Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 11/04/2016
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001357-52.2012.4.03.6118/SP
2012.61.18.001357-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : VERA LUCIA DOS SANTOS BARBOZA
ADVOGADO : SP098728 WAINER SERRA GOVONI e outro(a)
No. ORIG. : 00013575220124036118 1 Vr GUARATINGUETA/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. ESTELIONATO. ARTIGO 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA. MATERIALIDADE DELITIVA E AUTORIA NÃO COMPROVADAS. DOLO NÃO COMPROVADO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O crime de estelionato, previsto no artigo 171 do Código Penal, pressupõe o dolo do agente, ou seja, a vontade livre e consciente de obter vantagem ilícita, para si ou para outrem, em prejuízo alheio, bem como induzir ou manter alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento, e, sendo a vítima, no caso, entidade de direito público, observa-se a incidência da causa de aumento de pena prevista no §3º do referido artigo.
2. No caso, embora haja evidência de que a acusada efetivamente recebeu o benefício "Bolsa Família", todavia, não se pode confirmar que a ré induziu ou manteve em erro os responsáveis pelo pagamento do benefício, omitindo que a renda de sua família era incompatível com a renda legalmente exigida para o recebimento do benefício, auferindo, assim vantagem ilícita em prejuízo da União.
3. Não se verifica, nos autos, a presença de provas que indiquem a solicitação de quaisquer informações pelo gestor no programa Bolsa Família a respeito da situação econômica da acusada, não havendo que se falar, portanto, em apresentação de informações falsas pela ré com o intuito de induzir ou manter em erro o gestor do programa tanto no cadastramento, quanto nos alegados, e não comprovados, recadastramentos.
4. No presente caso, independentemente de a renda familiar da acusada ser superior ou não ao limite legalmente exigido para o recebimento do benefício "Bolsa Família", a legislação vigente, em momento algum, exigia a comunicação aos gestores do programa de eventual alteração na renda per capita da família beneficiada.
5. Materialidade delitiva, autoria e dolo não comprovados de forma clara e inequívoca.
6. À míngua de prova material robusta que confirme que a acusada praticou o crime de estelionato previsto no artigo 171 c.c. §3º do mesmo artigo do Código Penal, deve ser mantida a absolvição da ré, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal e no princípio do in dubio pro reo.
7. Apelação do Ministério Público Federal a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do Ministério Público Federal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 29 de março de 2016.
VALDECI DOS SANTOS


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001357-52.2012.4.03.6118/SP
2012.61.18.001357-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : VERA LUCIA DOS SANTOS BARBOZA
ADVOGADO : SP098728 WAINER SERRA GOVONI e outro(a)
No. ORIG. : 00013575220124036118 1 Vr GUARATINGUETA/SP

RELATÓRIO

O Exmo. Senhor Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS:
Cuida-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal contra sentença que julgou improcedente a pretensão punitiva estatal e absolveu VERA LUCIA DOS SANTOS BARBOZA com supedâneo no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal e no princípio do in dubio pro reo.

Narra a denúncia que:

"1. No período compreendido entre junho de 2008 e fevereiro de 2011, no Município de Cunha/SP, Vera Lucia dos Santos Barboza, agindo de forma livre e consciente, obteve para si vantagem ilícita em prejuízo da União, ao prestar informações falsas ao órgão gestor do programa federal "bolsa família" e receber indevidamente 39 (trinta e nove) parcelas do aludido benefício.
2. Segundo apurado, Vera Lucia dos Santos Barboza realizou o cadastro no programa federal "bolsa família" junto ao órgão gestor em setembro de 2002, ocasião em que informou que a renda mensal per capita de sua família era de R$ 62,50 (sessenta e dois reais e cinquenta centavos), conforme fls. 128.
3. O benefício foi bloqueado em fevereiro de 2008, ocasião na qual, mesmo consciente de que não fazia jus ao aludido benefício assistencial (devido apenas a famílias pobres nas quais vivam crianças ou adolescentes de até quinze anos e que tenham renda mensal de até sessenta reais por pessoa, conforme determina a Lei 10.836/2004, bem como o Decreto n° 6.197/09 que atualizou o mencionado valor-limite para R$ 70,00 per capita), Vera Lucia dos Santos Barboza, induzindo em erro o órgão gestor do aludido benefício, logrou o restabelecimento dos pagamentos.
4. Com isso, sacou, por 35 (trinta e cinco) vezes, entre abril de 2008 e fevereiro de 2011, os valores colocados à sua disposição, gerando um prejuízo para a União no importe de R$ 2.192,00 (dois mil cento e noventa e dois reais), conforme fls. 128/129
4. A fraude é evidente, pois, à época dos fatos, Vera Lucia dos Santos Barboza omitiu o exercício, por ela e seus familiares, de atividade pecuária em sua propriedade rural, na qual auferia, com a comercialização de leite, valor mensal aproximado de R$ 4.200,00 (quatro mil e duzentos reais).
5. O ardil, está comprovado, ademais, diante do patrimônio apresentado pelo cônjuge da denunciada, José Luiz Barboza de Oliveira, o qual se mantem proprietário , desde à época dos fatos, de diversos veículos cujos valores são incompatíveis com a renda declarada pela denunciada (informações juntadas nessa oportunidade): um Fiat Uno, um caminhão Mercedes Benz, uma Brasilia, uma Toyota Hylux, uma motocicleta Honda CG 125 e um Gol.
6. Ante o exposto, o Ministério Público Federal denuncia Vera Lucia dos Santos Barboza com incursa no artigo 171 do Código Penal, combinado com o §3º do mesmo artigo (estelionato majorado), por 35 (trinta e cinco) vezes, na forma do artigo 71 (crime continuado) (...)." (fls.168/169)

A denúncia foi recebida em 03 de setembro de 2012 (fl.171).

Sobreveio sentença que julgou improcedente a pretensão punitiva estatal e absolveu VERA LUCIA DOS SANTOS BARBOZA com supedâneo no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal e no princípio do in dubio pro reo (fls. 209/213).

Inconformado, apela o Ministério Público Federal (fls.218/220), pugnando a reforma da sentença recorrida, alegando, em síntese, restar devidamente comprovado que a apelada induziu em erro a administração pública no momento em que solicitou e recebeu o benefício do programa Bolsa Família, omitindo, para tanto, a verdadeira situação econômica em que se encontrava, a qual era muito superior ao patamar indicado como situação de miserabilidade, bem como manteve em erro o gestor do programa, ao omitir sua verdadeira renda quando da realização do recadastramento.

Contrarrazões da defesa às fls.223/229, sustentando, a improcedência do recurso ministerial, com a manutenção da r. sentença absolutória, com base no princípio do in dubio pro reo.

Parecer da Procuradoria Regional da República no sentido de ser desprovido o recurso (fls.231/239).

É o relatório.
À revisão.

VALDECI DOS SANTOS
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001357-52.2012.4.03.6118/SP
2012.61.18.001357-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : VERA LUCIA DOS SANTOS BARBOZA
ADVOGADO : SP098728 WAINER SERRA GOVONI e outro(a)
No. ORIG. : 00013575220124036118 1 Vr GUARATINGUETA/SP

VOTO

O Exmo. Senhor Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS:


O Juízo de 1º grau julgou improcedente a pretensão punitiva estatal e absolveu VERA LUCIA DOS SANTOS BARBOZA com supedâneo no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal e no princípio do in dubio pro reo.


1. Do recurso do Ministério Público Federal. O recurso ministerial não merece prosperar.


De acordo com o Ministério Público Federal a acusada agiu com vontade livre e consciente ao realizar conduta fraudulenta em detrimento de entidade de direito público.


Todavia, isso não deflui das provas colacionadas aos autos. Pelo contrário, essas demonstram que a ré não praticou a conduta que lhe é imputada, pois se trata de pessoa simples, de baixa instrução e que sequer leu a ficha que lhe foi apresentada para assinatura.


1.2. Da materialidade. A materialidade delitiva não restou devidamente comprovada.


O crime de estelionato, previsto no artigo 171 do Código Penal, pressupõe o dolo do agente, ou seja, a vontade livre e consciente de obter vantagem ilícita, para si ou para outrem, em prejuízo alheio, bem como induzir ou manter alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento, e, sendo a vítima, no caso, entidade de direito público, observa-se a incidência da causa de aumento de pena prevista no §3º do referido artigo.


No caso, embora haja evidência de que a acusada efetivamente recebeu o benefício "Bolsa Família", conforme se observa dos documentos das fls. 127/135, todavia, não se pode confirmar que a ré induziu ou manteve em erro os responsáveis pelo pagamento do benefício, omitindo que a renda de sua família era incompatível com a renda legalmente exigida para o recebimento do benefício, auferindo, assim vantagem ilícita em prejuízo da União.


Segundo o documento de fls. 127/135, emitido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, em resposta à solicitação de informações sobre saque do benefício do Programa Bolsa Família, verifica-se que, in verbis:


"5. O Programa Bolsa Família tem três tipos de benefícios: o Básico, o Variável e o Variável Vinculado ao Adolescente. O Benefício Básico, de R$ 70,00 (setenta reais), é pago às famílias consideradas extremamente pobres; o Benefício Variável, de R$ 32,00 (trinta e dois reais), é pago às famílias pobres, desde que tenham crianças e adolescentes de até 15 anos e, o Benefício Variável Vinculado ao Adolescente (BVJ), de R$ 38,00 (trinta e oito reais), é pago a todas as famílias do Programa que tenham adolescentes de 16 e 17 anos frequentando a escola.
6. Em consulta ao Cadastro Único foram localizados os dados da família da Senhora Vera Lúcia dos Santos Barboza e verificou-se que o cadastro foi realizado em setembro de 2002, com última atualização em abril de 2008. A renda per capita familiar declarada é de R$ 62,50 (sessenta e dois reais e cinquenta centavos), conforme cópia de tela de consulta, anexa.
7. No que diz respeito à concessão de benefício do Programa, por meio de consulta ao Sistema de Benefícios ao Cidadão (Sibec), verificou-se que a família em epígrafe encontra-se com os Benefícios do Programa cancelados desde dezembro de 2011, pelo motivo "reiterada ausência de saque de benefícios", conforme cópia de tela de consulta, anexa. Segue histórico de concessão de benefícios para a referida família:
- O Benefício Básico: liberado em junho de 2009 e bloqueado em março de 2011, pelo motivo "descumprimento de condicionalidades do Programa". O benefício foi novamente concedido em julho de 2011 e cancelado em dezembro de 2011, pelo motivo "reiterada ausência de saque de benefícios";
- O Benefício Variável foi liberado em outubro de 2005 e bloqueado em fevereiro de 2008, pelo motivo "Averiguação cadastral renda per capita superior ao estabelecido para o Programa". Em junho de 2008, o benefício foi novamente liberado, mas houve um novo bloqueio em março de 2011, pelo motivo "descumprimento de condicionalidades do Programa". O Benefício Variável foi novamente concedido em julho de 2011 e cancelado em dezembro de 2011, pelo motivo "reiterada ausência de saque de benefícios". (fl.128 - grifo nosso).

Por sua vez, a prova material apresentada para embasar a acusação de prática do crime de estelionato se mostra frágil e inconsistente, como bem salientou o Parquet federal:


"Conquanto a absolvição da acusada tenha sido fundamentada na ausência de elemento subjetivo do tipo, cuja análise se dará oportunamente, não é possível extrair nem mesmo prova irrefutável de materialidade delitiva no caso dos autos. / A acusação fundamenta a imputação inicial quase que inteiramente no contraditório e inconsistente o relatório emitido pela Secretaria Nacional de Renda de Cidadania de fls. 127/135, no entanto, não se pode justificar a condenação da acusada com tal documento. / Primeiramente, quanto à data em que o benefício foi novamente liberado e que Vera Lúcia voltou a recebê-lo, existe uma inconsistência grave nos dados apresentados no documento utilizado pela acusação para embasar sua denúncia: o texto do relatório emitido pelo órgão competente assevera que a bolsa suspensa em fevereiro de 2008 só foi liberada novamente, para retirada, em junho de 2008; entretanto, a tabela dos saques efetuados pela ré, a qual também consta do relatório, revela que esta voltou a retirar o dinheiro já em abril. Tem-se a primeira situação não esclarecida nos autos, uma vez que não teria como Vera Lúcia realizar saques nos meses de abril e maio, se a bolsa só tornara a ser liberada meses depois. / Corroborando toda a falta de poder de convencimento do conjunto probatório apresentado pela exordial, resta esmiuçar, por meio do Relatório da Secretaria Nacional de Renda de Cidadania, os acontecimentos de fevereiro de 2011 a dezembro de 2011, quando o benefício foi mais uma vez bloqueado. / Consta nas fls. 128/129 que o benefício de Vera Lúcia foi novamente bloqueado em março de 2011, pelo motivo "descumprimento de condicionalidades do programa". Em razão disso, o último saque feito pela acusada foi feito em fevereiro de 2011. / Entretanto, mais uma vez, de forma completamente inexplicada nos autos, assim como em junho de 2008, o benefício foi novamente liberado; agora em julho de 2011. Nenhum demonstrativo nos autos há, porém, de que a ré praticou alguma ação que tenha provocado novo recebimento do benefício, fosse o preenchimento de algum formulário, fosse o recebimento de visita de algum assistente social. Vera Lúcia, a propósito, não mais retirou o seu dinheiro após nova liberação, motivo pelo qual foi novamente bloqueado, desta vez definitivamente, em dezembro de 2011. / Como se vê, o relatório embasador da acusação não consegue esclarecer cronologicamente o que aconteceu, nem traz consigo documentos que elucidem as obscuridades nele constantes. Assim é que resta impossível tomar a prova apresentada pela acusação como comprovadora da prática do crime incurso no artigo 171, §3º do Código Penal." (fls. 234/235).

Dessa forma, não restou evidenciado que a acusada apresentou documentos, de livre e espontânea vontade, que informassem sua situação econômica ao gestor do programa Bolsa Família, bem como respondeu qualquer solicitação de informação pelo gestor do programa em razão de eventual recadastramento, de modo que não há como imputar-lhe conduta fraudulenta.


1.3. Da autoria e do dolo. A autoria delitiva e o elemento subjetivo do tipo não restaram comprovados.


Não obstante haja evidências de que a acusada tenha efetivamente recebido os valores referentes ao Programa Bolsa Família, não se observa a clara intenção de fraudar referido programa. Na verdade, declarou a ré que atendeu a um convite da escola onde sua filha estudava e que todas as mães de alunos, em torno de trinta, assinaram as fichas preenchidas por duas moças e que acreditava receber o recurso pelo fato de sua filha estudar em escola pública.


Em declaração prestada na fase investigatória, em 19 de janeiro de 2012, Vera Lucia dos Santos Barboza afirmou que, "(...) QUE, atualmente, convivem na mesma casa a declarante, seu marido (JOSE LUIS BARBOSA DE OLIVEIRA) e sua filha (FABIANE DOS SANTOS BARBOSA); QUE os outros dois filhos já são casados e residem em outros locais; QUE os dois tratores, a caminhonete Hilux e o veículo Fusca não pertencem a sua família; QUE possui apenas o veículo Fiat Uno descrito na informação de fl. 107; QUE faz cerca de sete anos que a declarante se inscreveu no programa bolsa família; QUE o valor de renda "per capita" era referente ao período em que todos os seus filhos residiam com a declarante; QUE sua renda pode ter aumentado, mas não houve exigência de que fosse informado tal fato; QUE deixou de receber o benefício em fev/2010." (fl. 118 - grifo nosso).


Dos depoimentos testemunhais, colhidos em Juízo, e reduzidos a termo pelo MM. Juiz "a quo" na sentença, depreende-se a ausência de intenção de fraudar a União, uma vez que a possibilidade de recebimento do benefício Bolsa Família foi oferecida às famílias que possuíam filhos em idade escolar, dentre as quais se encontrava a família da ré, como se verifica a seguir:


"Conforme depoimento da testemunha arrolada pela acusação, José Luiz Barboza, ouvida como informante por ser cônjuge da ré, este afirmou ter conhecimento de que a ré recebia o benefício do Bolsa Família, no valor de R$ 70,00 (setenta reais) (...). Com relação à destinação do dinheiro recebido através do benefício afirmou que a Ré entregava esta para sua filha, estudante na época. Disse, ainda, que sua esposa teria recebido o benefício após ter sido avisada pela professora da escola de sua filha de que haveria período de inscrição para o programa Bolsa Família. Relata não ter conhecimento se sua esposa acreditava ou não ter direito ao benefício do Bolsa Família e que não apresentou nenhum documento para a concessão do benefício.
A testemunha Lucrecia Ferreira Gonçalves, arrolada pela defesa, afirmou trabalhar no posto de saúde ao lado da escola em que a filha da ré estudava, recordando-se que uma ocasião foi chamada a comparecer nesta, sendo inquirida por duas moças que teriam se dirigido até a instituição de ensino para "colher a assinatura" das mães para recebimento do Bolsa Família, se teria interesse no recebimento do benefício, no que respondeu negativamente. Dentro da sala de aula, as duas moças que a teriam abordado sobre o benefício reuniram-se com cerca de 25 (vinte e cinco) mães, realizando o cadastramento de todas elas para o recebimento do bolsa família, não tendo, porém, dado explicações sobre o funcionamento deste. Relata ainda não ter conhecimento do teor do formulário que as mães foram orientadas a assinar para o recebimento do benefício, mas que acredita já ser um formulário pronto posto que as mães apenas o assinavam. Afirma ter visto a ré assinar o citado formulário. Por fim, afirma que além das mães dos alunos, apenas a testemunha e a professora se encontravam presentes e que todas as mães teriam assinado o termo para a concessão do Bolsa Família.
Ao final da instrução foi colhido o depoimento da ré, VERA LUCIA DOS SANTOS BARBOZA, oportunidade na qual declarou acreditar ter direito ao benefício do bolsa-família, apenas pelo fato de ter uma filha em idade escolar e frequentando a escola. Afirmou ter sido avisada pela filha de que a professora teria chamado todas as mães até a escola para o recebimento do Bolsa Família. Afirma que, no dia da reunião, duas moças preencheram o formulário e colheram a assinatura das mães de alunos presentes, e que as mães de todos os alunos foram chamadas. Perguntada sobre sua situação financeira, disse que, atualmente, esta se encontra "boa". Afirma não ter sido inquirida a apresentar qualquer documento para a obtenção do benefício, nem haver preenchido qualquer papel, tendo apenas assinado um formulário, sem tê-lo lido, porém. Sobre o valor do benefício, relata que este teve um valor inicial de R$ 10,00 (dez reais), tendo sido aumentado até atingir o valor de R$ 90,00 (noventa reais).
Perguntada pelo Juízo sobre em que consistia o aludido benefício, a ré respondeu em um incentivo a que os alunos frequentassem a escola. Disse, ainda, acreditar ter sido o benefício cessado em razão de sua filha não mais estudar na escola (mídia audiovisual de fls. 194)." (fls. 211/212).

Ressaltou o MM. Juiz "a quo": "Pelos depoimentos acima não restou inconteste o elemento subjetivo por parte da acusada. As testemunhas narraram tratar-se de escola rural, situada em área simples, tanto que o número de alunos da escola não superava trinta crianças. / Ademais, de acordo com todos os depoimentos colhidos, o benefício foi oferecido a todas as mães, não tendo havido qualquer orientação ou explicação, tendo a ré assinado formulário já preenchido. / Ora, os meros cadastros fornecidos pela União, segundo os quais a ré declarou estar sua família em situação que configuraria a extrema pobreza na concepção aceita pelo programa não é suficiente a comprovar a autoria delitiva e elemento subjetivo, não tendo o condão de, por si só, fundamentar um decreto condenatório, por se apresentar frágil." (fl. 212).

Não se verifica, portanto, nos autos, a presença de provas que indiquem a solicitação de quaisquer informações pelo gestor no programa Bolsa Família a respeito da situação econômica da acusada, não havendo que se falar, portanto, em apresentação de informações falsas pela ré com o intuito de induzir ou manter em erro o gestor do programa tanto no cadastramento, quanto nos alegados, e não comprovados, recadastramentos.

Importa ressaltar que, o §1º do artigo 21 do Decreto n° 5.209, de 17 de setembro de 2004, que regulamenta a Lei n° 10.836, de 9 de janeiro de 2004, que cria o Bolsa Família, prevê, in verbis:

"Art. 21.  A concessão dos benefícios do Programa Bolsa Família tem caráter temporário e não gera direito adquirido, devendo a elegibilidade das famílias, para recebimento de tais benefícios, ser obrigatoriamente revista a cada período de dois anos. (Redação dada pelo Decreto n° 6.392, de 2008)
§ 1o  Sem prejuízo do disposto nas normas de gestão de benefícios e de condicionalidades do Programa Bolsa Família, no período de que trata o caput a renda familiar mensal per capita fixada no art. 18 poderá sofrer variações, sem que o fato implique o imediato desligamento da família beneficiária daquele Programa, exceto na ocorrência de qualquer das seguintes hipóteses: (Incluído pelo Decreto n° 6.392, de 2008)
I - omissão de informações ou prestação de informações falsas para cadastramento que habilite o declarante e sua família ao recebimento do benefício financeiro do Programa Bolsa Família ou dos Programas Remanescentes; (Incluído pelo Decreto n° 6.392, de 2008)
II - posse de beneficiário do Programa Bolsa Família em cargo eletivo remunerado de qualquer das três esferas de governo; ou (Incluído pelo Decreto n° 6.392, de 2008)
III - desligamento voluntário da família do Programa. (Incluído pelo Decreto n° 6.392, de 2008)
§ 2o  Caberá ao Ministro de Estado do Desenvolvimento Social e Combate à Fome expedir ato fixando: (Incluído pelo Decreto n° 6.392, de 2008)
I - as diretrizes e procedimentos para a operacionalização da revisão de elegibilidade das famílias para recebimento de benefícios; (Incluído pelo Decreto n° 6.392, de 2008)
II - os critérios e mecanismos para contagem dos prazos de atualização de cadastros de beneficiários; e (Incluído pelo Decreto n° 6.392, de 2008)
III - os prazos e procedimentos para atualização de informações cadastrais para as famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família que estejam com dados desatualizados no Cadastro Único. (Incluído pelo Decreto n° 6.392, de 2008)"

Assim, da leitura dos referidos dispositivos legais, depreende-se que a mera alteração de renda dos beneficiários não enseja a imediata exclusão destes do programa social e que cabe ao gestor do programa estabelecer as formas para se obter as informações sobre a situação econômica das famílias beneficiárias e se ainda preenchem os requisitos para receber o benefício.

No presente caso, independentemente de a renda familiar da acusada ser superior ou não ao limite legalmente exigido para o recebimento do benefício "Bolsa Família", a legislação vigente, em momento algum, exigia a comunicação aos gestores do programa de eventual alteração na renda per capita da família beneficiada.

Nesse sentido se manifestou a jurisprudência desta E. Corte:

"PENAL. PROCESSO PENAL. ESTELIONATO. ARTIGO 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. NULIDADE DO FEITO A PARTIR DA RÉPLICA MINISTERIAL OU DA OITIVA DA RÉ ATRAVÉS DE CARTA PRECATÓRIA, SEM O ENVIO DAS PERGUNTAS FORMULADAS PELA DPU. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUSÊNCIA DE PROVA DO DOLO. ABSOLVIÇÃO, NOS TERMOS DO INCISO VII, DO ARTIGO 386, DO CPP. APELAÇÃO PROVIDA. 1. Não há que se falar em nulidade, tendo em vista que o princípio do contraditório foi devidamente respeitado. Além disso, não restou comprovado que o indeferimento do envio de perguntas causou prejuízo à defesa da ré, pois as perguntas formuladas pelo defensor, apesar de não terem sido enviadas, foram respondidas em interrogatório. 2. Incabível a aplicação do Princípio da Insignificância, tendo em vista que a conduta descrita na inicial refere-se à fraude ao programa assistencial do "Bolsa Família", por um período de 03 (três) anos. 3. A materialidade restou comprovada pelos comprovantes de pagamento de fls. 186/193, os quais demonstraram que a ré recebeu indevidamente parcelas do benefício assistencial do Bolsa Família, de dezembro/2006 a maio/2009. 4. A autoria restou inconteste. A prova coligida aos autos a demonstra. 5. Para que se configure o delito de estelionato é necessário que esteja presente o dolo, consistente na vontade de obter vantagem indevida para si ou para outrem. 6. Contudo, não restou comprovado nos autos que a ré tenha agido com dolo, isto é, que tinha a intenção de fraudar o programa "Bolsa Família". 7. Ausente a comprovação do dolo, a absolvição da acusada é de rigor. 8. Preliminares rejeitadas. Apelação provida para absolver a ré PRISCILA SILMARA DA CUNHA da imputação do delito previsto no artigo 171, § 3º, do CP, nos termos do inciso VII, do artigo 386 do CPP."(ACR 00111953820104036102, DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:29/08/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
"PENAL. APELAÇÃO. ESTELIONATO. ARTIGO 171, §3º, DO CÓDIGO PENAL. AUSÊNCIA DE PROVA DA AUTORIA DELITIVA. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE PARA DEMONSTRAR O DOLO DA RÉ. RECURSO IMPROVIDO. A apelada foi denunciada como incursa nas sanções do artigo 171, §3º, do Código Penal. O crime de estelionato tem como elemento subjetivo do tipo o dolo específico, consistente na vontade de obter lucro indevido para si ou para outrem. A consumação do delito requer a comprovação de que o agente obteve a vantagem ilícita em razão do engano provocado na vítima. Autoria duvidosa. Não há nos autos provas de que a apelada tinha a intenção de fraudar o Programa de Bolsa Família. À época dos fatos a legislação não imputava ao beneficiário do programa a obrigação de comunicar aos gestores do Programa Bolsa Família a alteração da renda per capita do seu núcleo familiar. Tampouco a Administração Pública cumpriu com seu dever de atualizar os dados cadastrais de seus beneficiários. Conjunto probatório é insuficiente para confirmar a existência do dolo por parte da apelada. Mantida sentença absolutória. Apelação a que se nega provimento."(ACR 00018741420084036113, DESEMBARGADORA FEDERAL VESNA KOLMAR, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/05/2012 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

Dessa forma, à míngua de prova material robusta que confirme que a acusada praticou o crime de estelionato previsto no artigo 171 c.c. §3º do mesmo artigo do Código Penal, deve ser mantida a absolvição da ré, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal e no princípio do in dubio pro reo.

Com tais considerações, NEGO PROVIMENTO ao recurso.

É o voto.

VALDECI DOS SANTOS
Desembargador Federal


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