Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 04/05/2016
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002404-38.2014.4.03.6103/SP
2014.61.03.002404-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : CESAR ANDRADE SILVA
ADVOGADO : SP206276 PAULO THIAGO BORGES PALMA e outro(a)
No. ORIG. : 00024043820144036103 3 Vr SAO JOSE DOS CAMPOS/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE MACONHA. ART. 33, §1º, INC. I DA LEI 11.343/2006. MATÉRIA-PRIMA PARA PRODUÇÃO DA DROGA. ILÍCITO PENAL. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. IMPOSSIBILIDADE DE DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA. REFORMA DA SENTENÇA. CONDENAÇÃO. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, §4º, DA LEI 11.343/2006. APLICAÇÃO DA CAUSA DE AUMENTO DO ART. 40, INC. I, DO MESMO DIPLOMA LEGAL. RECURSO PROVIDO.

1. Nos termos da jurisprudência que vem se consolidando, a semente, em seu estado natural, é a matéria-prima para a produção de uma planta.
2. A Lei de Drogas deixa clara a intenção de criminalizar todo o processo produtivo da droga. O ato de produzir a partir da matéria-prima engloba toda a cadeia produtiva, não se resumindo ao simples processo de extração do princípio ativo. Assim, a produção pode sim ter início com a aquisição de sementes para plantação, sendo que estas constituirão matéria-prima a partir da qual ocorrerá a lavra da planta e, em seguida, a extração da droga.
3. No caso em tela, resta evidente a subsunção da conduta ao disposto no art. 33, §1º, inc. I, da Lei 11.343/2006, não se tratando do crime previsto no art. 334 do Código Penal (contrabando).
4. A materialidade do delito é inconteste e está devidamente demonstrada nos autos pelos Termo de Apreensão de Substâncias Entorpecentes e Drogas Afins, Auto de Apresentação e Apreensão e Laudo Pericial.
5. A autoria também é evidente e restou demonstrada nos autos pelos depoimentos prestados pelo acusado tanto em sede policial quanto em Juízo.
6. Dolo comprovado. Na hipótese, a tipificação desse crime dispensa a presença de qualquer elemento subjetivo específico, bastando a consciência e a vontade de praticar o verbo constante do art. 33 da Lei 11.343/2006, qual seja, "importar" matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas.
7. Importante registrar que o fato de o destinatário não haver recebido a correspondência não impede a penalização, tendo em vista que o tipo penal previsto no art. 33 da Lei antitóxicos é de ação múltipla ou conteúdo variado, sendo suficiente, para a consumação do crime a prática de uma das condutas ali previstas, sendo a chegada da encomenda ao seu destinatário é mero exaurimento do delito de tráfico.
8. Não há que falar em desclassificação da conduta para a prevista no artigo 28, caput, e § 1º, da Lei nº 11.343/2006, porquanto o caput não trata de insumos - e é de insumos para produção de entorpecentes de que se trata aqui-, e sim da própria droga. Por sua vez, o § 1º, do mesmo dispositivo legal, consuma-se com a realização das condutas previstas nos núcleos verbais (semear, cultivar, ou colher), o que não ocorreu. E ainda que se cogitasse que a aquisição de sementes configuraria ato preparatório para a prática do delito, tal conduta, seria atípica por ausência de previsão legal.
9. Prova acusatória subsistente e hábil a comprovar a materialidade, autoria e o dolo, devendo ser reformada r. sentença absolutória, para condenar p apelado pelo delito tipificado no art. 33, §1º, inc. I da Lei 11.343/2006.
10. Aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, §4º da Lei 11.343/2006, e bem como da causa de aumento do art. 40, inc. I, do mesmo diploma legal.
11. Regime de cumprimento da pena fixado no aberto. Pena corporal substituída, nos termos do art. 44 do Código Penal.
12. Recurso provido.



ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso, a fim de reformar a r. sentença absolutória para condenar CESAR ANDRADE SILVA pelo delito tipificado no art. 33, §1º, inc. I da Lei 11.343/2006, à pena de 01 (um) ano e 11 (onze) meses de reclusão, em regime aberto, e 193 (cento e noventa e três) dias-multa, à razão unitária de 1/30 (um trigésimo) dos salário mínimo, pena corporal substituída por duas penas restritivas, consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo prazo da pena substituída, e prestação pecuniária, no valor de 01 (um) salário mínimo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 25 de abril de 2016.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002404-38.2014.4.03.6103/SP
2014.61.03.002404-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : CESAR ANDRADE SILVA
ADVOGADO : SP206276 PAULO THIAGO BORGES PALMA e outro(a)
No. ORIG. : 00024043820144036103 3 Vr SAO JOSE DOS CAMPOS/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra a sentença de fls. 128/130v, proferida pelo Juízo da 3ª Vara Federal da Subseção Judiciária de São José dos Campos/SP, que julgou improcedente a denúncia (fls. 47/52) e absolveu CESAR ANDRADE SILVA da conduta prevista no art. 33, §1º, inc. I, c.c. art. 40, inc. I, ambos da Lei 11.343/2006, com fulcro no art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal.


Em sede de razões recursais (fls. 136/139), o Parquet requereu a reforma da r. sentença absolutória, a fim de condenar o apelado pela conduta criminosa imputada na peça acusatória.


Contrarrazões às fls. 143/144.


A Exma. Procuradora Regional da República, Rosane Cima Campioto, manifestou-se pelo provimento do recurso de apelação interposto pela acusação (fls.146/152).


É o relatório.


À revisão, nos termos regimentais.



PAULO FONTES
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002404-38.2014.4.03.6103/SP
2014.61.03.002404-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : CESAR ANDRADE SILVA
ADVOGADO : SP206276 PAULO THIAGO BORGES PALMA e outro(a)
No. ORIG. : 00024043820144036103 3 Vr SAO JOSE DOS CAMPOS/SP

VOTO

Do caso dos autos. CESAR ANDRADE SILVA foi denunciado pela suposta prática do delito previsto no art. 33, §1º, inc. I, c.c. art. 40, inc. I, ambos da Lei 11.343/2006.


Narra a denúncia (fls.47/52) o que se segue:


" ... No dia 29/07/2013, foi apreendido na Alfandega da Receita Federal do Brasil em São Paulo - Serviço de Remessas Postais Internacionais, materiais semelhantes a sementes de maconha conforme o Termo de apreensão de Substâncias Entorpecentes e Drogas Afins nº 1004/13 (fl.04), oriundos da Grã Bretanha e com destino a "Cesar Silva", na rua Polux, n. 181, Jardim Satélite, CEP: 12.230.070, São José dos Campos, São Paulo, Brasil (fl.07).
O Laudo de Perícia Criminal Federal nº 3638/2013NUCRIM/SETEC/SR/DPF/SP (fls. 31/36) comprova que os materiais orgânicos apreendidos são compatíveis com o fruto aquênio denominado Cannabis Sativa Linneu, planta notoriamente conhecida como maconha, sendo tais sementes matéria-prima essencial a produção de uma das substâncias entorpecentes ou psicotrópicas previstas e proibidas pela Portaria SVS/MS nº 344 de 12 de maio de 1998, notadamente na Lista E e F2, a saber, Cannabis Sativum e o Tetrahidrocannabibol (THC). Não resta, destarte, qualquer dúvida quanto à materialidade do crime.
A autoria comprova-se pela destinação presenta na embalagem das sementes (fl. 07), indicando endereço em nome do ora denunciado e por sua declaração feita à Polícia Federal (fls.40), pela qual admite ter sido o responsável pela importação das sementes de maconha."

Após o devido processamento do feito, o M.M. Juiz a quo proferiu sentença de fls. 128/130v ora objurgada, absolvendo o réu pela prática do delito descrito na denúncia, com base nos fundamentos abaixo transcritos:
"... Imputa-se ao acusado a conduta prevista no art. 33, §1º, I, c.c. art. 40, inc. I, da Lei 11.343/2006, consistente na importação, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de matéria-prima destinada à preparação de drogas.
Embora não haja dúvidas de que as sementes apreendidas sejam compatíveis com o fruto aquênio denominado "Cannabis Sativa Linneu", tais sementes não podem ser consideradas "matéria prima", no conceito estrito fixado na Lei.
O laudo pericial realizado sobre as sementes apreendidas mostra que nenhuma delas apresenta a substância tetraidrocanabinol (THC). Em verdade, tal substância estará presente na planta "Cannabis Sativa L" que eventualmente se desenvolver, depois de germinadas as sementes. Na fase em que se encontram (sementes), não está presente qualquer substância entorpecente ou psicotrópica, nem é possível "preparar" a droga a partir das referidas sementes.
Não por acaso a Lei nº 11.343/2006, em seu artigo 33, §1º, II, descreve a conduta de quem "semeia" plantas que se constituem matéria prima para preparação de drogas, a revelar que encomendar as sementes constitui mero ato preparatório, impunível, na forma do art. 31 do Código Penal.
... Argumenta o Ministério Público Federal, todavia, que seria caso de alterar a tipificação dos fatos, que passariam a se subsumir ao tipo do art. 334 do Código Penal, já que se trata de "importação" de bens proibidos, já que tais sementes não estariam inscritas no Registro Nacional de Cultivares (Lei nº 10.711/2003; Decreto nº 5.153/2004 e IN 50, do Ministério da Agricultura).
Ainda que se admita, em tese, tal tipificação, é evidente que a ínfima quantidade de sementes apreendidas afasta a tipicidade material da conduta.
De fato, a importação de treze sementes é incapaz de, por si só, produzir lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora, já que a Administração Pública, no aspecto do controle de entrada e saída de mercadorias no País, em nada se verá afetada por tal conduta." (fls.128v/130)

Não havendo arguições preliminares, passo a análise do mérito recursal.

Do mérito recursal.

Compulsando os autos, verifico que a orientação adotada pelo MM. Juiz a quo diverge daquela assentada nesta Turma, no sentido de que as sementes da planta cannabis sativa são consideradas matéria-prima para efeito de configuração de quaisquer das ações delituosas previstas no art. 33, § 1º, I, da Lei 11.343/2006.

Assim, a conduta ora em análise - importação de sementes de maconha - reveste-se, em princípio, de tipicidade, dado que a germinação da semente é a etapa inicial do crescimento da planta.

E, no sentido de que a semente da maconha corresponde à matéria-prima destinada à preparação de substância entorpecente, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. APREENSÃO DE SEMENTES DE CANNABIS SATIVA. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA.
ORDEM DENEGADA.
1. Incorre no tráfico de entorpecentes quem importa ou exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda ou oferece, fornece ainda que gratuitamente, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda matéria-prima destinada à preparação de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica (art. 12, § 1º, I, da Lei 6.368/76).
2. No caso, o fato narrado na denúncia, ou seja, a apreensão, na residência do paciente, de 170 sementes de cannabis sativa, amolda-se perfeitamente ao tipo penal "ter em depósito" e "guardar" matéria-prima destinada a preparação de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica (art. 12, § 1º, I, da Lei 6.368/76), não podendo se falar em atipicidade da conduta.
3. Ordem denegada.
(HC 100437/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 02/03/2009)

E, em caso de dúvidas acerca da correta definição jurídica dos fatos narrados, veja-se o entendimento das Cortes Federais:

PENAL. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE MACONHA. CONDUTA PENALMENTE TÍPICA. ADEQUAÇÃO, EM TESE, AO INCISO I DO § 1º DO ARTIGO 33 DA LEI N.º 11.343/2006. MATÉRIA-PRIMA. AUSÊNCIA DO PRINCÍPIO ATIVO THC. IRRELEVÂNCIA. DENÚNCIA REJEITADA. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO. 1. É penalmente típica a conduta de importar sementes de maconha, achando-se prevista no inciso I do § 1º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006. 2. O conceito de "matéria-prima", para os fins do inciso I do § 1º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006, não se limita ao produto ou substância que imediata e diretamente seja utilizado para a produção da droga. A produção da droga pode compreender - e geralmente compreende - várias etapas, assim como também podem ser múltiplas as transformações necessárias a sua conformação. Desse modo, mesmo as substâncias ou produtos utilizados nas primeiras etapas da produção da droga são, para os fins legais, matérias-primas ou, conforme o caso, insumos. 3. O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou no sentido de que a expressão "matéria-prima", para os efeitos da lei de regência, compreende não só as substâncias destinadas exclusivamente à preparação da droga, como as que, eventualmente, se prestem a essa finalidade, como o éter e a acetona, destacando, ademais, ser irrelevante que tais substâncias não constem na lista de proscritas. 4. Se assim é em relação ao éter e à acetona, com muito mais razão as sementes de maconha - cuja serventia mais evidente é, sem dúvida, o plantio do vegetal - devem ser consideradas alcançadas pelo conceito legal de matéria-prima. 5. O fato de as sementes de maconha não conterem o princípio ativo THC (tetrahydrocannabinol) não afasta a tipicidade da conduta, pois o objeto material do crime previsto no inciso I do § 1º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006 não é a droga em si, mas a matéria-prima, o insumo ou produto químico destinado a sua preparação, ou seja, também são incriminadas as etapas anteriores da produção. 6. Do fato de o inciso II do § 1º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006 incriminar a conduta de "semear" não resulta que a importação de sementes constitua mero ato preparatório. O tipo em questão é classificado como misto alternativo, isto é, uma conduta pode ser mais ampla ou pode ser pressuposto de outra e, mesmo assim, ambas são igualmente incriminadas, não sendo dado concluir que se tenha, em tais hipóteses, mera tentativa ou ato preparatório. 7. Ainda que a importação de sementes de maconha, feita em desacordo com determinações legais e regulamentares, não se amoldasse à previsão do inciso I do § 1º do artigo 22 da Lei n.º 11.343/2006, a denúncia não poderia ser rejeitada, uma vez que, à luz do artigo 34 da Lei n.º 10.711/2003 e do artigo 105 do Decreto n.º 5.153/2004, seria caso de contrabando. 8. Recurso ministerial provido.(RSE 00092036220114036181, DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/06/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO. ARTIGO 33, § 1º, I, DA LEI 11.343/06. APREENSÃO DE SEMENTES DE MACONHA. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. NÃO OCORRÊNCIA. POTENCIALIDADE LESIVA CONFIGURADA. AUTORIA E DOLO. IN DUBIO PRO SOCIETATE. SÚMULA 709 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. 1. A importação clandestina de sementes de cannabis sativa (maconha), do Reino Unido, amolda-se à conduta típica prevista no artigo 33, § 1º, da Lei Antidrogas. 2. Presente a potencialidade lesiva, em vista capacidade de multiplicação de sementes e do quanto atestado no exame pericial, não podendo se falar em atipicidade da conduta. 3. Quando da realização do juízo de admissibilidade da denúncia, tem lugar o princípio in dubio pro societate, sendo desnecessária a obtenção de juízo de certeza acerca da autoria delitiva e do dolo do agente, questões que serão solucionadas no decorrer do processo. 4. Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela. Súmula 709 do Supremo Tribunal Federal.
(TRF-4 - RCCR: 50190913720134047000 PR 5019091-37.2013.404.7000, Relator: VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, Data de Julgamento: 07/08/2013, OITAVA TURMA, Data de Publicação: D.E. 14/08/2013)
A propósito, destaco trecho do voto do Exmo. Desembargador Federal Nelton dos Santos no julgamento do Recurso em Sentido Estrito nº 0009203-62.2011.403.6181, cuja ementa foi acima transcrita:
"(...) Colhe-se, porém, da lição de Vicente Greco Filho que "matéria-prima ou insumo é a substância de que podem ser extraídos ou produzidos os entorpecentes ou drogas que causem dependência física ou psíquica. Não há necessidade de que as matérias-primas tenham de per si os efeitos farmacológicos dos tóxicos a serem produzidos; basta que tenham as condições e qualidades químicas necessárias para, mediante transformação, adição etc., resultarem em entorpecentes ou drogas análogas" (Lei de drogas anotada: Lei n.º 11.343/2006. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 92).
Ora, a semente serve para a produção da maconha; a germinação nada mais é do que uma modalidade de transformação, pois é por meio dela que a semente transmuda-se em planta. Afirmar, portanto, que a semente de maconha não é matéria-prima para a produção da droga significaria restringir o alcance da norma, máxime quando se sabe que, no caso presente, o próprio recorrido admitiu que as sementes seriam por ele plantadas com o propósito de produzir a droga. Note-se que, de rigor, nem se faz necessário o dolo específico para a configuração desse delito, bastando que o agente saiba que a matéria-prima serve para a produção da droga.
Entendo, assim, que o conceito de matéria-prima, para os fins do aludido dispositivo legal, não se prende ao produto ou substância que imediata e diretamente seja utilizado para a produção da droga. A produção da droga pode compreender - e geralmente compreende - várias etapas, assim como também podem ser múltiplas as transformações necessárias à conformação da substância entorpecente. Desse modo, mesmo as substâncias ou produtos utilizados nas primeiras etapas da produção da droga são, para os fins legais, matérias-primas ou, conforme o caso, insumos.
Nessa ordem de ideias, Carlos Roberto Bacila sustenta, em sede doutrinária, que o conceito de matéria-prima "refere-se às sementes da planta que originarão as drogas, bem como as mesmas plantas no caso das drogas que são derivadas de plantas, como é o caso da maconha , da planta de coca e da papoula, que é utilizada para a produção do ópio, da morfina e da heroína. (....) Portanto, sementes , plantas e produtos fundamentais constituem matéria-prima da droga" (Comentários penais e processuais penais à lei de drogas: Lei n.º 11.343/2006. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007, p. 111).
Lembre-se de que são exemplos clássicos de matéria-prima, para os fins do artigo 33, § 1º, inciso I, o éter e a acetona, substâncias que podem ser usadas para outras finalidades que não a produção de drogas. Ainda na vigência da Lei n.º 6.368/1976, o Supremo Tribunal Federal proclamou que o éter e a acetona são alcançados pela expressão "matéria-prima" e que é irrelevante a circunstância de não constarem na lista de substâncias entorpecentes (STF, 1ª Turma, HC 69308/SP, rel. Min. Moreira Alves, j. 28/4/1992).
Também já decidiu o Excelso Pretório, em pelo menos duas outras ocasiões que versavam sobre éter e acetona, que "a expressão 'matéria-prima' constante do inciso I do parágrafo 1º do artigo 12 da Lei 6.368/76 compreende não só as substâncias destinadas exclusivamente à preparação da droga, como as que, eventualmente, se prestem a essa finalidade" (STF, 1ª Turma, RHC 64340/MS, rel. Min. Sydney Sanches, j. 16/9/1986; STF, 1ª Turma, RE 108726/PR, rel. Min. Oscar Corrêa, j. 26/8/1986).
Se assim é com relação ao éter e à acetona, com muito mais razão as sementes de maconha devem ser consideradas como matéria-prima, pois sua serventia é bem mais restrita, podendo-se afirmar, sem temor de erro, que a principal função da semente de maconha é a de ser plantada para a produção do correspondente vegetal.
Não merece acolhida, portanto, o entendimento, consagrado na decisão objurgada, segundo o qual "a ausência do princípio ativo THC afasta a elementar do tipo 'matéria-prima destinada à preparação de drogas'" (f. 63). No § 1º, inciso I, do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006, o objeto material das condutas não é a droga, mas é a matéria-prima, o insumo ou o produto químico que se destina à respectiva preparação.
São, pois, muito lúcidas as observações feitas por Abel Fernandes Gomes: "A antecipação da punição ainda se faz mais marcante nesse tipo penal, haja vista que a droga sequer está pronta para o consumo, e o legislador já pune as condutas que são adotadas em relação aos estados anteriores da sua preparação" (Nova lei antidrogas: teoria, crítica e comentários à Lei n.º 11.343/2006. Niterói, Impetus, 2006, p. 24).
Sob outro aspecto, não se ignora que a E. 1ª Turma deste Tribunal Regional Federal considerou atípica a importação de sementes de maconha, para tanto aduzindo que "a semente é pressuposto lógico e antecedente para a configuração do tipo penal descrito no inciso II, do mesmo artigo 12, da Lei n.º 6.368/76, em que o legislador tipificou como sendo crime a conduta de semear, cultivar ou colher plantas destinadas à preparação da droga. No caso dos autos, o apelante não iniciou os atos executórios consistentes em semear, cultivar ou colher plantas destinadas à preparação de droga, pois sequer chegou a ter as sementes apreendidas em sua posse" (TRF/3, 1ª Turma, ACR 48270, rel. Des. Fed. José Lunardelli, j. 5/6/2012).
Com a máxima vênia, divirjo de tal conclusão e, mesmo, do argumento utilizado, uma vez que desconsidera que se tem, no artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006 - assim como se tinha no artigo 12 da Lei n.º 6.368/1976 -, um tipo misto alternativo.
Assim, do fato de o inciso II do § 1º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006 incriminar a conduta de "semear" não resulta que a importação de sementes seja mero ato preparatório. Na interpretação que confiro à expressão "matéria-prima", a importação de sementes de maconha configura, autonomamente, o crime previsto no inciso I do mesmo parágrafo. Tal circunstância não há de gerar estranheza ou perplexidade, cuidando-se, na verdade, de fenômeno absolutamente comum no âmbito dos tipos mistos alternativos, em que uma conduta pode ser mais ampla ou pode ser pressuposto de outra, sem que daí seja dado extrair que se tenha modalidade tentada ou mero ato preparatório.
Por todas essas razões, considero ser caso de prover o recurso do Ministério Público Federal, ao fim de receber a denúncia assim como oferecida.
Antes de encerrar, porém, acrescento ainda mais um argumento, de caráter subsidiário, apenas para demonstrar que, mesmo discordando de tudo o que aqui sustentei como correto, o caso seria de receber-se a denúncia.
Grife-se que a denúncia acusou o ora recorrido de importar sementes de maconha em desacordo com normas legais e regulamentares. Esse é o fato imputado, o qual, se não se amoldasse ao crime tipificado no inciso I do § 1º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006, sem dúvida configuraria o crime de contrabando, previsto no artigo 334 do Código Penal.
Deveras, o artigo 34 da Lei n.º 10.711/2003 proíbe a importação de sementes desprovidas de inscrição no Registro Nacional de Cultivares e, mesmo nas hipóteses em que é permitida, ela pressupõe autorização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, nos termos do artigo 105 do Decreto n.º 5.153/2004, que regulamentou a mencionada lei."

Por fim, destaco, ainda, decisão de minha lavra, proferida nos autos nº 0002180-45.2011.4.03.6123/SP, cujo acórdão foi lavrado por unanimidade na sessão de julgamento desta E. Quinta Turma ocorrida em 30.06.2014:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE MACONHA. MATÉRIA-PRIMA PARA PRODUÇÃO DA DROGA. ILÍCITO PENAL. DENÚNCIA REJEITADA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO.
1. A semente da maconha corresponde à matéria-prima destinada à preparação de substância entorpecente. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e das Cortes Federais.
2. Evidente, portanto, que a semente, em seu estado natural, é a matéria-prima para a produção de uma planta; no caso da maconha, há que se apurar, no âmbito de uma ação penal se sua importação é igualmente proscrita e configura ilícito penal, haja vista que sua internalização em território nacional poderá gerar futura produção de substância entorpecente proscrita.
3. A denúncia contém exposição clara e objetiva dos fatos ditos delituosos, com narração de todos os elementos essenciais e circunstanciais que lhes são inerentes, atendendo aos requisitos descritos no artigo 41 do Código de Processo Penal.
4. A materialidade do delito restou comprovada pelo Termo de Apreensão de Substâncias Entorpecentes e Drogas Afins, pelo Auto de Apresentação e Apreensão, e pelo Laudo de Perícia Criminal Federal (Química Forense).
5. Os indícios da autoria podem ser extraídos do fato de que o acusado é o destinatário da remessa interceptada nos Correios pela Polícia Federal.
6. Questões como a pequena quantidade de sementes, no presente caso, constituem matéria de mérito, a ser analisada oportunamente no contexto dos elementos que advierem à instrução.
7. Recurso provido.

Evidente, portanto, que, nos termos da jurisprudência que vem se consolidando, a semente, em seu estado natural, é a matéria-prima para a produção de uma planta.
No caso, há que se apurar, se a importação da semente (matéria-prima) configura ilícito penal.

O tipo penal imputado na peça acusatória possui a seguinte redação:

"Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem: I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;" (Grifei)
Com efeito, a Lei de Drogas deixa clara a intenção de criminalizar todo o processo produtivo da droga. O ato de produzir a partir da matéria-prima engloba toda a cadeia produtiva, não se resumindo ao simples processo de extração do princípio ativo. Assim, a produção pode sim ter início com a aquisição de sementes para plantação, sendo que estas constituirão matéria-prima a partir da qual ocorrerá a lavra da planta e, em seguida, a extração da droga.

A respeito ensina RENATO BRASILEIRO:


" ... importar: é proporcionar o ingresso irregular da droga no território nacional, consumando-se no momento em que a substância entra, indevidamente, no território brasileiro, seja por via aérea, terrestre ou marítima. Logo, ainda que desconhecido o autor, despiciendo é o seu reconhecimento, podendo-se afirmar que o delito se consuma no instante em que a droga tocar o território nacional, entrada essa consubstanciada, pelo menos em regra, na apreensão da droga. Para que ocorra a consumação do tráfico de drogas na modalidade "importar", revela-se desnecessário, portanto, que a correspondência chegue ao destinatário final, por configurar mero exaurimento da conduta..." (Legislação Criminal Especial Comentada, 3ª Edição, Editora Jus Podivm, Salvador/BA, 2015, p.743)

A propósito, como já mencionado, o STJ considerou, no caso concreto referente à apreensão de 170 (cento e setenta) sementes de cannabis sativa na casa de determinado indivíduo, que a conduta amolda-se ao crime equiparado de tráfico de drogas na modalidade "ter em depósito" ou "guardar" matéria-prima destinada à preparação da droga, não sendo possível a arguição da atipicidade do fato delituoso.
Assim, no caso em tela, resta evidente a subsunção da conduta ao disposto no art. 33, §1º, inc. I, da Lei 11.343/2006, não se tratando do crime previsto no art. 334 do Código Penal (contrabando).

Diante da tipicidade da conduta imputada ao acusado, passo a análise da materialidade e da autoria do crime.

Da materialidade. A materialidade do delito é inconteste e está devidamente demonstrada nos autos pelos Termo de Apreensão de Substâncias Entorpecentes e Drogas Afins (fls. 04/05), Auto de Apresentação e Apreensão (fls. 06/07) e Laudo Pericial de fls. 31/36.

O Laudo pericial de fls. 31/36 confirmou que as características das sementes são compatíveis com as de Cannabis Sativa Linneu, e, embora não apresentem o princípio ativo tetrahidrocannabinol (THC), censurado pela portaria nº 334 de 12 de maio de 1998, têm a propriedade de originar substâncias entorpecentes.

No que tange à alegação da defesa, no sentido de que há dúvida se as sementes submetidas à perícia criminal, de fato, são as mesmas sementes importadas pelo réu, em virtude da divergência acerca da quantidade, não merece guarida.

Entendo que há aparente erro material no termo de apreensão (fl. 04), que mencionou apenas 08 (oito) sementes, sendo que, na verdade, eram 13 (treze) sementes, conforme ficou claro no laudo pericial.

Da autoria. A autoria também é evidente e restou demonstrada nos autos pelos depoimentos prestados pelo acusado tanto em sede policial quanto em Juízo.

Em sede policial, o acusado confessou a importação das sementes apreendidas, alegando que as utilizaria para confecção de artesanato. Valho-me da transcrição a seguir:

"... que encomendou sementes de maconha pela internet, não se recordando o site; que não se lembra de quantas sementes encomendou, pois acredita que comprou 04 e ganhou mais 04; que tinha interesse em utilizar as sementes para confecção de brinco/colar artesanal; que havia visto artesanato utilizando semente desse tipo e assim se informou e soube, pela internet, da possibilidade de encomendá-las; que se recorda que tenha pago por ela em torno de US$ 20,00; que tinha conhecimento prévio de que a impostação de sementes de maconha não configurava crime, posto que não "é droga em si"; que não é usuário de drogas..." (fl. 40)

Em Juízo, confirmou a importação das sementes apreendidas. No entanto, apresentou versão diversa sobre a destinação do produto. Relatou que, durante uma festa, teria emprestado seu cartão de crédito a um amigo, que teria efetuado a importação em seu nome e seria o responsável pela produção do artesanato (mídia de fl. 114).

Ocorre que, as versões apresentadas, além de contraditórias, mostram-se inverossímeis.

Insta mencionar que a biodiversidade brasileira oferece diversas espécies de sementes para utilização na confecção de produtos artesanais.

Além disso, na hipótese dos autos, as circunstâncias (aquisição do insumo mediante remessa pela via postal, pequena quantidade de sementes importadas, utilização de artifícios para o seu ocultamento, endereço indicado para entrega diverso do endereço do acusado etc.) demonstram que o apelado praticou a conduta com plena consciência da sua ilicitude.

Ademais, a defesa não trouxe aos autos nenhum elemento de prova que corrobore a versão dada pelo réu, observando que este sequer soube declinar o nome completo do suposto amigo.

A respeito da alegação de que o acusado teria agido ignorando a ilicitude de sua conduta, também não merece prosperar, pois restou isolada nos autos.

Outrossim, o art. 21, 1ª parte, do Código Penal é expresso: "O desconhecimento da lei é inescusável."

No caso, o réu importou 13 (treze) sementes de cannabis sativa linneu. Surge, então, a discussão sobre a potencialidade lesiva da conduta, uma vez que a importação se deu em pequena quantidade, fato esse que poderia caracterizar a compra para o consumo.

Contudo, a singela importação de sementes de maconha já se reveste de potencialidade lesiva e tipicidade formal, pois se amolda ao delito previsto no art. 33, § 1º, I, da Lei nº 11.343/06, que criminaliza a importação de matéria-prima.

Ademais, 13 (treze) sementes de maconha podem gerar uma quantidade ilimitada de plantas.

Vale ressaltar, ainda, que a importação irregular da mercadoria ultrapassa, sem dúvida, os atos meramente preparatórios, porquanto, uma vez efetuada a encomenda e introduzidas as sementes em território nacional, o crime se consumou em sua plenitude, somente não chegando ao réu o produto em virtude da diligente atividade fiscalizatória da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, a qual identificou o caráter ilícito do conteúdo despachado.

Na hipótese, a tipificação desse crime dispensa a presença de qualquer elemento subjetivo específico, bastando a consciência e a vontade de praticar o verbo constante do art. 33 da Lei 11.343/2006, qual seja, "importar" matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas.

Importante registrar que o fato de o destinatário não haver recebido a correspondência não impede a penalização, tendo em vista que o tipo penal previsto no art. 33 da Lei antitóxicos é de ação múltipla ou conteúdo variado, sendo suficiente, para a consumação do crime a prática de uma das condutas ali previstas, sendo a chegada da encomenda ao seu destinatário é mero exaurimento do delito de tráfico.

Por fim, não há que falar em desclassificação da conduta para a prevista no artigo 28, caput, e § 1º, da Lei nº 11.343/2006, porquanto o caput não trata de insumos - e é de insumos para produção de entorpecentes de que se trata aqui-, e sim da própria droga. Por sua vez, o § 1º, do mesmo dispositivo legal, consuma-se com a realização das condutas previstas nos núcleos verbais (semear, cultivar, ou colher), o que não ocorreu. E ainda que se cogitasse que a aquisição de sementes configuraria ato preparatório para a prática do delito, tal conduta, seria atípica por ausência de previsão legal.

Assim, in casu, não há possibilidade de desclassificação da conduta narrada na exordial.

Diante desse contexto, conclui-se que a prova acusatória é subsistente e hábil a comprovar a materialidade e a autoria, devendo ser reformada r. sentença absolutória, para condenar CESAR ANDRADE SILVA pelo delito tipificado no art. 33, §1º, inc. I da Lei 11.343/2006.

Da dosimetria da pena. Passo, portanto, à dosimetria da pena, utilizando o procedimento trifásico previsto no art. 68, do Código de Penal.

Na primeira fase da dosimetria da pena, verifico que a culpabilidade do réu, os motivos, as circunstâncias e as consequências do crime não extrapolam o comum em crimes dessa natureza. Não há nos autos elementos disponíveis para que se avalie a conduta social do réu, bem como a sua personalidade. Não há que se falar em comportamento da vítima. Ademais, o réu não registra antecedentes criminais.

Desta feita, fixo a pena-base em 05 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.

Na segunda fase, inexistem circunstâncias agravantes. No que tange ao reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, vale ressaltar que sua incidência não pode conduzir a redução da pena abaixo do mínimo legal, conforme estabelecido na súmula 231 do STJ.

Na terceira fase, aplico a minorante do artigo 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, em seu patamar máximo, qual seja, 2/3 (dois terços).

Os requisitos do benefício previsto nesse dispositivo legal são os seguintes:

"Art. 33.
(...)
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa."
Percebe-se que se trata de requisitos cumulativos. No caso em tela, o réu é primário e não ostenta maus antecedentes. Tampouco há aparência de que integre organização criminosa, de sorte que é cabível a aplicação da minorante.

Nesse sentido, oportuno citar os seguintes precedentes da Primeira Seção deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

"PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ARTIGO 33, § 4º DA LEI 11.343/06 NO PERCENTUAL MÍNIMO LEGAL. NOS TERMOS DO VOTO VENCIDO. EMBARGOS A QUE SE DÁ PROVIMENTO.
I - O artigo 33, § 4º da Lei n.º 11.343/06 prevê a redução de 1/6 a 2/3 para o agente que seja primário, possua bons antecedentes e não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa. O dispositivo foi criado a fim de facultar ao julgador ajustar a aplicação e a individualização da pena às múltiplas condutas envolvidas no tráfico de drogas , notadamente o internacional, porquanto não seria razoável tratar o traficante primário, ou mesmo as "mulas", com a mesma carga punitiva a ser aplicada aos principais responsáveis pela organização criminosa que atuam na prática deste ilícito penal.
II - Dos elementos coligidos nos autos, constata-se que a conduta do embargante se enquadra no que se convencionou denominar no jargão do tráfico internacional de droga de "mula", isto é, pessoa que funciona como agente ocasional no transporte de drogas , pois não se subordina de modo permanente às organizações criminosas nem integra seus quadros. Trata-se, em regra, de mão-de-obra avulsa, esporádica, de pessoas que são cooptadas para empreitada criminosa sem ter qualquer poder decisório sobre o modo e o próprio roteiro do transporte, cabendo apenas obediência às ordens recebidas. Pouco ou nada sabem a respeito da organização criminosa.
(...)
V - Embargos Infringentes providos."
(Embargos Infringentes e de Nulidade 0008194-28.2009.4.03.619/SP, Primeira Seção - Rel. Des. Fed. José Lunardelli, j. 21//02/2013)
"PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS . AUTORIA. MATERIALIDADE. CONFISSÃO. TRANSNACIONALIDADE. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/06. REGIME PRISIONAL. SANÇÃO PECUNIÁRIA.
(...).
5. A conduta dos acusados não vai além da atividade típica de mula, e consta dos autos que os acusados são primários, sem antecedentes (fls. 127/131, 143/145, 152/154, 193/195 e 246/248), revelando as suas declarações que a empreitada criminosa constituiu um fato isolado em suas vidas, o que é corroborado pelo movimento migratório juntados aos autos (fls. 63/67), não sendo produzidas provas de que participem de organização criminosa voltada ao tráfico de drogas . É de se conceder, portanto, a causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06.
(...)."
(ACR 0007946-91.2001.4.03.6119/SP, Quinta Turma, Rel. p/Acórdão: Des. Fed. Luís Stefanini, j. 04/02/2013).

Quanto ao percentual em que a minorante será aplicada, deve ser considerado as circunstâncias subjacentes à prática delitiva. In casu¸o total de sementes trazidas ao país (13 sementes de cannabis sativa linneu), denotam uma reprovabilidade menor da conduta do acusado. Além disso, o fato de ter utilizado a rede mundial de computadores (world wide web , ou internet ) para efetuar a compra de tais sementes, demonstra que o réu não teve contato com integrantes da organização criminosa.

De outra parte, não há provas seguras de que o réu faça parte da organização criminosa, sendo, pois, merecedor do benefício legal de redução de pena previsto no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, o qual aplico no patamar máximo de 2/3 (dois terços), em razão das já mencionadas circunstâncias objetivas e subjetivas do caso concreto.

Destarte, aplico a redução do artigo 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06 no patamar mínimo de 2/3 (dois terços), resultando a pena de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão e 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa.

Finalmente, tem-se que a majorante prevista no artigo 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06, aplica-se ao tráfico com o exterior, seja quando a substância ou o produto venha para o Brasil, seja quando esteja em vias de ser exportado. Portanto, é evidente, in casu, a tipificação do tráfico internacional de entorpecentes, pois o acusado importou sementes de maconha oriundos da Grã Bretanha.

Dos elementos referidos infere-se a transnacionalidade do delito, a autorizar a aplicação da majorante prevista no art. 40, I, da Lei n.º 11.343/06.

Há entendimento no sentido de que o legislador previu, nos incisos do artigo 40 da Lei n.º 11.343/06, uma série de causas de aumento de pena, que justificam um aumento variável de um sexto a dois terços, porém não estabeleceu os parâmetros para a quantificação do percentual. À míngua desses critérios, o índice de aumento pode ser calculado de acordo com as circunstâncias especificamente relacionadas com a causa de aumento (e não às do crime), e variar de acordo com a quantidade de majorantes que estiverem presentes.

Assinalo, todavia, que a aplicação dessa causa de aumento em patamar acima do mínimo justifica-se nos casos em que a substância ou o produto deixe o território nacional para ser distribuído em mais de um país no exterior, o que não restou provado no caso em tela.

Portanto, aplico a causa de aumento de pena, do artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/2006, à razão de 1/6 (um sexto), do que resulta a pena definitivamente em 01 (um) ano e 11 (onze) meses de reclusão, além de 193 (cento e noventa e três) dias-multa.

Fixo em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo o valor do dia-multa, tendo em vista a ausência de comprovação da condição econômica do apelado nos autos.

O regime de cumprimento da pena privativa de liberdade é o aberto, nos termos do art. 33, §2º, alínea "c", do Código Penal.

Preenchidos os requisitos previstos no art. 44, do Código Penal (pena não superior a quatro anos, crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa, réu não reincidente e circunstâncias judiciais favoráveis), substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas, consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo prazo da pena substituída, e prestação pecuniária, no valor de 01 (um) salário mínimo.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso, a fim de reformar a r. sentença absolutória para condenar CESAR ANDRADE SILVA pelo delito tipificado no art. 33, §1º, inc. I da Lei 11.343/2006, à pena de 01 (um) ano e 11 (onze) meses de reclusão, em regime aberto, e 193 (cento e noventa e três) dias-multa, à razão unitária de 1/30 (um trigésimo) dos salário mínimo, pena corporal substituída por duas penas restritivas, consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo prazo da pena substituída, e prestação pecuniária, no valor de 01 (um) salário mínimo.

PAULO FONTES
Desembargador Federal


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