D.E. Publicado em 06/04/2016 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação para conceder ao réu Anderson Barbin Costa os benefícios da justiça gratuita, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte do presente julgado.
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RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator):
O Ministério Público Federal, em 07.01.2011, denunciou ANDERSON BARBIN COSTA, qualificado nos autos, nascido aos 31.01.1984, como incurso no artigo 155, caput, c.c. artigo 61, II, alínea "g", ambos do Código Penal. Consta da denúncia (fls. 86/88):
A denúncia foi recebida em 11.03.2011 (fls. 91/92).
Processado o feito, sobreveio sentença da lavra do MM. Juiz Federal Alessandro Diaferia, publicada em 18.12.12 (fls. 265/273), que, nos termos do artigo 383 e §1º do CPP, alterou a tipificação contida na denúncia, acolhendo as argumentações trazidas em alegações finais do Ministério Público Federal, para o tipo do artigo 312, §1º, CP, e condenou o réu à pena privativa de liberdade de 2 anos e 1 mês de reclusão, em regime inicial aberto, e 12 dias-multa, no valor unitário mínimo, como incurso no artigo 312, §1º, c.c. artigo 71, ambos do Código Penal.
A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, a saber, prestação pecuniária de 5 (cinco) salários mínimos, e prestação de serviços à comunidade e/ou a entidades públicas.
Às fls. 281 foi reconhecido erro material no tópico "Resumo Final da Sentença", passando a constar que "a prestação de serviços à comunidade e/ou a entidades públicas deverá ser pelo período de 2 anos e 1 mês".
Apelação do réu às fls. 278 verso e 291/299, pleiteando a reforma da sentença condenatória, pelos seguintes argumentos:
a) alega a Defesa, preliminarmente, a ocorrência de cerceamento de defesa por ter o juiz alterado a capitulação legal do fato descrito na denúncia apenas no momento da prolação da sentença, não permitindo ao acusado a oferta de defesa preliminar prevista no artigo 514 do CPP;
b) requer, preliminarmente, o reconhecimento da nulidade do feito por violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa e da correlação entre a inicial acusatória e a sentença;
c) requer o afastamento da reclassificação da conduta para o tipo do artigo 312 do CP;
d) afirma a ausência de prova da autoria imputada ao acusado para a prolação de sentença condenatória;
e) alega ser aplicável o princípio da insignificância ao caso, pois o "prejuízo causado pela conduta do autor se consubstancia apenas nas próprias folhas de cheque furtadas, sem qualquer valor inerente que não o dos próprios talonários (papel)";
f) alega que a participação do acusado foi de menor importância no delito de furto alheio, impondo-se a aplicação do artigo 29, §1º, CP;
g) alega que é suficiente a imposição de pena mínima ao acusado, considerando-se a análise das circunstâncias do artigo 59 do CP;
h) alega incidir à espécie o §2º do artigo 155 do CP.
Postula a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita.
Contrarrazões do Ministério Público Federal às fls. 301/309, pelo desprovimento do recurso interposto.
A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra do Dr. Elton Venturi, manifestou-se pelo desprovimento do recurso da defesa (fls. 311/315).
É o relatório.
Ao MM. Revisor.
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VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Hélio Nogueira (Relator):
Do pedido de justiça gratuita: desde o início do processo o réu está assistido pela Defensoria Pública da União, não tendo constituído defensor; além disso, declinou em interrogatório exercer a profissão de porteiro/segurança, tendo família constituída.
Dessa forma, caracterizada a condição de hipossuficiente, nos termos dos artigos 2º, parágrafo único, e 4º, da Lei 1060/50, defiro ao acusado os benefícios da justiça gratuita.
Da alegação de cerceamento de defesa, ao argumento da ausência de oportunidade para apresentação da defesa preliminar prevista no artigo 514 CPP.
Inexistente nulidade do processo em razão da não observância do disposto no artigo 514, caput, do CPP.
O acusado, à época da instauração do inquérito policial (em 16.08.2010) e da própria ação penal (denúncia recebida em 11.03.2011), não exercia mais função de vigilante na agência dos Correios de Mairiporã, tendo se afastado em fevereiro de 2010, como relatado no interrogatório (mídia de fls. 224), razão pela qual não mais se aplica o procedimento especial relativo aos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos previsto no artigo 513 e seguintes do CPP. Nesse sentido, colaciono jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
Nesse sentido também leciona Guilherme de Souza Nucci in Código de Processo Penal Comentado. 6ª edição. São Paulo: Editora RT, 2007. p. 829:
Por outro lado, a alteração do CPP pela Lei 11.719/2008, que instituiu a chamada defesa preliminar no rito comum acaba por esvaziar a alegação do réu de ausência de oportunidade para referida forma de defesa, devidamente exercida no presente feito (fls. 139).
Ainda que assim não se entenda, certo é que o não cumprimento do disposto no artigo 514, caput, do CPP gera nulidade relativa, a qual apenas tem o condão de anular os atos processuais praticados até então apenas se restar comprovado o prejuízo para a defesa, inexistente no caso dos autos. Confira-se:
Portanto, rejeito a preliminar.
Da alegação de violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa e da correlação entre a inicial acusatória e a sentença.
A alteração da capitulação legal do fato, operada na sentença, observou os ditames do artigo 383 do CPP, sem qualquer infringência aos princípios do contraditório, da ampla defesa e da correlação entre a inicial acusatória e a sentença.
Com efeito, o fato imputado ao acusado na denúncia é o mesmo, não houve qualquer modificação, e o réu defende-se dele e não da tipificação legal, pelo que o artigo 383 CPP autoriza a recapitulação do fato e nada determina, ao contrário do artigo 384 CPP, sobre a necessidade de abertura de prazo para manifestação da Defesa.
Na hipótese em tela, o juiz verificou que a narrativa fática da inicial acusatória amoldava-se ao tipo do peculato-furto e não ao furto, procedendo nos estritos termos da legislação processual vigente.
Não há falar em cerceamento de defesa, in casu, em razão da emendatio libelli. Conforme lição de Guilherme de Souza Nucci (Código de Processo Penal Comentado. Comentário 21 ao artigo 383. 2ª ed. São Paulo: Editora RT, 2003. p. 565):
Nesse prisma, não emerge dos autos a ausência de correlação entre denúncia e sentença, havendo plena descrição fática de toda a acusação, da qual teve o réu o amplo acesso para o exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa.
Dessa forma, rejeito a alegação de violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa e da correlação entre a inicial acusatória e a sentença.
Superadas as questões preliminares, procedo ao exame do mérito.
Da capitulação legal dos fatos
A Defesa postula o afastamento da reclassificação do fato delituoso para o tipo do artigo 312 do CP, afirmando ter ocorrido furto do artigo 155 CP.
Infere-se, no entanto, que a elementar do peculato funcionário público está presente na hipótese e que, valendo-se o réu da facilidade proporcionada pela condição de vigilante dos correios, subtraiu bem móvel desta instituição.
Anoto que o réu enquadra-se no conceito de funcionário público para fins penais, consoante o artigo 327, §1º do Código Penal: "equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública"
Assim, nada a alterar na reclassificação legal da conduta, que teve novo posicionamento típico, pertinente e adequado para o crime de peculato-furto, estabelecido no artigo 312, §1º, CP.
Do princípio da insignificância
É inaplicável o princípio da insignificância ao caso concreto.
Embora seja difícil estimar o valor do prejuízo suportado pelos Correios decorrente da subtração de dois talonários de cheques, em que pese a utilização de uma das folhas do talonário, com a efetiva emissão do título cambial no valor de R$ 538,00 (quinhentos e trinta e oito reais), em 04.02.2010, consoante cópia de fls. 11, resta inviável a aplicação do princípio da insignificância.
O fato imputado ao réu está tipificado no artigo 312, §1º, do Código Penal, sendo o bem jurídico protegido a moralidade da Administração Pública e, assim, a lesividade da conduta é extraída não somente pelo valor patrimonial de eventual prejuízo econômico.
Nesse sentido situa-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
A materialidade delitiva é demonstrada pela lavratura do boletim de ocorrência, em 18.02.2010, noticiando o extravio dos Correios de dois talonários de cheques em nome de Márcia Luccizano (fls. 09); o extrato da conta bancária da titular Sra. Márcia Luccizano indicando a compensação do cheque n° 000001 do talonário furtado, no valor de R$ 538,00, em 04.02.2010 (fls. 10); a notícia da Gerência de Inspeção dos Correios sobre a não localização do objeto registrado SH018632997BR, contendo os talonários de cheques, nas dependências dos Correios (fls. 03) e o pedido da Gerência de Inspeção dos Correios para instauração de inquérito policial, informando a não localização dos talonários de cheque, e a prévia apuração administrativa culminando com a informação do Sr. Evandro Luiz de Barros de que recebeu o cheque "do seu cunhado Anderson Barbin Costa, que trabalhava como vigilante na AC Mairiporã/DR/SPM" (fls. 05).
O conjunto probatório também dá suporte à autoria imputada ao réu Anderson Barbin Costa.
O Relatório Final da apuração administrativa do extravio de correspondência dos Correios SH018632997BR, contendo talões de cheques, noticia que em diligência realizada à residência do Sr. Evandro Luiz de Barros, este informou que recebeu o cheque através de seu cunhado Anderson Barbin Costa, o qual, convocado diversas vezes para prestar esclarecimentos, nunca compareceu à empresa de segurança Power para atender as convocações (fls. 68/72).
Às fls. 33 verso consta declaração do Sr. Evandro de que recebeu o cheque emitido no valor de R$ 538,00 do réu.
Ouvido em juízo, como testemunha, Evandro Luiz de Barros narrou com detalhes a conduta delituosa, dizendo que o réu Anderson, seu cunhado, trabalhando como segurança dos Correios à época, furtou dois talões de cheque desta empresa, tendo ambos utilizado uma das folhas, preenchendo-a no valor de "quinhentos e alguma coisa" reais e descontando-a, ficando com o montante correspondente em dinheiro (fls. 242/243).
As declarações da testemunha Márcio Fernando Gomes Sampaio, supervisor de segurança da empresa Power Segurança, convergem para o envolvimento do réu Anderson no crime de peculato. Com efeito, a testemunha Márcio afirmou que "as evidências eram que o senhor Anderson era o único que permaneceu no local, onde havia os malotes" e "o que mais chamou a atenção, foi que ele pediu para sair, alegando que estava com problema particular". Disse ainda a testemunha que o cheque foi depositado na conta corrente de pessoa que indicou o réu Anderson e um parente como os responsáveis pelo repasse do cheque a ela (mídia de fls. 219).
Em interrogatório, o acusado Anderson nega a subtração dos talonários dos correios e a utilização da folha de cheque. Afirma que seu cunhado, o Sr. Evandro Luiz de Barros, recebeu na própria residência, por engano, em virtude de entrega em endereço errado, os talonários de cheque e utilizou uma das folhas do talão de cheques (mídia de fls. 224).
Depreende-se do conjunto probatório, produzido sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, o envolvimento do acusado Anderson no furto dos talões de cheque e do efetivo uso de uma das folhas, de forma fraudulenta, com o desconto e a obtenção do dinheiro correspondente ao título cambial, traindo a confiança da agência dos Correios em Mairiporã, onde exercia as funções de vigilante, condição equiparada a funcionário público e que lhe proporcionou a facilidade para a prática delitiva.
A versão apresentada pelo réu de isenção de participação no crime é desmentida pela prova testemunhal, revelando bastante inverossímil a menção de que seu cunhado Evandro estaria na posse dos talões por erro na entrega em residência deste, considerando-se também que a testemunha Márcio Fernando Gomes Sampaio relata que a titular da conta corrente onde depositado o cheque asseverou que recebeu a cártula do réu e de um parente.
Por outro lado, não prospera a tese defensória de que a atuação do réu Anderson foi de menor importância, dado que a prova demonstra ter sido ele o único responsável pela subtração dos talonários, aproveitando da facilidade de sua condição de vigilante na agência dos correios.
Portanto, as provas coligidas aos autos dão suporte seguro e apto para o édito condenatório, que resta mantido.
Da dosimetria da pena: a Defesa requer a fixação da pena no mínimo legal; a aplicação do artigo 29, §1º, CP e do artigo 155, §2º, CP.
Na primeira fase da dosimetria, o juízo a quo exasperou em um mês a pena-base privativa de liberdade e em dois dias-multa a pena-base de multa, fixando-as em 2 anos e 1 mês de reclusão e 12 dias-multa, por entender desfavoráveis as consequências do delito, in verbis (sentença às fls. 272):
Como se vê, a fundamentação da sentença para a majoração da pena-base é pertinente e adequada, refletindo a desfavorabilidade da circunstância judicial consequência do crime, pois, como consignado na sentença, o réu não apenas subtraiu os talões de cheques, mas prosseguiu na conduta de emitir um cheque, causando transtornos à correntista titular do cheque, que necessitou socorrer-se da autoridade policial para ver esclarecida a situação e ressarcir-se do prejuízo econômico advindo do pagamento da cambial.
Assim, a pena restou bem dosada.
Na segunda fase nada restou computado.
Na terceira fase da dosimetria da pena a Defesa requer a aplicação das causas de diminuição dos artigos 29, §1º e 155, §2º, ambos do CP.
Descabida a incidência das causas de diminuição, pois como fundamentado acima a participação do réu não foi de menor importância, sendo o autor principal e único da subtração dos talonários de cheques e não se trata de crime de furto, mas peculato, a afastar o §2º do artigo 155 CP.
Dessa forma, a pena final permanece em 2 anos e 1 mês de reclusão e 12 dias-multa.
O regime de cumprimento aberto da pena resta inalterado.
A substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito permanece como lançada na sentença.
DA CONCLUSÃO: Por estas razões, dou parcial provimento à apelação para conceder ao réu Anderson Barbin Costa os benefícios da justiça gratuita, mantida a sentença nos demais termos.
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 30/03/2016 13:51:47 |