D.E. Publicado em 08/04/2016 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação para o efeito de afastar a exasperação da pena decorrente da ponderação sobre as circunstâncias do crime, restando a pena definitiva fixada em 3 anos de reclusão e pagamento de 13 dias-multa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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VOTO
NAZARENO VIEIRA DE SOUZA foi condenado à pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, no regime inicial aberto, e pagamento de 126 dias-multa por infração ao disposto no artigo 19, caput e parágrafo único da Lei nº 7.492/86 (por seis vezes: duas consumadas e quatro tentadas) c.c/ artigo 71 do Código Penal.
O réu apela requerendo a absolvição ou, quando menos, a desclassificação do crime ou ainda a alteração da dosimetria da pena.
A materialidade delitiva encontra-se comprovada pelos documentos constantes do apenso I do inquérito policial, apenso esse consistente de cópia do procedimento administrativo instaurado pela Caixa Econômica Federal para a apuração de responsabilidade quantos aos fatos noticiados.
Com efeito, dali se colhe que o acusado: efetuou o cadastramento irregular de diversos CPFs sem o devido acompanhamento do formulário específico e do recolhimento da tarifa de R$ 4,50; encaminhou seis propostas de financiamento com indícios de irregularidade referentes a clientes indicados ou apresentados pelo próprio réu; gerou números de CPF em agosto ou setembro de 2005 que surpreendentemente constam do RG fornecido pelos pretensos clientes dos financiamentos, documentos de identidade esses, contudo, expedidos em data muito anterior a 2005. É possível constatar ainda a informação de que os RGs utilizados para a obtenção do financiamento apresentam sempre fotos das mesmas duas pessoas, tendo sido usado, por outro lado, dois números básicos de IPTU para as seis propostas, os quais não se compatibilizam com os dados apontados no site da Prefeitura de São Paulo (fls. 33/34 do apenso I).
De fato, a fls. 76, 143 e 173 do apenso I constata-se a aposição de fotografia que retrata a mesma pessoa para RGs expedidos tanto para Cassiano Bulhosa Feijó, quanto para Rogerio Romeu Dias e Silva e para Wilson Moreira da Cruz.
O mesmo procedimento pode ser observado nos RGs emitidos para Carlos Eduardo Silva Pontes, Augusto Branco Tagliani Arenhart e Celso Gomes dos Reis (fls. 37, 114 e 196 do apenso I), contudo com a utilização de fotografia de uma outra pessoa.
A relação de fls. 228/229 do apenso I comprova a emissão dos 88 CPFs inquinados de fraude.
O relatório conclusivo complementar II (fls. 323/340 do apenso I) aponta o cometimento, pelo acusado, dos atos fraudulentos relatados.
A autoria também está devidamente provada.
Da mencionada listagem de fls. 228/229 do apenso I colhe-se que o réu, identificado pelo código de matrícula de funcionário nº 070770 e sob CPF 686.616.902-00, emitiu 88 CPFs no período compreendido entre agosto e setembro de 2005.
Interessante observar que um dos CPFs, sob nº 374.676.568-40, foi gerado pelo acusado Nazareno Vieira de Souza em seu próprio nome ( fls. 228 do apenso I).
Quanto aos demais documentos, salta aos olhos a emissão de cadastros justamente para as seis pessoas que foram encaminhadas pelo réu para a obtenção do financiamento, já que expedidos cadastros - vale repetir: atrelados à matrícula e ao CPF do acusado - em nome de Augusto Branco Tagliani Arenhart, Rogerio Romeu Dias e Silva, Carlos Eduardo Silva Pontes, Cassiano Bulhosa Feijó, Celso Gomes dos Reis e Wilson Moreira da Cruz (fls. 228/229 do apenso I).
Impõe observar que os CPFs assim gerados pelo acusado nos dias 24, 26, 30 e 31 de agosto e 2 de setembro de 2005 constam consignados nos RGs apresentados pelos pretendentes ao financiamento, emitidos em data muito anterior ao ano de 2005. Assim é que:
- no RG de Carlos Eduardo Silva Pontes, aparentemente expedido em 15/3/2004, resta consignado o CPF 374.596.268-05, emitido pelo acusado em 26/8/2005 (fls. 37 e 228 do apenso I);
- no RG de Cassiano Bulhosa Feijó, aparentemente expedido em 16/8/2001, resta consignado o CPF 374.599.598-80, emitido pelo acusado em 26/8/2005 (fls. 76 e 228 do apenso I);
- no RG de Augusto Branco Tagliani Arenhart, aparentemente expedido em 7/7/2001, resta consignado o CPF 374.519.088-28, emitido pelo acusado em 24/8/2005 (fls. 114 e 228 do apenso I);
- no RG de Rogerio Romeu Dias e Silva, aparentemente expedido em 8/2/2004, resta consignado o CPF 374.596.238-90, emitido pelo acusado em 26/8/2005 (fls. 143 e 228 do apenso I);
- no RG de Wilson Moreira da Cruz, aparentemente expedido em 14/2/2002, resta consignado o CPF 374.808.998-82, emitido pelo acusado em 2/9/2005 (fls. 173 e 229 do apenso I);
- no RG de Celso Gomes dos Reis, aparentemente expedido em 14/4/2002, resta consignado o CPF 374.716.558-36, emitido pelo acusado em 31/8/2005 (fls. 114 e 229 do apenso I);
Já por aí se pode começar a refutar a alegação da Defesa de ausência de comprovação de relacionamento entre o acusado e os solicitantes dos financiamentos fraudulentos, até mesmo porque todas essas operações foram encaminhadas pelo próprio réu. Vale dizer: o acusado gerou irregularmente CPFs que surpreendente e misteriosamente foram consignados em RGs utilizados posteriormente na fraude para obtenção dos financiamentos que foram por ele mesmo de alguma forma encaminhados ou viabilizados.
Nessa direção, de se ressaltar que a funcionária Gisele Higa, empregada lotada na Agência Itaquera/SP 1086, asseverou em sede administrativa que "no fim do mês de Setembro/2005, recebeu a ligação de uma pessoa se identificando como Branco," [alcunha atribuída ao acusado, tal como descrito na própria peça acusatória - fls. 81] "empregado da Agência Shopping Itaquera/SP 4150, oferecendo 2 processos de financiamento de material de construção, visto que estes clientes teriam acesso mais facilitado para este PV, devido ser caminho do trabalho (...) O empregado, por outro lado, disse conhece-los de vista, pois possuiam residências próximas e costumavam tomar café diariamente na mesma padaria" (fls. 263/264 do apenso I).
O funcionário Rodrigo Lopes de Souza Pinto, empregado lotado na Agência Guaianazes/SP 4031, afirmou também no procedimento administrativo que "Não se recorda exatamente a data que recebeu uma ligação do empregado identificado como Branco da Agência Shopping Itaquera 4150, dizendo que tinha dois amigos que pretendiam contratar o financiamento de Material de Construção, porém seria mais cômodo junto à Agência Guaianazes 4031, e que a documentação, pesquisas e cadastro no sistema já estavam adiantadas" (fls. 266 do apenso I).
O funcionário Adriano Ribeiro Barbosa, empregado na Agência Shopping Itaquera/SP 4150, declarou na instância administrativa que "Não se recorda exatamente a data, o empregado identificado e conhecido como Branco conversou com o declarante sobre dois vizinhos interessados em adquirir financiamento de material de construção, que a documentação já estaria analisada e aprovada inclusive no SIRIC, se poderia trazer os clientes alguns dias depois para andamento da proposta, e ficou combinado desta forma (...) Inicialmente, ao receber a solicitação de Branco, não notou intimidade nem conhecimento de sua parte para com os clientes, entretanto, no dia da assinatura dos contratos, observou um contato maior através da conversa que tiveram que pôde observar à distância (...) O último contato que teve com Branco foi quando a Gerente Geral convocou o declarante, o empregado Branco e a Gerente (...) neste momento então Branco, questionado pela Gerente Geral, afirmou: que apresentou estes dois clientes em virtude se serem conhecidos seus desde a infância em Rondônia, e que também haviam se mudado para São Paulo a pouco tempo e residiam próximos" (fls. 268/270 do apenso I).
Também ressonante se mostra a conclusão do procedimento administrativo no sentido de que "as faces dos clientes que compareceram nos PV correspondem às constantes dos RG apresentados, portanto, podemos facilmente notar que para os 6 (seis) processos, temos 2 (dois) clientes repetidos 3 (três) vezes cada um" (fls. 334 do apenso I)
Ouvidas em sede judicial, essas e outras testemunhas corroboraram a versão dos fatos (mídia digital a fls. 135).
O funcionário Adriano Ribeiro Barbosa afirmou que conhecia o réu. Asseverou, ainda, que: tanto ele como Nazareno - que era conhecido como "Branco" - eram técnicos bancários e trabalhavam na agência CEF do Shopping Itaquera à época dos fatos; contudo, o depoente exercia suas funções no setor de concessão de financiamento habitacional, enquanto Nazareno era do setor empresarial (atendimento a empresas); Nazareno havia comentado que trabalhara na área de financiamento em outra agência em que laborara anteriormente; o réu comentou que tinha dois amigos/vizinhos que precisavam de financiamento para aquisição de material de construção e como o acusado já havia trabalhado nessa área, apresentou as referidas pessoas ao depoente, tendo ainda adiantado bastante o processo, entregando-lhe quase pronto, ou seja, com a documentação (RG, CPF, comprovantes de residência e renda e IPTU) analisada e juntada, não tendo concluído porque somente o depoente poderia fazê-lo; o depoente verificou a documentação, a qual, num primeiro momento, pareceu-lhe em conformidade e completa, razão pela qual finalizou os contratos e liberou os dois financiamentos, dos quais apenas um deles acabou por ser utilizado em um depósito de construção (do local de onde o acusado viera: Rondônia), estabelecimento comercial esse que foi posteriormente contatato e concordou em estornar os valores; que somente depois de uma ligação recebida da agência CEF Itaquera sobre a existência de outros dois procedimentos de financiamento suspeitos (cuja desconfiança inicialmente repousava sobre a confiabilidade do documento do IPTU apresentado), suspeitou do IPTU oferecido nos processos sob seu cuidado, porque não correspondiam ao padrão de São Paulo; recordou-se, então, de que meses antes Nazareno havia lhe pedido, sob algum pretexto de que não se lembra, uma cópia de IPTU que, por acaso, correspondia ao mesmo modelo apresentado na fraude; o funcionário que atende os pedidos de inscrição no CPF precisa ser cadastrado no sistema respectivo e Nazareno o era; o acusado efetuou a inscrição dos dois CPFs desses clientes, pois ficou registrado no sistema o seu nome; posteriormente descobriu-se também que os RGs utilizados pelos clientes eram de Estados distintos, no entanto foram assinados pelo mesmo Delegado (mídia digital a fls. 135).
Maria Aparecida de Sá, gerente geral da agência CEF Shopping Itaquera na época dos fatos, testemunhou que: o réu trabalhava no setor empresarial, onde estava recebendo treinamento, haja vista que vinha transferido de Rondônia, onde tinha laborado na área de financiamento, inclusive de material de construção; em decorrência do seu conhecimento, começou a trazer pessoas que afirmava conhecer para a agência, a fim de contratar esse tipo de financiamento; como a agência já tinha atingido as suas metas nesse segmento, orientou Nazareno a não mais encaminhar clientes para o posto Shopping Itaquera; o réu passou então a apresentar clientes para outras unidades; somente desconfiou após receber telefonema do gerente da agência Itaquera, que reportou a existência de irregularidades no tocante ao IPTU, considerando que os dados não conferiam; iniciou então processo administrativo de investigação em sua agência para verificação da regularidade de dois financiamentos indicados pelo réu que chegaram a ser ali finalizados; Nazareno, apesar de instado, não apresentava o original do IPTU; constataram-se diversas irregularidades na emissão de CPFs por Nazareno; o acusado foi cientificado da instauração do processo de investigação interna, bem como de que, por procedimento padrão, seria transferido para outra agência, entretanto a partir de então desapareceu; foi declarado o abandono de emprego, o que foi publicado em jornais de Rondônia e São Paulo; ajuizada ação trabalhista, o ora réu não compareceu naquela sede (mídia digital a fls. 135).
Gisela Higa, técnica de fomento na agência Itaquera no período dos fatos, atesta que: conheceu Nazareno, que indicou dois clientes para ela para contratação de financiamento para aquisição de material de construção; o réu levou toda a documentação (cópias) na agência em que a depoente trabalhava; marcou entrevista com os dois proponentes, que levaram os documentos originais, à exceção do IPTU; questionados, os clientes afirmaram que o original do IPTU estava com Nazareno; entrou em contato com o réu, que lhe disse que iria procurar o referido original; consultou no "site" da Prefeitura o número de contribuinte de IPTU para emissão da certidão respectiva, contudo foi surpreendida com o apontamento de imóvel diverso (endereço, metragem e valor venal não eram condizentes com a cópia apresentada; os valores venais que constavam da cópia enquadravam-se nos financiamentos postulados); reportou o fato a seu gerente e a Nazareno, este último prometeu novamente procurar o documento (IPTU); num segundo momento, o acusado disse à depoente que não precisaria mais atender os clientes, pois ele mesmo o faria na agência em que trabalhava; descobriu-se posteriormente que os RGs apresentados tinham sido emitidos em estados diferentes da Região Norte do país, contudo estampavam carimbo do mesmo delegado. Por fim, a depoente confirmou a sua assinatura e a autenticidade do teor das declarações por ela prestadas no procedimento administrativo (fls. 263/265 do apenso I), esclarecendo que aquelas continham ainda mais detalhes, haja vista que mais próximas do lapso dos eventos (mídia digital a fls. 135).
Rodrigo Lopes de Souza Pinto afirmou ter ingressado como funcionário da CEF em agosto de 2005. Testemunhou, ainda, que: era técnico bancário na agência de Guaianazes; teve contato com Nazareno apenas por telefone, quando este o procurou para informar que estava encaminhando dois clientes para a agência do depoente, pois os mesmos não poderiam comparecer à agência em que o réu trabalhava; pediu ao depoente que os atendesse; o acusado já tinha feito toda a análise documental e operacional para os contratos de financiamento para aquisição de material de construção; os contratos não chegaram a ser finalizados, porque no dia em que os clientes compareceram à agência para a assinatura, não se recorda se em razão de incongruência de dados ou em decorrência de o sistema estar fora do ar, não foi ultimado o ato; tentou contatar os clientes, a uma porque não apareceram mais na agência, sequer ligaram para saber do andamento dos processos ou da demora da liberação dos financiamentos, e também por ter tido a notícia, por seu gerente, da existência de problemas com os contratos; não teve êxito na tentativa de localizar os clientes, já que um dos telefones consignados nos cadastros não atendia e o outro pertencia a terceiro (mídia digital a fls. 135).
Karina Fernandes Costa Pellegrino era gerente do setor de Habitação da agência CEF Shopping Itaquera. Afirmou que: "Branco" não trabalhava no referido setor de Habitação; a partir do momento em que Nazareno foi informado da instauração de processo interno e de sua consequente transferência para a agência de Guaianazes, não souberam mais dele, tendo notícia de que o acusado sequer se apresentou na citada agência para trabalhar; tentaram contatar os clientes, contudo os números telefônicos eram inconsistentes; não é comum/usual funcionários da CEF prospectarem potencial clientela entre seus amigos; Nazareno vinha transferido de uma agência de Rondônia (mídia digital a fls. 135).
Em depoimento prestado na fase inquisitorial, o acusado admitiu ter a) trabalhado na CEF entre julho e outubro de 2005 e b) intermediado financiamento para aquisição de material de construção em virtude de sua posição no banco, entretanto tentou criar enredo para justificar os atos perpetrados, alegando que sofria pressão de agiotas (Naor e João Medeiros) para aprovação dos créditos em razão de dívidas com eles contraídas, os quais lhe encaminharam a documentação falsa e em razão disso deu sequência ao procedimento inicial de obtenção de financiamento (fls. 47 do volume I). Contudo, tais circunstâncias não restaram provadas nos autos. Antes, pelo contrário, o réu não compareceu para ter seu depoimento colhido em sede judicial (fls. 160 e 165), tampouco a Defesa produziu qualquer prova de tais fatos arguidos. O réu, por sua vez, afastou-se do exercício de suas funções na Caixa Econômica Federal, o que faz corroborar as suspeitas que sobre ele recaem.
O quadro probatório formado na instância administrativa e nestes autos se deu de forma coesa e consistente - ao contrário do quanto esgrimido pelo réu, que pretende derribar a força probante tão somente pela existência pretensamente isolada da prova testemunhal, arguição que, sem âncora em outros elementos de convencimento, não encontra eco de suporte apto ao acolhimento - aponta para o dolo com que agiu o acusado, predeterminando-se para o ato criminoso, tanto assim que se organizou para fraudar documentos e encaminhar pedidos de financiamento, mediante apresentação - e almejada facilitação no procedimento de aceitação pela instituição financeira, por intermédio de sua participação como empregado da CEF - de documentação pessoal dos clientes e dos imóveis (IPTU) cogitados nos processos de financiamento para reforma dos bens, tudo com o fito de obter os financiamentos em detrimento da instituição financeira e do sistema financeiro, o que efetivamente foi alcançado em relação a dois dos contratos agitados nos autos (atinentes aos proponentes Carlos Eduardo Silva Pontes e Cassiano Bulhosa Feijó), evidenciando-se a forma tentada nos outros quatro (relativos a Augusto Branco Tagliani Arenhart, Rogerio Romeu Dias e Silva, Wilson Moreira da Cruz e Celso Gomes dos Reis), vez que não finalizados em razão da notícia da existência de fraude ventilada por e entre gerentes e funcionários da CEF.
A conduta praticada enquadra-se perfeitamente no tipo penal descrito no artigo 19 da Lei nº 7.492/86: "Obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira". Verifica-se que a conduta delitiva do réu esgotou a mencionada tipificação, não havendo de se cogitar, como pretende a Defesa, que a não comprovação da obtenção de vantagem ilícita em favor do acusado afastaria o crime praticado. Vale repetir: obtido o financiamento - ou, na forma tentada, frustrada a concessão deste por força alheia à vontade do agente -, o crime resta configurado.
Também não prospera a pretensão de desqualificação para crime diverso. O tipo penal descrito no artigo 19 da Lei nº 7.492/86 é forma especial de estelionato, que deve prevalecer sobre este último por força da aplicação do princípio da especialidade, de modo que não colhe o pedido da Defesa de que a conduta seja enquadrada no artigo 171 do Código Penal.
Também sob a ótica do núcleo do tipo penal tal requerimento não se justifica.
O réu defende que não se tratou na espécie de obtenção de financiamento e sim de empréstimo, motivo pelo qual caberia a desclassificação para o crime de estelionato.
A diferença básica entre as duas operações está na destinação dos recursos liberados: enquanto o financiamento está atrelado ao custeio de operação específica e determinada, o empréstimo prevê a livre aplicação, pelo tomador, do numerário obtido.
Nessa direção aponta a jurisprudência, consoante julgados abaixo transcritos:
É assente no entendimento jurídico nacional que a natureza dos contratos deve ser auferida pelo teor das operações entabuladas e não pelo nome que se lhes atribua.
Nessa linha de cognição, mister atentar para que, no caso concreto, embora os contratos visados na ação delitiva sejam intitulados como "mútuo de dinheiro à pessoa física para aquisição de material de construção mediante utilização de cartão magnético no programa Carta de Crédito Individual - FGTS - com garantia acessória", importante constatar que possuem destinação dos recursos especificamente vinculada "à reforma e/ou ampliação do imóvel residencial localizado ..." (item "C"), prevendo a cláusula primeira, parágrafo primeiro que "O(s) DEVEDOR(ES) declara(m) que os recursos serão aplicados no imóvel descrito na Letra 'C' deste contrato" (fls. 69/70 e 107/108 do apenso I).
Como se vê, o contrato retrata a obrigação de empenho do dinheiro em destinação própria e específica, não estando o tomador livre e desembaraçado para utilização dos recursos obtidos em qualquer finalidade.
Assim, evidente que se trata na espécie de financiamento a caracterizar a prática do ilícito previsto no artigo 19 da Lei nº 7.492/86, não se admitindo a desclassificação para o estelionato, como requer a Defesa.
Passo à análise da dosimetria da pena.
O juiz a quo partiu da pena base de 2 anos de reclusão, aumentando-a em 6 meses na primeira fase da dosimetria penal, por considerar presentes duas das circunstâncias judiciais descritas no artigo 59 do Código Penal: a culpabilidade do agente e as circunstâncias em que praticados os crimes (3 meses atribuídos a cada qual), chegando assim a 2 anos e 6 meses de reclusão.
O réu argumenta pela ocorrência de bis in idem, já que a fraude é elemento do tipo penal, de modo que não poderia ser considerada novamente para efeito de majoração da pena. Assevera, ainda, que o réu não pode ser alçado à posição de "garante" para "coibir situações anômalas", já que não era responsável pela análise dos documentos para aprovação do financiamento.
Tenho que assiste razão, em parte, à Defesa.
Em relação à culpabilidade do agente considerada pelo juiz de primeiro grau para exasperar a pena base, tenho que agiu com acerto.
Avaliou o magistrado que "o grau de culpabilidade do réu NAZARENO é reprovável, na medida em que, na condição de empregado da CEF, é o primeiro titular do dever de verificar e coibir situações anômalas. Ao invés de fazê-lo, NAZARENO, em atitude deveras reprovável, serviu como instrumento para facilitar práticas criminosas, agindo de forma flagrantemente incompatível com a probidade ínsita a condição de empregado, praticando condutas que, por si só, representariam justa causa para a rescisão do seu contrato de trabalho, nos termos do artigo 482, caput, a, da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei n.º 5.452/1943)" (fls. 201verso).
Com efeito, tenho que a conduta assumida pelo réu, além de não constituir elementar do crime, elemento subjetivo do tipo ou mesmo qualificadora do delito, implica uma maior reprovabilidade social a justificar a majoração da pena base, já que se valeu da função de empregado, portanto abusando da confiança em si depositada pela instituição financeira, para a prática delitiva. Não se trata aqui, como pretende a Defesa, de alçar o réu a uma posição de garantidor das operações realizadas, mas antes de esperar dele a mínima conduta ética para com o seu empregador e para com a função que desempenhava. No entanto, ultrapassando as suas próprias limitações funcionais, até mesmo por não ser, na dicção da Defesa, "o responsável pela análise dos documentos" (fls. 223), extrapolou em sua conduta ao encaminhar propostas de financiamento, acompanhadas de documentação previamente coligida e por ele "averiguada" ao setor respectivo tanto da agência em que laborava (Shopping Itaquera) como das demais envolvidas (Itaquera e Guaianazes), tudo com o fito de obter os financiamentos de forma ilícita. Assim, entendo que andou bem o Juízo a quo ao aplicar, de modo adequado, o aumento de 3 meses relativo à culpabilidade, alcançando nessa fase a pena base de 2 anos e 3 meses de reclusão.
Já no tocante às circunstâncias, entendo que a decisão merece reforma.
O juiz sentenciante pontuou que "as circunstâncias mediante as quais o delito foi cometido militam contrariamente ao réu, na medida em que implicaram a utilização indevida de sistema da CEF e a inscrição ilegal de inúmeros CPFs" (fls. 202).
Ora, a fraude - que deve ser entendida de modo aberto como a utilização de qualquer meio suficiente à caracterização do crime - é elementar do tipo penal, uma vez que o artigo 19 da Lei nº 7.492/86 reza expressamente: "Obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira".
Assim, por óbvio que o expediente de que se valeu o acusado ao se utilizar do sistema da CEF para inscrição irregular de CPFs configura a própria fraude que se constitui em elementar do crime, não se vislumbrando excesso que escape ao padrão da figura penal, de modo que considerá-la como circunstância judicial para aumento da pena base implica bis in idem repudiado pelo ordenamento.
Deve ser expurgada da pena base, portanto, o acréscimo de 3 meses correspondente à ponderação das circunstâncias do crime, restando fixada, consequentemente, em 2 anos e 3 meses de reclusão. O acréscimo de 3 meses importa um aumento da ordem de 1/8 em relação à pena mínima prevista no tipo legal, fração que deve ser igualmente aplicada sobre o patamar mínimo da multa (10 dias-multa), alcançando-se assim a pena pecuniária de 11 dias-multa nesse estágio.
Sem agravantes ou atenuantes na segunda fase da dosimetria.
Na terceira fase incidem causas de aumento e diminuição da pena.
Corretamente o juiz sentenciante aplicou a causa de diminuição referente à tentativa no patamar de 1/3, por considerar que em relação aos clientes encaminhados às agências Itaquera e Guaianazes os delitos ficaram próximos da consumação, somente não se realizando pela ação diligente de empregados da CEF. Ajustando-se a condenação consoante a nova pena base aplicada (2 anos e 3 meses de reclusão e 11 dias-multa), a pena resta fixada em 1 ano e 6 meses de reclusão e 7 dias-multa.
Ajustada também se mostrou a aplicação da causa de aumento no importe de 1/3 prevista no parágrafo único do artigo 19 da Lei nº 7.492/86 ("se o crime é cometido em detrimento de instituição financeira oficial ou por ela credenciada para o repasse de financiamento").
Nessa direção, não prospera a alegação da Defesa de que a Caixa Econômica Federal não está abrangida na previsão legal.
A CEF é instituição financeira na forma de empresa pública atrelada ao Estado e vinculada, inclusive, ao Sistema Financeiro Nacional, enquadrando-se, à evidência, no tipo penal descrito.
Nesse sentido segue a jurisprudência dos Tribunais, conforme julgados abaixo:
Justificada, portanto, a aplicação da referida causa de aumento de 1/3, o que acarreta a pena de 2 anos de reclusão e 9 dias-multa.
Adequada também a aplicação da causa de aumento no importe de 1/2 em razão da continuidade delitiva (artigo 71 do Código Penal), levando em conta o número de infrações, consoante entendimento doutrinário e jurisprudencial assente, o que resulta na pena de 3 anos de reclusão e 13 dias-multa.
Pertinente o cálculo da pena de multa em proporcionalidade à privativa de liberdade, desprezada a dicção do artigo 72 do Código Penal ("No concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente"), conforme entendimento jurisprudencial consolidado. Tal critério foi nominalmente adotado pelo Juízo a quo, embora tenha chegado inexplicavelmente a patamar bastante diverso da pena de multa, a qual fica de todo modo ajustada no presente momento em razão do redimensionamento da penalidade levado a efeito a partir da primeira fase da dosimetria, considerado o decote do aumento de 3 meses naquele estágio em decorrência do entendimento quanto à não configuração das circunstâncias do crime (artigo 59, CP).
Também correto o arbitramento do valor do dia-multa no mínimo legal.
A pleiteada substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito não encontra amparo no caso concreto, considerando o quanto disposto no artigo 44, inciso III do Código Penal.
O Juízo a quo fixou o regime inicial aberto para cumprimento da pena. Embora entenda que, na espécie, considerada a culpabilidade do réu (artigo 59 do Código Penal), o regime inicial devesse ser o semiaberto, tendo em conta a ausência de recurso ministerial para modificação do julgado nesse ponto e a fim de evitar reformatio in pejus, mantenho a decisão nesse quesito.
Face ao exposto, dou parcial provimento à apelação para o efeito de afastar a exasperação da pena decorrente da ponderação sobre as circunstâncias do crime, restando a pena definitiva fixada em 3 anos de reclusão e pagamento de 13 dias-multa.
Considerando a recente decisão proferida pelo Plenário do E. Supremo Tribunal Federal no HC 126.292, oficie-se ao Juízo de origem para que adote as providências cabíveis quanto à instauração do procedimento de execução da pena, no regime inicial aberto, instruindo-se com cópia da denúncia, sentença e acórdão.
É como voto.
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