Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 05/05/2016
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0105174-02.1996.4.03.6181/SP
2007.03.99.050474-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : KATE GUIMARAES RIBEIRO
ADVOGADO : SP017549 ELIDE MARIA MOREIRA CAMERINI (Int.Pessoal)
APELADO(A) : MARIA LUISA DE BRITO
ADVOGADO : SP069688 SONIA MARIA HERNANDES GARCIA BARRETO (Int.Pessoal)
CO-REU : MAURICIO SALLES CARNIATO
No. ORIG. : 96.01.05174-0 8P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE MOEDA FALSA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. RECURSO DESPROVIDO.
1. Apelação criminal da Acusação contra sentença que absolveu as rés da imputada prática do crime do artigo 289, §1º, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal
2. Não há provas produzidas em juízo, sob o crivo do contraditório e ampla defesa, capazes de embasar decreto condenatório.
3. Na fase policial, as acusadas afirmaram que obtiveram as cédulas com Maurício Salles Carniato. MARIA LUIZA, acompanhada de KATE, foi às compras e entregou uma nota falsa de R$ 100,00 para pagamento de uma despesa de R$ 50,00.
4. Na fase inquisitorial, Maurício Sales Carniato declarou que não conhecia as rés, mas apenas "Maurício", marido de MARIA LUIZA, que consertava aparelhos eletrônicos. Afirmou que vendeu um aparelho para "Maurício" por R$ 1.000,00, cuja quantia em cédulas falsas foi encontrada pela polícia em sua residência.
5. A acareação restou frustrada no Juízo de primeiro grau, tendo em vista que, na data marcada, compareceu apenas Maurício Salles Carniato. Posteriormente, deu-se a revelia das rés e o óbito de "Maurício Gomes".
6. Da análise das provas constantes dos autos, não há como se reconhecer que as acusadas tinham plena ciência da falsidade das notas.
7. Acrescente-se que Maurício Salles Carniato, apontado pelas corrés na fase inquisitorial como fornecedor das cédulas espúrias, foi absolvido da conduta que lhe foi imputada, prevista no artigo 289, §1º do CP - por guardar em sua residência R$ 1.000,00 em notas falsas -, pela 1ª Turma desta E. Corte, nos autos da Apelação Criminal n.º 0101810-22.1996.4.03.6181 (cujo acórdão transitou em julgado em 11/11/2011, conforme consulta ao sistema processual informatizado), sob o fundamento de que restou demonstrado que Maurício recebeu as cédulas de boa-fé, como pagamento pela venda de um aparelho de videocassete, sem ter, portanto, conhecimento da falsidade, o que veio a descobrir somente quando foi preso.
8. A acusação não se desincumbiu do ônus de comprovar o elemento subjetivo do crime de moeda falsa. Nenhuma prova restou produzida em juízo para confirmar a alegação do acusado de que tinha conhecimento da falsidade da cédula.
9. Não é possível o decreto condenatório baseado exclusivamente em provas produzidas no inquérito policial, e não ratificadas em Juízo. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Entendimento jurisprudencial agora positivado com o advento da Lei nº 11.690/2008, que deu nova redação ao artigo 155 do Código de Processo Penal.
10. Aplica-se o princípio in dubio pro reo, pois havendo dúvida razoável quanto ao dolo, é de se absolver o réu da imputação da denúncia.
11. Apelação improvida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo ministerial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 26 de abril de 2016.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): HELIO EGYDIO MATOS NOGUEIRA:10106
Nº de Série do Certificado: 7E967C46C0226F2E
Data e Hora: 27/04/2016 13:32:17



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0105174-02.1996.4.03.6181/SP
2007.03.99.050474-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : KATE GUIMARAES RIBEIRO
ADVOGADO : SP017549 ELIDE MARIA MOREIRA CAMERINI (Int.Pessoal)
APELADO(A) : MARIA LUISA DE BRITO
ADVOGADO : SP069688 SONIA MARIA HERNANDES GARCIA BARRETO (Int.Pessoal)
CO-REU : MAURICIO SALLES CARNIATO
No. ORIG. : 96.01.05174-0 8P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator): o Ministério Público Federal denunciou MARIA LUÍSA DE BRITO, KATE GUIMARÃES RIBEIRO e Maurício Salles Carniato, qualificados nos autos, como incursos nas penas do artigo 289, §1º, do Código Penal. Consta da denúncia:


...

No dia 29/03/1996, MARIA LUÍSA DE BRITO e KATE GUIMARÃES RIBEIRO guardaram e introduziram em circulação moeda falsa adquirida de MAURÍCIO SALLES CARNIATO.

Na data dos fatos, por volta das 15h30min, MARIA LUSA DE BRITO e KATE GUIMARÃRES RIBEIRO dirigiram-se ao estabelecimento comercial denominado Ovni Indústria e Comércio de Roupas Ltda., localizado na Avenida Celso Garcia, no 4.955, Tatuapé, e lá efetuaram compras no valor aproximado de R$ 50,00 (cinqüenta reais). Ao pagar as compras, apresentaram uma cédula de R$ 100,00 (cem reais), aparentemente falsa, o que despertou a desconfiança do funcionário SALEH ELDIN ALI EL HAGE.

O fato foi comunicado aos policiais VLADIMIR ZANZERLA PERES e WILTON B. DE LIMA, que constataram sob a guarda das denunciadas, além da nota utilizada para o pagamento das compras, mais uma cédula de R$ 100,00 (cem reais) e outras três de R$ 50,00 (cinqüenta reais), aparentemente falsas.

MARIA LUÍSA DE BRITO e KATE GUIMARÃES RIBEIRO, ao serem conduzidas à Delegacia de Polícia, declararam ter adquirido as notas falsas de MAURÍCIO SALLES CARNIATO.

Visando averiguar a informação das denunciadas, os policiais VLADIMIR ZANZERLA PERES e SIDNEI ABILIO dirigiram-se até a residência de MAURÍCIO SALLES CARNIATO, onde encontraram mais cédulas falsas (conforme auto de prisão em flagrante de fls. 35/36, que originou a ação penal no 96.101810-7, em trâmite perante este I. Juízo), demonstrando que foi o denunciado quem cedeu as cédulas falsas à MARIA LUÍSA DE BRITO e KATE GUIMARÃES RIBEIRO.

A materialidade delitiva restou comprovada pelos laudos periciais de fls. 50/52 e 101/107, que concluíram pela falsidade das cédulas, aptas a iludir o homem médio.

A denúncia foi recebida em 30/05/2003 em relação a MARIA LUÍSA e KATE. No tocante a Maurício, a denúncia foi rejeitada, uma vez que os fatos narrados na peça inaugural constituem objeto da ação penal n.º 96.0101810-7, n.º único 0101810-22.1996.4.03.6181 (fl. 287/289).

Às fls. 477, foi decretada a revelia da corré KATE GUIMARÃES RIBEIRO, sem suspensão do prazo prescricional, uma vez que os fatos antecederam a data de alteração do artigo 366 do Código de Processo Penal.

Às fls. 515, foi decretada a revelia da acusada MARIA LUÍSA DE BRITO.

Processado o feito, foi proferida sentença, da lavra da MM. Juíza Federal Adriana Pileggi de Soveral, publicada em 23/05/2007 (fls.607/611 e 613), que julgou improcedente a denúncia e absolveu MARIA LUISA DE BRITO e KATE GUIMARÃES RIBEIRO pela prática do delito descrito no artigo 289, §1º, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, VI do Código de Processo Penal.

Apela o Ministério Público Federal (fls. 614/623) pugnando, em síntese, pela condenação, uma vez que restou demonstrado o dolo na conduta, ao argumento de que o os elementos colacionados aos autos comprovam que as rés tinham conhecimento da falsidade das cédulas. Destaca, ainda, a contradição nos depoimentos prestados nas fases inquisitorial e judicial.

Contrarrazões às fls. 629/631 e 637/641.

A r. sentença transitou em julgado em 07/08/2007 para a Defesa da corré MARIA LUÍSA DE BRITO, e em 20/08/2007 para a Defesa da acusada KATE GUIMARÃES RIBEIRO (fls. 642).

A Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento do recurso ministerial (fls. 649/655).

É o relatório.

À Revisão.



HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): HELIO EGYDIO MATOS NOGUEIRA:10106
Nº de Série do Certificado: 7E967C46C0226F2E
Data e Hora: 27/04/2016 13:32:14



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0105174-02.1996.4.03.6181/SP
2007.03.99.050474-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : KATE GUIMARAES RIBEIRO
ADVOGADO : SP017549 ELIDE MARIA MOREIRA CAMERINI (Int.Pessoal)
APELADO(A) : MARIA LUISA DE BRITO
ADVOGADO : SP069688 SONIA MARIA HERNANDES GARCIA BARRETO (Int.Pessoal)
CO-REU : MAURICIO SALLES CARNIATO
No. ORIG. : 96.01.05174-0 8P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

MARIA LUÍSA DE BRITO e KATE GUIMARÃES RIBEIRO foram denunciadas como incursas no artigo 289, §1º do Código Penal por introduzirem em circulação nota falsa de R$ 100,00, bem como por guardarem mais três cédulas de R$ 50,00 e outra de R$ 100,00, também falsas.

Maurício Salles Carniato, apontado pelas acusadas como o fornecedor das cédulas falsas, teve a denúncia rejeitada no presente feito, por ter ação penal movida contra si à época, sob o n.º 96.0101810-7, pelos mesmos fatos narrados na exordial.

A Magistrada a quo ponderou restarem comprovadas a materialidade e autoria delitivas, porém absolveu as acusadas por não restar configurado o dolo das agentes em colocar as cédulas em circulação, desconhecendo sua falsidade.

Apela o MPF postulando a condenação das rés, ao argumento de que restou demonstrado o dolo do delito.

Face ao contido nos autos, entendo que a sentença absolutória deve ser mantida.

A prova produzida em Juízo, sob o crivo do contraditório, é frágil e, tal como já reconhecido, não autoriza a condenação criminal.

Inicialmente, observo que a materialidade do crime de moeda falsa restou comprovada pelos laudos periciais de fls. 55/57 e 105/111, conclusivos quanto à falsidade das duas cédulas de R$ 100,00 e das três R$ 50,00, com numeração A0234500337A, A0496028691A, A0234230231A, A235095324A e A0289071321A, respectivamente.

Do laudo de fls. 105/106 ainda constou (resposta ao quesito 4):

"As cédulas, no estado em que se encontram, possuem atributos suficientes para iludir o homem de compreensão mediana, circulando como se verdadeiras fossem."

A autoria delitiva imputada às rés é demonstrada pela prova colhida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, ntadamente pela prova oral amealhada ao longo da instrução criminal.

Resta perquirir se presente in casu o elemento subjetivo do tipo, eis que no crime de moeda falsa o dolo inclui o conhecimento da falsidade. Nesse sentido a observação de José Silva Júnior, in "Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial", de Alberto Silva Franco et alli, ed.RT, 6ª ed., pg.3.349, quanto ao parágrafo 1º do artigo 289 do Código Penal: "o dolo aqui exigido também é o genérico, ou seja, basta o conhecimento por parte do introdutor ou passador de que a moeda é falsa".

A constatação do dolo, nos casos em que o agente nega o conhecimento da falsidade, deve ser feita de acordo com as circunstâncias em que se deu a introdução da moeda em circulação, e de sua apreensão. Nesse sentido situa-se a boa orientação jurisprudencial, v.g.:

PENAL. MOEDA FALSA. ARTIGO 289, § 1º, DO CP. INTRODUZIR E GUARDAR. DOLO. CONTINUIDADE DELITIVA. REINCIDÊNCIA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA. 1. Para a configuração do tipo previsto no art. 289, § 1º, do Código Penal é imprescindível que se comprove, de qualquer forma, que o agente sabia efetivamente que portava moeda falsa. 2. A dificuldade para aferimento e comprovação do dolo nos crimes desta natureza exige a verificação dos elementos indicativos externos que expressam a vontade do agente, contendo em si todos os detalhes e circunstâncias que envolvem o evento criminoso, tais como a reação diante da descoberta da falsidade da cédula, o local onde elas foram encontradas, as mentiras desveladas pelas provas, entre outros. Demonstrado que o réu tinha ciência quanto à falsidade das moedas, está elidida a tese de ausência de dolo sob a alegação de desconhecimento de sua inautenticidade.
TRF- 4ª Região - ACR 200404010001274 - Relator Des.Fed. Paulo Afonso Brum Vaz - DJ 25/05/2005 pg.893
PENAL. CRIME DE MOEDA FALSA. ARTIGO 289, § 1º DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO. DESCONHECIMENTO DA FALSIDADE. AUSÊNCIA DO DOLO. CONJUNTO PROBATÓRIO. l. A partir dos estudos de Welzel, o dolo é elemento subjetivo do tipo, a tipicidade abrange o dolo. Conseqüentemente, não havendo o dolo ou a culpa na conduta do agente, diz-se que o fato é atípico. 2. No crime de moeda falsa o elemento subjetivo do tipo é o dolo, com conhecimento da falsidade da moeda, sendo de rigor que o juiz analise "detalhadamente e com cuidado as circunstâncias que envolvem os fatos, pois se o sujeito nega que tenha ciência da falsidade, deve o julgador se socorrer dessas circunstâncias, dos indícios e presunções. Se o juiz ficar adstrito às declarações do acusado, quando à negativa do conhecimento da falsidade, dificilmente conseguirá proferir um decreto condenatório"...
TRF- 4ª Região - ACR 200004011040178 - Relator Des.Fed. Tania Terezinha Cardoso Escobar - DJ 30/05/2001 pg.260
PENAL. CRIME DE MOEDA FALSA. PROVA DO DOLO. I - Materialidade e autoria do delito provadas no conjunto processual. II -Pressuposta a impenetrabilidade da consciência, se o réu nega o dolo, não há outra possibilidade de apuração da verdade do elemento anímico a não ser pelo raciocínio lógico que caracteriza as provas indiretas.
TRF- 3ª Região - ACR 199961060034000- Relator Des.Fed. Peixoto Junior - DJ 07/11/2002 pg.369

Contudo, na hipótese em tela, não vislumbro elementos seguros que indiquem que as acusadas tinham pleno conhecimento da falsidade das notas que portavam.

Com efeito, como bem destacou a Magistrada sentenciante, na decisão de primeiro grau:

"(...)
10 - Ao prestar declarações na fase policial, Kate Guimarães Ribeiro afirmou que estava em dificuldades financeiras e pediu a Maurício [Maurício Salles Carniato, inicialmente denunciado nestes autos] que lhe emprestasse R$ 150,00 (cento e cinquenta reais) e este lhe entregou uma nota de R$ 100,00 (cem reais) e outra de R$ 50,00 (cinquenta reais). Então, em companhia de Maria Luiza foi às compras e Maria comprou roupas, ocasião em que foram retidas por policiais, sabendo, em consequência, que eram falsas as notas recebidas por ela e por Maria Luiza.
Ainda na fase policial, Maria Luiza declarou que recebeu de Maurício [Maurício Salles Carniato] as notas de R$ 50,00 (cinquenta reais) e a de R$ 100,00 (cem reais).
Ouvido em sede policial, Maurício Salles Carniato declarou não conhecer as rés, mas que conhecia 'Maurício', marido de Luiza, que consertava aparelhos eletrônicos e acabou vendendo um aparelho para Maurício por R$ 1.000,00 (um mil reais) e dois ou três dias após foi procurado por policiais, que perguntaram pelo dinheiro do negócio. Estas declarações foram prestadas em novembro de 1997, mais de um ano após os fatos (29 de março de 1996).
Em suma, se reportando o processo a dois Maurícios, e não tendo sido possível efetuar a acareação, ficou difícil saber quem forneceu as notas. Porém na data marcada para a acareação, compareceu o sr. Maurício Salles Carniato, mas não compareceram as ora(s) rés e o sr. Maurício Gomes, o que faz supor ter sido este último o fornecedor das notas. Todavia este veio a falecer (certidão de óbito às fls. 180 e 366).
Este ponto, quem forneceu as notas, não ficou esclarecido no processo, em que pese ao número de anos da investigação.
11 - Ouvida em Juízo, Maria Luiza de Brito disse que estava apenas acompanhando Kate às compras e que a polícia não encontrou nenhuma nota com ela. Mas, na polícia a declaração foi diferente, pois afirmou que entregou a nota ao comerciante e este acionou a polícia.
O que se infere da leitura dos autos é que as rés foram às compras, com notas falsificadas. Não se trata de tentativa, pois tinham a guarda das notas, tanto que foram às compras e as entregaram para pagamento, ocasião em que o comerciante suspeitou das mesmas.
O que restou, em termos de dúvida, é se as rés conheciam a falsidade, uma vez que as notas podem enganar o homem médio, de acordo com laudo efetuado.
Não tendo ficado esclarecida a circunstância pela qual as moedas falsas chegaram à posse das rés e sendo as mesmas aptas a enganar o homem médio, não se pode aferir a existência do dolo genérico consistente em fazer circular a moeda adulterada, não se legitimando a condenação (RF 128/203)."

Acrescente-se que Maurício Salles Carniato, apontado pelas corrés na fase inquisitorial como fornecedor das cédulas espúrias, foi absolvido da conduta que lhe foi imputada, prevista no artigo 289, §1º do CP - por guardar em sua residência R$ 1.000,00 (um mil reais) em notas falsas -, pela 1ª Turma desta E. Corte, nos autos da Apelação Criminal n.º 0101810-22.1996.4.03.6181 (cujo acórdão transitou em julgado em 11/11/2011, conforme consulta ao sistema processual informatizado), sob o fundamento de que restou demonstrado que Maurício recebeu as cédulas de boa-fé, como pagamento pela venda de um aparelho de videocassete, sem ter, portanto, conhecimento da falsidade, o que veio a descobrir somente quando foi preso, o que robustesse a vers]ao de inocência das rés.

Destarte, a acusação não se desincumbiu do ônus de comprovar o elemento subjetivo do crime de moeda falsa.

Em outras palavras, nenhuma prova restou produzida em Juízo para confirmar a alegação de que as acusadas tinham conhecimento da falsidade das cédulas, ressaltando que as provas colhidas exclusivamente em sede de inquérito policial, não confirmadas em juízo por qualquer meio de prova, são insuficientes para ensejar a prolação de uma decisão condenatória.

No sentido de que não é possível o decreto condenatório baseado exclusivamente em provas produzidas no inquérito policial, e não ratificadas em Juízo, situa-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:

PROVA. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO CONTRADITÓRIO. CONDENAÇÃO FUNDADA EXCLUSIVAMENTE NO INQUÉRITO. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A CONDENAÇÃO. E corolário inevitável da garantia da contraditoriedade da instrução criminal que a condenação não se pode fundar exclusivamente nos elementos informativos do inquérito policial, sequer ratificados no curso do processo, sobretudo, quando as investigações policiais não lograram fornecer nem a prova material do crime e da autoria e tudo se baseia em provas orais, desmentidas em juízo.
STF - 1ª Turma - HC 67917-RJ - Rel.Min. Sepúlveda Pertence - DJ 05.03.1993 p.2897
Processual Penal. Inquérito policial (procedimento preparatório). Provas (validade e eficácia). Sentença condenatória. Fundamento exclusivo: provas produzidas no inquérito (nulidade). Violação do contraditório (ocorrência). 1. O inquérito policial é procedimento preparatório que apresenta conteúdo meramente informativo com o fim de fornecer elementos tendentes à abertura da ação penal. 2. A prova, para que tenha valor, deve ser feita perante juiz competente, com as garantias de direito conferidas aos indiciados e de acordo com as prescrições estabelecidas na lei. 3. As provas produzidas ao longo da fase inquisitiva têm validade e eficácia na formação da convicção do juiz tão-somente se confirmadas por outros elementos colhidos durante a fase instrutória judicial. Do contrário, não se prestam a fundamentar o juízo condenatório, sob pena de violação do contraditório. 4. É trabalho da acusação transformar os elementos do inquérito em elementos de convicção do juiz. 5. Habeas corpus concedido para restabelecer a sentença absolutória.
STJ - 6ª Turma - HC 36813-MG - Rel.Min. Nilson Naves - DJ 06.02.2006 p.337
CRIMINAL. HC. EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO. NULIDADE. SENTENÇA FUNDADA EM PROVAS COLHIDAS SOMENTE DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. DECLARAÇÕES DA VÍTIMA RETIFICADAS EM JUÍZO. TESTEMUNHAS OUVIDAS PELO MAGISTRADO QUE NÃO PRESENCIARAM OS FATOS. DEPOIMENTOS QUE EMBASARAM A CONDENAÇÃO NÃO RENOVADOS DURANTE A INSTRUÇÃO PROCESSUAL. ORDEM CONCEDIDA. As declarações prestadas pelo ofendido em sede policial e retificadas em Juízo não se prestam para fundamentar a condenação do paciente, sob pena de ofensa ao princípio do contraditório. As testemunhas ouvidas em Juízo não auxiliaram na revelação da verdade, pois afirmaram não ter presenciado os fatos, apenas sabendo destes pela descrição feita pelos parentes do ofendido ou por este mesmo, tendo em vista tratarem-se, quase todos, de servidores da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro. A prova produzida em sede policial pode influir na formação do convencimento do Magistrado, mas somente quando amparada nos demais elementos probatórios colhidos na instrução criminal. Precedentes. Se a sentença foi lastreada em provas colhidas somente durante o inquérito, as quais não se submeteram ao crivo do contraditório, sendo impróprias para, por si só, justificar a condenação, resta configurada a apontada nulidade da decisão condenatória, em virtude da indevida ofensa aos princípios da ampla defesa e do devido processo legal. Deve ser anulada a sentença monocrática, bem como o acórdão confirmatório da condenação, para que outra decisão seja proferida, com fundamentação apta, observando-se o princípio do contraditório. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator
STJ - 5ª Turma - HC 58129-RJ - Rel.Min. Gilson Dipp - DJ 20.11.2006 p. 3480

Acrescento que o entendimento jurisprudencial encontra-se agora positivado, com o advento da Lei nº 11.690/2008, que deu nova redação ao artigo 155 do Código de Processo Penal:

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Portanto, aplica-se no caso dos autos o princípio in dubio pro reo, pois, havendo dúvida razoável quanto ao dolo, é de se absolver as rés da imputação da denúncia.

Destarte, a absolvição é de rigor e resta mantida.

Por estas razões, nego provimento à apelação ministerial.

É como voto.

HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): HELIO EGYDIO MATOS NOGUEIRA:10106
Nº de Série do Certificado: 7E967C46C0226F2E
Data e Hora: 27/04/2016 13:32:20