS - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO.
(...)
2. Os documentos que instruem a denúncia revelam a existência de valores creditados em conta de depósito ou de investimentos, mantidas em instituição financeira, sem a necessária comprovação da origem, restando configurada, para efeitos de instauração da ação penal, a materialidade delitiva.
3. Ao ser instada pela fiscalização fazendária, a acusada assumiu inteira responsabilidade pela movimentação financeira, sem justificar, de modo aceitável, os valores apontados.
4. A ação penal, assim, é viável.
5. Recurso provido. Denúncia recebida, com instauração da ação penal e remessa dos autos à origem para regular processamento.
(TRF da 3ª Região, 5ª Turma, RSE n. 2003618100988625-SP, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, unânime, j. 04.06.07, DJ 03.07.07, p. 498)

A movimentação de numerário de pessoa jurídica em conta particular do sócio dificulta a fiscalização tributária da pessoa jurídica, a evidenciar, conforme as circunstâncias, o intuito fraudulento:


PENAL. PROCESSUAL PENAL. (...) SONEGAÇÃO FISCAL. ART. 1º, I, DA LEI 8.137/90. (...) LICITUDE DA PROVA PRODUZIDA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. (...)
(...)
9- É inegável a vontade livre e consciente do acusadode suprimir tributos. A figura do sócio não se confunde com a da pessoa jurídica. A movimentação de numerário desta em conta particular do sócio dificulta a fiscalização tributária da pessoa jurídica, evidenciando o intuito fraudulento do acusadoque, inclusive, confirmou em seu interrogatório a existência do comércio informal de veículos e o depósito do valor total das transações na sua conta corrente.
(...)
16- Apelação do acusado improvida. Recurso do Ministério Público parcialmente provido.
(TRF da 3ª Região, 2ª Turma, ACR n. 200261110005063-SP, Rel. Des. Fed. Henrique Herkenhoff, unânime, j. 15.04.08, DJ 25.04.08, p. 667)

Materialidade. A materialidade delitiva restou satisfatoriamente comprovada por intermédio dos seguintes elementos:

a) Auto de Infração e demonstrativos de apuração (fls. 11/17);
b) Termo de Verificação e Intimação Fiscal (fls. 18/19);
c) relação dos depósitos/créditos a comprovar (fls. 20/85 e 93);
d) Termo de Encerramento (fl. 94);
e) Ofício n. 146/2010 da Procuradoria Seccional da Fazenda Nacional em Santos (SP), com data de 09.06.10, que informou o valor atualizado do crédito tributário, correspondente a R$ 2.661.751,30 (dois milhões, seiscentos e sessenta e um mil, setecentos e cinquenta e um reais e trinta centavos), e ausência de pagamento ou parcelamento (fl. 99);
f) Acórdão n. 01-11.749 da 2ª Turma da Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento de Belém (PA), que julgou procedente o lançamento (fls. 93/105);
g) Termo de Perempção (fl. 111);
h) Termo de Inscrição em Dívida Ativa, realizada em 19.02.09 (fls. 115/117);
i) Ofício n. 394/2013 da Delegacia da Receita Federal em Santos (SP), com data de 24.04.13, que informou que o lançamento foi impugnado, o contribuinte foi cientificado do julgamento da impugnação e o crédito tributário tornou-se definitivamente constituído pelo decurso do prazo legal sem apresentação de recurso voluntário, sendo o processo administrativo encaminhado para inscrição em Dívida Ativa da União (fl. 138);
j) Ofício n. 74/2013 da Procuradoria Seccional da Fazenda Nacional em Santos (SP), que informou que o crédito tributário controlado no Processo Administrativo-Fiscal n. 15983.000231/2005-97 foi constituído definitivamente em 13.11.08 (fl. 141).

Autoria. A autoria delitiva restou satisfatoriamente comprovada.

Não obstante o acusado tenha declarado, extrajudicial e judicialmente, que era despachante ao tempo dos fatos e a movimentação financeira detectada pela fiscalização tributária era relacionada a depósitos efetuados por seus clientes, que pagavam taxas de veículos, multas e outros encargos devidos ao DETRAN/SP (fls. 10 e 177/177v.), não foram apresentados documentos que comprovassem a efetiva prestação desses serviços, não convencendo que não tenha mantido consigo nem mesmo cópias dos recibos dos pagamento de taxas realizados.

Verifica-se divergência entre os interrogatórios policial e judicial do acusado, que ora afirmou que, ao tempo dos fatos, já estava constituída a Xodó Despachantes Policiais, da qual era o "efetivo gerente" (fl. 10), ora que, naquela mesma época, ainda "não tinha empresa, era tudo como pessoa física" (fl. 177). Não foi colacionado aos autos o contrato social da referida empresa, de modo a confirmar a data de sua constituição e a administração exercida pelo acusado. De todo modo, importa assinalar que a movimentação de numerário de pessoa jurídica em conta particular do sócio dificulta a fiscalização tributária da pessoa jurídica, a evidenciar, conforme as circunstâncias, o intuito fraudulento, como visto acima.


Os depoimentos das testemunhas de defesa Jorge Gomes Castelão, Eduardo Henrique Pereira Duarte e Elisa Pereira de Jesus Souza não tem o condão de isentar o acusado da responsabilidade criminal pela prática dos fatos (fls. 174/176). Mesmo as declarações de Eduardo Henrique no sentido de que o acusado efetivamente recebia valores de clientes em sua conta pessoa física pelos serviços prestados como despachante não são hábeis a infirmar a autuação fiscal.

É fato que não foi apresentada documentação que justificasse as expressivas quantias movimentadas nas contas bancárias fiscalizadas, que alcançaram a elevada soma de R$ 2.329.404,68 (dois milhões, trezentos e vinte e nove mil, quatrocentos e quatro reais e sessenta e oito centavos), no ano-calendário de 2000, ou que demonstrasse a origem dos recursos utilizados nessas operações, sendo os depósitos bancários cuja origem não foi comprovada considerados omissão de receitas pelo Fisco, a teor do art. 42 da Lei n. 9.430/96 (cfr. fls. 12/19).

É dispensável a comprovação do dolo específico, bastando a demonstração de que o acusado omitiu às autoridades fazendárias informações sobre sua movimentação bancária, cuja origem não esclareceu, e, assim agindo, suprimiu tributos devidos, do que decorreu a constituição de crédito tributário de R$ 2.661.751,30 (dois milhões, seiscentos e sessenta e um mil, setecentos e cinquenta e um reais e trinta centavos) (fls. 99 e 105, apenso I).

Restaram suficientemente comprovadas a materialidade, a autoria e o dolo do acusado na prática do delito do art. 1°, I, da Lei n. 8.137/90, sendo de rigor a manutenção de sua condenação.

Dosimetria. Consideradas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, o MM. Magistrado a quo fixou a pena-base acima do mínimo legal em 3 (três) anos de reclusão.

Sem agravantes ou atenuantes genéricas, reconheceu a incidência da agravante específica do art. 12, I, da Lei n. 8.137/90, majorando a pena em 1/3 (um terço), o que resultou em 4 (quatro) anos de reclusão, que tornou definitiva, à míngua de causas de diminuição, ou de aumento de pena.

Arbitrou a pena de multa em 20 (vinte) dias-multa, no valor unitário de 50 (cinquenta) Bônus do Tesouro Nacional - BTN.

Estabeleceu o regime inicial aberto.

Substituiu a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e na prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos, em favor de entidade pública, ambas por igual período, em conformidade com o definido pelo Juízo das Execuções Criminais.

A defesa requer a redução da pena-base e a exclusão da causa de aumento do art. 12, I, da Lei n. 8.137/90, bem como que, reduzida a pena, seja reconhecida a prescrição da pretensão punitiva, por ter transcorrido mais de 8 (oito) anos entre a constituição do crédito tributário e a denúncia.

A pena-base foi arbitrada na sentença nos seguintes termos:


Diante da explanação, passo à dosimetria da pena do réu Jorge dos Santos, a teor do art. 59, caput, do Código Penal:
Culpabilidade: traduz-se a conduta do réu em reprovação social, em especial em relação à proteção ao sistema de arrecadação de tributos do Estado;
Antecedentes: são desabonadores, a teor das certidões às fls. 45/48, 58/63, 119/120 e 122, inclusive, com sentença condenatória por receptação (CP, art. 180) e condenação por crime contra a ordem tributária (lei n.º 8137/90), mas, não o suficiente para caracterizar a reincidência e sim maus antecedentes;
Conduta social: nada de desabonador apurou-se;
Personalidade do agente: nada de desabonador apurou-se;
Motivos determinantes: merece uma maior reprovação a conduta do réu Jorge, pois ele demonstrou um egoísmo ao concorrer na redução de tributos (Imposto de Renda - Pessoa Física) que deveria ser repassado aos cofres públicos;
Circunstâncias objetivas: observo que o delito foi perpetrado, com a redução de tributo (Imposto de Renda - Pessoa Física) por meio de omissão da ocorrência de fatos geradores de obrigação tributária, no período de janeiro a dezembro de 2000, no valor consolidado em R$ 3.016.858,59 (atualizado na competência abril de 2013), trazendo dificuldade à autoridade fiscal para descobrir e reprimir tal conduta;
Consequências: o dano causado por essa conduta delitiva à Fazenda Pública foi expressivo, uma vez que deixaram de ingressar aos cofres públicos valores que seriam utilizados no interesse geral, além é claro de ter proporcionado, pela evasão fiscal, um ganho ao réu Jorge dos Santos;
Comportamento da vítima: aqui não se pode imputar o comportamento da vítima nessa forma delitiva, uma vez que a vítima é, diretamente, o Estado e, indiretamente, toda a sociedade, a qual a lei, por si só, presume vulnerável.
Diante das circunstâncias judiciais analisadas, fixo ao réu Jorge dos Santos, pela prática do crime do art. 1º, I (omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias), da Lei n.º 8.137/90, a pena-base de 3 (três) anos de reclusão (destaques originais, fl. 197/197v.)

Verifico que às fls. 45/48, 58/63, 119/120 e 122, indicadas na sentença, há, de fato, registro do Processo n. 138/02 (ou 223.02.2002.013478), da 3ª Vara Criminal do Guarujá (SP), contra o acusado, condenado em 27.02.08 pela prática do delito do art. 180 do Código Penal, bem como dos Processos n. 3.667/06 (ou 223.02.2006.003667) e 6.279/06 (ou 223.02.2006.006280), relacionados a mesma Vara, contra o acusado, condenado em ambos pela prática do delito do art. 1º da Lei n. 8.137/90, por decisões de 03.06.08 e 11.09.08, respectivamente.

Divirjo, contudo, do entendimento do MM. Magistrado a quo quanto à consideração desses apontamentos para exasperação da pena-base, a título de maus antecedentes, tendo em vista que não há informação nos autos sobre o trânsito em julgado.

Reputo a culpabilidade, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos e circunstâncias do delito e o comportamento da vítima normais à espécie.

O valor do débito é circunstância judicial passível de ensejar a exasperação da pena-base do delito de sonegação fiscal (STJ, AGARESP n. 201300501322, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo, Des. Conv. do TJ/PE, j. 24.03.15; HC n. 201400942633, Rel. Min. Ericson Maranho, Des. Conv. do TJ/SP, j. 18.12.14; RESP n. 200901397670, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, j. 20.06.13; HC n. 201001879839, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 07.05.13; HC n. 200602476529, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 08.05.07; TRF 3ª Região, ACR n. 00037483820114036110, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 27.04.15; ACR n. 00156227920044036105, Rel. Des. Fed. Marcelo Saraiva, j. 25.11.14; EIFNU n. 01039128519944036181, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 21.11.13; ACR n. 00088818120074036181, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, j. 28.05.13).

No caso, é elevado o montante sonegado e correspondente a R$ 640.586,29 (seiscentos e quarenta mil, quinhentos e oitenta e seis reais e vinte e nove centavos) - excluídos os juros e multa - (fl. 105, apenso I).

No entanto, a jurisprudência considera inadmissível bis in idem valorar negativamente a gravidade do dano na primeira fase da determinação da pena-base como circunstância judicial (CP, art. 59, caput) e, depois, também como causa de aumento (Lei n. 8.137, art. 12, I) (STJ, HC n. 200602476529, Min. Rel. Gilson Dipp, j. 08.05.07; TRF 3ª Região, ACR n. 04006814619964036103, Juiz Fed. Convocado Márcio Mesquita, j. 04.12.07; TRF 2ª Região, ACR n. 200650020003508, Des. Fed. Vigdor Teitel, j. 18.08.10; TRF 4ª Região, ACR n. 200271000166146, Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, j. 28.03.07; TRF 4ª Região, ACR n. 200004010006151, Des. Fed. Élcio Pinheiro de Castro, j. 20.08.03).

Assim, exaspero a pena em função da gravidade do dano tão somente na terceira fase da dosimetria, pela incidência da causa de aumento do art. 12, I, da Lei n. 8.137/90.

Pelas razões expostas, reduzo a pena-base para o mínimo legal de 2 (dois) anos de reclusão, à vista da ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao acusado e, sem circunstâncias atenuantes, agravantes, ou causas de diminuição, majoro a pena no mínimo legal de 1/3 (um terço) em razão da causa de aumento do art. 12, I, da Lei n. 8.137/90, comprovado o grave dano à coletividade pelo expressivo montante sonegado, o que resulta a pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, que torno definitiva, à míngua de outras causas de aumento de pena.

Por paralelismo, adotados os mesmos critérios utilizados na dosimetria da pena privativa de liberdade, fixo a pena de multa em 13 (treze) dias-multa.

No que tange ao valor do dia-multa, considerando que o Bônus do Tesouro Nacional - BTN foi extinto em 1991, nos termos do art. 3º, da Lei n. 8.177/91, deve ser aplicado o disposto no art. 49, § 1º, observado, ainda, o disposto no art. 60, ambos do Código Penal, para a fixação do valor unitário do dia-multa, utilizando-se como índice o salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato (TRF da 3ª Região, ACr n. 200461260017663, Rel. Henrique Herkenhoff, j. 22.01.08).

Retifico, de ofício, o valor do dia-multa, fixado em 50 (cinquenta) BTNs, para 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato, corrigido monetariamente quando do pagamento, à vista da inexistência de informações atualizadas nos autos sobre a situação econômica do acusado.

Assinalo que a redução da pena-base ao mínimo legal, tornando-a definitiva em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa, não enseja o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva com base na nova pena, no julgamento deste recurso, à míngua de trânsito em julgado para a acusação.

Mantenho o regime inicial de cumprimento de pena e a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos conforme determinado na sentença.

Ante o exposto, RETIFICO, ex officio, o valor do dia-multa, considerada a extinção do Bônus do Tesouro Nacional - BTN, e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação da defesa do acusado Jorge dos Santos para reduzir a pena-base ao mínimo legal e condená-lo definitivamente a 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e a 13 (treze) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, pela prática do delito do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90, mantidos os demais termos da sentença (divirjo do Relator).

É o voto.


Andre Nekatschalow


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005113-48.2011.4.03.6104/SP
2011.61.04.005113-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : JORGE DOS SANTOS
ADVOGADO : SP156748 ANDRE LUIZ ROXO FERREIRA LIMA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00051134820114036104 5 Vr SANTOS/SP

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Criminal interposta por JORGE DOS SANTOS contra a r. sentença de fls. 194/199, proferida pelo MM. Juiz Federal da 5ª Vara Federal de Santos/SP, que o condenou à pena de 04 (quatro) anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial aberto e ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa, no valor unitário de 50 (cinquenta) BTNs, pela prática do delito previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/90.

As penas privativas de liberdade foram substituídas, nos termos do artigo 44 do Código Penal por duas restritivas de direito consistentes em prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos à entidade pública e de serviços à comunidade ou a entidades públicas, por período igual ao fixado para a pena corporal, a s ser fixado, no mais, pelo juízo da execução penal.

Nas razões de recurso (fls. 206/210), a defesa alega, em síntese:

a) ilegalidade das provas colhidas no procedimento administrativo fiscal com a indevida quebra do sigilo bancário e ausência das devidas notificações do contribuinte;

b) que há provas de que a movimentação financeira nas contas bancárias do acusado correspondia a valores de terceiros destinados ao pagamento de taxas, decorrente da prestação de serviço como despachante;

c) ausência de dolo;

d) a necessidade de afastamento da causa de aumento do artigo 12, I, da Lei n. 8.137/90 e a redução da pena-base ao mínimo legal; e

e) por fim, em caso de eventual redução de pena, pleiteia o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva retroativa.

A acusação não apresentou recurso (fl. 201).

Contrarrazões da acusação às fls. 213/216.

A Procuradoria Regional da República, por sua ilustre representante, Dra. Sônia Maria Curvello, opinou pelo parcial provimento do recurso da defesa, com o afastamento da acusa de aumento prevista no artigo 12, I, da Lei n. 8.137/90 (fls. 220/232).

É o relatório.

À revisão.

MAURICIO KATO
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005113-48.2011.4.03.6104/SP
2011.61.04.005113-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : JORGE DOS SANTOS
ADVOGADO : SP156748 ANDRE LUIZ ROXO FERREIRA LIMA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00051134820114036104 5 Vr SANTOS/SP

VOTO

JORGE DOS SANTOS foi denunciado como incurso nas penas do artigo 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/90, por ter suprimido/reduzido tributos, mediante a omissão de informações às autoridades fazendárias na declaração de Imposto de Renda Pessoa Física, do ano-calendário de 2000.

Narra a denúncia (fls. 33/34) que:

A Delegacia da Receita Federal do Brasil em Santos/SP procedeu à lavratura de Auto de Infração em face do denunciado, tendo em vista a elevada omissão de renda (fls. 12/15 do Apenso I).

Tal apuração se baseou no fato do denunciado, durante o período de janeiro a dezembro de 2000, ter movimentado em suas contas correntes (Banco Banespa S/A, Banco Itaú S/A, Banco Schahim S/A e Banco Nossa Caixa S/A) R$ 2.329.404,68 (dois milhões, trezentos vinte e nove mil, quatrocentos e quatro reais e sessenta e oito centavos) (fls. 15 do apenso I), não se declarando tais valores à autoridade fiscal.

(...)

Assim sendo, o denunciado omitiu da autoridade fiscal a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, eximindo-se do pagamento do tributo, razão pela qual praticou o delito previsto no artigo 1º, I, da Lei nº 8.137/90.

A denúncia foi recebida em 02/08/2011 (fls. 35/37) e a sentença condenatória publicada em 21/08/2013 (fl. 200).

Passo à matéria devolvida.

Primeiramente, analiso a alegada ilicitude de prova obtida pela Receita Federal pela quebra do sigilo bancário.

O apelante alega que o processo administrativo esta eivado de vícios decorrentes da não observância do princípio da publicidade, ante a ausência das devidas notificações, bem como da indevida quebra de sigilo bancário.

De fato. Verifico, compulsando os autos, que a comprovação dos fatos descritos na denúncia somente foi possível a partir da quebra de sigilo bancário de forma ilícita, qual seja, por autoridade administrativa, sem autorização judicial.

A inviolabilidade do sigilo de dados, inserta no artigo 5º, XII, da Constituição Federal correlaciona-se com as garantias fundamentais da intimidade e privacidade, insculpidas no inciso X, do mesmo artigo e, conquanto não se revistam de caráter absoluto, como consabido, constituem manifestações expressivas do direito da personalidade frente às intromissões de terceiros, mormente, de atos arbitrários por parte de qualquer órgão do Poder Público.

No particular, a Constituição Federal assim determina:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
..........................................
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Neste contexto, exsurge a excepcionalidade da quebra do sigilo de dados, em especial do sigilo bancário, em casos de investigação criminal ou instrução processual penal, conforme se extrai do texto constitucional, sendo indispensável, sempre, a autorização judicial (excetuadas as determinações das Comissões Parlamentares de Inquérito, que por força de dispositivo constitucional despõem de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais).

A inviolabilidade de dados assegurada no texto constitucional acima transcrito está clausulada de forma absolutamente explícita e somente admite exceção mediante atuação de autoridade judiciária e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

E a quebra aqui tratada foi efetivada por autoridade administrativa do banco central que, evidentemente, não pode ser equiparada a autoridade judiciária e, ainda, não se destinou, na origem, à investigação criminal, mas exclusivamente a apuração de eventual ilícito administrativo.

Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal assim já se pronunciou:

"SIGILO DE DADOS - ATUAÇÃO FISCALIZADORA DO BANCO CENTRAL - AFASTAMENTO - INVIABILIDADE. A atuação fiscalizadora do Banco Central do Brasil não encerra a possibilidade de, no campo administrativo, alcançar dados bancários de correntistas, afastando o sigilo previsto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal" (RE 461366 / DF, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, maioria, DJ 05-10-2007, pág. 025).

E, ainda, em sua composição plenária:

"SIGILO DE DADOS - AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção - a quebra do sigilo - submetida ao crivo de órgão equidistante - o Judiciário - e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal. SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS - RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal - parte na relação jurídico-tributária - o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte" (STF, RE 389.808, pleno, maioria, rel. Marco Aurélio, DJe 09/05/2011).

Cabe lembrar, ainda, que mesmo nos casos em que tenha sido respeitada a reserva da jurisdição e o campo próprio de atuação (criminal), o sigilo só pode ser quebrado se houver elementos que indiciem de forma minimamente provável a existência de autoria e materialidade delitivas.

Tais elementos devem estar presentes em momento anterior à decretação da quebra do sigilo. Em outras palavras, a quebra do sigilo constitucionalmente assegurado, ainda quando autorizado por decisão judicial, não pode ter o caráter exploratório, mas se destinar a complementar provas já anteriormente colhidas.

Esse é o entendimento já consagrado pelo Supremo Tribunal Federal, pois o Ministro Celso de Melo, ao proferir voto na Medida Cautelar em Ação Cautelar nº 33, conferiu tratamento judicioso ao tema. Confira-se:

(...) Tenho enfatizado, por isso mesmo, que a quebra do sigilo bancário - ato que se reveste de extrema gravidade jurídica - só deve ser decretada, e sempre em caráter de absoluta excepcionalidade, quando existentes fundados elementos que justifiquem, a partir de um critério essencialmente apoiado na prevalência do interesse público, a necessidade da revelação dos dados pertinentes às operações financeiras ativas e passivas resultantes da atividade desenvolvida pelas instituições bancárias.
A relevância do direito ao sigilo bancário impõe, por isso mesmo, cautela e prudência ao poder Judiciário na determinação da ruptura da esfera de privacidade individual que o ordenamento jurídico, em norma de salvaguarda, pretendeu submeter à clausula tutelar de reserva constitucional (CF, art.5º, X).
(...) Contudo para que esta providência extraordinária, e sempre excepcional, que é a decretação da quebra de sigilo bancário seja autorizada, revela-se imprescindível a existência de causa provável, vale dizer de fundada suspeita quanto a ocorrência de fato cuja apuração resulte exigida pelo interesse público.
Na realidade, sem causa provável, não se justifica, sob pena de inadmissível consagração do arbítrio estatal e de inaceitável opressão ao indivíduo pelo poder Público, a "disclosure" das contas bancárias, eis que a decretação da quebra do sigilo bancário não pode converter-se num instrumento de indiscriminada e ordinária devassa da vida financeira das pessoas em geral.
(...)
A exigência de preservação do sigilo bancário - enquanto meio expressivo de proteção ao valor constitucional da intimidade - impõe ao estado o dever de respeitar a esfera jurídica de cada pessoa. A ruptura desse círculo de imunidade só se justificará desde que ordenada por órgão estatal investido, nos termos do nosso estatuto constitucional, da competência jurídica para suspender, excepcional e motivadamente, a eficácia do princípio da reserva das informações bancárias.
Em tema de ruptura do sigilo bancário, somente os órgãos do poder judiciário dispõem do poder de decretara esta medida extraordinária, sob pena da autoridade administrativa interferir, indevidamente, na esfera de privacidade constitucional assegurada às pessoas. Apenas o |Judiciário, ressalvada a competência das Comissões Parlamentares de Inquérito (CF, art.58,§3º)pode eximir as instituições financeiras do dever que lhes incumbe em tema de sigilo bancário. (...)

Esse entendimento tem sido acolhido reiteradamente pelo pleno do Supremo Tribunal. Confira-se sobre o tema a seguinte ementa:

"E M E N T A: CRIME ELEITORAL - DELITO DE DESOBEDIÊNCIA (ART. 347 DO CÓDIGO ELEITORAL) - ALEGAÇÃO DE FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A INSTAURAÇÃO DA PERSECUÇÃO PENAL - POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL, MESMO EM SEDE DE "HABEAS CORPUS", PORQUE LÍQUIDOS OS FATOS SUBJACENTES À ACUSAÇÃO PENAL - QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO - GERENTES DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE SÓ DEIXAM DE CUMPRIR A ORDEM JUDICIAL, EM FACE DA AUSÊNCIA, NELA, DE DADOS ESSENCIAIS À SUA FIEL EXECUÇÃO - INOCORRÊNCIA DE DOLO - NÃO-CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE DESOBEDIÊNCIA - "HABEAS CORPUS" DEFERIDO. PERSECUÇÃO PENAL - AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA - CONSTATAÇÃO OBJETIVA DA LIQUIDEZ DOS FATOS - POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL EM SEDE DE "HABEAS CORPUS". - É lícito, ao Poder Judiciário, mesmo na via sumaríssima da ação de "habeas corpus", verificar se existe, ou não, justa causa para a instauração da "persecutio criminis", ainda que já iniciado, em juízo, o procedimento penal. - Para que tal controle jurisdicional se viabilize, no entanto, impõe-se que inexista qualquer situação de iliquidez ou de dúvida objetiva quanto aos fatos subjacentes à acusação penal, pois o reconhecimento da ausência de justa causa, para efeito de extinção do procedimento persecutório, reveste-se de caráter extraordinário, quando postulado em sede de "habeas corpus". Precedentes. A QUEBRA DE SIGILO NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE DEVASSA INDISCRIMINADA, SOB PENA DE OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INTIMIDADE. - A quebra de sigilo não pode ser manipulada, de modo arbitrário, pelo Poder Público ou por seus agentes. É que, se assim não fosse, a quebra de sigilo converter-se-ia, ilegitimamente, em instrumento de busca generalizada e de devassa indiscriminada da esfera de intimidade das pessoas, o que daria, ao Estado, em desconformidade com os postulados que informam o regime democrático, o poder absoluto de vasculhar, sem quaisquer limitações, registros sigilosos alheios. Doutrina. Precedentes. - Para que a medida excepcional da quebra de sigilo bancário não se descaracterize em sua finalidade legítima, torna-se imprescindível que o ato estatal que a decrete, além de adequadamente fundamentado, também indique, de modo preciso, dentre outros dados essenciais, os elementos de identificação do correntista (notadamente o número de sua inscrição no CPF) e o lapso temporal abrangido pela ordem de ruptura dos registros sigilosos mantidos por instituição financeira. Precedentes.
CRIME DE DESOBEDIÊNCIA (ART. 347 DO CÓDIGO ELEITORAL) - GERENTES DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE SÓ DEIXAM DE CUMPRIR ORDEM JUDICIAL DE QUEBRA DE SIGILOBANCÁRIO, PORQUE NELA AUSENTES DADOS ESSENCIAIS - INEXISTÊNCIA DE DOLO - NÃO-CARACTERIZAÇÃO DE DELITO ELEITORAL. - Não pratica o crime de desobediência previsto no art. 347 do Código Eleitoral, o gerente de instituição financeira que somente deixa de cumprir ordem de quebra de sigilo bancário emanada da Justiça Eleitoral, porque não indicados, pelo magistrado que a ordenou, elementos essenciais à fiel execução da determinação judicial, como a correta identificação do correntista (referência ao seu CPF, p. ex.) e a precisa delimitação temporal (que não pode ser indeterminada) correspondente ao período abrangido pela investigação estatal" (HC 84758 / GO, DJ 16-06-2006, pág. 05).

No caso dos autos, porém, a Receita Federal do Brasil, no exercício de suas atribuições, instaurou procedimento administrativo fiscal com propósito específico de examinar a origem de movimentação financeira sujeita à incidência da CPMF, nos anos-calendário 2000 a 2003 e, para tanto, solicitou diretamente, sem intervenção judicial alguma, informações a instituições financeiras, de posse das quais apurou, lavrou autos de infração e constituiu crédito tributário (fls. 18 e seguintes do apenso I).

Em afronta as normas que regem a inviolabilidade do sigilo bancário, tais documentos fundamentaram representação fiscal para fins penais e, posteriormente, instruíram inquérito policial que deu suporte, com exclusividade, à denúncia ofertada pelo Ministério Público Federal

As demais provas coletadas no âmbito da ação criminal foram dirigidas a partir dos dados colhidos de maneira ilícita na fase extrajudicial.

Deste modo, ainda que presentes outros elementos de convicção que, eventualmente, pudessem dar suporte ao decreto condenatório, inegavelmente, encontrar-se-iam contaminados pelo vício de origem.

Desconsiderando-se as provas de materialidade e autoria que derivam da indevida quebra de sigilo bancário, portanto imprestáveis, não restam elementos a embasar a sentença condenatória, sendo de rigor a absolvição do acusado.

Neste sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, ainda que o caso não guarde perfeita identidade com o dos presentes autos:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. AÇÃO PENAL DEFLAGRADA COM BASE EM DADOS DECORRENTES DE QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO REALIZADA DIRETAMENTE POR AUDITOR FISCAL. AUSÊNCIA DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA PROVA PARA FINS PENAIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO.PROVIMENTO DO RECLAMO.
1. A 1ª Seção desta Corte Superior de Justiça, no julgamento do REsp 1.134.655/SP, submetido ao rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil, consolidou o entendimento de que a quebra do sigilo bancário sem prévia autorização judicial, para fins de constituição de crédito tributário é autorizada pela Lei 8.021/1990 e pela Lei Complementar 105/2001, normas procedimentais cuja aplicação é imediata.
2. Contudo, conquanto atualmente este Sodalício admita a quebra de sigilo bancário diretamente pela autoridade fiscal para fins de constituição do crédito tributário, o certo é que tal entendimento não se estende à utilização de tais dados para que seja deflagrada ação penal, por força do artigo 5º da Constituição Federal, e nos termos do artigo 1º, § 4º da Lei Complementar 105/2001.
3. No caso dos autos, de acordo com o termo de conclusão de fiscalização, a ação fiscal foi iniciada por meio de cruzamento dos valores das saídas declaradas no livro eletrônico fiscal, escrituradas pelo contribuinte, com os decorrentes das vendas com cartões Visa, Master e Amex, informados diretamente pelas respectivas administradoras, tendo os referidos dados sido, então, utilizados para a instauração de inquérito policial e posterior deflagração de ação penal contra o recorrente, o que, como visto, não é admitido pelo ordenamento jurídico pátrio, estando-se diante de prova ilícita, o que revela o constrangimento ilegal a que está sendo submetido.
4. Recurso provido para determinar o trancamento do processo criminal em apreço, sem prejuízo do oferecimento de nova denúncia com base em outras provas.
(RHC 52.067/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 03/02/2015) (g.n)

Por estes fundamentos, acolho a preliminar arguida pela defesa e por consequência, declaro imprestáveis as provas coligidas para dar provimento ao recurso da defesa e absolver JORGE DOS SANTOS da prática do delito tipificado no artigo 1º, I, da Lei n. 8.137/90, nos termos do artigo 386, VII, do Código de Processo Penal.

É como voto.

MAURICIO KATO
Desembargador Federal Relator


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