D.E. Publicado em 04/05/2016 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares e, no mérito, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação criminal interposta por VIVIANE APARECIDA SILVA contra sentença que indeferiu pedido de restituição de bens apreendidos interposto nos autos do inquérito policial nº 0009460-19.2013.4.03.6181 (fls. 99/100, complementada à fl. 121).
Em razões recursais (fls. 133/158), a requerente alega, em síntese: preliminarmente, que as sentenças ora objeto de apelo são nulas de pleno direito, por ausência de motivação, bem como, no mérito, que é legítima e exclusiva proprietária do veículo apreendido, terceira de boa-fé e que não praticou qualquer crime, razões pelas quais faria jus à restituição pleiteada.
Contrarrazões às fls. 192/194.
A Exma. Procuradora Regional da República, Dra. Inês Virgínia Prado Soares, opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 197/199).
É o breve relatório.
VOTO
Das Preliminares.
Aduz a defesa, em sede de preliminar recursal, que as sentenças de fls. 99/100 e 121 são nulas de pleno direito, por ausência de motivação.
Não procede tal argumento.
Com efeito, da simples e rápida leitura de ambas as sentenças, clara e nítida a fundamentação do MM. Juízo de origem a embasar o indeferimento da restituição do bem então apreendido (às fls. 99/100), bem como, após a interposição, pela recorrente, de embargos declaratórios, do seu conhecimento e desprovimento, não havendo que se falar em nulidades previstas nos artigos 458, II, do Código de Processo Civil; 381, III, do Código de Processo Penal, bem como dos dispositivos do art. 5º, incisos XXII e XXXIV, a; e art. 93, IX, ambos da Constituição da República.
Quando da apreciação do mérito do pedido de restituição do veículo apreendido, o MM. Juízo a quo, em decisum de fls. 99/100, indeferiu o pleito defensivo com base na ausência de comprovação de origem lícita da propriedade do bem. Isto é claramente exposto e fundamentado na r. sentença ora guerreada, e repetido quando de seu aclaramento em embargos de declaração. É a sentença plenamente válida.
Em declaratórios, a MM. Juíza sentenciante fundamenta, mais uma vez, de forma contundente, ser o caso de conhecimento dos mesmos, por serem tempestivos, porém de desprovimento, eis que não há qualquer omissão ou contradição, havendo, na essência, mero inconformismo da parte com o já perfeitamente decidido (fl. 121).
E tal inconformismo ora persiste, sem qualquer embasamento, por parte da apelante, que insiste - de forma temerária - em se esquivar do exame do mérito da questão ora em tela, qual seja: há provas contundentes da legítima propriedade do bem? Os requisitos para a restituição do veículo - cumulativos e cogentes - foram todos atendidos pela interessada? A resposta será objeto de análise no próximo item: "do mérito recursal".
Preliminares rejeitadas. Passo ao mérito.
Do Mérito Recursal.
A insurgência não deve ser acolhida, devendo ser mantida a r. sentença guerreada.
Os bens apreendidos somente podem ser devolvidos a terceiros, se comprovada a presença dos seguintes requisitos: propriedade do bem, licitude da origem do respectivo valor, boa-fé do requerente e sua desvinculação com fatos apurados na ação penal.
Demais disso, o artigo 91 do Código Penal estabelece acerca dos efeitos da condenação, dentre outras consequências, as que seguem:
"Art. 91. São efeitos da condenação:
(...)
II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:
a- dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;
b- do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso."
Noutro giro, de se acrescentar que a liberação de bens apreendidos, por sua vez, obedece ao disposto nas normas previstas no Código de Processo Penal, particularmente nos artigos 118 e 120, adiante transcritos:
"Art. 118. Antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo."
"Art. 120. A restituição, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante."
Assim sendo, vislumbra-se, em primeiro lugar, que a propriedade exclusiva do bem em questão não resta comprovada. Muito pelo contrário. Como bem apontou o Parquet em contrarrazões (fl. 193), verbis: "a própria apelante afirma que vive em união estável com Cleverson Luiz Betelli, suspeito de tráfico internacional de drogas e lavagem de dinheiro, entre outros possíveis crimes, tendo um filho com ele, nascido em 2004 (f. 40). É largamente sabido no meio jurídico que a união estável advém da vontade dos envolvidos de formar uma família (sem exigência de coabitação) e que o regime de bens, salvo escritura pública em contrário, será de comunhão parcial. Ora, é perfeitamente notável que a união estável da apelante com Cleverson vem de, no mínimo, 2004; sendo que o veículo adquirido em julho de 2012 (f. 80) sem qualquer comprovação de sub-rogação de bem anterior em valor equivalente, presume-se, com total segurança, que foi adquirido através do esforço comum do casal, sendo a apelante meeira. A outra metade do bem, por óbvio, pertence a Cleverson, ele sim, investigado na Operação Hulk. Aliás, o registro administrativo do bem não influencia em nada sobre sua propriedade, tendo em vista que se trata de bem móvel (transferível pela tradição, e não pelo registro). Desta forma, o argumento de que o bem pertence apenas à apelante é totalmente inócuo." (grifei).
Portanto, uma vez que a propriedade do bem é conjunta da ora apelante e de seu companheiro, Cleverson Luiz Betelli, investigado na "Operação Hulk", verifica-se que há fundado receio do órgão jurisdicional de piso a justificar a negativa do pedido de restituição em tela. Não houve, outrossim, cumprimento do primeiro dos requisitos legais para a concessão da medida pretendida.
Como se o fundamento anterior, por si mesmo, não bastasse, ainda de se destacar que o volume financeiro a justificar a aquisição da coisa ora apreendida tampouco restou demonstrado, eis que sequer houve entrega, pela peticionária, de declaração de imposto de renda - nem mesmo a de isento - sendo que o único documento a comprovar os rendimentos da apelante é cópia parcial de sua CTPS, na qual consta salário de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) mensais, valor este que, de fato, como bem salientou o MM. Juízo de origem, "não faz frente à aquisição de um veículo cujo valor ultrapassa os R$ 40.000,00" (fls. 99v/100).
Ou seja: não houve a prova - mesmo em se admitindo verdadeira a alegação de que a requerente seja proprietária exclusiva - e de boa-fé - do bem apreendido - da origem lícita na aquisição do mesmo. O segundo requisito legal, pois, não foi atendido pela interessada.
Demais disso, a reforçar que seria temerária a devolução do bem à requerente neste momento, o fato de que aquele poderá, nos termos do fundamentado supra, eventualmente, ser perdido em favor da União, em decorrência de possível comprovação de que o veículo era instrumento do crime, praticado pelo companheiro da ora recorrente, ou adquirido com valores obtidos criminosamente, nos termos do artigo 91, inciso II, do Código Penal.
Outrossim, depreende-se, da leitura dos autos, poder se tratar até mesmo de crime organizado, visto se tratar de grave esquema de tráfico internacional de drogas e lavagem de dinheiro, o que somente reforça ainda mais a impossibilidade, neste momento inicial, de restituição das coisas apreendidas.
Por fim, como muito bem ponderado pela I. Magistrada de primeiro grau, em sentença de fls. 99/100, ao fundamentar a não restituição, in casu, verbis:
"De forma diversa da alegada pela requerente, a apreensão do veículo Azera 3.3 v6, marca Hyundai, ano 2009, placas NRH 2710/Ponta Porã - MS resta justificada pela existência de indícios suficientes de que o bem foi adquirido com recursos de origem ilícita, obtidos pelo companheiro da requerente, o réu Cleverson Luiz Betelli, que responde pela prática de crimes de tráfico e associação para tráfico internacional nos autos principais nº 0005608-50.2014.403.6181.
Depreende-se do contido nos autos principais 0005608-50.2014.403.6181, conforme destacado na decisão que recebeu a denúncia ofertada pelo Ministério Público Federal, que o réu Cleverson Luiz Betelli não mantém outra atividade além da negociação ilícita de drogas (cf. fls. 2061/2062, fls. 2065/2066, fls. 2067/2068 e fls. 2071/2073 dos autos principais e as mensagens obtidas no 7º período de interceptação, em especial ID 1963386, 1963460, 1964178, 1964402, 1964424, 1981988, 2000727, 2000299, 2000300, 2000312, 2000316, 2000321, 2000359,2000372 - AC 7 de fl. 1868); que em seus negócios ilícitos há a utilização de contas correntes de terceiros e câmbio de moeda irregular (cf. fls. 2050/2055 dos autos principais e as mensagens obtidas no 7º período de interceptação, em especial ID 1988970, 1989035, 1989043, 1989045, 1989044, 1989046, 1981206, 1981207, 1981208 e 1981209 - AC 7 de fl. 1868).
Há também mensagem captada no mesmo período (ID 1944639 - AC 7 de fl. 1868, mencionada à fl. 2148 dos autos principais) que dá indícios que o mencionado réu utilizaria o nome da esposa em negociação de outro veículo.
Assim, diante do acima explicitado e do pedido aqui formulado, cabe à requerente demonstrar ter adquirido o veículo com recursos lícitos, o que não foi feito.
Observo que intimada a juntar documentos capazes para tanto por mais de uma vez, a requerente não o fez, juntando ao feito apenas cópia parcial de CTPS, na qual consta vínculo com salário de R$ 1.500,00, valor que não faz frente à aquisição de um veículo cujo valor ultrapassa os R$ 40.000,00. Nem ao menos foi juntada cópia de Declaração de Imposto de Renda da requerente constatando o bem como de sua propriedade." (destaquei).
Ante o supratranscrito, portanto, de se inferir que ausente, também, a boa-fé da apelante, no caso, já que, uma vez intimada a comprovar a sua legítima propriedade, diversas vezes, perante autoridade judicial, não obtivera êxito. Ademais, há provas no sentido de que VIVIANE teria cedido suas contas bancárias para Cleverson perpetrar seus atos criminosos - inclusive tendo obtido proveitos financeiros com isso, ainda que indiretos.
Portanto, o veículo apreendido tem relação direta com o fato em investigação, podendo ter sido utilizado como instrumento de ato criminoso ou, pelo menos, adquirido com seus proveitos econômicos - até mesmo em âmbito de organização criminosa - cujos usos podem vir a constituir fato ilícito, motivo pelo qual ainda interessa ao processo, sendo incabível sua restituição ou sua liberação, nos termos ora aqui expostos.
Neste sentido, pois, é o entendimento desta Turma, conforme ora se transcreve, verbis:
"PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL EM INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA. VEÍCULO UTILIZADO EM SUPOSTA PRÁTICA DE CRIME DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE BOA-FÉ. AUSÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO. RECURSO IMPROVIDO.
1. Os bens apreendidos somente podem ser devolvidos a terceiros, se comprovada a presença dos seguintes requisitos: propriedade do bem, licitude da origem do valor do bem, boa-fé do requerente e desvinculação com fatos apurados na ação penal.
2. O apelante não logrou êxito em demonstrar sua boa-fé, eis que sua alegação de que emprestou seu veículo a indiciado em inquérito policial em que se apura a pratica do crime previsto no artigo 334 do Código Penal resta isolada nos presentes autos.
3. Além de haver contundentes indícios no sentido de que o veículo apreendido era utilizado como instrumento do crime, não houve o trânsito em julgado da sentença final, sendo incabível a restituição do bem apreendido, nos termos dos artigos 118 e 119 do Código de Processo Penal.
4. A devolução do bem ao requerente neste momento seria temerária, pois poderá ser objeto de perda em favor da União, em decorrência de eventual comprovação de que o veículo era instrumento do crime, nos termos do artigo 91, inciso II, "a", do Código Penal.
(...)
7. Apelação improvida." (ACR 0005181-58.2011.4.03.6181/SP, TRF3, 5ª Turma. Rel. Desembargador Federal Antonio Cedenho. J. 12/11/2012 - grifo e destaque nossos).
Ante o exposto, rejeito as preliminares e, no mérito, nego provimento ao recurso de apelação, mantendo integralmente a sentença, nos termos explicitados no voto.
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Data e Hora: | 07/03/2016 16:26:09 |