D.E. Publicado em 08/06/2016 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS:
Trata-se de apelação criminal interposta por Abílio dos Ramos Pereira e Eduardo Geralde Junior contra sentença que os condenou pela prática do crime descrito no artigo 168-A, §1º, inciso I, c.c. o artigo 71, caput, ambos do Código Penal.
Narra a denúncia que os acusados, na qualidade de sócios administradores da empresa "Zito Pereira Indústria e Comércio de Peças e Acessórios para Autos Ltda", deixaram de recolher, no prazo legal, contribuições destinadas à Previdência Social, embora tenham sido descontadas dos salários de seus empregados, nos meses de competência de dezembro de 1997 (inclusive o 13º salário de 1997), de fevereiro de 1998 a dezembro de 1998 (inclusive o 13º salário de 1998), e de janeiro de 1999 a abril de 2000, resultando na lavratura das Notificações Fiscais de Lançamento de Débito - NFLD´s nº 35.075.978-2 (fl. 15) e nº 35.075.979-0 (fl. 33), no valor total de R$ 771.982,69 (setecentos e setenta e um mil, novecentos e oitenta e dois reais e sessenta e nove centavos), atualizado em maio de 2000 - fls. 02/03.
A denúncia foi recebida em 07 de outubro de 2002 (fl.237).
Após regular instrução, na fase do artigo 499 do Código de Processo Penal, o Ministério Público Federal requereu a expedição de ofício ao INSS, solicitando o valor do débito atualizado, bem como a vinda de FAC´s e certidões criminais atualizadas (fl. 427v). A defesa requereu a apresentação de documentos hábeis a comprovar a dificuldade financeira da empresa, na época dos fatos (fls. 433/435).
Os documentos da defesa foram acostados nas fls. 436/579.
Em resposta ao ofício, o INSS informou que o valor atualizado - em 2007 - dos débitos resultantes das NFLD´s nº 35.075.978-2 e nº 35.075.979-0 é de R$ 1.598.635,79 (um milhão, quinhentos e noventa e oito mil, seiscentos e trinta e cinco reais e setenta e nove centavos), bem como que não o referido montante não havia sido quitado ou parcelado pela empresa (fls. 594/595).
Informações criminais, folha de antecedentes criminais, e certidão de distribuição da Justiça Federal dos acusados, acostadas nas fls. 602/619.
Após a apresentação das alegações finais, foi proferida sentença (fls. 679/692) que julgou procedente a ação penal, condenando o acusado Abílio dos Ramos Pereira à pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 25 (vinte e cinco) dias-multa, bem como condenando o acusado Eduardo Geralde Junior à pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 33 (trinta e três) dias-multas. O valor unitário da pena de multa foi fixado em meio salário mínimo vigente à época do primeiro fato delituoso.
As penas privativas de liberdade foram substituídas por duas restritivas de direitos, para cada um dos réus, sendo uma delas consistente na prestação pecuniária a entidade pública ou privada com destinação social, em valor correspondente a um salário mínimo por mês, pelo prazo de duração da pena privativa de liberdade, a ser paga ao INSS, e outra na prestação de serviços à comunidade ou à entidade pública, pelo mesmo período da pena privativa de liberdade, em organização, entidade ou associação a ser estabelecida pelo Juízo das Execuções Penais.
O Ministério Público Federal opôs embargos de declaração (fls. 194/196), alegando a ocorrência de erro material no tocante à fixação da pena-base dos acusados. Requereu, portanto, a correção da pena-base, com a consequente reanálise da dosimetria da pena dos acusados.
Os embargos de declaração foram acolhidos, para retificar o erro material constante na sentença, no tocante à dosimetria da pena dos acusados, de modo que a pena de Abílio dos Ramos Pereira passou a ser de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e de 41 dias-multa, bem como a pena de Eduardo Geralde Junior foi modificada para 5 (cinco) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 50 (cinquenta) dias-multa, restando mantido o valor unitário da pena de multa para ambos. Nos termos do artigo 44, I, do Código Penal, incabível a substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos (fls. 697/704).
Inconformados, apelam os acusados (fls. 714/764), sustentando, preliminarmente, a nulidade da sentença, sob o fundamento de motivação deficiente, por ausência de valoração das provas. No mérito, alegam a ausência de comprovação da autoria, uma vez que não se admite a responsabilidade objetiva no direito penal, a atipicidade fática por ausência de dolo específico, e a inexigibilidade de conduta diversa, por dificuldades financeiras da empresa. Postulam, assim, a absolvição de ambos, nos termos do artigo 386, V e VII, do CPP, e, alternativamente, a redução da pena-base e da pena de multa dos acusados para o mínimo legal, bem como a aplicação do patamar mínimo do aumento de pena relativo à continuidade delitiva (artigo 71, caput, do CP), aplicando-se, por fim, a substituição por restritivas de direitos.
Contrarrazões ministeriais no sentido de se negar provimento ao apelo dos réus (fls.766/785).
Parecer da Procuradoria Regional da República (fls. 810/819v) em prol de ser parcialmente provido o recurso dos réus, para que seja fixada pena-base idêntica para os dois acusados, bem como para que a majoração pela continuidade delitiva seja aplicada no patamar de ¼ (um quarto).
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS:
1. Da preliminar. Rejeito a preliminar de nulidade da sentença, ao argumento de falta de apreciação das provas documentais apresentadas pela Defesa.
Com efeito, a sentença de primeiro grau foi devidamente motivada, com estrita observância do preceito insculpido no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, havendo, inclusive, expressa menção aos depoimentos das testemunhas, às alegações da Defesa, bem como aos documentos constantes dos autos.
Ademais, é pacífico o entendimento em nossos Tribunais de que o Juiz não é obrigado a responder a todas as alegações formuladas pelas partes, quando apresentar motivação suficiente para fundamentar o julgado, conforme arestos abaixo coligidos:
Por tais razões, rejeito a preliminar de nulidade da sentença.
Passo ao exame do mérito.
1. Da materialidade do delito. A materialidade delitiva está comprovada nas NFLD´s nº 35.075.978-2 (fl. 15) e nº 35.075.979-0 (fl. 33), além das demais peças de informação constantes do processo administrativo fiscal, como o discriminativo analítico de débito, o relatório de lançamentos, as cópias das folhas de pagamento da empresa, que demonstram que os valores foram descontados dos salários dos empregados e não repassados ao INSS.
O crédito tributário fora constituído definitivamente em 29/05/2000 (fl.157), antes, portanto, do início da ação penal, que se deu com o recebimento da denúncia, em 07 de outubro de 2002.
Ademais, embora a empresa tenha feito opção pelo programa de parcelamento REFIS em 26/04/2000 (fl. 152), foi excluída do referido programa em 17/12/2001, por inadimplência reiterada (fl. 231).
De outra parte, a defesa em nenhum momento contestou a ocorrência dos descontos na folha de pagamento dos empregados e a falta de repasse de tais valores ao INSS, de modo que a materialidade delitiva é questão incontroversa.
2. Da autoria. A autoria do delito restou inconteste.
O acusado Abílio dos Ramos Pereira, embora tenha alegado que era responsável somente pela gerência industrial da referida empresa, cabendo ao corréu Eduardo Geralde Junior a administração da área comercial, admitiu, em seu depoimento nos autos do inquérito policial, que "a movimentação bancária é feita em conjunto pelos sócios e eventualmente em conjunto com procuradores, os quais, porém, não tem poder de decisão", bem como que estava ciente da fiscalização e do débito apurado (fls. 164/165), fato que restou confirmado pelo depoimento do corréu Eduardo Geralde Júnior (fls. 166/167).
Por sua vez, o acusado Eduardo Geralde Júnior também admitiu, em seu depoimento extrajudicial, que estava ciente da ausência de recolhimento das contribuições previdenciárias. Outrossim, afirmou, em Juízo (fl. 326v), que era responsável pela gerência comercial e financeira da empresa, e que não foram efetuados os recolhimentos à Previdência Social em razão de grave crise financeira, havendo, inclusive, pedido de concordata, em 1999.
As testemunhas corroboraram os depoimentos dos réus (fls. 380/385 e 423/424).
Ademais, pelas cópias do contrato social e de suas alterações, depreende-se que, na época dos fatos, a administração e gerência da sociedade era responsabilidade de ambos os sócios (fls. 57/68).
3. Do dolo. Verifico, também, o dolo na conduta dos denunciados, consubstanciado na vontade livre e consciente no sentido de deixar de repassar as contribuições. O tipo penal da apropriação indébita exige apenas o dolo genérico consistente na conduta omissiva de deixar de recolher, no prazo legal, as contribuições destinadas à Previdência Social, que tenham sido descontadas de pagamentos efetuados, não exigindo do agente o animus rem sibi habendi dos valores descontados e não repassados, uma vez que a consumação do delito se dá com a mera ausência de recolhimento dessas contribuições.
4. Da inexigibilidade de conduta diversa. Melhor sorte não assiste aos acusados, ao alegarem a inexigibilidade de conduta diversa, como causa supralegal de exclusão da punibilidade, em razão de dificuldades financeiras da empresa. Para que se caracterize a excludente, essas aperturas devem ser de tal ordem que coloquem em risco a própria existência do negócio, uma vez que apenas a impossibilidade financeira devidamente comprovada nos autos poderia justificar a omissão nos recolhimentos.
No caso, conquanto a Defesa tenha juntado documentos a fim de demonstrar as dificuldades financeiras vivenciadas pela empresa na época dos fatos, tais como pedido de concordata, certidão do Serasa, autos de penhora, acordos com o Sindicato de Trabalhadores (fls. 436/579), não restou comprovado que estas dificuldades tenham sido diferentes daquelas comuns a qualquer atividade de risco, de modo a caracterizar a inexigibilidade de conduta diversa como excludente de culpabilidade, como, por exemplo, o desfazimento de patrimônio pessoal para quitar as dívidas.
Nesse sentido já decidiu esta E.Turma:
Com efeito, embora os acusados aleguem que sofreram redução do patrimônio pessoal, em prol da recuperação financeira da empresa, não há nos autos nenhum documento indicando a alienação de seus bens com o objetivo de obter recursos para o pagamento dos débitos, restando isoladas e carentes de efetiva comprovação as alegações nesse sentido.
Além disso, de acordo com o depoimento da testemunha Irineu José Nogueira, que laborou como contador na empresa Zito Pereira Indústria e Comércio de Peças e Acessórios para Autos Ltda, no período de 1989 a 2003, "os problemas financeiros da empresa decorreram do grande crescimento da empresa e da necessidade de investimento, sendo que a empresa não tinha todo o capital. O capital teve que ser obtido com empréstimo e isto ocasionou os problemas financeiros referentes às contribuições dos empregados" (fls. 423/424). Destarte, como bem assinalado pelo MM. Juiz a quo, "eventual má gestão não pode prejudicar o interesse público, ora identificado na previdência social".
Sendo assim, as justificativas utilizadas pelos réus para o não recolhimento das contribuições não foram suficientes para provar que não havia outro modo de a empresa continuar funcionando, uma vez que não demonstrou a insolvência à época.
Em face do quanto asseverado, fica mantida a condenação imposta ao apelante.
5. Da dosimetria da pena. A pena-base para Abílio dos Ramos Pereira, em observância ao disposto no artigo 59 do Código Penal, foi fixada acima do mínimo legal, 02 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, e pagamento de 25 (vinte e cinco) dias-multa, em razão da existência de inquérito policial e ação criminal em andamento contra ele, informações que o MM. Juiz a quo entendeu como "reveladoras da personalidade delitiva e conduta social desfavorável". A referida pena foi majorada de 2/3 (dois terços), em decorrência da continuidade delitiva (artigo 71 do Código Penal), resultando definitiva em 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 41 (quarenta e um) dias-multa, no valor unitário de meio salário mínimo vigente à época do primeiro fato.
Em relação ao acusado Eduardo Geralde Júnior, por existir maior quantidade de inquéritos policiais e ações criminais em andamento contra ele (fls. 609/611), a pena-base foi fixada em 03 (três) anos de reclusão e pagamento de 30 (trinta) dias-multa, sendo majorada no patamar de 2/3 (dois terços), em razão da continuidade delitiva (artigo 71 do Código Penal), resultando definitiva em 05 (cinco) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 50 (cinquenta) dias-multa, no valor unitário de meio salário mínimo vigente à época do primeiro fato.
Os acusados alegam a necessidade de redução da pena-base e da pena de multa de ambos para o mínimo legal, bem como a aplicação do patamar mínimo do aumento de pena relativo à continuidade delitiva (artigo 71, caput, do CP), aplicando-se, ainda, a substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos, nos termos do artigo 44 do Código Penal.
Relativamente à pena-base, não é possível agravar a pena com alusão ao desajuste na personalidade e na conduta social dos acusados se tal avaliação se funda nos registros de inquérito policial e ação penal em andamento, como é o caso dos autos, visto que tal juízo choca-se com o princípio da presunção de inocência. Nessa linha, a Súmula 444 do STJ: "É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base".
Sob outro prisma, no caso dos autos, tratando-se de apropriação indébita previdenciária, a consequência da conduta dos agentes é o dano expressivo causado à Previdência Social e, em última análise, à própria coletividade.
De fato, o artigo 194 da Constituição Federal prevê que "A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social", tendo por objetivos, entre outros, a universalidade da cobertura e do atendimento, bem como a seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços (art. 194, parágrafo único, I e II, CF). Todas essas previsões constitucionais são instrumentos para a realização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, especialmente a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a redução das desigualdades sociais e regionais; e a promoção do bem de todos (art. 3º, I, III, IV, CF).
Nessa medida, tendo os acusados deixado de recolher à Previdência Social o montante total de R$1.598.635,79 (um milhão, quinhentos e noventa e oito mil, seiscentos e trinta e cinco reais e setenta e nove centavos), em valores atualizados em 2007, resta evidente que as consequências deletérias do delito atingiram a coletividade e contribuíram para frustrar o integral cumprimento dos preceitos contidos nos artigos 3º e 194 da Constituição Federal.
Destarte, reduzo as penas-bases de ambos os acusados para 02 anos e 04 meses de reclusão e 11 dias-multa, considerando como desfavorável as consequências do delito.
A sentença merece também merece reparos no tocante ao patamar de majoração da pena relativa à continuidade delitiva (artigo 71 do Código Pena), uma vez que, em acórdão relatado pelo eminente Des. Fed. Nelton dos Santos, foi adotado o critério de aumento decorrente da continuidade delitiva segundo o número de parcelas não recolhidas, nos seguintes termos:
Sendo assim, como a continuidade delitiva se deu por período inferior a três anos (de 12/1997 a 13/1997, de 02/1998 a 13/1998, e de 01/1999 a 04/2000), reduzo o patamar de majoração para ¼ (um quarto), para cada réu.
Dessa forma, as penas cominadas aos acusados resultam definitivas em 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, além de 13 dias-multa, em regime inicial semiaberto, vedada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
Por fim, ressalto que as circunstâncias judiciais desfavoráveis obstam a substituição das reprimendas privativas de liberdade por restritivas de direitos, nos termos do artigo 44, incisos I e III, do Código Penal.
Em face dos fundamentos deduzidos, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, dou parcial provimento à apelação, para, mantendo a condenação dos acusados pelo crime previsto no artigo 168-A, § 1º, inciso I, c/c o art. 71, ambos do Código Penal, reduzir as penas bases, bem como o patamar de majoração pela continuidade delitiva para ¼ (um quarto), resultando definitivas as penas dos réus em 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, além de 13 dias-multa, em regime inicial semiaberto, vedada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
Considerando a recente decisão proferida pelo Plenário do E. Supremo Tribunal Federal no HC 126.292, determino a expedição de mandados de prisão em desfavor dos acusados, com validade até 26/09/2016 , nos termos da Resolução nº 137/2011 do CNJ.
É o voto.
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