Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 09/03/2016
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001092-81.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.001092-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : LAZY MARIA GREGORI DE LIMA
ADVOGADO : SP057925 ARTHUR CARUSO JUNIOR e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00010928120114036119 1 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIMES DESCRITOS NOS ARTIGOS 273,§1º-B,I E 334, "CAPUT" e §1º, "B", C.C. O ARTIGO 70, TODOS DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINARES REJEITADAS. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. PENA DE MULTA REDUZIDA, DE OFÍCIO.
1.O Termo de Inspeção nº 178/2011, bem assim o laudo acostado aos autos comprovam que os medicamentos internados em território nacional estavam sem receituário e sem o devido registro no órgão de vigilância sanitária competente.
2.Demonstrada a importação de medicamentos sem o devido registro no órgão de vigilância sanitária, resta comprovada a materialidade do crime descrito no artigo 273,§1º-B, inciso I, do Código Penal, carecendo de acolhida assertiva de demonstração da lesividade dos medicamentos apreendidos para a configuração do tipo penal.
3.Não se afigura possível utilizar o preceito secundário de outra norma penal - no caso, do artigo 33 da Lei de Drogas - para corrigir suposta desproporcionalidade do legislador, pois tal procedimento fere o principio da estrita legalidade previsto no art. 5º XXXIX da Carta Magna e no artigo 2º do Código Penal. Tampouco se aplica o instituto da analogia, à míngua de lacuna a ser suprida sequer por outro meio de integração normativa, existindo norma incriminadora a cominar pena específica ao agente que importa medicamentos sem registro no órgão de vigilância sanitária competente.
4.O Órgão Especial desta Corte Regional por ocasião do julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade Criminal n.24 decidiu que inexiste o vício de inconstitucionalidade da pena fixada em abstrato pela norma secundária do art. 273, § 1º-B, do Estatuto Repressivo, pois o seu rigor decorre da própria natureza do bem jurídico tutelado, qual seja, a saúde pública, e da elevada potencialidade lesiva da conduta tipificada, devidamente sopesadas pelo legislador. Preliminares rejeitadas.
5.A materialidade dos delitos restou comprovada.
6.A pena de perdimento consubstancia-se em sanção administrativo-fiscal que independe da sanção penal para coexistir, não se admitindo possa sua incidência tornar atípica a infração penal, à vista da independência das instâncias administrativa e penal.
7.O crime de descaminho é crime formal, cuja consumação ocorre com o mero ingresso da mercadoria em território nacional sem o pagamento dos tributos devidos, não dependendo da demonstração do valor do tributo que deixou de ser recolhido e, neste aspecto, não exigindo a constituição definitiva do crédito tributário para consubstanciar a materialidade delitiva.
8.Evidenciada a irregularidade da importação dos medicamentos com a legislação sanitária vigente, porquanto qualquer medicamento importado precisa possuir registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA e deve ser fabricado por estabelecimento regular, além de passar sob o crivo de apreciação pelo Ministério da Saúde.
9.Segundo o Laudo, verifica-se que os medicamentos apreendidos não possuem permissão no órgão competente (ANVISA) para sua comercialização e importação em território nacional, tampouco houve registro no Ministério da Saúde.
10.A autoria restou cabalmente demonstrada. O auto de prisão em flagrante e os depoimentos judiciais das testemunhas de acusação atestam a responsabilidade penal da ré, bem como demonstram que a denunciada agiu de forma livre e consciente ao praticar os crimes narrados na denúncia, não se admitindo falar na ausência de dolo e desconhecimento da ilicitude.
11.A pena de multa, porque não guarda proporcionalidade com a pena privativa de liberdade, deve ser reduzida, de ofício, para 10 (dez) dias-multa , mantido o valor unitário mínimo legal.
12.A redução de 1/3 (um terço) aplicada ao crime de descaminho afigura-se correta, em se considerando a proximidade da consumação do delito no momento da prisão em flagrante, bem como a enorme quantidade de produtos, com valores expressivos - aproximadamente dois milhões de reais.
13.Apelação a que se nega provimento. Pena de multa reduzida, de ofício, de 120 para 10 dias-multa, mantido o valor unitário cominado na sentença.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares arguidas e negar provimento à apelação e reduzir, de ofício, a pena de multa para 10 (dez) dias-multa, sendo que o Des.Fed. Wilson Zauhy reduzia também a pena do cr4ime de descaminho de 2/3 pela incidência da tentativa, mantida, no mais, a sentença recorrida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 01 de março de 2016.
VALDECI DOS SANTOS
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001092-81.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.001092-6/SP
RELATOR : Juiz Federal Convocado VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : LAZY MARIA GREGORI DE LIMA
ADVOGADO : SP057925 ARTHUR CARUSO JUNIOR e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00010928120114036119 1 Vr GUARULHOS/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL CONVOCADO VALDECI DOS SANTOS:


O Ministério Público Federal denunciou LAZY MARIA GREGORY DE LIMA pela prática dos crimes descritos no artigo 334, "caput" c.c. artigo 273, § 1º-B, I, na modalidade tentada (artigo 14, inciso II, do Código Penal).


Consta da denúncia que, no dia 10 de fevereiro de 2011, a acusada foi presa em flagrante delito porque tentou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de tributo devido pela entrada no país de mercadoria estrangeira, bem como importar medicamento sem o necessário registro no órgão de vigilância sanitária.


A peça acusatória narra ainda que a acusada, para tanto, fez uso de documento ideologicamente falso ao apresentar à fiscalização aduaneira, junto ao Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, Declaração de Bagagem Acompanhada na qual inseriu falsa descrição de bens que se sujeitavam à tributação, além de medicamento desprovido do registro alhures mencionado.


Relata, "in verbis":


"(...) Consta do incluso procedimento investigatório que, no dia 10 de fevereiro de 2011, o Analista Tributário da Receita Federal do Brasil Anderson Leme Siqueira encontrava-se no TPS II fiscalizando por raio X as bagagens do voo AA 929, proveniente de Miami/EUA, quando percebeu que em duas malas e uma mochila, todas de propriedade da denunciada, havia expressiva quantidade de mercadorias.
Procedeu então à abertura das valises, que, efetivamente, encerravam uma grande quantidade de remédios, óculos de sol, relógios de marcas famosas e jóias com pedras preciosas.
(...) A Receita Federal apresentou, às f.13-15, o termo de retenção de bens n.602/2011, referente aos medicamentos trazidos pela indiciada, os quais apresentavam valor equivalente a US$ 24.623,00 (vinte e quatro mil, seiscentos e vinte e três dólares), ou R$ 41.147,34 (quarenta e um mil, cento e quarenta e sete reais e trinta e quatro centavos).
Às f.16-30, foi juntado o termo de retenção n.604/2011, da Receita Federal, referente às mercadorias contidas na bagagem da indiciada. O valor total estimado para tais corresponde a US$ 1.801.404,00 (um milhão, oitocentos e um mil, quatrocentos e quatro dólares), ou R$ 3.010.326,45 ( três milhões, dez mil, trezentos e vinte e seis reais e quarenta e cinco centavos).
Em virtude da existência de remédios entre os bens trazidos por LAZY, solicitou-se, ainda, a presença de fiscais da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, os quais elaboraram o termo de inspeção n.178/2011 ( f.31-15), interditando a entrada dos medicamentos em território nacional em virtude de estarem sendo importados por pessoa física sem o devido receituário e sem o devido registro no órgão de vigilância sanitária competente".

A denúncia foi recebida em 11 de março de 2011 ( fl.97).


Regularmente processado o feito, sobreveio sentença (fls.1532/1562) condenando a ré à pena de 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 120 (cento e vinte) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, pelo cometimento dos crimes descritos nos artigos 273, §1º-B, inciso I e 334, "caput", ambos do Código Penal, na forma tentada (art. 14, inciso II, do CP).


O Juízo "a quo" consignou que : "considerando que a ré permaneceu presa no curso da instrução, que só findou quinze meses após o flagrante em virtude dos inúmeros incidentes e pedidos formulados pela defesa, considero que a ré faz jus à progressão da pena, devendo passar para o regime aberto" (fl. 1.561), determinando a expedição de alvará de soltura.


Inconformada, apela a acusada (fls.1634/1708), arguindo as seguintes preliminares:


a) cerceamento de defesa ante o indeferimento da prova pericial requerida, consistente em realização de nova perícia nos fármacos apreendidos em poder da ré, a fim de investigar os componentes das fórmulas dos medicamentos e suplementos alimentares, bem como comprovar que aqueles classificados como remédios não representam perigo para a saúde pública, dada a existência de similares em território nacional e registro no FDA (Food and Drug Administration), órgão estadunidense que controla a distribuição destes produtos naquele País;


b) a declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 273, §1º-B, inc. I, do Código Penal, por ofensa ao princípio da proporcionalidade, sopesados o bem jurídico tutelado e a pena abstratamente cominada.


No mérito, pede sua absolvição, alegando atipicidade da conduta:


a) no tocante ao crime descrito no artigo 334, "caput", do Código Penal, ao argumento de que "(...) para a configuração do crime de descaminho, tal como tipificado no ordenamento jurídico brasileiro ( art.334, caput, 2ª parte), faz-se necessário que tenha havido o lançamento definitivo do crédito tributário a se identificar o tributo objeto de ilusão (...)". Assevera que "(...) se a mercadoria importada ilegalmente vem a ser confiscada pela Administração, não cabe cobrança de tributo a ela referente ( fls. 1.73/1675). Diz que o crime de descaminho possui natureza tributária, restando imprescindível o lançamento definitivo do crédito tributário para sua caracterização, nos termos da Súmula Vinculante n.º 24 do E. Supremo Tribunal Federal, o que não se deu no caso em tela;


b) quanto ao delito descrito no artigo 273, §1º-B, inciso I, do Código Penal, tendo em vista que os medicamentos apreendidos possuem registro em outros órgãos internacionais, bem assim composição semelhante aos medicamentos registrados na ANVISA.



Subsidiariamente, pede a aplicação da redução da pena pela tentativa do crime descrito no artigo 334, "caput", do Código Penal, no patamar de 2/3 (dois terços), tendo em vista os bons antecedentes da apelante.


Contrarrazões ministeriais ( fls.1714/1721), pelo desprovimento da apelação defensiva.


Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República, em seu parecer (fls.1723/1729), opinou pelo desprovimento do recurso interposto.


É o relatório.



À revisão.



VALDECI DOS SANTOS
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001092-81.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.001092-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : LAZY MARIA GREGORI DE LIMA
ADVOGADO : SP057925 ARTHUR CARUSO JUNIOR e outro(a)
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VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL CONVOCADO VALDECI DOS SANTOS:


1. Das preliminares arguidas.

1.1. Da preliminar de cerceamento de defesa. A primeira alegação é de ocorrência de nulidade processual, ante o indeferimento da prova pericial sobre os medicamentos importados, de forma a demonstrar que não ensejavam perigo à saúde pública.

Todavia, colhe-se dos autos que o indeferimento da realização da prova pericial se dera sob o fundamento da prescindibilidade - desnecessidade - da produção da referida prova, uma vez que os dados probatórios coligidos ao feito eram suficientes para comprovar a materialidade delitiva, disso não resultando nenhuma ilegalidade ou prejuízo para a defesa.

Deveras, o Termo de Inspeção nº 178/2011, acostado às fls.31/35, bem assim o laudo de fls.303/328, comprovam que os medicamentos internados em território nacional estavam sem receituário e sem o devido registro no órgão de vigilância sanitária competente.

Nesse sentir, demonstrada a importação de medicamento sem o devido registro no órgão de vigilância sanitária, resta comprovada a materialidade do crime descrito no artigo 273,§1º-B, inciso I, do Código Penal, carecendo de acolhida a assertiva de demonstração da lesividade dos medicamentos apreendidos para a configuração do tipo penal.

1.2. Da preliminar de declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 273, §1º-B, inc. I, do Código Penal, por ofensa ao princípio da proporcionalidade, sopesados o bem jurídico tutelado e a pena abstratamente cominada.

Não se afigura possível utilizar o preceito secundário de outra norma penal - no caso, do artigo 33 da Lei de Drogas - para corrigir suposta desproporcionalidade do legislador, pois tal procedimento fere o principio da estrita legalidade previsto no art. 5º, inciso XXXIX, da Carta Magna, e no artigo 2º do Código Penal.

De outra banda, não quis o legislador ordinário cominar reprimenda corporal ao §1º-B daquele dispositivo inferior àquela fixada na Lei nº 11.343/06, considerando ser de suma gravidade a conduta do agente que importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo em relação a produtos em qualquer daquelas condições estabelecidas nos incisos I a VI do §1º-B do artigo 273 do Código Penal, em especial a internação de medicamentos sem registro no órgão de vigilância sanitária competente, vedada a aplicação de pena distinta daquela cominada em abstrato ao referido tipo penal.

Tampouco se aplica o instituto da analogia, à míngua de lacuna a ser suprida sequer por outro meio de integração normativa, existindo norma incriminadora a cominar pena específica ao agente que importa medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária competente.

Sobre a questão posta nesta seara recursal, anoto que a 5ª Turma desta E. Corte se deparou com o assunto, quando do julgamento da apelação criminal nº 2009.61.24.000793-5, de relatoria da eminente Desembargadora Federal Ramza Tartuce, cujo acórdão veio ementado nos termos do voto-vista do eminente Desembargador Federal Antonio Cedenho, assim expresso:

"PENAL. FALSIFICAÇÃO, CORRUPÇÃO, ADULTERAÇÃO OU ALTERAÇÃO DE PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS. ART. 273, § 1º-B, I, DO CÓDIGO PENAL. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEITO SECUNDÁRIO DO TIPO PENAL. DESPROPORCIONALIDADE. JULGAMENTO SUSPENSO.
1. Verifica-se, no presente caso, a necessidade de se suspender o julgamento para submeter à apreciação desta E. Turma a arguição de inconstitucionalidade da Lei nº 9.677/98, no que tange a inovação legislativa do §1º-B, I, do artigo 273 do Código Penal, em seu preceito secundário, aduzida pela defesa do apelante em suas razões recursais.
2. O Ministério Público Federal manifestou-se, opinando pela não incidência da alegada inconstitucionalidade, por considerar não haver qualquer desproporcionalidade nas penas cominadas ao tipo penal ora em comento. Restou, assim, atendido o disposto no artigo 172 do Regimento Interno desta E. Corte.
3. Portanto, submeto à apreciação deste E. Quinta Turma a referida questão, nos termos da norma contida no artigo 173 do Regimento Interno, que deve ser acolhida e, posteriormente, submetida ao Órgão Especial para análise e julgamento.
4. Defendemos uma latente ausência de proporcionalidade entre as penas cominadas e as condutas descritas no tipo penal previsto no artigo 273 do Código Penal. Não resta dúvida de que tais condutas possuem razoável gravidade e são merecedoras de punição pelo Direito Penal, porém, ainda que legalmente definidas como crime hediondo, são punidas com rigor excessivo - pena mínima de 10 (dez) anos, não se mostrando razoável a proporção de pena em cotejo às penas cominadas a crimes de igual ou até maior potencial lesivo, como, por exemplo, os de homicídio, tráfico ilícito de drogas, tortura e estupro.
5. Da mesma forma, pune com o mesmo rigor àquele que falsifica, corrompe, adultera ou altera produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput, CP) e aquele que importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente (art. 273. §1º-B, I, CP), não fazendo a lei distinção se o medicamento, cosmético ou saneante, sem registro, traz consequências calamitosas ou benéficas à saúde pública.
6. É evidente que a pena mínima cominada no tipo penal ora em comento, traduz em grave ofensa ao princípio constitucional da razoabilidade, motivo pelo qual deve ser afastada do sistema jurídico.
7. Deve ser afastada a aplicação do preceito secundário expresso no tipo penal do artigo 273, §1º-B, I, do Código Penal, no que tange a pena mínima cominada ao delito, ante a sua inconstitucionalidade por transgressão ao princípio constitucional da razoabilidade, devendo ser aplicada analogicamente a pena privativa de liberdade mínima prevista no crime de tráfico de drogas - 05 (cinco) anos - previsto no artigo 33 da Lei nº 11.343/2006.
8. Tal medida é a que se impõe, pois ambos os crimes trazem semelhança dos bens jurídicos tutelados - saúde pública, idêntica classificação como crimes de perigo abstrato e são definidos legalmente como hediondos, além de ter o mesmo sujeito passivo, qual seja, a coletividade. E, assim sendo, a utilização da Lei de Drogas como parâmetro nos termos explanados atende ao princípio da razoabilidade, admitindo-se a aplicação da analogia in bonan partem, por se tratar de interpretação mais benéfica ao réu, de modo a reforçar a proteção contra o arbítrio do Estado de maneira mais justa e equânime.
9. Tendo em vista que a inconstitucionalidade de lei não pode ser declarada por órgão fracionário do Tribunal, nos termos da cláusula de reserva de plenário expressa no artigo 97 da Constituição Federal e da Súmula Vinculante nº 10 do STF, proponho a apreciação desta questão pelo Órgão Especial desta E. Corte, com base no artigo 11, parágrafo único, alínea "g", c.c. artigos 173 e 174 e seu parágrafo único, todos do Regimento Interno do TRF/3º Região, ficando suspenso o julgamento concernente a este tema.
10. Julgamento suspenso e determinada a remessa do feito ao Órgão Especial para análise e julgamento da arguição de inconstitucionalidade (sessão realizada em 27/8/2012), na qual se suscitou arguição de inconstitucionalidade, versando a respeito do pretenso descompasso da pena mínima do preceito secundário do § 1º-B, do art. 273 do Código Penal, na redação da Lei nº 9.677/98 com a Constituição Federal".

Nos termos do voto-vista, consignou o eminente Desembargador que se não reconhecida a inconstitucionalidade, mantinha a condenação dos réus, mas às penas constantes do voto da eminente relatora, Desembargadora Ramza Tartuce.

Naquela arguição de inconstitucionalidade sob nº 0000793-60.2009.4.03.6124/SP, o Ministério Público Federal, em parecer ofertado em 14/5/2013, opinou pela rejeição do incidente, sob os seguintes argumentos:

a) a majoração do preceito secundário do artigo 273 do Código Penal, na redação da Lei nº 9.677/98, não se revela inconstitucional, na medida em que refletiu os anseios sociais como resposta estatal adequada e suficiente à conduta ilícita tipificada como crime;

b) a criação de novos tipos com a previsão de sanções rigorosas aos delitos envolvendo falsificação e adulteração de medicamentos é plenamente justificável diante do seu alto potencial lesivo, não se vislumbrando qualquer desproporcionalidade entre as penas abstratamente estipuladas, à vista da incontestável gravidade da conduta, capaz de lesar a saúde de grande número de pessoas;

c) eventual afastamento do preceito secundário do artigo 273 do Código Penal, com a aplicação da pena de outro delito, acarretaria a violação aos princípios da separação dos poderes e da legalidade, na medida em que haveria a criação de uma nova norma, com o Poder Judiciário assumindo a função de verdadeiro legislador positivo, usurpando função que não lhe pertence, devendo eventual alteração das penas cominadas serem realizadas pelas vias constitucionalmente previstas;

d) o ordenamento constitucional não permite a combinação de leis penais, para criar uma terceira norma mais benéfica ao réu. Por fim, requereu a suspensão do andamento deste feito até o deslinde de idêntica arguição agilizada no âmbito do c. STJ, nos autos do HC nº 239.363/PR.

A arguição de inconstitucionalidade foi julgada pelo Órgão Especial desta Corte, que, por maioria, a rejeitou, em sessão datada de 14/8/2013, nos termos do voto condutor da eminente Desembargadora Federal Diva Malerbi, cujo acórdão veio assim ementado:

"DIREITO PENAL. ARTIGO 273, § 1º-B, DO CÓDIGO PENAL. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE COMINADA EM ABSTRATO (PRECEITO SECUNDÁRIO DA NORMA). INCIDENTE DE ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À PROPORCIONALIDADE E À RAZOABILIDADE. INEXISTÊNCIA. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE REJEITADA.
- Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade criminal suscitado pela Quinta Turma deste Tribunal em sede de apelação criminal (proc. nº 0000793-60.2009.4.03.6124/SP), versando sobre a desarmonia do preceito secundário do art. 273, § 1º-B, do Código Penal com a Constituição Federal, por ausência de proporcionalidade e razoabilidade.
- Inexistente o aventado vício de inconstitucionalidade da pena fixada em abstrato pela norma secundária do art. 273, § 1º-B, do Estatuto Repressivo, pois o seu rigor decorre da própria natureza do bem jurídico tutelado, qual seja, a saúde pública, e da elevada potencialidade lesiva da conduta tipificada, devidamente sopesadas pelo legislador.
- Inadmissível a aplicação analógica de penas previstas para outros delitos, preconizada em razão das pretensas desproporcionalidade e ausência de razoabilidade, eis que atentatória aos princípios da separação dos poderes e da reserva legal, não cabendo ao julgador, no exercício da sua função jurisdicional, realizar o prévio juízo de proporcionalidade entre a pena abstratamente imposta no preceito secundário da norma com o bem jurídico valorado pelo legislador e alçado à condição de elemento do tipo penal, por se tratar de função típica do Poder Legislativo e opção política, não sujeita, portanto, ao controle judicial. Precedente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região sobre a mesma questão (ARGINC nº 47 - processo 201051014901540 -, Rel. Des. Federal Guilherme Couto de Castro, Plenário, j. 22.08.2011, E-DJF2R 08.09.2011.)
- O próprio Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, já reconheceu a impossibilidade de o Poder Judiciário, na ausência de lacuna da lei, se arrogar função legiferante e criar por via oblíqua, ao argumento da inadequação da sanção penal estabelecida pelo Legislativo, uma terceira norma, invadindo a esfera de atribuições do Poder competente (v.g., HC nº 109676/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe 14.08.2013; RE nº 443388/SP, Relª. Minª. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 11.09.2009). Precedentes, na mesma linha, do E. STJ.
- Habeas corpus a ser concedido de ofício que não se conhece, por se tratar de medida de competência da Turma julgadora da apelação criminal que deu origem ao incidente, eis que cabe àquele Órgão fracionário conhecer das questões de fato relativas ao caso concreto.
- Arguição de Inconstitucionalidade rejeitada. Habeas Corpus ex officio não conhecido"
(TRF 3ª Região, ORGÃO ESPECIAL, ARGINC 0000793-60.2009.4.03.6124, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MÁRCIO MORAES, julgado em 14/08/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/08/2013, Rel p/ Acórdão Desembargadora Federal Diva Malerbi).


No voto condutor, a eminente Desembargadora consignou que:

"O próprio Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, também já reconheceu a impossibilidade de o Poder Judiciário, na ausência de lacuna da lei, se arrogar função legiferante e criar por via oblíqua, ao argumento da inadequação da sanção penal estabelecida pelo Legislativo, uma terceira norma, invadindo a esfera de atribuições do Poder competente.

Confira-se, a esse respeito:

"Ementa: HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. DIREITO CONSTITUCIONAL. CRIME DE INJÚRIA QUALIFICADA. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA PENA PREVISTA NO TIPO, POR OFENSA AO PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE, E PRETENSÃO DE VER ESTABELECIDO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NOVO PARÂMETRO PARA A SANÇÃO. CRIAÇÃO DE TERCEIRA LEI. IMPOSSIBILIDADE. SUPOSTA ATIPICIDADE DA CONDUTA E PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PARA INJÚRIA SIMPLES. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA NA VIA DO WRIT. IMPOSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS DENEGADO.
1. A Lei nº 9.459/97 acrescentou o § 3º ao artigo 140 do Código Penal, dispondo sobre o tipo qualificado de injúria, que tem como escopo a proteção do indivíduo contra a exposição a ofensas ou humilhações, pois não seria possível acolher a liberdade que fira direito alheio, mormente a honra subjetiva.
2. O legislador ordinário atentou para a necessidade de assegurar a prevalência dos princípios da igualdade, da inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas para, considerados os limites da liberdade de expressão, coibir qualquer manifestação preconceituosa e discriminatória que atinja valores da sociedade brasileira, como o da harmonia inter-racial, com repúdio ao discurso de ódio.
3. O writ veicula a arguição de inconstitucionalidade do § 3º do artigo 140 do Código Penal, que disciplina o crime de injúria qualificada, sob o argumento de que a sanção penal nele prevista - pena de um a três anos de reclusão - afronta o princípio da proporcionalidade, assentando-se a sugestão de ser estabelecida para o tipo sanção penal não superior a um ano de reclusão, considerando-se a distinção entre injúria qualificada e a prática de racismo a que se refere o artigo 5º, inciso XLII, da Constituição Federal. 3.1 - O impetrante alega inconstitucional a criminalização da conduta, porém sem demonstrar a inadequação ou a excessiva proibição do direito de liberdade de expressão e manifestação de pensamento em face da garantia de proteção à honra e de repulsa à prática de atos discriminatórios.
4. A pretensão de ser alterada por meio de provimento desta Corte a sanção penal prevista em lei para o tipo de injúria qualificada implicaria a formação de uma terceira lei, o que, via de regra, é vedado ao Judiciário. Precedentes: RE nº 196.590/AL, relator Ministro Moreira Alves, DJ de 14.11.96; ADI 1822/DF, relator Ministro Moreira Alves, DJ de 10.12.99; AI (Agr) 360.461/MG, relator Ministro Celso de Mello, DJe de 06.12.2005; RE (Agr) 493.234/RS, relator Ricardo Lewandowski, julgado em 27 de novembro de 2007. (...) 7. Ordem de habeas corpus denegada." (destaque nosso)
(HC nº 109676/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 11.06.2013, DJe 14.08.2013.).
"DIREITO PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 180, § 1°, CP. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. DOLO DIRETO E EVENTUAL. MÉTODOS E CRITÉRIOS DE INTERPRETAÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA PENAL. IMPROVIMENTO.
1. A questão de direito de que trata o recurso extraordinário diz respeito à alegada inconstitucionalidade do art. 180, § 1°, do Código Penal, relativamente ao seu preceito secundário (pena de reclusão de 3 a 8 anos), por suposta violação aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da individualização da pena.
2. Trata-se de aparente contradição que é resolvida pelos critérios e métodos de interpretação jurídica.
3. Não há dúvida acerca do objetivo da criação da figura típica da receptação qualificada que, inclusive, é crime próprio relacionado à pessoa do comerciante ou do industrial. A ideia é exatamente a de apenar mais severamente aquele que, em razão do exercício de sua atividade comercial ou industrial, pratica alguma das condutas descritas no referido § 1°, valendo-se de sua maior facilidade para tanto devido à infra-estrutura que lhe favorece.
4. A lei expressamente pretendeu também punir o agente que, ao praticar qualquer uma das ações típicas contempladas no § 1°, do art. 180, agiu com dolo eventual, mas tal medida não exclui, por óbvio, as hipóteses em que o agente agiu com dolo direto (e não apenas eventual). Trata-se de crime de receptação qualificada pela condição do agente que, por sua atividade profissional, deve ser mais severamente punido com base na maior reprovabilidade de sua conduta.
5. Não há proibição de, com base nos critérios e métodos interpretativos, ser alcançada a conclusão acerca da presença do elemento subjetivo representado pelo dolo direto no tipo do § 1°, do art. 180, do Código Penal, não havendo violação ao princípio da reserva absoluta de lei com a conclusão acima referida.
6. Inocorrência de violação aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da individualização da pena. Cuida-se de opção político-legislativa na apenação com maior severidade aos sujeitos ativos das condutas elencadas na norma penal incriminadora e, consequentemente, falece competência ao Poder Judiciário interferir nas escolhas feitas pelo Poder Legislativo na edição da referida norma.
7. Recurso extraordinário improvido."
(RE nº 443388/SP, Relª. Minª. Ellen Gracie, 2ª Turma, j. 18.08.2009, DJe 11.09.2009.)

Desta forma, cumpre à Primeira Turma, órgão fracionário deste Tribunal, nos termos do artigo 97 da Constituição, adotar a referida orientação.

Assim sendo, restam rejeitadas as questões preliminares arguidas.

Passo ao exame do mérito.


2. Da materialidade delitiva. Estabelecem os artigos 334, "caput" e 273, §1º-B, inciso I, ambos do Código Penal que:

"Art.334. Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída, pelo consumo de mercadoria:
Pena- reclusão, de 1 (um) a 4 ( quatro) anos".
"Art. 273. Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais:
Pena- reclusão, de 10 (dez) a 15 ( quinze) anos, e multa.
§1º. Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.
(...) omissis.
§1º-B. Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no §1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:
I- sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente".

A materialidade dos delitos definidos nos artigos 334, "caput", 2ª parte e 273, §1º-B, inciso I, ambos do Código Penal ficou demonstrada pelo Auto de Apresentação e Apreensão de fls.09/11, pelo Laudo de Exame Merceológico de fls.802/805 e fls.1179/1185 e pelo Laudo Técnico de fls.1134/1154 os quais demonstram que em poder da acusada foi apreendida grande quantidade de mercadorias de procedência estrangeira, desprovidas de documentação comprobatória de sua importação regular, inclusive medicamentos de procedência ignorada -, sem licença da autoridade sanitária e acondicionados de forma indevida, que totalizaram o valor de US$ 1.826.027,00 ( um milhão, oitocentos e vinte e seis mil e vinte e sete dólares).

A defesa alega que restou " (...) ausente a materialidade do delito previsto pelo artigo 334, "caput", do Código Penal para a configuração do crime de descaminho, tal como tipificado no ordenamento jurídico brasileiro (art.334, caput, 2ª parte), faz-se necessário que tenha havido o lançamento definitivo do crédito tributário a se identificar o tributo objeto de ilusão (...)". Assevera que "(...) se a mercadoria importada ilegalmente vem a ser confiscada pela Administração, não cabe cobrança de tributo a ela referente" ( fls. 1.73/1675). Diz que o crime de descaminho possui natureza tributária, restando imprescindível o lançamento definitivo do crédito tributário para sua caracterização, nos termos da Súmula Vinculante n.º 24 do E. Supremo Tribunal Federal, o que não ocorrera, no caso.

De início, insta salientar que a pena de perdimento consubstancia-se em sanção administrativo-fiscal que independe da sanção penal para coexistir, não se admitindo possa sua incidência tornar atípica a infração penal, à vista da independência das instâncias administrativa e penal. Nesse sentido já decidiu o C. Superior Tribunal de Justiça:

"(...) A pena de perdimento caracteriza sanção de natureza administrativa, que não obsta a perseguição do crime de descaminho, diante da omissão no recolhimento do imposto devido, que muitas vezes se revela superior ao preço da própria mercadoria" ( HC 70.739/RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 31/08/2009).
"(...) As normas que regulam a aplicação da pena de perdimento são cristalinas, devendo a interpretação ser feita de forma literal. As instâncias administrativo-fiscal e penal são independentes e autônomas entre si" (RESP 2003.0040373-5-PR, Rel. Min, José Delgado, DJ 13.10.03).

De outro lado, o Colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 81.611, firmou entendimento no sentido de que o delito descrito no artigo 1º da Lei 8.137/90 é material, e para sua caracterização, o lançamento definitivo do débito tributário se estabelece como condição objetiva de punibilidade, e, em consequência, dispõe que a pendência do processo administrativo suspende a ação penal.

São estes os termos da Súmula vinculante nº 24 :


"NÃO SE TIPIFICA CRIME MATERIAL CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA, PREVISTO NO ART. 1º, INCISOS I A IV, DA LEI Nº 8.137/90, ANTES DO LANÇAMENTO DEFINITIVO DO TRIBUTO".

Não se discute que o crime de descaminho possui natureza fiscal. Todavia, há distinção de natureza e de objetos jurídicos tutelados entre os crimes de sonegação fiscal da Lei nº 4.729/65 e contra a ordem tributária da Lei nº 8.137/90, e o delito de descaminho previsto no artigo 334 do Código Penal.

Os crimes descritos na Lei nº 4.729/65 e na Lei nº 8.137/90 têm por escopo a proteção da ordem tributária, configurada no interesse do Estado no recebimento dos tributos devidos, enquanto que o crime de descaminho apresenta tutela dúplice: o interesse jurídico do ingresso de valores no erário público e outros bens jurídicos, tais como o controle da entrada e saída de bens do território nacional, a proteção das atividades econômicas nacionais frente à de outros países o que está ligado à política nacional de desenvolvimento econômico.

Ademais, o descaminho é crime formal, cuja consumação ocorre com o mero ingresso da mercadoria em território nacional sem o pagamento dos tributos devidos, não dependendo da demonstração do valor do tributo que deixou de ser recolhido e, neste aspecto, não exigindo a constituição definitiva do crédito tributário para consubstanciar a materialidade delitiva.

O apelo defensivo também postula a absolvição da ré por atipicidade fática quanto ao crime definido no artigo 273,§1º-B, inciso I, do Código Penal, ao argumento de que a conduta não se subsume à referida norma penal incriminadora, porquanto parte dos fármacos apreendidos na posse da denunciada - suplementos alimentares - não são de importação vedada:

" (...) no que diz respeito aos suplementos alimentares, diferentemente do que ocorreu no §1º-B, inciso I, do artigo 273 - o legislador não proibiu no artigo 272, ambos do Código Penal, a importação de substância ou produto alimentício, conceito no qual se inserem os suplementos alimentares, vitamínicos e minerais e os produtos probióticos, que não tiverem sido registrados perante a ANVISA (...)".

Razão não lhe assiste. Trata-se de crime formal, já que prescinde da efetiva ocorrência do dano a alguém. O objeto material do crime é o produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais.

É crime do tipo misto alternativo na medida em que a prática de uma ou mais condutas, desde que inseridas no mesmo contexto, implica num delito único.

Por conseguinte, resta evidenciada a irregularidade da importação dos medicamentos com a legislação sanitária vigente, porquanto qualquer medicamento importado necessita de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA e deve ser fabricado por estabelecimento regular, além de passar pelo crivo de apreciação dos órgãos técnicos do Ministério da Saúde.

Nesse passo, aqueles que não cumprem esses requisitos são, consequentemente, de importação proibida.

Segundo o laudo, verifica-se que os medicamentos apreendidos não possuem permissão no órgão competente (ANVISA) para sua comercialização e importação em território nacional, tampouco houve registro no Ministério da Saúde.

Comprovada, portanto, a materialidade.

2. Da autoria delitiva. A autoria restou cabalmente demonstrada. O auto de prisão em flagrante e os depoimentos judiciais das testemunhas de acusação atestam a responsabilidade penal da ré, bem como demonstram que a mesma agiu de forma livre e consciente ao praticar os crimes narrados na denúncia, não se admitindo falar na ausência de dolo ou desconhecimento da ilicitude.

Ouvida em Juízo (mídia acostada à fl.209) a acusada assentiu que:

" Juíza: A senhora estava trazendo todo esse material que foi relacionado no auto de prisão em flagrante? Tem uma foto, inclusive, aqui de toda a mercadoria que a senhora trouxe.
Lazy: Sim.
Juíza: É correto, então?
Lazy: É correto.
(...) Eu trabalhei por vinte e sete anos como comissária de bordo da Varig (...) Eu tenho uma aposentadoria de mil e duzentos reais, que eu fui aposentada, mas ainda continuei trabalhando (...). Eu fiquei sem nada, só com a aposentadoria. Porque, como eu já sou aposentada, eu não entro no INSS, eu não tenho nenhuma ajuda da empresa, porque eu já sou aposentada (...). Eu tinha uma passagem para Miami, eu fiz umas compras, em outlet (...) Voltei (...) Em dois mil e nove (...).
Juíza: A senhora ia, então, de Miami até...Fort Lauderdale, para fazer compras?
Lazy: Isso (...). E aí eu fui fazendo as compras, cheguei, voltei, fiz um bazar em casa. Deu certo. Eu vendi, paguei minhas despesas. Cobri o que faltava (...).
Juíza: Sei, sei.
Lazy: E voltei. Fiz outros vôos no mês seguinte, para cobrir as despesas dos meses consecutivos, eu fiz umas sete, oito viagens (...)".

As declarações das testemunhas de acusação Anderson Leme Siqueira e Mario de Marco Rodrigues de Souza são uníssonas em apontar a autoria delitiva:

"(...) é normal que um passageiro eventualmente traga um ou outro medicamento, né? E o nosso critério em conjunto com a Anvisa, que também atua, é o uso ou consumo próprio, né? Mediante receita, etc, né? (...) confesso que no momento que a gente abriu toda a bagagem dela, o que mais nos chamou a atenção foi a quantidade de relógios, jóias, e o alto valor agregado, tá? É...os remédios (...) levantaram uma desconfiança um pouco maior porque eram ampolas, etc, coisa diferenciada e que a gente viu que não era um uso tão comum, talvez um pouco mais específico, né? (...) Me lembro que estavam, parte deles estavam acondicionados numa, numa lancheira infantil, tá? Pequena...e...e que depois a gente veio a saber que esses remédios deveriam ter um acondicionamento específico, com refrigeração, etc e tal, o que de fato ali não acontecia, absolutamente"
MPF: Era uma quantidade expressiva?
Test. Expressiva, tá?
(...) boa parte desses medicamentos parece que tem que ter a licença médica para importação, etc e tal.
MPF: O que não era o caso?
Test.Anderson: Sim". ( depoimento da testemunha Anderson Leme Siqueira).
" (...) a quantidade não era compatível com o uso pessoal do passageiro, e que alguns medicamentos lá, se eu não me engano (...) eram medicamentos específicos, que tinham que ser refrigerados, porque eram pra ... bem, o detalhe mais específico é o de que precisam ser refrigerados.
(...) MPF: Certo. Com relação aos itens (...) às mercadorias que havia, o senhor recorda se eram...o senhor mencionou que era uma grande quantidade de relógios. Eles eram de marcas conhecidas?
Test. Mario: Eram" ( assertivas do testigo Mario de Marco Rodrigues de Sousa).

Idôneos os referidos depoimentos e, porque coerentes e não desmentidos pelo restante da prova, são suficientes para embasar o decreto condenatório. Como de sabença, a condição de policial não torna a testemunha impedida ou suspeita.

Assim, estando comprovadas a materialidade e autoria delitivas, mantenho a condenação da acusada como incursa nas penas dos crimes previstos nos artigos 334, "caput", 2ª parte e 273,§1º-B, inciso I, ambos do Código Penal.

3. Da dosimetria.

3.1. Do crime descrito no artigo 273,§1º-B, inciso I, do Código Penal. A pena-base foi fixada no mínimo legal (10 anos de reclusão) e pagamento de 360 (trezentos e sessenta dias-multa), reduzida de 2/3 (dois terços) pela tentativa (artigo 14, II, do Código Penal) restando definitiva em 03 ( três) anos, 04 ( quatro) meses de reclusão e pagamento de 120 ( cento e vinte) dias-multa.

O "decisum" merece reparos tão somente no tocante à pena de multa, uma vez que a sanção pecuniária não observou a proporcionalidade com a pena reclusiva. Destarte, reduzo-a, de ofício, para 10 (dez) dias-multa, mantido o valor unitário mínimo legal.

3.2. Do crime descrito no artigo 334, "caput", 2ª parte, do Código Penal. A pena-base foi majorada de 1/3 (um terço) acima do mínimo legal, em decorrência das circunstâncias judiciais desfavoráveis - a grande quantidade de bens apreendidos a evidenciar a culpabilidade intensa da apelante - resultando em 01 ano e 10 dias de reclusão. Na segunda etapa do sistema trifásico, a pena foi reduzida de 1/3 (um terço) pela tentativa, resultando definitiva em 01 ( um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão.

A defesa pleiteia a redução da pena, em decorrência da tentativa, para o crime de descaminho, no mesmo patamar aplicado para o crime descrito no artigo 273,1º-B, inciso I, do Código Penal - 2/3 ( dois terços).

A redução de 1/3 (um terço) aplicada ao crime de descaminho afigura-se correta, em se considerando a proximidade da consumação do delito no momento da prisão em flagrante, bem como a enorme quantidade de produtos, com valores expressivos - mais de U$ 1.800.000,00 (um milhão e oitocentos mil dólares norte-americanos).

No mais, como bem observou o representante do "Parquet" Federal:

" (...) no caso, a diminuição pela tentativa deveria ser aplicada no patamar mínimo de 1/3 para ambos os delitos. Entretanto, tendo em vista a ausência de recurso por parte do Ministério Público Federal, postulando a fixação no referido patamar, e a vedação da ' reformatio in pejus', não há como se corrigir o erro na dosimetria da pena quanto ao crime previsto no artigo 273,§1º-B, inciso I, do Código Penal, devendo ser mantida, para esse delito, a redução da pena em 2/3".

4. Do regime inicial de cumprimento de pena. O Juízo "a quo", acertadamente, fixou o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena privativa de liberdade. No entanto, dispôs que "considerando que a ré permaneceu presa no curso da instrução, que só findou quinze meses após o flagrante em virtude dos inúmeros incidentes e pedidos formulados pela defesa, considero que a ré faz jus à progressão da pena, devendo passar para o regime aberto" (fl. 1.561), determinando a expedição de alvará de soltura.


Em suma, a decisão recorrida merece adequação apenas quanto à fixação da pena de multa.


Com tais considerações, rejeito as questões preliminares arguidas, nego provimento à apelação e, de ofício, reduzo a pena de multa de 120 (cento e vinte) para 10 (dez) dias-multa, restando mantida quanto ao mais a sentença recorrida.

É o voto.





VALDECI DOS SANTOS
Desembargador Federal


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