Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006030-96.2013.4.03.6104/SP
2013.61.04.006030-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO
APELANTE : PIERLUIGI TURCHETTI
ADVOGADO : SP153250 DANIELA DELMANTO PRADO e outro(a)
APELADO(A) : JULIANA FERNANDES ALVARES TURCHETTI
ADVOGADO : SP031189 MARIA CRISTINA ZARIF
No. ORIG. : 00060309620134036104 2 Vr SANTOS/SP

EMENTA

DIREITO INTERNACIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DECRETO N. 3.413, DE 14.4.2000. CONVENÇÃO SOBRE OS ASPECTOS CIVIS DO SEQUESTRO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS. COOPERAÇÃO JURÍDICA ENTRE ESTADOS SOBERANOS. AÇÃO DE BUSCA, APREENSÃO E RESTITUIÇÃO PROPOSTA PELA UNIÃO FEDERAL. COMPROVAÇÃO. EXCEÇÃO. INTEGRAÇÃO DA CRIANÇA EM SEU NOVO MEIO (ART. 12). RISCO DE GRAVE PERIGO DE ORDEM FÍSICA OU PSÍQUICA (ARTIGO 13). APELAÇÕES DESPROVIDAS.
1. O propósito da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças (Convenção da Haia de 1980), internalizada pelo Brasil através do Decreto 3.413, de 14 de abril de 2000, reside na proteção da criança, no âmbito internacional, dos efeitos nocivos decorrentes da transferência ilegal de menores e sua retenção ilícita no exterior.
2. Não obstante a referida Convenção tenha por escopo, nos termos do seu art. 1º, assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente, o seu princípio basilar constitui-se no interesse superior do menor, enquanto norma de garantia cuja observância é obrigatória, devendo prevalecer.
3. Em atenção a tal parâmetro, tem-se que a Convenção da Haia de 1980 não somente institui um sistema de imediato retorno da criança subtraída, nas hipóteses de transferência ou retenção ilícita, mas condiciona a execução de tal determinação à não verificação de exceções expressamente previstas. Precedentes.
4. A causa de pedir, in casu, sustenta-se na alegação de que a permanência do menor no Brasil configura ilícito, nos termos do art. 3, da Convenção da Haia de 1980, perpetrado pela genitora, junto com a qual o menor convive atualmente.
5. Do exame caso, não se verifica, contudo a configuração de transferência ou retenção ilícita do menor, porquanto o conjunto probatório dos autos demonstra, em grau suficiente, que a família, ao vir ao Brasil, possuía efetivamente a intenção de fixar residência, face às circunstâncias analisadas, sendo contatada a modificação da residência habitual da criança.
6. Para além da questão concernente à alteração da residência habitual do menor, demonstram as provas, igualmente, a caracterização de hipótese de exceção à determinação de retorno imediato, nos termos dos artigos 12 e 13, da Convenção da Haia de 1980.
7. A prova pericial produzida demonstrou, indene de dúvidas, que o menor já se encontra totalmente integrado em seu novo meio (art. 12), e consignou que o retorno à Itália da criança, que se encontra no Brasil desde 2011, neste momento, implicaria em risco grave e perigo à sua ordem psíquica (art. 13).
8. Observa-se que as exceções previstas na Convenção da Haia de 1980 atendem ao seu aspecto finalístico e visam a garantir o direito do menor de não ser transferido de sua residência habitual sem a suficiente garantia de estabilidade em um novo ambiente, assegurando-se, assim, a sua não exposição a perigo físico ou psicológico ou a uma situação intolerável.
9. Nesses termos, atentando ao aspecto finalístico da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças e às obrigações assumidas pelo Brasil no plano internacional enquanto Estado Signatário, bem como à orientação jurisprudencial acerca do tema, não comporta acolhimento o pleito de busca, apreensão e restituição do menor, devendo ser mantida a sentença.
10. Recursos de apelação e reexame necessário, havido por interposto, não providos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento aos recursos de apelação e ao reexame necessário, havido por interposto, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 16 de fevereiro de 2016.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006030-96.2013.4.03.6104/SP
2013.61.04.006030-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO
APELANTE : PIERLUIGI TURCHETTI
ADVOGADO : SP153250 DANIELA DELMANTO PRADO e outro(a)
APELADO(A) : JULIANA FERNANDES ALVARES TURCHETTI
ADVOGADO : SP031189 MARIA CRISTINA ZARIF
No. ORIG. : 00060309620134036104 2 Vr SANTOS/SP

RELATÓRIO

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR):


Trata-se de ação ordinária de busca, apreensão e restituição de menor, proposta pela União Federal em face de Juliana Fernandes Álvares Turchetti, com fundamento na Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, de 25 de outubro de 1980, promulgada pelo Brasil por meio do Decreto nº 3.413, de 14 de abril de 2000.

Busca a União Federal, através da presente ação, ajuizada em prol do italiano Pierluigi Turchetti, a repatriação do menor ítalo-brasileiro Matteo Turchetti.

Consta dos autos que Matteo Turchetti é filho de Juliana Fernandes Álvares Turchetti e Pierluigi Turchetti, nascido em Roma, Itália, em 7 de agosto de 2007, onde viveu com os pais até julho de 2011, quando a família empreendeu viagem ao Brasil.

Narra a parte autora que, embora houvesse previsão de retorno à Itália em 03/01/2012, a Requerida optou por permanecer no Brasil e, unilateralmente, decidiu manter a criança consigo no país. Em face do ocorrido, Pierluigi Turchetti formulou pedido de Cooperação Jurídica Internacional, requerendo a repatriação de Matteo Turchetti.

Alega a União Federal que a situação analisada constitui retenção ilícito do menor, subsumindo-se aos termos do art. 3º, da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, razão pela qual deve ser julgado procedente o pleito, procedendo-se à busca, apreensão e restituição de Matteo Turchetti.

Proferida decisão, às fls. 111/113, que deferiu medida cautelar para determinar que Juliana Fernandes Álvares Turchetti se abstivesse de deixar o Município de Praia Grande/SP juntamente com seu filho ou que permitisse que o menor o fizesse, acompanhado de terceiros ou familiares.

Em 06/09/2013 foi proferida decisão que deferiu, em parte, o pedido de tutela antecipada, para determinar que a Requerida, no prazo de 7 (sete) dias, entregasse a criança a Pierluigi Turchetti, a fim de viabilizar seu retorno à Itália, após o decurso do prazo de 15 (quinze) dias de adaptação. Às fls. 591/595, foi prorrogado o período de adaptação.

Pierluigi Turchetti, em 17/10/2013, formulou requerimento de autorização de retorno com o menor à Itália (fls. 644/648), o qual foi indeferido pela decisão de fls. 611, que converteu o julgamento em diligência, determinando a realização de perícia (avaliação psicossocial).

Sentença prolatada, às fls. 931/945, julgou improcedente o pedido, sob o entendimento de que restou comprovada a residência habitual de Matteo Turchetti no Brasil, bem como por haver sido demonstrado risco grave de sujeição do menor a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar em situação intolerável, na forma prevista no art. 13, da Convenção da Haia de 1980.

Apela a União Federal (fls. 957/975). Sustenta nunca ter havido a alteração da residência habitual do menor para o Brasil, bem como a não configuração de qualquer exceção estabelecida no art. 13, da Convenção da Haia de 1980.

Argumenta que o período de seis meses de permanência no Brasil não pode ser considerado suficiente para configurar alteração da residência habitual, além de não estar presente o pressuposto da intenção definitiva de permanecer no país. Por outro lado, os riscos que excepcionariam a determinação do retorno da criança não foram provados nos autos e não podem ser presumidos.

Pierluigi Turchetti, na qualidade de assistente litisconsorcial, também interpôs recurso de apelação (fls. 982/992). Alega que restou incontroversa nos autos não ter havido alteração da residência habitual do menor para o Brasil, assim como o fato de não haver restado configurada nenhuma das exceções do art. 13, da Convenção da Haia de 1980, devendo ser julgada procedente a ação.

Contrarrazões de apelação às fls. 1004/1015.

Manifestou-se o Ministério Público Federal, às fls. 1044/1059, pelo desprovimento do reexame necessário, havido por interposto, e dos recursos da União Federal e de Pierluigi Turchetti, para que seja confirmada a sentença recorrida.

Assim, subiram os autos a este Egrégio Tribunal.


É o relatório.


À revisão.



HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006030-96.2013.4.03.6104/SP
2013.61.04.006030-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO
APELANTE : PIERLUIGI TURCHETTI
ADVOGADO : SP153250 DANIELA DELMANTO PRADO e outro(a)
APELADO(A) : JULIANA FERNANDES ALVARES TURCHETTI
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VOTO

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR):


Reputo interposto o reexame necessário, nos termos do art. 475, I, do Código de Processo Civil.


Trata o presente feito da aplicação da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças (Convenção da Haia de 1980).

O Brasil institucionalizou um Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual, nos termos do art. 1º, da Res. 113, de 19/04/2006, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, "constitui-se na articulação e integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos humanos da criança e do adolescente, nos níveis Federal, Estadual, Distrital e Municipal".

Dentre os referidos instrumentos normativos, voltados à promoção, defesa e controle da efetivação dos direitos humanos da criança e do adolescente, consideram-se, dentre outros, os "tratados internacionais e interamericanos, referentes à promoção e proteção de direitos humanos, ratificados pelo Brasil, enquanto normas constitucionais, nos termos da Emenda 45 da Constituição Federal, com especial atenção para a Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente", consoante o art. 4.º, caput e inciso II, da Res. 113/2006.

A referida Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente estabelece, em seu art. 11:


1. Os Estados Partes adotarão medidas a fim de lutar contra a transferência ilegal de crianças para o exterior e a retenção ilícita das mesmas fora do país.
2. Para tanto, aos Estados Partes promoverão a conclusão de acordos bilaterais ou multilaterais ou a adesão a acordos já existentes.

Nesse sentido, visando à proteção da criança, no âmbito internacional, dos efeitos nocivos decorrentes da transferência ilegal de menores e sua retenção ilícita no exterior, firmou-se a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças (Convenção da Haia de 1980), internalizada pelo Brasil através do Decreto 3.413, de 14 de abril de 2000, a qual dispõe sobre a proteção do menor e estabelece procedimentos para garantia do seu imediato retorno ao Estado de sua residência habitual, bem como para assegurar a proteção do direito de visita.

Trata-se, portanto, de documento internacional, produzido por negociações multilaterais. Constituindo a Convenção uma obrigação jurídica contraída no plano internacional, impende a observância de suas normas e cumprimento de boa-fé pelos Estados Contratantes, conforme preceituam os artigos 26 e 27, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, permitindo, dessa forma, o estabelecimento de um regime internacional de cooperação.

Nesses termos, impõe-se a aplicação da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças quando verificar-se o deslocamento ilícito de criança, menor de 16 (dezesseis) anos (art. 4), de seu Estado de origem, onde possui residência habitual, bem como a sua indevida retenção, em outro Estado signatário, incidindo, em tais hipóteses, procedimentos de retorno imediato do menor.

Para configuração da transferência ou retenção ilícita de criança é necessário que reste caracterizada alguma das hipóteses previstas no art. 3, da Convenção da Haia de 1980, expressas nos seguintes termos:

A transferência ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando:
a) tenha havido violação a direito de guarda atribuído a pessoa ou a instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual imediatamente antes de sua transferência ou da sua retenção; e
b) esse direito estivesse sendo exercido de maneira efetiva, individual ou em conjuntamente, no momento da transferência ou da retenção, ou devesse está-lo sendo se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.

Configurada a situação prevista, é imperiosa a observância das obrigações impostas pela Convenção, devendo as autoridades centrais cooperarem entre si e promover a colaboração entre as autoridades competentes dos seus respectivos Estados, de forma a assegurar o retorno imediato da criança (art. 7).

Nesse esteio, a Convenção determina, em seu art. 12, o retorno imediato do menor quando "decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da transferência ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado Contratante onde a criança se encontrar", podendo, ainda, ser ordenado o retorno "mesmo após expirado o período de uma ano".

Importa ressaltar, contudo, que, não obstante a referida Convenção tenha por escopo "assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente" (art. 1º), o seu princípio basilar constitui-se no interesse superior da criança, enquanto norma de garantia cuja observância é obrigatória, devendo sempre prevalecer.

Nesse sentido, destaco trecho do voto do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, proferido no julgamento do Recurso Especial nº 1.315.342 - RJ:


"3. Em casos tão delicados e cercados de sentimentos apaixonados e conflituosos de ambas as partes, não se pode perder de vista o aspecto crucial que a lei, a Constituição e a própria Convenção de Haia objetiva preservar, quando se fala dos direitos de crianças, qual seja, o seu bem estar e integridade física, psicológica e emocional.
4. A Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, internalizada no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto 3.413/2000, prevê a promoção de medidas judiciais tendentes à restituição ao País de sua residência habitual, os menores ilicitamente transferidos para o território de outro País; isso porque, considera-se essa situação - subtração indevida, ainda que por pai ou mãe - de criança, do seu País de residência habitual, privando-a da convivência do outro genitor extremamente prejudicial ao seu desenvolvimento psíquico e ao seu equilíbrio físico e emocional, pois ela tem direito subjetivo de manter contato e conviver com ambos os pais, pois os dois são importantes na formação de seu caráter e personalidade.
5. Ademais, a criança sequestrada, ainda que por um dos pais, passa a viver em situação de insegurança absoluta, presencia conflitos incomprensíveis para sua idade, não raro é obrigada a mudar várias vezes de residência ou escola, prejudicando o estabelecimento de elos estáveis com familiares e amigos, além de ser subtraído um direito seu, que é manter os laços com ambos os seus pais.
6. A devida aplicação dessa Convenção passou a fazer parte das obrigações do Brasil no plano internacional, na qualidade de signatário de vários tratados nesta área, entre as quais a Convenção da ONU sobre os direitos das crianças.
7. Já restou assentado nesta Corte tanto o interesse da União na promoção das medidas tendentes ao retorno de crianças ilegalmente retiradas de seu Pais de origem e residência habitual que ingressaram ilicitamente no Brasil, como a orientação de que em sede de cooperação judiciária direta, não se busca o cumprimento de uma ordem judicial estrangeira simplesmente; a sentença estrangeira constitui um elemento inicial de prova, competindo ao Poder Judiciário Brasileiro verificar, no melhor interesse dos infantes, a viabilidade desse pedido de retorno (REsp. 954.877/SC, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJe 17.09.2008)."

Depreende-se, dessa forma, que o fundamento para a promoção da cooperação entre os Estados Signatários assenta-se na preservação dos direitos do menor, dentre os quais, sua integridade física, psicológica e emocional.

Em atenção a tal parâmetro, tem-se que a referida Convenção condiciona a execução do sistema de imediato retorno da criança subtraída à não verificação de exceções expressamente previstas em seus artigos 12 e 13.

O art. 12, ao estabelecer que a autoridade competente ordenará o retorno imediato da criança, excepciona a hipótese em que restar "provado que a criança já se encontra integrada no seu novo meio".

Por sua vez, o art. 13 prevê expressamente exceções que impedem o retorno do menor, nos seguintes termos:

Sem prejuízo das disposições contidas no Artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o retomo da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se oponha a seu retomo provar:
a) que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efetivamente o direito de guarda na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou
b) que existe um risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável.

Portanto, em síntese, excepciona-se a determinação de retorno imediato do menor quando: (i) constatar-se a integração da criança ao seu novo meio; (ii) provada a existência de grave risco de sujeição da criança a perigos de ordem física ou psíquica, ou a qualquer situação intolerável; bem como (iii) quando se verificar que não havia efetivo exercício do direito de guarda pela pessoa que tinha a criança a seu cuidado ou quando esta tenha posteriormente consentido ou concordado com a transferência ou retenção.

Dessa forma, a aplicação da Convenção e a consecução dos seus fins devem ser sopesadas com as exceções estabelecidas nos artigos 12 e 13, tendo como princípio norteador o interesse superior da criança. Tal orientação coaduna-se com o princípio da absoluta prioridade dos direitos de crianças e adolescentes, inserto no art. 227, da Constituição da República, harmonizando-se, assim, com as normas constitucionais.

Observa-se que, dado o status normativo dos tratados e convenções que versam sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil (RE n.º 466.343/SP), a interpretação das normas que derivam de tais diplomas deve se dar de forma consentânea com os parâmetros constitucionais.

É nesse sentido, portanto, que deve se efetuar a interpretação e aplicação dos instrumentos normativos que integram o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, dentre os quais se insere a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças.

Estabelecidas tais premissas, passo à análise da pretensão deduzida nos autos.

Sustenta a União Federal, como causa de pedir, que a permanência do menor ítalo-brasileiro Matteo Turchetti no Brasil configura ilícito, nos termos do art. 3, da Convenção da Haia de 1980, perpetrado pela mãe, Juliana Fernandes Álvares Turchetti, junto com a qual o menor convive atualmente.

Consta dos autos que Matteo Turchetti, filho de Fernandes Álvares Turchetti e do italiano Pierluigi Turchetti, nasceu em Roma, Itália, em 7 de agosto de 2007, onde viveu com os pais até julho de 2011, quando a família empreendeu viagem ao Brasil.

O primeiro ponto controvertido trata da caracterização da transferência da residência habitual do menor para o Brasil e da intenção de seus genitores de se estabelecerem neste país, com ânimo definitivo.

No que tange à intenção de estabelecerem residência definitiva no Brasil, as versões dos fatos apresentadas por cada parte apresentam divergências. Pierluigi Turchetti sustenta que a família veio ao Brasil de comum acordo, porém a definitividade da permanência estaria condicionada à obtenção de emprego, sendo previsto o retorno à Itália caso não se verificasse tal condição. Por outro lado, Juliana Fernandes Álvares Turchetti alega que a decisão de permanência no país não estava condicionada a qualquer evento futuro.

As testemunhas arroladas (fls. 406/411), cujos depoimentos se encontram gravados em mídia, às fls. 431, prestaram-se apenas a reforçar as mesmas narrativas das respectivas partes que as arrolaram.

No que tange à prova documental, Pierluigi Turchetti juntou passagens de ida e volta da Itália para o Brasil, previamente compradas, além de contrato de aluguel por temporada no Município de Praia Grande/SP e declaração de manutenção da matrícula do menor em escola na Itália.

Não obstante, conforme já bem apontado na sentença recorrida, tais provas, por si, mostram-se insuficientes à comprovação da manutenção da residência habitual da criança na Itália.

Primeiramente, a compra da passagem de volta antecipadamente pode decorrer de variados fatores, podendo ser financeiramente benéfica em diversas hipóteses e não se justificando apenas pela intenção de manter residência habitual na Itália, mas também por outras circunstâncias, tais como a visita a familiares naquele país. Nota-se que, em seus depoimentos, o próprio Pierluigi Turchetti referiu a possibilidade de realizar viagens apenas para visitas familiares (fls. 324 - CD).

Acerca do contrato de aluguel do imóvel por temporada, Pierluigi Turchetti afirmou que optou por não vender seu imóvel na Itália, preferindo realizar tal contrato de aluguel no Brasil, em razão de ainda possuir pendências de trabalho naquele país. Nota-se que, neste ponto, não se verifica nenhuma divergência substancial em relação ao quanto alegado por Juliana Fernandes Álvares Turchetti, a qual também ressaltou que o contrato de aluguel fora firmado por temporada, podendo, porém, ser modificado, de forma que a mudança seria realizada posteriormente.

Não há, portanto, qualquer prova inequívoca que comprove a alegada intenção de retorno da família à Itália e de não estabelecimento de nova residência no Brasil.

Conforme bem apontado pela MM. Juíza a quo, o conjunto probatório dos autos demonstra, em grau suficiente, que a família, ao vir ao Brasil, possuía efetivamente a intenção de fixar residência habitual, dadas as circunstâncias verificadas - mormente a procura por emprego para se estabelecerem -, não ficando tal análise prejudicada pela alegação de que a alteração de residência estaria condicionada a evento incerto. Ademais, ressalta-se que a questão controversa envolve não apenas a fixação de nova residência, isoladamente, mas também matéria ligada a estado da pessoa e direitos de família, temas que sequer admitem o emprego de condição.

Nesse ponto, a bem fundamentada sentença adotou como referências, para além do entendimento da jurisprudência pátria, também precedentes envolvendo casos semelhantes de outros Estados Signatários da Convenção da Haia de 1980 (Caso HC/E/AU 1012), extraídas da International Child Abduction Database (INCADAT), a qual constitui base de dados, criada em 1999 pelo Secretariado Permanente da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, tendo por escopo a promoção de um entendimento mútuo, da interpretação consistente e, por conseguinte, de uma operação efetiva da Convenção de 1980.

Dessa forma, consoante expendido na decisão recorrida (fls. 939/940), a jurisprudência internacional, em casos semelhantes, respalda o entendimento no sentido de que a intenção dos pais de se estabelecerem em determinado país, com grau mínimo de continuidade, pode ser considerada suficiente à constatação da transferência da residência habitual, independentemente de haver possibilidade de retorno e da existência de qualquer condição pactuada.

Assim, indicando os elementos probatórios a perda da residência habitual da família na Itália e a constituição de nova residência no Brasil, com grau suficiente de continuidade e por período razoável, não resta configurada a retenção ilícita da criança (art. 3, da Convenção da Haia de 1980), de forma a fundamentar seu retorno imediato.

Por outro viés, para além da questão concernente à alteração da residência habitual do menor, demonstram as provas, também, a caracterização de hipótese de exceção à determinação de retorno imediato, nos termos dos artigos 12 e 13, da Convenção da Haia de 1980, conforme passo a expor.

Conforme se depreende da análise dos autos, em 06/09/2013 foi proferida decisão que deferiu, em parte, o pedido de tutela antecipada, para determinar que a Requerida, no prazo de 7 (sete) dias, entregasse o menor ao seu genitor, a fim de viabilizar seu retorno ao país de origem, após decurso do período de 15 (quinze) dias de adaptação. Às fls. 591/595, foi prorrogado o período de adaptação.

Pierluigi Turchetti, em 17/10/2013, formulou requerimento de autorização de retorno com a criança à Itália (fls. 644/648), o qual foi indeferido pela decisão de fls. 611, que converteu o julgamento em diligência, determinando a realização de perícia (avaliação psicossocial). A decisão reputou imprescindível a produção de tal prova, posto que o objetivo da Convenção não se exaure na reprimenda ao sequestro internacional de crianças, mas visa, essencialmente, a tutelar o interesse do menor, mormente sua integridade física e psicológica.

Tal entendimento mostra-se em conformidade com a jurisprudência:

RECURSOS ESPECIAIS. DIREITO INTERNACIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DECRETO N. 3.413, DE 14.4.2000. CONVENÇÃO SOBRE OS ASPECTOS CIVIS DOSEQUESTRO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS. MENOR NASCIDO NA ALEMANHA EM 11.3.2004. VISITA AO BRASIL. RECUSA DA GENITORA EM VOLTAR PARA AALEMANHA. AÇÃO DE BUSCA, APREENSÃO E RESTITUIÇÃO PROPOSTA PELAUNIÃO. NECESSIDADE DA PROVA PERICIAL. AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA DOMENOR. VIOLAÇÃO DO ART. 330, I, DO CPC CONFIGURADA. RECURSOSPROVIDOS EM PARTE. - No âmbito internacional, as regras e os costumes devem ser aplicados e interpretados diferentemente, com mais racionalidade e menos apego aos costumes e às normas nacionais, de forma a alcançar um ponto de equilíbrio, suportável para todos os envolvidos nessas novas relações e indispensável para disciplinar os efeitos delas. - A Convenção de Haia, não obstante apresente reprimenda rigorosa ao sequestro internacional de menores com determinação expressa de retorno deste ao país de origem, garante o bem estar e a integridade física e emocional da criança, o que deve ser avaliado de forma criteriosa, fazendo-se necessária a prova pericial psicológica. Recursos especiais parcialmente providos.
(STJ, RECURSO ESPECIAL Nº 1.239.777 - PE, Relator: Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Data de Julgamento: 12/04/2012, T2 - SEGUNDA TURMA)

Nesse ponto, é relevante anotar, igualmente, as considerações do Relatório Explicativo da Convenção da Haia de 1980, de Elisa Pérez-Vera (Explanatory Report on the 1980 Hague Child Abduction Convention). Conforme esclarece o Relatório (p. 21), a Convenção preceitua a relevância da consideração da perspectiva da criança acerca do seu retorno ou retenção, nos termos do seu art. 13, assegurando-se que o menor apresente idade e grau de maturidade tais que seja apropriado levar em consideração as suas opiniões sobre o assunto. Possibilita-se, assim, que a criança, dentro de sua capacidade, examine e expresse seus próprios interesses na situação em que se encontra.

Sob tais fundamentos, apresentaram-se, às fls. 736/767, "Estudo Social - Laudo Socioeconômico" e, às fls. 768/795, "Estudo Psicossocial".

Acerca das condições atuais do menor, o primeiro laudo informou, em 17/11/2013, que Matteo Turchetti encontra-se cursando a educação infantil, em colégio particular, onde possui amigos e apresenta bom relacionamento com professores. Realiza, ainda, atividades esportivas, com aulas de karatê e natação. Quanto aos aspectos socioeconômicos, foram registradas adequadas condições de saúde e habitação.

No que tange à convivência familiar, a Assistente Social indicou, com base nos relatos do próprio menor, de sua genitora e de sua avó materna, que este "possui uma boa convivência no lar onde reside" (fls. 743). Em resposta aos quesitos do juízo (fls. 744/745), o laudo apontou que, conforme as declarações colhidas, a criança encontra-se integrada em seu novo meio, mostrando-se adaptada à família, à escola e à vida no Brasil. Ademais, consignou que "o menor vive em ambiente familiar aparentemente saudável, frequenta escola regularmente, frequenta aulas de esporte e possui amigos".

Relativamente ao pai da criança, embora tenha a Assistente Social referido que o retorno do menor ao país de origem melhoraria o convívio com seu genitor, o laudo não foi conclusivo acerca dos riscos, de ordem física ou psíquica, que possivelmente seriam acarretados a Matteo Turchetti em função de sua volta à Itália no atual momento.

Por sua vez, o Estudo Psicossocial, às fls. 773/774, concluiu que o menor manifesta sentimento de expressiva afeição pela figura materna, associando-a com "uma figura que educa e alimenta", de modo que "a possibilidade de estar longe dela é bastante ameaçadora e pode desestruturar intensamente a criança, causando-lhe danos emocionais de efeitos traumáticos", restando evidente "o sentimento de desproteção que lhe causa a distância da mãe".

A Psicanalista pontuou, ainda, que "para Matteo esta mãe lhe traz conforto e segurança, enquanto o pai o deixa assustado e inseguro. A criança conta que é feliz onde mora e demonstra gostar da vida que tem". Nesse sentido, o laudo indicou não haver elementos que apontem "que uma mudança de país possa ser benéfica", tendo em vista a "importância da relação com a mãe em sua vida, o quanto sua ligação com ela é forte e pode ser desestruturante uma separação" (fls. 774).

Embora o estudo tenha indicado que o pai se mostra como uma figura importante para o desenvolvimento da criança, bem como que existe um visível desejo, por parte de Pierluigi Turchetti, de se aproximar de seu filho, a Psicanalista ponderou haver dificuldades relevantes no relacionamento do genitor com o menor, o qual percebe o pai "como uma figura que o assusta", podendo tal relação de medo prejudicar seu desenvolvimento, razão pela qual "uma psicoterapia seria bastante pertinente em virtude de reaproximar essa dupla" (fls. 774).

Em resposta aos quesitos da União Federal (fls. 775/776), o laudo esclareceu que a criança não está sofrendo alienação parental e que ambos os genitores deixaram incontroverso que inexiste óbice à visita de Pierluigi Turchetti ao seu filho e à manutenção de contato entre ambos. Em relação à compreensão do menor acerca da situação que a família está vivenciando, foi ressaltado que "Matteo não lembra do tempo que viveu na Itália e nesse momento teme profundamente a perda da mãe e mudança de país, como ficou demonstrado no teste e nas próprias palavras da criança".

Em face do exposto, entendo haver restado claramente demonstrada a conclusão dos estudos no sentido de que a criança possui uma boa convivência no lar onde reside e já se encontra totalmente integrada em seu novo meio. Conforme apontam os laudos mencionados, Matteo Turchetti encontra-se incluído na rede regular de ensino, em que cursa a educação infantil em colégio particular, com sinais evidentes de integração em seu meio social, apresentando bom relacionamento com amigos e professores. Realiza, ainda, atividades esportivas, além de se encontrar em moradia com adequadas condições de saúde e habitação.

Os laudos demonstraram, igualmente, a íntima ligação da criança com a figura materna e, embora tenha sido ponderada a necessidade de aproximação do menor com seu genitor, a perícia concluiu não haver qualquer elemento que indique ser benéfico ao interesse da criança a sua mudança de país neste momento, ficando expressamente consignada a potencial desestruturação que o distanciamento da mãe poderia causar a Matteo Turchetti.

Em evidência, tais elementos não podem ser desconsiderados quando da aplicação das normas da Convenção da Haia de 1980. Ao contrário, a consideração destes dados é imprescindível para que se atinja o verdadeiro propósito da obrigação jurídica contraída pela Brasil no plano internacional, sob pena de que a simples imposição dos mecanismos de retorno imediato do menor possam resultar em transgressão ao aspecto finalístico da Convenção.

Consoante esclarece o mencionado Relatório Explicativo da Convenção da Haia de 1980, os propósitos da Convenção devem ser interpretados à luz de seu preâmbulo, que estabelece, dentre outros aspectos, o desejo de se "proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de mudança de domicílio ou de retenção ilícitas". Nesse sentido, pontua o Relatório que os esforços empreendidos contra o sequestro internacional de crianças devem sempre ser inspirados na finalidade de proteção do menor e fundados na interpretação de seus verdadeiros interesses.

Assim, o direito de não ser indevidamente transferido ou retido fundamenta-se no verdadeiro interesse do menor, devendo ser tutelado sob tal perspectiva. Para tanto, é imprescindível, primeiramente, o reconhecimento do princípio geral de que a criança não pode ser vista sob uma perspectiva que lhe atribua a condição de "propriedade de seus genitores", mas necessita ser reconhecida como indivíduo dotado de seus próprios direitos e necessidades, os quais devem prevalecer. Tal é o fundamento principiológico atribuído à Convenção da Haia de 1980, que adota como diretriz, nesse sentido, a Recomendação 874, da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, de 1979 (Carta Europeia dos Direitos da Criança)

O interesse a ser resguardado, portanto, é o dos menores, cuja preservação, prioritariamente à de quaisquer outros interesses potencialmente colidentes, atende ao aspecto finalístico da Convenção.

"O princípio do interesse superior da criança é, portanto, uma norma de garantia, cuja observância é obrigatória não apenas para a autoridade administrativa que tomará conhecimento dos casos que envolvem a subtração ou retenção ilícita de menores, como também para a autoridade judicial que irá analisar o pedido de restituição formulado com base na Convenção da Haia de 1980. Tagle de Ferreyra, ao escrever sobre a aplicação do princípio e sua interpretação pela autoridade judicial, identifica-o como sinônimo de 'maior benefício', ou maior vantagem, de modo que em caso da denominada 'colisão de direitos fundamentais' previstos na Convenção, o interesse superior do menor sempre prevaleça."
(SIFUENTES, Revista CEJ, Brasília, Ano XV, n. 55, p. 58, out./dez. 2011)

Seguindo este entendimento, o Relatório Explicativo da Convenção da Haia de 1980 consigna expressamente (pp. 20-21) que, em determinados casos, é necessário que se reconheçam exceções à obrigação dos Estados Signatários de promover o retorno imediato do menor ilicitamente transferido ou retido, tendo em vista o interesse superior da criança. Nesse esteio, o art. 13, "b", da Convenção, apresenta exceções que derivam de tal princípio, visando a garantir o direito do menor de não ser transferido de sua residência habitual sem a suficiente garantia de estabilidade em um novo ambiente, assegurando-se, assim, a sua não exposição a perigo físico ou psicológico ou a uma situação que se mostre intolerável.

A adequada compreensão dos propósitos da Convenção, portanto, apenas reforça a sua conformidade com o entendimento adotado, in casu, pela sentença recorrida, que consignou que a interpretação dos direitos e interesses individuais do menor não pode ser determinada exclusivamente de acordo com as intenções e condições estabelecidas por seus genitores, devendo prevalecer o melhor interesse da criança.

Ademais, as alegações das partes acerca das condições em que se deu a transferência da criança para o Brasil não têm o condão de ilidir a constatação das exceções à determinação de retorno ao país de origem, que deve ser realizada com base na apreciação da situação atual em que se encontra o menor e atentando-se, acima de outros interesses potencialmente colidentes, à sua preservação física e psíquica.

Nesse ponto, ressalta-se, conforme exposto, que o laudo de fls. 768/795 assinalou expressamente que o retorno à Itália de Matteo Turchetti, que se encontra no Brasil desde 2011, neste momento, implicaria certamente em risco grave e perigo de ordem psíquica ao menor.

Resta demonstrado, portanto, indene de dúvidas, não somente a plena integração da criança ao seu novo meio, consoante exposto, mas também a configuração da exceção prevista no art. 13, "b", da Convenção da Haia de 1980. Observa-se que a constatação de tal exceção não resulta de valoração fundada em presunções, mas de análise dos elementos probatórios dos autos, mormente da expressa conclusão do laudo pericial.

No mesmo sentido foi o parecer do Ministério Público Federal, às fls. 1044/1059, que assinalou que "à luz da supremacia do interesse da criança e da obrigatoriedade da realização de prova técnica, sobressai a força das conclusões tanto do laudo sócio-econômico como do laudo psicossocial" (fls. 1055), concluindo, assim, pelo desprovimento dos recursos, "para confirmação da sentença de fls. 931/945, (a) quer por seus próprios fundamentos (...) (b) quer pelos artigos 227, caput, e 229, primeira parte, do Texto Magno de 1988, pelos artigos 6º, 22 e 100, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), e pelos artigos 3, 12 e 13, item b, da Convenção sobre os Aspectos Civis de Sequestro Internacional de Crianças (...) (c) quer, ainda, pelos seis precedentes (...) trazidos à baila" (fls. 1059).

Observo, por fim, que, tal como assinalado no parecer do Ministério Público Federal, o entendimento aqui exposto é consentâneo com a orientação jurisprudencial adotada em casos semelhantes.

Nesse ponto, destaco trecho de voto proferido pelo Ministro José Delgado, no âmbito do Recurso Especial nº 954.877/SC:

"18. Deve-se ter em mente, ademais, o aspecto finalístico da Convenção sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças, promulgada pelo Decreto 3.413/2000, que visa resguardar o bem estar dos infantes, consoante se depreende pela leitura do art. 7º, "b", e art. 13, ambos do citado dispositivo legal, in verbis:
Art. 12. "As autoridades centrais devem cooperar entre si e promover a colaboração entre as autoridades competentes dos seus respectivos Estados, de forma a assegurar o retorno imediato das crianças e a realizar os demais objetivos da presente Convenção.
Em particular, deverão tomar, quer diretamente, quer através de um intermediário, todas as medidas apropriadas para:
(...)
b) evitar novos danos à criança, ou prejuízos às partes interessadas, tomando ou fazendo tomar medidas preventivas;" (grifamos)
Art. 13. "Sem prejuízo das disposições contidas no Artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o retorno da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se oponha a seu retorno provar:
(...)
b) que existe um risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável.
A autoridade judicial ou administrativa pode também recusar-se a ordenar o retorno da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já idade e grau de maturidade tais que seja apropriado levar em consideração as suas opiniões sobre o assunto." (grifamos)
19. O art. 12 do Decreto 3.413/2000, já citado, revela que "quando for provado que a criança já se encontra integrada no seu novo meio" não deverá se promover a ordem de retorno da criança, revelando que se deve resguardar o interesse dos menores e não de qualquer dos pais.
20. No caso dos autos, há prova constituída (análise de condição social dos menores - fls. 306/326; e laudo psicológico - fls. 330/334) que evidencia não apenas a vontade dos menores em permanecerem no Brasil, como também a recomendação de que continuem a conviver com a mãe como "garantia do bem-estar e do melhor acompanhamento das etapas subseqüentes de desenvolvimento da vida deles".
21. Registre-se, por oportuno, que os menores - brasileiros natos - encontram-se instalados no Brasil na companhia de sua mãe desde 28 de dezembro de 2000, revelando a força dos laços familiares e afetivos que já se formaram in casu.".

No mesmo sentido, o voto da Ministra Nancy Andrighi, no julgamento do Recurso Especial Nº 900.262/RJ:

"Fixadas as linhas mestras de fundamentação ora impugnadas, passa-se à análise da questão, sempre levando-se em consideração a condição peculiar da criança como pessoa em desenvolvimento, sob os contornos constitucionais, no sentido de que os interesses e direitos do menor devem sobrepor-se a qualquer outro bem ou interesse juridicamente tutelado.
A separação de um casal inegavelmente acarreta sofrimento emocional aos filhos, que almejam a companhia de ambos os genitores e, invariavelmente, são tolhidos da presença do pai ou da mãe em sua habitualidade.
Processos que envolvem o desmantelamento de famílias carregam elevada dose de dor, que perpassa as folhas dos autos e impregna o julgador, notadamente quando a decisão pesa sobre o direito de uma criança inocente.
(...)
Não se pode olvidar que paira sobre a Convenção de Haia o viés do interesse prevalente do menor, até mesmo porque foi concebida para proteger as crianças de condutas ilícitas.
E exatamente seguindo a linha de proteção maior ao interesse da criança, é que a Convenção delimitou as hipóteses de retorno ao país de origem, mesmo diante da conduta ilícita do genitor em poder do menor, com exceções como as existentes nos arts. 12 e 13 do referido diploma legal.
Dessa forma, quando for provado, como o foi neste processo, que a criança já se encontra integrada no seu novo meio, a autoridade judicial ou administrativa respectiva não deve ordenar o retorno da criança (art. 12), bem assim, se existir risco de a criança, em seu retorno, ficar sujeita a danos de ordem psíquica (art. 13, alínea b), como concluiu restar provado o acórdão recorrido, tudo isso tomando na mais alta consideração o interesse maior da criança."

Não é diverso, ainda, o entendimento exposto pela Primeira Turma desta Corte Regional, em caso semelhante:

PROCESSUAL CIVIL. INADMISSIBILIDADE DE RECURSO. AGRAVO RETIDO NÃO REITERADO. APELAÇÃO INTEMPESTIVA. CERCEAMENTO DE DEFESA. PRECLUSÃO. DIREITO INTERNACIONAL. CONVENÇÃO DE HAIA SOBRE SEQUESTRO DE CRIANÇAS. COOPERAÇÃO ENTRE ESTADOS SOBERANOS. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO DE MENOR RETIDO ILICITAMENTE. COMPROVAÇÃO. EXCEÇÃO. RISCO DE GRAVE DE PERIGOS DE ORDEM FÍSICA OU PSÍQUICA (ARTIGO 13). RESTITUIÇÃO DA CRIANÇA AO PAÍS DE RESIDÊNCIA INDEFERIDA. 1- O agravo retido não pode ser conhecido, eis que descumprido o requisito previsto no art. 523, caput, do Código de Processo Civil. 2- O juízo positivo de admissibilidade realizado em primeiro grau é provisório e não vincula o Tribunal ad quem, órgão responsável pelo exame definitivo da admissibilidade do recurso. Hipótese de intempestividade da apelação do requerido. 3- Não merece ser acolhida a alegação de que houve cerceamento de defesa em decorrência da ausência esclarecimentos suplementares pela perita do Juízo, nos moldes requeridos pelas partes. Isto porque restou irrecorrida a decisão interlocutória que julgou a prova pericial produzida suficiente para o deslinde da controvérsia e encerrou a fase de instrução processual, sendo inafastável a conclusão de que a matéria não pode mais ser discutida nos autos, pois preclusa. 4- A retenção do menor em território brasileiro é ilícita, eis que a família possui residência em Portugal e a genitora somente consentiu com a vinda da criança para o Brasil durante o mês de suas férias. 5- Ademais, a custódia e o poder familiar, tanto na legislação brasileira, quanto da lei portuguesa, são exercidos conjuntamente pelos genitores da criança, sendo ilícita a qualquer dos cônjuges, unilateralmente, alterar a residência habitual da família. 6- Mesmo diante da retenção ilícita, a própria Convenção prescreve exceções à restituição do menor, nos seus artigos 12 e 13. 7- No caso, a restituição pretendida expõe o menor a riscos de graves danos físicos e psíquicos, conforme apurado no laudo pericial e pareceres psiquiátricos colacionados aos autos, pelo que não pode ser concedida, sob pena de violação ao princípio do melhor interesse da criança. 8- Agravo retido não conhecido. 9- Apelação do requerido não conhecida. 10- Preliminar Rejeitada. 11- Apelo da União desprovido.
(TRF-3 - AC: 193 MS 0000193-52.2011.4.03.6000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, Data de Julgamento: 10/06/2014, PRIMEIRA TURMA)

Nesses termos, atentando ao aspecto finalístico da Convenção da Haia de 1980, bem como à orientação jurisprudencial acerca do tema, a manutenção da sentença é medida que se impõe.


Impende anotar, por fim, que a referida Convenção não possui o escopo de dirimir questão relativa ao direito de guarda e visita da criança, razão pela qual a decisão sobre tal matéria caberá ao Juízo Estadual competente, não tendo a presente decisão o condão de produzir quaisquer efeitos nesse âmbito.


Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO ao reexame necessário, havido por interposto, e aos recursos de apelação, mantendo a sentença de primeiro grau integralmente.


HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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