Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 19/04/2016
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004143-69.2007.4.03.6110/SP
2007.61.10.004143-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : VERA LUCIA DA SILVA SANTOS
ADVOGADO : SP207609 ROBERTO FUNCHAL FILHO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELANTE : ZILDA ELENA LEONEL FERREIRA
ADVOGADO : SP039347 RICARDO LOPES DE OLIVEIRA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00041436920074036110 1 Vr SOROCABA/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. ESTELIONATO EM DETRIMENTO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. EX-SERVIDORAS DO INSS. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA REJEITADA. INOCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO RETROATIVA. DELITO DE CARÁTER PERMANENTE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO CONFIGURADO. CONDENAÇÕES MANTIDAS. DOSIMETRIA DA PENA. CIRCUNTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS NÃO OBSTAM A FIXAÇÃO DE REGIME INICIAL ABERTO PARA O CUMPRIMENTO DA PENA.
1. Rejeitada a preliminar de cerceamento de defesa aventada pela ré Zilda Elena, tendo em vista que, por mais de uma vez, lhe foi dada a oportunidade de relatar a sua versão sobre os fatos, sendo decretada a sua revelia tão somente em razão de reiterada e injustificada ausência em ato processual.
2. Não prospera a preliminar de ocorrência da prescrição retroativa em relação à conduta da acusada Vera Lúcia. O estelionato contra a Previdência Social, em que há percepção de parcelas sucessivas do benefício, consubstancia delito de caráter permanente, em que o momento consumativo se protrai no tempo e cujo cômputo do lapso prescricional tem início a contar da data em que cessar a permanência, ou seja, a partir do momento em que ocorrer o último pagamento do benefício fraudulento.
3. No caso, a participação da acusada Vera não se findou com a concessão do benefício, sendo ela também a responsável pelas sucessivas alterações e agendamentos de perícias inexistentes, de modo a configurar a permanência do ato delituoso por ela praticado. Assim, o termo a quo do prazo prescricional em relação à sua conduta delituosa é 30 de abril de 2004, data da cessação do benefício fraudulento, em observância ao disposto no artigo 111, III, do Código Penal. Dessa forma, considerando que a denúncia foi recebida em 13 de agosto de 2009, claro está que entre as referidas datas não decorreu o prazo prescricional de oito anos, aplicável ao caso (artigo 109, IV, do Código Penal)
4. Materialidade comprovada por diversos documentos que instruíram o procedimento administrativo do INSS e demais documentos constantes dos autos.
5. A coautoria delitiva restou comprovada nos autos. Vera Lúcia da Silva e Zilda Elena Leonel Ferreira requereram em nome de Iraci Silveira Cleto, sem o seu conhecimento e mediante fraude, o benefício de auxílio-doença junto ao INSS, na Agência da Previdência Social de Itapetininga/SP. Apurou-se que, no período em que o benefício foi pago, Iraci era servidora estatutária do Estado de São Paulo e, assim, não poderia receber auxílio-doença do INSS, sendo manifesta, pois, a irregularidade da concessão.
6. A acusada Zilda Elena Leonel Ferreira, servidora aposentada do INSS, foi cadastrada como procuradora de Iraci, sem o conhecimento desta, tendo admitido, perante a autoridade policial, que comparecia ao banco, mensalmente, para sacar o valor relativo ao pagamento do benefício em questão. Além disso, na qualidade de ex-servidora do INSS, Zilda tinha conhecimento de todos os trâmites que envolvem a concessão de um benefício, não podendo alegar que desconhecia a ilicitude de seu ato.
7. A corré Vera Lúcia da Silva foi a servidora responsável pelo processo de concessão fraudulenta, constando, ainda, o seu número de matrícula nos demais procedimentos necessários à manutenção do benefício. Ademais, a acusada relatou, em Juízo, que, na época dos fatos, exercia função de confiança, sendo responsável por todos os procedimentos relativos ao auxílio-doença na Agência do INSS de Itapetininga/SP. Desse modo, a acusada tinha pleno conhecimento da legislação previdenciária, restando evidente o dolo em sua conduta, consistente na intenção de receber as prestações do benefício em proveito próprio.
8. Por fim, a extensa folha de antecedentes da acusada Vera demonstra a existência de diversos inquéritos policiais e ações criminais contra ela, em relação à prática desse mesmo delito, tendo sido, inclusive, submetida a processo disciplinar, sendo-lhe aplicada a pena de demissão do serviço público, no ano de 2007.
9. Nos termos do artigo 68 do Código Penal, a pena base será fixada levando-se em conta a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e consequências do crime, bem como o comportamento da vítima (art. 59, CP).
10. As circunstâncias judiciais de caráter residual são aquelas que, envolvendo aspectos objetivos e subjetivos encontrados no processo, podem ser livremente apreciadas pelo magistrado, respeitados os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da finalidade da pena.
11. A pena-base da acusada Zilda Elena foi majorada em 1/3 (um terço), por se tratar de crime cometido em detrimento da Previdência Social, nos termos do §3º do artigo 171 do Código Penal, restando definitiva em 02 (dois) anos, 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e 32 (trinta e dois) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do valor do salário mínimo vigente à época do último fato delituoso.
12. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços a entidade assistencial, a ser designada pelo Juízo da Execução, pelo tempo de duração da pena privativa de liberdade, e na prestação pecuniária no valor de 05 (cinco) salários mínimos, a serem recolhidos em prol de entidade pública com destinação social, a ser designada pelo Juízo da Execução, podendo tal valor ser parcelado no transcorrer da execução.
13. No tocante à acusada Vera, a pena-base foi aumentada em um ano, em razão da agravante prevista no artigo 61, II, alínea "g", do Código Penal, sendo aplicada, ainda, a majoração de 1/3 (um terço), por se tratar de crime cometido em detrimento da Previdência Social, nos termos do §3º do artigo 171 do Código Penal, restando definitiva em 4 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagamento de 53 (cinquenta e três) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente à época do último fato, sendo vedada a substituição por penas restritivas de direitos.
14. Ainda, as rés foram condenadas, de forma solidária, a reparar o dano causado ao INSS pela infração, no valor de R$ 121.334,25 (cento e vinte e um mil, trezentos e trinta e quatro reais e vinte e cinco centavos), a ser devidamente atualizado até o efetivo pagamento, com fundamento no artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal.
15. Mantidas as penalidades impostas à Zilda Elena Leonel Ferreira, por restar cumprido o escopo da prevenção geral e específica, impondo-se a justa retribuição da pena derivada.
16. A existência de diversos inquéritos policiais e ações criminais em curso contra a acusada Vera, malgrado não possa configurar maus antecedentes, em razão de ausência de trânsito em julgado, revela personalidade delitiva e conduta social desfavorável da ré, de modo a autorizar a fixação da pena-base em patamar superior ao da acusada Zilda. Ademais, as circunstâncias judiciais desfavoráveis obstam a substituição da reprimenda privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos do artigo 44, inciso III, do Código Penal.
17. A sentença merece reparos no tocante ao regime inicial de cumprimento da pena fixado para a acusada Vera. Isso porque as circunstâncias judiciais desfavoráveis, por si só, não configuram razão suficiente para ensejar um regime mais gravoso da pena. Ressalte-se, ainda, que a acusada é pessoa idosa (65 anos - fl. 282), com endereço fixo e vida modesta, sendo, inclusive, representada pela Defensoria Pública da União nos presentes autos, de modo que o regime inicial aberto, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "c", se mostra mais compatível com as suas chances de recuperação.
18. Apelação de Zilda Elena Leonel Ferreira a que se nega provimento. Apelação de Vera Lúcia da Silva Santos a que se dá parcial provimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares arguidas pelas rés e, no mérito, por unanimidade, negar provimento à apelação de Zilda Elena Leonel Ferreira e, por maioria, dar parcial provimento à apelação de Vera Lúcia da Silva Santos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 12 de abril de 2016.
VALDECI DOS SANTOS


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 12/04/2016 19:09:32



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004143-69.2007.4.03.6110/SP
2007.61.10.004143-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : VERA LUCIA DA SILVA SANTOS
ADVOGADO : SP207609 ROBERTO FUNCHAL FILHO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELANTE : ZILDA ELENA LEONEL FERREIRA
ADVOGADO : SP039347 RICARDO LOPES DE OLIVEIRA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00041436920074036110 1 Vr SOROCABA/SP

VOTO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS:


Os recursos não prosperam.


Narra a peça acusatória que Vera Lúcia da Silva e Zilda Elena Leonel Ferreira requereram em nome de Iraci Silveira Cleto, sem o seu conhecimento e mediante fraude, o benefício de auxílio-doença junto ao INSS, na Agência da Previdência Social na cidade de Itapetininga, Estado de São Paulo.


O benefício foi requerido em 26/03/1999, sendo concedido na mesma data, com início de vigência retroativo a 18/11/1998 (fls. 170/173), sendo que Iraci Silveira Cleto só tomou conhecimento de que havia um benefício previdenciário concedido em seu favor, quando requereu uma certidão de tempo de serviço junto ao INSS (fls. 116/117 e 228).


Apurou-se que, no período em que o benefício foi pago, Iraci era servidora estatutária do Estado de São Paulo e, assim, não poderia receber auxílio-doença do INSS (fls. 228 e 291), sendo manifesta, pois, a irregularidade da concessão.


Vera foi a servidora pública responsável por tal concessão indevida, tendo sido demitida por fatos análogos aos aqui tratados, enquanto Zilda Elena, servidora aposentada do INSS, foi cadastrada como procuradora de Iraci, sem o conhecimento desta, tendo recebido referido benefício indevidamente em seu nome, sem sequer conhecer Iraci, como admitiu depois.


Portanto, Vera e Zilda atuaram em conjunto, com o fim de lesar os cofres da Previdência Social, obtendo vantagem indevida ao induzir e manter em erro o INSS, tendo causado à autarquia previdenciária prejuízo de R$ 121.334,25 (cento e vinte e um mil, trezentos e trinta e quatro reais e vinte e cinco centavos) - fl. 132.


Em razão de tais fatos as rés foram denunciadas como incursas nas penas do artigo 171, § 3º, c.c o art. 29, ambos do Código Penal.


Brevemente sintetizados os fatos, passo ao exame dos recursos das apelantes.


1. Das questões preliminares.


1.1. Da preliminar de cerceamento de defesa arguida pela acusada Zilda Elena Leonel Ferreira. Não prospera a alegação de nulidade da r. sentença, por cerceamento de defesa, pois, compulsando os autos, verifico que a ré Zilda Elena deixou de comparecer em duas audiências realizadas para a oitiva de testemunhas, perante o Juízo de direito de Itapetininga/SP, sendo apresentado por seu patrono, somente na primeira audiência, um atestado médico no sentido de que a ré "foi submetida a cirurgia encontrando-se impossibilitada" (fls. 523) de comparecer à audiência. Aliás, isso se presume, pois o atestado é inconclusivo e não se presta como prova.


Outrossim, deixou, ainda, de comparecer em audiência de interrogatório, realizada em 08/03/2012, na Subseção Judiciária de Sorocaba/SP, ocasião na qual foi alegado por seu patrono que a ausência decorria de tratamento médico, requerendo a designação de nova data para realização do ato. O MM. Juiz "a quo" deferiu o pedido e designou nova audiência, concedendo prazo de 10 (dez) dias para a defesa apresentar documento hábil a comprovar o motivo do não comparecimento de sua cliente.


Ato contínuo, a defesa juntou atestado médico (fls. 600/601), datado de 27/02/2012, no sentido de que a acusada Zilda "encontra-se em tratamento médico estando impossibilitada de viajar no momento" (fls. 600/601), sem especificar, no entanto, até quando iria perdurar tal estado.


Ocorre que, na segunda audiência de interrogatório, em 17/05/2012, a ré novamente deixou de comparecer, sendo apresentado por seu advogado apenas um exame de ressonância magnética de crânio, documento que, por si só e desprovido de relatório médico, não se presta para justificar a ausência, razão pela qual foi decretada a sua revelia, nos termos do artigo 367 do CPP.


Posteriormente, a defesa juntou diversos documentos médicos (fls. 621/633) que, embora demonstrem o estado de saúde debilitado da apelante, não comprovam a alegada impossibilidade física de comparecimento à audiência de interrogatório.

Ao que se deflui dos autos, as condutas perpetradas tinham por objetivo procrastinar a realização do referido ato judicial, em postura desrespeitosa, que o magistrado "a quo" deu cabo, acertadamente, com supedâneo na norma contida no artigo 367, do Código de Processo Penal, que autoriza o prosseguimento do feito sem a presença do acusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato deixar de comparecer sem motivo justificado, como no caso dos autos.


Dessa forma, não há que se falar em violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, uma vez que à apelante foi dada a oportunidade de relatar a sua versão sobre os fatos, por mais de uma vez, sendo decretada a sua revelia tão somente em razão de reiterada e injustificada ausência em audiência, inviabilizando a prática de ato processual.


1.2. Da preliminar de prescrição da pretensão punitiva estatal arguida pela acusada Vera Lúcia da Silva. No tocante à corré Vera Lúcia da Silva Santos, a defesa argúi, preliminarmente, a ocorrência de prescrição retroativa, sob o argumento de que o ato delituoso a ela atribuído se consumou em 26/03/1999, data em que o benefício foi concedido, de modo que entre esta data e a do recebimento da denúncia - 13/08/2009 - decorreu o prazo prescricional de oito anos (art. 109, IV, CP).


Alega, ainda, que a sua participação no delito se limitou à inserção de dados falsos no sistema de informação do INSS e na concessão, fraudulenta, do benefício de auxílio-doença, tratando-se, assim, de estelionato instantâneo, não havendo nos autos nenhuma prova de que teria se beneficiado permanentemente com o recebimento de valores oriundos do benefício irregular, fato este atribuído e provado tão somente quanto à corré Zilda.


Melhor sorte não lhe assiste. Não se ignora o entendimento da Suprema Corte, firmado no HC 86.467/RS, no sentido de que o servidor público, cuja participação no delito se limita à concessão do benefício de forma fraudulenta, comete crime instantâneo, fixando o termo inicial do lapso prescricional na data do recebimento da primeira parcela do benefício fraudulento. Nesse sentido:


"PRESCRIÇÃO - APOSENTADORIA - FRAUDE PERPETRADA - CRIME INSTANTÂNEO DE RESULTADOS PERMANENTES VERSUS CRIME PERMANENTE - DADOS FALSOS. O crime consubstanciado na concessão de aposentadoria a partir de dados falsos é instantâneo, não o transmudando em permanente o fato de terceiro haver sido beneficiado com a fraude de forma projetada no tempo. A óptica afasta a contagem do prazo prescricional a partir da cessação dos efeitos - artigo 111, inciso III, do Código Penal. Precedentes: Habeas Corpus nºs 75.053-2/SP, 79.744-0/SP e 84.998-9/RS e Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 83.446-9/RS, por mim relatados perante a Segunda Turma - os dois primeiros - e a Primeira Turma - os dois últimos -, cujos acórdãos foram publicados no Diário da Justiça de 30 de abril de 1998, 12 de abril de 2002, 16 de setembro de 2005 e 28 de novembro de 2003, respectivamente." (HC 86467/RS - Relator Ministro MARCO AURÉLIO; Julgamento:  23/04/2007;          Órgão Julgador:  Tribunal Pleno; DJe-042 DIVULG 21-06-2007 PUBLIC 22-06-2007).

Ocorre que o crime de estelionato simples, descrito no "caput" do artigo 171, do Código Penal, pela natureza intrínseca da elementar do tipo penal consistente em obter vantagem indevida induzindo ou mantendo alguém em erro traduz, em alguns casos, ser crime instantâneo, podendo, por vezes, configurar crime instantâneo de efeitos permanentes.


Com efeito, o delito de estelionato contra a Previdência Social, descrito na forma qualificada do § 3º daquele artigo, envolve a percepção de rendas mensais derivadas da concessão de benefício previdenciário instruído com documentos espúrios que mantêm em erro a autarquia previdenciária desde o início do deferimento do benefício requerido até o momento da constatação da fraude.


Não se trata de uma única conduta na qual o logro resta exaurido com a obtenção da primeira parcela do benefício previdenciário, mas de outras tantas - omissivas ou comissivas por omissão - praticadas com o intuito de, uma vez induzido, manter o INSS em erro, receber vantagem indevida em detrimento da autarquia previdenciária.


Destarte, o estelionato contra a Previdência Social, em que há percepção de parcelas sucessivas do benefício, consubstancia delito de caráter permanente, em que o momento consumativo se protrai no tempo e cujo cômputo do lapso prescricional tem início a contar da data em que cessar a permanência, ou seja, a partir do momento em que ocorrer o último pagamento do benefício fraudulento.


Nesse sentido, o entendimento desta E. Primeira Turma:


"PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL (ARTIGO 171, 3° DO CÓDIGO PENAL). TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. AUTORIA E DOLO NÃO COMPROVADO. IN DUBIO PRO REO.
1. Apelação interposta pela Acusação contra sentença que absolveu os réus da imputação de prática do crime tipificado no artigo 171,§ 3º, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, inciso III , do Código de Processo Penal.
2. No cálculo da prescrição, influem as circunstâncias agravantes e atenuantes, bem como as causas de aumento e de diminuição da pena.
3. Quanto à natureza do crime de estelionato contra a Previdência, é certo a matéria é ainda controvertida na jurisprudência. Assim, considerado que os tribunais superiores não firmaram entendimento pacífico sobre a matéria, acompanho o entendimento da Primeira Turma deste Tribunal, no sentido de que o delito é eventualmente permanente, e portanto o termo inicial da prescrição coincide com a cessação dos recebimentos.
4. Ainda que assim não se entenda, e se considere como termo a quo a datada do recebimento do primeiro beneficio previdenciário, não se operou a aventada prescrição.
5. Apenas em relação ao corréu OSMAR JOSÉ DOS SANTOS, tem-se a ocorrência do evento da prescrição, em razão de ter completado 70 anos antes da sentença condenatória, motivo pelo qual o prazo prescricional deve ser reduzido pela metade, consoante disposição do artigo 115 do Código Penal.
6. Inaplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes contra a Previdência Social, uma vez que o bem jurídico tutelado não é só o Estado diretamente, mas, sobretudo, o patrimônio de toda a sociedade e, mais especificamente, dos trabalhadores.
7. Materialidade devidamente demonstrada nos autos. O objeto material do delito de estelionato previdenciário é o benefício obtido indevidamente mediante fraude. No caso, houve a percepção do benefício do seguro-desemprego, em razão de notícia de demissão, consoante extrato do INSS e dos recibos assinados pelo segurado.
8. Autoria não evidenciada nos autos. Dolo não configurado. Não há documentos que comprovem o envolvimento dos corréus no delito. Os interrogatórios dos corréus e os depoimentos testemunhais não permitem chegar à conclusão inequívoca de que os acusados dolosamente simularam a demissão de OSMAR, fazendo com que este obtivesse o benefício do seguro-desemprego. Ausência de provas veementes da autoria e do dolo dos acusados. Os interrogatórios e depoimentos testemunhais não revelam inequivocamente o envolvimento dos apelados, mas, ao contrário, mostram-se inconsistentes, ora apontando a culpa para um, ora apontando-a para outro, o que torna a condenação duvidosa. Aplicação do princípio do in dubio pro reo.
9. Apelação desprovida. (g.n.)
(TRF 3ª Região - Primeira Turma - ACR nº 2001.03.99.055418-3/SP, Rel. Juíza Federal Convocada Silvia Rocha, DJe 08/09/2011)

Ademais, no caso em tela, restou evidenciado que a participação da acusada Vera não se findou com a concessão do benefício, sendo ela também a responsável pelas sucessivas alterações e agendamentos de perícias inexistentes, como se verifica às fls. 88/95, de modo a configurar a permanência do ato delituoso por ela praticado.


Assim, o termo a quo do prazo prescricional em relação à sua conduta delituosa é 30 de abril de 2004, data da cessação do benefício fraudulento, em observância ao disposto no artigo 111, III, do Código Penal.


Dessa forma, considerando que a denúncia foi recebida em 13 de agosto de 2009 (fl. 458), claro está que entre as referidas datas não decorreu o prazo prescricional de oito anos, aplicável ao caso (artigo 109, IV, do Código Penal), não havendo que se falar, portanto, em ocorrência da prescrição retroativa.


Assim sendo, rejeitadas as questões preliminares arguidas pelas partes, passo ao exame do mérito recursal.


2. Da materialidade delitiva. A materialidade delitiva restou demonstrada pelo procedimento administrativo do INSS (fls. 09/183 do Inquérito Policial), onde consta a informação de que o processo relativo à concessão do benefício de auxílio-doença (NB 31/112.742.242-9), em favor de Iraci Silveira Cleto, funcionária estatutária do Estado de São Paulo, "não possui requerimento do benefício, não consta perícia médica, não consta procuração e nem documentos interessado(sic)", bem como que "constam doze perícias médicas incluídas no sistema, porém, em consulta em nossos arquivos, nenhuma delas foi encontrada" (fl. 171), tendo sido auferida vantagem indevida no montante de R$ 121.334,25 (cento e vinte e um mil, trezentos e trinta e quatro reais e vinte e cinco centavos).


Ademais, restou demonstrado, no referido processo administrativo, que a senhora Iraci Silveira Cleto sequer tinha conhecimento da existência de benefício previdenciário em seu nome, tampouco chegou a receber qualquer valor em razão disso.


3. Da autoria. A autoria delitiva restou inconteste.


Em seu recurso de apelação, a acusada Zilda Leonel Ferreira alega que não concorreu para a prática do delito, bem como que não restou comprovado o seu envolvimento com a corré Vera Lúcia da Silva Santos. Sustenta, ainda, que desconhecia a ilicitude de seu ato e que, ao aceitar a função de procuradora de Iraci, pessoa que sequer conhecia, a pedido de uma mulher chamada Irene, tinha como único intuito prestar auxílio à beneficiária, num simples ato de bondade.


Todavia, os elementos colhidos dos autos comprovam que a acusada Zilda agiu em conluio com a corré Vera. Isso porque Zilda, antes de se aposentar, trabalhava na mesma agência do INSS em que Vera laborava. Além disso, na qualidade de ex-servidora do INSS, Zilda tinha conhecimento de todos os trâmites que envolvem a concessão de um benefício previdenciário, não podendo alegar que desconhecia a ilicitude de seu ato. Outrossim, a própria acusada admitiu, perante a autoridade policial, que comparecia ao banco, mensalmente, para sacar o valor relativo ao pagamento do benefício em questão (fl. 229 do Inquérito Policial).


Ressalte-se, ainda, que a versão urdida por Zilda, no sentido de que uma senhora, de nome Irene, lhe havia solicitado que atuasse como procuradora de Iraci, pessoa a qual não conhecia e que supostamente se encontrava enferma, a fim de protocolar requerimento de concessão de auxílio-doença, bem como que a referida senhora Irene a acompanhava ao banco todos os meses, para sacar o pagamento, sendo a responsável pela entrega dos valores sacados à beneficiária, além de inverossímil, não foi corroborada por nenhuma testemunha, tampouco atestada por meio de qualquer prova documental colacionada aos autos.


No tocante à apelada Vera Lúcia da Silva Santos, verifica-se que, na qualidade de servidora do INSS, foi a responsável pelo processo de concessão do benefício fraudulento, constando, ainda, o seu número de matrícula nos demais procedimentos necessários à manutenção do benefício de auxílio-doença (fls. 88/95 do Inquérito Policial).


Ademais, a acusada relatou, em Juízo, que, na época dos fatos, exercia função de confiança, sendo responsável por todos os procedimentos relativos ao auxílio-doença na Agência do INSS de Itapetininga/SP. Desse modo, a acusada tinha pleno conhecimento da legislação previdenciária, restando evidente o dolo em sua conduta, consistente na intenção de receber as prestações do benefício em proveito próprio, ao conceder o auxílio-doença a uma servidora pública estadual, sem o conhecimento desta, em inominável abuso de confiança.


Por fim, a extensa folha de antecedentes da acusada Vera (fls. 428/442 dos autos do Inquérito Policial) demonstra a existência de diversos inquéritos policiais e ações criminais contra ela, em relação à prática desse mesmo delito, tendo sido, inclusive, submetida a processo disciplinar, sendo-lhe aplicada a pena de demissão do serviço público, no ano de 2007 (fl. 419).


Dessa forma, restou inconteste o estelionato contra a Previdência Social perpetrado por ambas as acusadas, sendo evidente, ainda, o liame subjetivo entre as ações das corrés.


Em face do quanto asseverado, fica mantida a condenação imposta pelo magistrado de primeiro grau às apelantes.


4. Dosimetria da pena.


4.1. Da pena imposta à acusada Zilda Elena Leonel Ferreira. A pena-base aplicada à referida acusada foi fixada acima do mínimo legal, em 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão e 24 (vinte e quatro) dias-multa, em razão de ser ex-servidora do INSS - circunstância negativa, bem como do prejuízo relevante causado aos cofres da Previdência Social - consequência do delito, com espeque no artigo 59 do Código Penal.


A pena foi majorada em 1/3 (um terço), por se tratar de crime cometido em detrimento da Previdência Social, nos termos do §3º do artigo 171 do referido diploma legal, restando definitiva em 02 (dois) anos, 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e 32 (trinta e dois) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do valor do salário mínimo vigente à época do último fato delituoso.


A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços a entidade assistencial, a ser designada pelo Juízo da Execução, pelo tempo de duração da pena privativa de liberdade, e na prestação pecuniária no valor de 05 (cinco) salários mínimos, a serem recolhidos em prol de entidade pública com destinação social, a ser designada pelo Juízo da Execução, podendo tal valor ser parcelado no transcorrer da execução.


Por fim, a ré foi condenada, de forma solidária com a acusada Vera Lúcia da Silva Santos, a reparar o dano causado ao INSS pela infração, no valor de R$ 121.334,25 (cento e vinte e um mil, trezentos e trinta e quatro reais e vinte e cinco centavos), a ser devidamente atualizado até o efetivo pagamento, com fundamento no artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal.


Assim, cumprido o escopo da prevenção geral e específica, impôs-se a justa retribuição da pena derivada, devendo ser mantidas as penalidades impostas à Zilda Elena Leonel Ferreira.


4.2. Da pena imposta à acusada Vera Lúcia da Silva Santos. No tocante à acusada Vera, o MM. Juiz "a quo", com observância do artigo 59 do Código Penal, fixou a pena-base em 2 (dois) anos de reclusão e 40 (quarenta) dias-multa, por entender que a sua culpabilidade é intensa - inserir dados totalmente fictícios no sistema do INSS, bem como que a consequência do delito foi relevante aos cofres da Previdência.


Na segunda fase, reconheceu a presença da agravante prevista no artigo 61, II, alínea "g", do Código Penal, em razão da acusada ter se valido de sua condição de servidora pública, ocupante de cargo de confiança, para perpetrar a ação delituosa, em notória violação de dever inerente a cargo público, aumentando em um ano a pena imposta, alcançando o patamar de 3 (três) anos de reclusão.


Na terceira fase, foi aplicada a majoração de 1/3 (um terço), por se tratar de crime cometido em detrimento da Previdência Social, nos termos do § 3º do artigo 171, do Código Penal, restando definitiva em 4 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagamento de 53 (cinquenta e três) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente à época do último fato, sendo vedada a substituição por penas restritivas de direitos.


Outrossim, a ré foi condenada, de forma solidária com a acusada Zilda Elena Leonel Ferreira, a reparar o dano causado ao INSS pela infração, no valor de R$ 121.334,25 (cento e vinte e um mil, trezentos e trinta e quatro reais e vinte e cinco centavos), a ser devidamente atualizado até o efetivo pagamento, com fundamento no artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal.

A apelante alega a necessidade de redução da pena-base ao mínimo legal, sob o argumento de que inquéritos e ações criminais em curso não podem ser considerados em seu desfavor para majorar a pena-base, em conformidade com o teor da Súmula 444 do STJ, devendo ser aplicada, ainda, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos do artigo 44 do Código Penal.


Ora, de acordo com o artigo 68 do Código Penal, a pena base será fixada levando-se em conta a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e consequências do crime, bem como o comportamento da vítima (art. 59 do CP).


As circunstâncias judiciais de caráter residual são aquelas que, envolvendo aspectos objetivos e subjetivos encontrados no processo, podem ser livremente apreciadas pelo magistrado, respeitados os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da finalidade da pena.


No caso dos autos, há diversos inquéritos policiais e ações criminais em curso contra a acusada (fls. 428/442) que, malgrado não possam configurar maus antecedentes, em razão de ausência de trânsito em julgado, revelam personalidade delitiva e conduta social desfavorável por parte da ré.


Ademais, tratando-se de estelionato em detrimento da Previdência Social, a consequência da conduta das agentes é o dano expressivo causado, em última análise, à própria coletividade.


Nessa medida, tendo as acusadas recebido valores oriundos de benefício previdenciário fraudulento, no total de R$ 121.334,25 (cento e vinte e um mil, trezentos e trinta e quatro reais e vinte e cinco centavos), atualizados em 2006, resta evidente que as consequências do delito atingiram a coletividade e contribuíram para frustrar o integral cumprimento dos preceitos contidos nos artigos 3º e 194, da Constituição Federal.


Sendo assim, mantenho a pena privativa de liberdade da acusada Vera conforme fixada na sentença. Igualmente, mantenho a quantidade de dias-multa, bem como o valor da pena de multa imposta à acusada, por guardar proporção com a pena privativa de liberdade aplicada.


Todavia, a sentença merece reparos no tocante ao regime inicial de cumprimento da pena. Isso porque, muito embora existam circunstâncias judiciais desfavoráveis à ré, entendo que não configuram razão suficiente para ensejar um regime mais gravoso da pena. Ressalte-se, ainda, que a acusada é pessoa idosa (65 anos - fl. 282), com endereço fixo e vida modesta, sendo, inclusive, representada pela Defensoria Pública da União nos presentes autos, de modo que o regime inicial aberto, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "c", se mostra mais compatível com as suas chances de recuperação.


No mais, ressalto que as circunstâncias judiciais desfavoráveis obstam a substituição da reprimenda privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos do artigo 44, III, do Código Penal.


Em face dos fundamentos deduzidos, rejeito as matérias preliminares e, no mérito, nego provimento à apelação de Zilda Elena Leonel Ferreira e dou parcial provimento à apelação de Vera Lúcia da Silva Santos, para, mantendo a sua condenação pelo crime previsto no artigo 171, § 3º, c/c o artigo 29, ambos do Código Penal, fixar o regime inicial aberto para o cumprimento da pena cominada, mantendo-se, no mais, o teor da r. sentença.

É o voto.




VALDECI DOS SANTOS


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